Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0674/11
Data do Acordão:01/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NOTIFICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
FORMALIDADE
Sumário:I - A AT pode determinar a notificação de uma liquidação adicional de IRS por contacto pessoal pelo funcionário (art. 38.º, n.º 5, do CPPT), a qual deve efectuar-se com as formalidades previstas no CPC, sendo dispensável o contacto pessoal se estiverem verificadas as condições do art. 240.º deste Código, ou seja, se o notificando não for encontrado nem pessoa que possa receber a notificação.
II - Por razões de segurança, a lei faz depender a validade dessa notificação do cumprimento de diversas formalidades: o funcionário deverá deixar indicação da hora certa para realizar a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao notificando, ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado; no dia designado, não encontrando de novo nem o notificando nem pessoa que receba a notificação, o funcionário afixará no local mais adequado a respectiva nota, na presença de duas testemunhas; depois, será remetida ao notificando carta registada nos dois dias úteis seguintes.
III - Observadas que sejam as referidas formalidades, a notificação tem-se por efectuada na data da afixação da nota a que se refere o art. 240.º, n.º 3, do CPC.
IV - Resultando da certidão lavrada pelo funcionário encarregado da notificação que, na hora marcada para realizar a diligência, este, não encontrando o notificando, não se assegurou da impossibilidade de proceder à notificação em terceira pessoa, nem assegurou a presença de duas testemunhas na subsequente afixação da nota de notificação, é de concluir que não foi cumprido todo o formalismo que a lei prevê para esse efeito, o que determina a invalidade da notificação e a sua insusceptibilidade de produzir efeitos relativamente ao notificando.
Nº Convencional:JSTA000P13736
Nº do Documento:SA2201201310674
Data de Entrada:07/07/2011
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), considerando que A……… (adiante Impugnante ou Recorrente) omitiu na declaração de rendimentos relativamente ao ano de 2000 as mais valias obtidas com a venda de dois lotes de terreno, procedeu à correcção da matéria tributável declarada e à consequente liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios.

1.2 A Contribuinte impugnou judicialmente esse acto, cuja anulação pediu com fundamento em caducidade do direito à liquidação e em inexistência do facto tributário. Alegou, em resumo, o seguinte:
· só teve conhecimento do acto impugnado em 14 de Abril de 2005, bem para além do termo do prazo da caducidade do direito à liquidação, sendo que, contrariamente ao que consta da certidão com base na qual a AT deu como efectuada a notificação da liquidação em 27 de Dezembro de 2002, através da modalidade de notificação com hora certa, é falso que previamente tenha sido afixado na porta da sua residência qualquer documento ou aviso marcando hora certa para a notificação, bem como é falso que nesse dia aí tenha sido afixada a nota respeitante à notificação;
· os lotes de terreno vendidos integravam um lote de terreno que a Impugnante e o falecido marido receberam por permuta, que lhes foi imposta por deliberação de 26 de Outubro de 1982 da Câmara Municipal de Almeirim, com outro que adquiriram em 1950 já com a qualidade de terreno para construção e, por isso, as mais valias resultantes da venda não estão sujeitas a tributação, como a AT reconhecera já no âmbito de informação prévia vinculativa.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou verificada a excepção da caducidade do direito de impugnar e absolveu a Fazenda Pública da instância.

1.4 A Impugnante não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
a) - A douta sentença de que se recorre incorreu em errónea interpretação do artº 240º, nºs 1, 2 e 3 do Código do Processo Civil na redacção ao tempo em vigor.
b) - Interpretação essa que derivou em erro na aplicação do Direito, ao considerar válida e eficaz a notificação pessoal na modalidade com hora certa, porquanto não foi cumprido o requisito legal da notificação que estabelece a presença de duas testemunhas à afixação, no local mais adequado da nota de citação.
c) - Tendo a funcionária da administração fiscal procedido de imediato à afixação da nota de marcação de hora certa, na porta do domicílio da notificanda, sem ter averiguado da possibilidade de obtenção de colaboração de terceiros, ao arrepio dos nºs 2 e 3 do artº 240º CPC.
d) - E padece ainda de errada interpretação na medida em que valorou a certidão de notificação com hora certa, como documento autêntico inabalável pela prova testemunhal produzida, quando esse documento se encontra ferido de nulidade ab initio
e) - Deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se a notificação com hora certa da ora recorrente alegadamente efectuada em 2004.12.27, nula e de nenhum efeito, revogando-se em consequência, a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a tempestividade da impugnação judicial» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.).

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«Mostra-se interposto recurso da decisão proferida em processo de impugnação, no qual se julgou válida a liquidação efectuada de I.R.S. de 2000, com base em notificação com hora certa, efectuada a 27-12-2004, em data que tinha sido previamente anunciada, por afixação de edital.
Em acórdão do T.C.A. Sul de 2-10-07 proferido no proc. 01834/07, de cujos pontos VI e VII do respectivo sumário, conforme constam em www.dgsi.pt, se transcrevem, já se decidiu no seguinte sentido:
“VI) - Após a alteração do artigo 240º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março, para tal citação atingir a sua perfeição, é ainda exigível a presença de duas testemunhas no acto da segunda tentativa de notificação a que se refere o nº 3 do mesmo artigo. VII) - Resultando dos autos que a tentativa de notificação foi efectuada apenas por um funcionário, sem a presença de qualquer testemunha, não foi cumprido todo o formalismo que a lei prevê para esse efeito, inexistindo, assim, a comprovação da impossibilidade de através de outras pessoas, transmitir ao citando tal marcação de hora certa, como se exige naquela norma do artº 240º n.º 1 e de que a liquidação foi notificada ao contribuinte dentro dos quatro anos civis seguintes àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.”
A forma de notificação directamente prevista para a liquidação de I.R.S. a da carta registada com aviso de recepção, nos termos do art. 38.º n.º 1 do C.P.P.T..
A dita forma de notificação de notificação pessoal com hora certa que foi utilizada, numa opção que era possível utilizar, nos termos que resultam do art. 38º n.ºs 5 e 6 do C.P.P.T., deveria ter correspondido a um escrupuloso cumprimento dos formalismos previstos nas ditas disposições do C.P.C., subsidiariamente aplicável, o que parece não ter acontecido.
O acórdão do S.T.A. de 7/12/04, proferido no proc. 0128/09, e que se cita como jurisprudência no ac. recorrido não é, salvo o devido respeito, referente à matéria controvertida.
Parece que as peças referentes à dita forma de notificação apenas são de considerar em termos probatórios, nos termos do art. 115º nº 1 do C.P.P.T., sem que nenhuma especial fé em juízo resulte do auto que naquela data de 27/12/2004 foi lavrado.
Com efeito, prevendo-se no art. 240.º n.º 1 do C.P.C. a possibilidade da notificação ser obtida mediante a colaboração de terceiros, nada a propósito ficou a constar – cfr., assim, parte final de fls. 23.
Por outro lado, a 30-12-2004 foi remetido o of. 5075, por carta registada a que alude o art. 241.º do C.P.C.. Contudo, parece que apenas a 31-12-2004 – fls. 27 – e não a 21/12/04, como por manifesto lapso ficou a constar da matéria de facto, foi deixado aviso.
Parecendo ser de admitir a possibilidade da correspondência a que se referia o dito aviso, ser ainda levantada nos ditos seguintes à referida data em que aquele foi deixado, é de admitir que apenas já em 2005 se tenha consumado a notificação e ocorrido o efectivo conhecimento da liquidação.
Ora, de tudo resultando que o seu efectivo conhecimento não ocorreu até 31-12-2004, quer parecer que o recurso é de proceder, mais sendo de julgar no sentido de se encontra extinta, por caducidade, a obrigação emergente da dita liquidação de I.R.S.».

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando julgou verificada a caducidade do direito de acção, o que passa por indagar se pode considerar-se validamente efectuada a notificação da liquidação impugnada e em que data.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Atenta a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão
A) Em 08/12/2004, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRS nº 2004 5004335571, respeitante a rendimentos do ano de 2000, na qual foi apurado o valor a pagar de 38.845,52€, de fls. 24, que se dá por integralmente reproduzida.
B) No dia 23/12/2004, foi emitida a “Nota de Notificação Marcação Hora Certa” de fls. 65 do p.a., que se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual a funcionária B……… se deslocou, pelas 11,30 horas, à residência da impugnante e, na ausência de qualquer pessoa da casa ou vizinho, deixou o aviso de que se deslocaria novamente no dia 27/12/2004, pelas 10.30 horas.
C) Em 27 de Dezembro de 2004, a funcionária do Serviço de Finanças de Almeirim subscreveu a Nota de Notificação com hora certa de fls. 23, que também se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual, às 10.30 horas do mencionado dia, a mencionada Nota foi fixada na porta da residência da impugnante.
D) Foi remetida carta registada à impugnante para, a coberto do ofício n.º 5075, datado de 30/12/2004, lhe dar conhecimento da notificação com hora certa efectuada em 27/12/2004 – fls. 25 a 26.
E) A carta referida na alínea antecedente foi devolvida ao remetente, por não ter sido reclamada, não obstante o aviso para esse efeito, deixado em 31/12/2004 [(() Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: na sentença escreveu-se 21.12.2004 onde se queria escrever 31.12.2004, como resulta inequivocamente dos factos registados nas alíneas anteriores e do documento para que se remete.)], às 9.43 horas – fls. 27.
F) Através do requerimento de fls. 33, que também se dá aqui por reproduzido, a impugnante requereu ao serviço de finanças informação sobre se fora emitida alguma liquidação de IRS referente ao ano de 2000.
G) A coberto do ofício datado de 14/04/2005, de fls. 20 a 21, que também se dá por reproduzido, a impugnante foi informada, entre o mais, de que fora emitida a liquidação já supra identificada.
H) Os vizinhos da impugnante não viram qualquer documento aposto na porta de casa daquela, nem comentaram a existência dos mesmos no referido local – facto referido pelas testemunhas C……… e D……….
I) Em finais do ano de 2004, a impugnante foi vítima de um AVC, em virtude do qual necessitou de internamento médico e, após o regresso a sua casa em 30/11/2004, passou a ser assistida pela testemunha E………, enviada pela Santa Casa de Misericórdia, para fazer a higiene pessoal da impugnante e de sua casa e lhe dar as refeições, o que fazia entre as 8 ou 9 horas da manhã, até às depois das 10 horas, entre 12 e as 13 horas e após as 17 horas, depois de a levar a casa após os tratamentos de fisioterapia – facto referido pela indicada testemunha.
J) Não obstante o seu estado de saúde e debilidade física, a impugnante aparentava ter plena capacidade de compreensão e expressava-se com facilidade – facto referido pelas testemunhas E……… e C……….
K) A impugnante não comentou com as testemunhas E……… e C………. o recebimento de qualquer aviso para notificação – facto referido pelas indicadas testemunhas.
L) A presente impugnação foi apresentada em 31/05/2005, conforme carimbo aposto a fls. 3, que se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados:

Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.


*

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes».

2.1.2 A nota de notificação que foi dada como reproduzida na alínea C) supra é do seguinte teor:

« NOTA DE NOTIFICAÇÃO

Conforme Aviso de Notificação com Hora Certa deixado em 23/12/2004, afixado na Residência/sede do(a) notificando(a) Sr(a) A………, sita em Rua ……… n.º ……… Almeirim, hoje procurei-o(a) na morada indicada a fim de levar a efeito a notificação, a qual se junta à presente Nota.
Não o tendo encontrado, afixei na porta do domicílio/sede do(a) notificando a presente Nota de Notificação, dando conhecimento de que a Notificação em apreço tem-se efectuada na presente data, estando o objecto do acto que esteve na sua origem na notificação em anexo.
Lavrada em duplicado, tendo o original sido afixado na porta da morada supra, às 10.30 horas do dia 27 de Dezembro de 2004, ficando o duplicado e documentos anexos à disposição no supra citado Serviço de Finanças.
(Identificação de terceiro capaz de transmitir ao citando a presente nota de citação:
BI___________Data de emissão:__/__/____Arquivo de: __________________________________
Nome: _________________________________________________________________________
Nº de Identificação fiscal ____________________)
O Funcionário:
[segue-se assinatura]
Cat. TAT nível 1»

(cfr. fls. 23, sendo que, para distinguir a parte impressa da parte manuscrita, utilizamos o itálico nesta última).

*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou verificada a excepção da caducidade do direito de impugnar e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância. Para tanto, em resumo, considerou que:
· a ora Recorrente foi notificada da liquidação em 27 de Dezembro de 2004, data em que foi afixada na porta da residência a nota respeitante à notificação, após previamente também aí ter sido afixada a nota com indicação de hora certa para a realização da diligência;
· o prazo de 30 dias para pagamento voluntário daquela liquidação teve início em 28 de Dezembro de 2004, motivo por que o seu termo ocorreu em 27 de Janeiro de 2005;
· assim, em 31 de Maio de 2005, data em que a petição inicial deu entrada em juízo, já estava precludido o prazo para impugnar, que o art. 102.º do CPPT fixa em 90 dias após o termo do prazo para o pagamento.

A Impugnante não se conformou com a decisão e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, argumentando, em síntese, que a factualidade dada como assente não permite estabelecer que foi notificada da liquidação em 27 de Dezembro de 2004. Isto, porque sempre sustentou que naquela data não foi afixado na sua porta documento algum, designadamente a nota lavrada pela Funcionária (com cópia a fls. 23 e transcrita em 2.1.2), sendo que, como consta desse documento, não foram efectuadas quaisquer diligências no sentido de obter a colaboração de terceiro – pessoa «capaz e em melhores condições» de transmitir a notificação à notificanda –, bem como, na eventual impossibilidade de obter a colaboração de terceiro, não fez presenciar a afixação da nota de notificação de duas testemunhas, como o impunha, respectivamente, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 240.º do CPC, o que tudo determina a nulidade da notificação nos termos do disposto no art. 198.º, n.º 1, do CPC.
Cumpre, pois, averiguar se essa notificação pode considerar-se validamente efectuada e em que data, sabido que é que o prazo para deduzir impugnação judicial se conta do termo do prazo para o pagamento voluntário (cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT ( Diz o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT:
«1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
[…]».)) e que este, por sua vez, a menos que se encontre regulado expressamente pelas leis tributárias, é de 30 dias (cfr. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT (() Diz o art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT:
«1. Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
2. Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para o pagamento efectuada pelos serviços competentes.
[…]».)). No caso sub judice, porque estamos perante uma liquidação adicional de IRS, o prazo de pagamento voluntário é de 30 dias a contar da respectiva notificação, nos termos do disposto nos art. 104.º do Código daquele imposto, motivo por que o prazo de impugnação judicial se conta «[a] partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», de acordo com o art. 140.º, n.º 4, alínea a), do mesmo Código ( Bem andou, pois, a sentença recorrida ao considerar que o prazo de pagamento voluntário se fazia da data na notificação e não da data indicada – a título meramente indicativo – na nota de liquidação.).

2.2.2 DA VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO

Nos termos do n.º 1 do art. 36.º do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário, sendo que às notificações pessoais se aplicam as regras sobre a citação pessoal (art. 38.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT). Note-se, no entanto, que, contrariamente ao que sucede no CPC, em que se prevê que a citação mediante contacto pessoal com o citando só deve ocorrer se se frustrar a via postal (cfr. n.ºs 1 e 8 do art. 239.º do CPC), o CPPT não contém tal exigência, apenas prevendo, para as notificações, que a entidade competente que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda à notificação pessoal, quando o entender necessário (art. 38.º, n.º 5, do CPPT) (A opção pela notificação pessoal depende exclusivamente da opção da entidade que dirigir o procedimento tributário, constituindo manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado, como foi salientado no acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 305/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba937ea25ee4545780257918004c9f71?OpenDocument.).
No caso de ser emitido mandado com vista à notificação através de contacto pessoal com o contribuinte, a diligência poderá ser efectuada em qualquer lugar onde aquele seja encontrado, designadamente na sua residência ou local de trabalho (art. 232.º, n.º 1, do CPC).
Não sendo possível proceder à sua notificação por não o encontrar, deverá o funcionário deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que esteja em melhores condições de a transmitir ao notificando, ou, quando tal for impossível, afixar o respectivo aviso no local mais indicado (art. 240.º, n.º 1, do CPC ( Diz o art. 240.º, n.º 1, do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março:
«No caso referido no artigo anterior, se o solicitador de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia, proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado».)).
No dia e hora designados, o funcionário procede à notificação na pessoa do notificando, se o encontrar, ou, não o encontrando, na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir, ou ainda, não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a notificação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de notificação, com indicação dos elementos referidos no art. 235.º do CPC, e declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do notificando na secretaria; nestes casos, será ainda enviada carta registada ao notificando, no prazo de dois dias úteis (Com interesse para o caso de incumprimento desse prazo, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 305/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba937ea25ee4545780257918004c9f71?OpenDocument.), comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para oferecimento de defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a notificação foi realizada (arts. 240.º, n.ºs 2 e 3 (Diz o art. 240.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março:
«2 - No dia e hora designados, o solicitador ou o funcionário fará a citação na pessoa do citando, se o encontrar; não o encontrando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o solicitador ou o funcionário de transmitir o acto ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação; pode, neste caso, a citação ser feita nos termos do n.º 6 do artigo 239.º.
3 - Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.».), e 241.º ( Diz o art. 241.º do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março:
«Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artigos 236.º, n.º 2, e 240.º, n.º 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240.º, n.º 3, será ainda enviada, pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada».) do CPC, na redacção aplicável, que é a do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março).
Observadas que sejam as referidas formalidades, de que a lei, por manifestas razões de segurança, fez depender a validade dessa notificação, esta tem-se por efectuada na data da afixação da nota a que se refere o art. 240.º, n.º 3, do CPC (No sentido de que a citação se tem por efectuada nessa data, e não na do envio ou da recepção da carta a que alude o art. 241.º do CPC, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Novembro de 2007, proferido no processo com o n.º 648/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1627 a 1631, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6bacad48e48f2a128025739300547f91?OpenDocument.).
A notificação assim efectuada considera-se pessoal (cfr. art. 240.º, n.º 5, do CPC, na referida redacção ( Diz o art. 240.º, n.º 5, do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março:
«Considera-se pessoal a citação efectuada nos termos dos n.ºs 2 ou 3 deste artigo».)).
Vejamos se no caso sub judice foram cumpridas as formalidades legais exigidas na notificação à ora Recorrente da liquidação impugnada.
Como resulta da nota lavrada pelo Funcionário, nela não se dá conta da impossibilidade de ter obtido a colaboração de terceiro para transmitir a notificação à notificanda, bem como, na eventual impossibilidade de obter essa colaboração, também não se dá conta de que se tenha feito presenciar a afixação da nota de notificação por duas testemunhas ( Que que sempre aí haveriam de ser identificadas.), tudo como o impunha, respectivamente, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 240.º do CPC, o que determina a nulidade da notificação nos termos do disposto no art. 198.º, n.º 1, do CPC.
A notificação em causa, porque foi efectuada em desrespeito das supracitadas normas, não pode produzir efeitos em relação à ora impugnante, nos termos do n.º 1 do art. 36.º do CPPT ( No sentido de que o incumprimento das formalidades da notificação acarreta a sua invalidade, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Novembro de 2009, proferido no processo com o n.º 676/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1691 a 1694, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38c65442373916248025766a005a5413?OpenDocument.).
A sentença recorrida, que assim não o considerou, deve ser revogada, como decidiremos a final.

2.2.3 DA IMPOSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO

Revogada essa decisão, cumpre agora verificar da possibilidade de conhecer em substituição, nos termos do art. 715.º, n.º 2, do CPPT, norma que é aplicável ao recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal Administrativo por força do disposto nos artigos 749.º e 762.º, n.º 1 e do preceituado no art. 726.º, todos do CPC, desde que não esteja em causa matéria de facto, já que, nesse caso, será de dar cumprimento ao disposto nos arts. 729.º e 730.º do CPC.
Poderia eventualmente sustentar-se que deveríamos conhecer, pelo menos, da invocada caducidade do direito à liquidação, com o fundamento de que a matéria de facto relevante se encontra já estabelecida. Já quanto à outra questão suscitada pela Impugnante – a do erro por violação de lei – é manifesto não se ter apurado e fixado factualidade alguma.
Mesmo relativamente àquela primeira questão, entendemos que na sentença recorrida não foi fixada a matéria de facto pertinente à apreciação da mesma, o que bem se compreende em face do julgamento efectuado em 1.ª instância, que foi no sentido da absolvição da Fazenda Pública da instância por se ter considerado verificada a excepção da caducidade do direito de impugnar.
Na verdade, pese embora a factualidade que vem dada como assente nos ter permitido ajuizar que a ora Recorrente, contrariamente ao que considerou a sentença para suportar o julgamento de que estava caducado do direito de impugnar, não pode ter-se por validamente notificada da liquidação impugnada em 27 de Dezembro de 2004, para um seguro e prudente julgamento da questão da caducidade do direito à liquidação impõe-se ainda determinar em que momento pode considerar-se a ora Recorrente notificada do acto impugnado, bem como se porventura ocorreram causas de interrupção ou de suspensão do respectivo prazo (cfr. arts. 45.º e 46.º da LGT).
Há, pois, atento o disposto nos arts. 729.º e 730.º do CPC, que ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem os autos, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A AT pode determinar a notificação de uma liquidação adicional de IRS por contacto pessoal pelo funcionário (art. 38.º, n.º 5, do CPPT), a qual deve efectuar-se com as formalidades previstas no CPC, sendo dispensável o contacto pessoal se estiverem verificadas as condições do art. 240.º deste Código, ou seja, se o notificando não for encontrado nem pessoa que possa receber a notificação.
II - Por razões de segurança, a lei faz depender a validade dessa notificação do cumprimento de diversas formalidades: o funcionário deverá deixar indicação da hora certa para realizar a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao notificando, ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado; no dia designado, não encontrando de novo nem o notificando nem pessoa que receba a notificação, o funcionário afixará no local mais adequado a respectiva nota, na presença de duas testemunhas; depois, será remetida ao notificando carta registada nos dois dias úteis seguintes.
III - Observadas que sejam as referidas formalidades, a notificação tem-se por efectuada na data da afixação da nota a que se refere o art. 240.º, n.º 3, do CPC.
IV - Resultando da certidão lavrada pelo funcionário encarregado da notificação que, na hora marcada para realizar a diligência, este, não encontrando o notificando, não se assegurou da impossibilidade de proceder à notificação em terceira pessoa, nem assegurou a presença de duas testemunhas na subsequente afixação da nota de notificação, é de concluir que não foi cumprido todo o formalismo que a lei prevê para esse efeito, o que determina a invalidade da notificação e a sua insusceptibilidade de produzir efeitos relativamente ao notificando.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à primeira instância, a fim de aí prosseguirem os ulteriores termos processuais.

Sem custas, uma vez que o recurso foi provido e a Fazenda Pública não contra alegou.


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Lisboa, 31 de Janeiro de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.