Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0391/15
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
Sumário:I - Os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do art. 105.º, n.º 2, conjugado com o art. 625.º, ambos do CPC.
II - Assim, a contradição entre duas decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas no âmbito do mesmo processo sobre a questão da competência do tribunal em razão do território para o conhecimento desse processo resolve-se ope legis pela prevalência da primeira decisão.
Nº Convencional:JSTA000P18979
Nº do Documento:SA2201505060391
Data de Entrada:03/31/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:TAF DO PORTO E TAF DE PENAFIEL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Conflito negativo de competência em razão do território no processo de impugnação judicial com o n.º 2703/13.BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo veio requerer a este Tribunal a resolução do conflito negativo de competência, em razão do território, entre o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para decidir a oposição que A………………… (a seguir Oponente) deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado, reverteu contra ele por ter sido considerado responsável subsidiário pela mesma.
Alega, em síntese, que ambos os Tribunais se declaram incompetentes em razão do território para conhecer da referida oposição, atribuindo-se reciprocamente essa competência, tendo as respectivas decisões transitado em julgado, motivo por que se impõe dirimir o conflito negativo de competência.

1.2 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi ordenada a notificação do Oponente e da Fazenda Pública para, querendo, se pronunciarem e ambos se mantiveram silentes.

1.3 Dispensaram-se os vistos dos Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão.

1.4 Cumpre apreciar e decidir em conferência, tendo em conta que a alínea g) do n.º 1 do art. 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) atribui à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a competência para conhecer “Dos conflitos de competência entre tribunais tributários”, regra esta que, sendo especial, afasta a aplicação da regra geral hoje contida no n.º 2 do art. 110.º (anterior art. 116.º) do Código de Processo Civil (CPC), nos termos da qual “Os conflitos de competência são solucionados pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em conflito”.

1.5 A questão a dirimir é a da competência em razão do território para conhecer da oposição à execução fiscal.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão, há que ter presente o seguinte circunstancialismo processual:

a) A…………. deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto oposição à execução fiscal que, instaurada no Serviço de Finanças da Maia contra a sociedade denominada “B……….., Lda.” para cobrança de uma dívida proveniente de IVA, reverteu contra ele, por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal responsável subsidiário pela dívida exequenda (cfr. requerimento inicial e as certidões das decisões judiciais consideradas em conflito);

b) Por decisão datada de 23 de Maio de 2014, transitada em julgado, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou-se territorialmente incompetente para apreciar e decidir esse processo de oposição, ordenando a sua remessa ao Tribunal Tributário de Penafiel por o ter considerado competente, em razão do território, à luz do disposto no art. 151.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e do disposto no mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, por ser o tribunal com jurisdição na área da residência do Oponente (cfr. certidão de fls. 4 a 6);

c) Remetido que foi o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, veio este, por decisão datada de 16 de Dezembro de 2014, transitada em julgado, a julgar-se igualmente incompetente em razão do território para o apreciar e decidir, no entendimento de que, face disposto no art. 151.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e do disposto no mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, o tribunal competente é o da área da sede da sociedade originária devedora – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – para o qual determinou a remessa dos autos.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DO CONFLITO NEGATIVO DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

Idênticos conflitos de competência em razão do território têm vindo a ser apreciados e decididos recentemente nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em termos que merecem a nossa total concordância (Referimo-nos aos seguintes acórdãos:
- de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 1390/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/121359684653338d80257bf9004dc10c?OpenDocument;
- de 2 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 1391/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dfd6ac364534917080257c050033dfbb?OpenDocument;
- de 30 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 1536/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8dbab3f0c84744e880257c2b004e4120?OpenDocument.). Por isso, passamos a citar a fundamentação expendida no primeiro dos referidos arestos, permitindo-nos apenas introduzir as alterações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice. Passamos a citar:

«Dispõe o artigo 109.º do Código de Processo Civil (ex-art. 115.º) sob a epígrafe conflito de jurisdição e conflito de competência, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT (cfr. também o n.º 1 do artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA) que:

1. Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.
2. Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
3. Não há conflito enquanto forem susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência.

No caso dos autos, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel atribuíram-se reciprocamente a competência, em razão do território, para conhecer da presente acção, declinando a própria, sendo que ambas as decisões foram notificadas às partes e ao Ministério Público e transitaram em julgado, uma vez que nenhuma das partes ou o Ministério Público interpôs recurso de qualquer delas, no prazo legal para o efeito.
Estamos, pois, perante duas decisões contraditórias sobre competência territorial, proferidas no mesmo processo, por dois tribunais da mesma ordem jurisdicional e da mesma categoria, já transitadas em julgado, o que configura um conflito negativo de competência, mais precisamente de competência em razão do território, para conhecer da presente acção, conflito este que urge resolver, sob pena de denegação de justiça.
Ora, como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo e também o Supremo Tribunal de Justiça (Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 23.11.2005, rec. n.º 1025/2005, de 30.11.2005, rec. n.º 895/2005 e n.º 974/2005, de 26.04.2012, rec. n.º 360/12, de 15.05.2012, rec. n.º 459/12, de 24.05.2012, rec. n.º 498/12, de 12.06.2012, rec. n.º 552/12, de 10.07.2012, rec. n.º 682/12 e de 29.05.2013, rec. n.º 786/13 e os Acórdãos do STJ de 02.07.1992, BMJ 419, p. 626, de 02.02.2000, P. 99S246, de 29.01.04, P.03B3747, de 17.02.2005, P. 253/05 e de 16.11.2005, Conflito nº2339/05.), os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do artigo 111.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o artigo 675.º do mesmo diploma (correspondentes, respectivamente, aos actuais artigos 105.º n.º 2 e 625.º do CPC).
Com efeito, dispõe o artigo 105.º n.º 2 do CPC, preceito inserido na Secção II sobre «Incompetência relativa», que «A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada».
Por sua vez, dispõe o artigo 625.º do mesmo diploma, sob a epígrafe «Casos julgados contraditórios», que «1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar. 2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».
Trata-se de normas gerais que cederiam perante normas especiais que, eventualmente, afastassem a sua aplicação. Não existe, contudo, no contencioso tributário, qualquer norma especial que afaste, em sede de competência relativa, a aplicação dos referidos preceitos legais, pelo que deve entender-se que também no contencioso tributário o conflito verificado em sede de competência relativa deve ser resolvido de acordo com o princípio geral da prevalência do primeiro julgado, como decorre do artigo 105.º, n.º 2 conjugado com o artigo 625.º do CPC e tem sido defendido pela jurisprudência citada.
O que equivale a dizer que o conflito deve ser resolvido no sentido de que a decisão sobre competência territorial que primeiro transitar em julgado deve ser acatada pelo tribunal nela declarado territorialmente competente, que já não pode recusar a competência, independentemente do mérito daquela decisão, tribunal para o qual o processo será oficiosamente remetido, ficando, assim, definitivamente resolvida essa questão, o que corresponde a uma forma simples e expedita encontrada pelo legislador para resolver os conflitos de mera competência relativa, que se podem, efectivamente, verificar entre tribunais da mesma ordem jurisdicional e da mesma categoria».

Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, há que resolver o presente conflito negativo de competência entre o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no sentido da prevalência da primeira decisão, nos termos do art. 105.º, n.º 2, conjugado com o art. 625.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, por ser aquela a que transitou em primeiro lugar.

Isto, reiteramos, independentemente do mérito daquelas decisões.

2.2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do citado acórdão:

I - Os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do art. 105.º, n.º 2, conjugado com o art. 625.º, ambos do CPC.

II - Assim, a contradição entre duas decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas no âmbito do mesmo processo sobre a questão da competência do tribunal em razão do território para o conhecimento desse processo resolve-se ope legis pela prevalência da primeira decisão.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, solucionando o presente conflito, declarar o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel territorialmente competente para conhecer do processo de oposição, declarando-se, em consequência, inválida a decisão desse Tribunal que recusou essa competência.

Sem custas.


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Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.