Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0825/14
Data do Acordão:09/24/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TABELA
IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
HABITAÇÃO
Sumário:Porque o legislador não definiu o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, e porque resulta do art. 6.º do CIMI, subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral, uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17945
Nº do Documento:SA2201409240825
Data de Entrada:07/03/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 563/13.0BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………, Lda.” (adiante Recorrida), anulou as liquidações de Imposto de Selo (IS) que lhe foram efectuadas com referência ao ano de 2012 e a vários terrenos para construção de que é proprietária, com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, contrariamente ao que entendeu a Administração tributária (AT), os terrenos para construção, ainda que o seu valor patrimonial tributário (VPT) iguale ou exceda € 1.000.000,00, não se enquadravam na verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) na sua redacção inicial, que foi aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, uma vez que não têm afectação habitacional.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art. 6.º n.º 2 dessa mesma Lei;

b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);

c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art. 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);

d) O art. 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art. 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;

e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;

f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art. 38.º do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º desse código;

g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);

h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;

i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art. 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;

j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art. 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;

k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;

l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;

m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:

n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art. 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;

o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art. 40.º n.º 4 do CIMI;

p) Daqui ser forçoso concluir que a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;

q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art. 37.º do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;

r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,

s) O legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;

t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;

u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;

v) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos arts. 41.º, 45.º, 37.º e 38.º todos do CIMI, art. 9.º n.º 1 do CC e art. 11.º n.º 1 da LGT.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo Justiça» (Aqui como adiante, porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.).

1.3 A Impugnante não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, que enunciou a questão a decidir como sendo a da «interpretação da norma de incidência objectiva constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo TGIS (redacção da Lei n.º 55-A/2012, 29 de Outubro), por forma a saber se contempla os terrenos para construção», emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

1.5 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, por a questão a dirimir (enunciada no ponto seguinte) ter vindo a ser decidida reiterada e uniformemente por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que, no ano de 2012, no âmbito objectivo de incidência da verba 28. e 28.1. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não se incluíam os terrenos para construção, ainda que com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se para essa incidência releva, ou não, a afectação habitacional dos prédios.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé deu como provados os seguintes factos: «

1.
A…………, Lda. é proprietária do:
a) Prédio inscrito na matriz urbana de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1.158 - cfr. fls. 17 dos autos;
b) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.159 - cfr. fls. 19 dos autos;
c) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.166 - cfr. fls. 21 dos autos;
d) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.167 - cfr. fls. 23 dos autos;
e) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.170 - cfr. fls. 25 dos autos;
f) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.171 - cfr. fls. 27 dos autos;
g) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.173 - cfr. fls. 29 dos autos;
h) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.174 - cfr. fls. 31 dos autos;
i) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.175 - cfr. fls. 33 dos autos;
j) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.176 - cfr. fls. 35 dos autos;
k) Prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.177 - cfr. fls. 37 dos autos;

2.
A Caderneta Predial Urbana do respectivo prédio referido em cada uma das alíneas do ponto 1., que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:
“(…)
Descrição do Prédio
Tipo de Prédio: Terreno para construção
(…)
Dados de Avaliação
(…)
Tipo de coeficiente de localização: Habitação
Ca [Coeficiente de afectação]: 1,00
(…)”
- cfr. fls. 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 35 e 37 dos autos.

3.
Em 21 de Março de 2013 foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto de Selo (acto impugnado):
a) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.158, a liquidação n.º 2013.000293928, no valor de € 5.880,81 - cfr. fls. 39 dos autos;
b) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.159, a liquidação n.º 2013.000293931, no valor de € 6.029,28 - cfr. fls. 40 dos autos;
c) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.166, a liquidação n.º 2013.000293937, no valor de € 6.027,21 - cfr. fls. 41 dos autos;
d) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.167, a liquidação n.º 2013.000293940, no valor de € 4.291,13 - cfr. fls. 42 dos autos;
e) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.170, a liquidação n.º 2013.000293943, no valor de € 4.125,12 - cfr. fls. 43 dos autos;
f) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.171, a liquidação n.º 2013.000293946, no valor de € 4.125,12 - cfr. fls. 44 dos autos;
g) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.173, a liquidação n.º 2013.000293949, no valor de € 5.470,80 - cfr. fls. 45 dos autos;
h) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.174, a liquidação n.º 2013.000293952, no valor de € 4.125,12 - cfr. fls. 46 dos autos;
i) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.175, a liquidação n.º 2013.000293955, no valor de € 4.125,12 - cfr. fls. 47 dos autos;
j) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.176, a liquidação n.º 2013.000293958, no valor de € 3.676,55 - cfr. fls. 48 dos autos;
k) Relativamente ao prédio inscrito na matriz urbana de ........., concelho de Lisboa, sob o artigo 1.177, a liquidação n.º 2013.000293961, no valor de € 5.022,23 - cfr. fls. 49 dos autos».

*

2.2 DE DIREITO

2.1.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade de acto de liquidação de Imposto de Selo efectuado relativamente ao ano de 2012 e a terrenos para construção de que a Impugnante é proprietária, cuja anulação a Impugnante pediu com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, na sua óptica, os terrenos para construção não se enquadravam, nesse ano, na verba n.º 28 da TGIS.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, anulando aquela liquidação, com o fundamento de que o terreno para construção não integra necessariamente o conceito de afectação habitacional para efeitos de determinação do valor patrimonial e para sujeição à verba 28.1 da TGIS, na redacção aplicável. Para assim decidir considerou a sentença recorrida, após reproduzir os artigos cuja aplicação era directamente convocada no caso dos autos (verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditadas pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e art. 6.º desta mesma Lei) e conjugando-os com o disposto nos arts. 45.º, 37.º e 6.º do Código do IMI, que estando em causa um prédio urbano, um terreno para construção, com um valor patrimonial superior a um milhão de euros, poderia prima facie pensar-se que o mesmo integrava a verba 28 do referido diploma, não fora o facto de nesta verba acrescer ainda um requisito de aplicabilidade (28.1), qual seja o facto de se tratar de prédio com afectação habitacional e de nas normas transcritas, em lado algum, se referir que o conceito de afectação habitacional integra necessariamente o conceito de terreno para construção, acrescendo que o legislador, expressamente distinguiu as situações dos prédios urbanos habitacionais dos prédios urbanos terrenos para construção, estipulando para cada uma, normas próprias, sendo que o art. 45.º do CIMI, relativo à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não remete para o art. 41.º do mesmo Código, relativo ao “coeficiente de afectação”, louvando-se no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 765/09.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, alegando que se para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser desprezada, entendendo a AT que o conceito de prédios com afectação habitacional para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI, sendo que ainda antes da efectiva edificação do prédio é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal; daí que entenda ser de concluir que, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.
Assim, a questão a dirimir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da verba n.º 28 da TGIS (no regime transitório que lhe foi definido para o ano de 2012 pelo art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), ao julgar que os terrenos para construção não são subsumíveis no conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, conceito este que é utilizado no corpo e n.º 1 da nova verba n.º 28 da TGIS para definir a incidência objectiva do (novo) imposto sobre a propriedade criado pela Lei n.º 55-A/2012.

2.2.2 DA INCIDÊNCIA OBJECTIVA PREVISTA NA VERBA 28.1 DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO (NA REDACÇÃO DA LEI N.º 55-A/2012)

A questão foi já decidida por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no dia 9 de Abril 2014, nos processos n.ºs 1870/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f6fd29ac6d6ebaf380257cc30030891a?OpenDocument.) e 48/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e28073928824e5080257cc3003a0cbd?OpenDocument.), e, desde então, reiterada e uniformemente em numerosos acórdãos, podendo considerar-se firmada jurisprudência no sentido de que os terrenos para construção não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente e atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão de 9 de Abril de 2104, proferido no processo n.º 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro».
A sentença recorrida, que assim decidiu, nenhuma censura merece.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do referido acórdão de 9 de Abril de 2014:

Porque o legislador não definiu o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, e porque resulta do art. 6.º do CIMI, subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral, uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.

* * *
3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Setembro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.