Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:094/18.2BELRS
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
FAZENDA PÚBLICA
CUSTAS
Sumário:Em processo de contra-ordenação tributária, tendo a decisão administrativa de aplicação de coima sido anulada, não são devidas custas pela Fazenda Pública (art. 66.º do RGIT e art. 94.º, n.ºs 3 e 4, do RGCO).
Nº Convencional:JSTA000P24855
Nº do Documento:SA220190911094/18
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Pedido de reforma do acórdão quanto a custas no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 94/18.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 Inconformado com o acórdão proferido nestes autos, na parte em que condenou a Fazenda Pública nas custas, veio o Representante da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal pedir a reforma daquele aresto.

1.2 Alegou, em síntese, que «a condenação em custas pela FP não se pode manter, porquanto, em processo de contra-ordenação tributária, afigura-se-nos líquido concluir pela inexistência de qualquer norma legal que preveja a condenação da FP, quer em custas quer no pagamento de taxas de justiça».

1.3 A Recorrida não respondeu.

1.4 Com dispensa de vistos, atenta a existência de jurisprudência consolidada sobre a questão, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Cumpre ter presente o seguinte circunstancialismo processual:

a) o Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, invocando o disposto no art. 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada (adiante Arguida e Recorrida), anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima e ordenou que o processo regressasse à autoridade administrativa, para que esta, em face da multiplicidade de processos contra-ordenacionais semelhantes e em que figura como arguida a acima identificada Recorrida, apure da eventual verificação de um “contra-ordenação continuada”;
b) o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional e, quanto a custas, proferiu condenação nos seguintes termos: «Custas pela Recorrente».

2.2 DE DIREITO

Tem razão a Reclamante.
A questão por ela suscitada foi já apreciada, reiterada e uniformemente, por este Supremo Tribunal ( Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Dezembro de 2017, proferido no processo n.º 703/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/97b88af0828e574f802581fb005b1f71;
- de 28 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 1151/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c219b31be5bca3680258247003a31a2;
- de 23 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 3044/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7485385f62a151fa8025839000393f92.) e só por se não ter atentado na natureza do processo foi proferida a condenação em custas de que ora reclama.
Acompanha-se a referida orientação jurisprudencial, por inexistirem motivos para dela divergir, pelo que vamos limitar-nos a reproduzir a fundamentação expendida num dos acórdãos anteriores ( Acórdão de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1106/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/af0a65421c08973e80258076005b3949.) no qual se escreveu o seguinte:

«Da responsabilidade da Fazenda Pública por custas nos processos de contra-ordenações tributárias.
Como é sabido, por força do disposto no art. 4.º, n.ºs 4 e 5, do citado Dec. Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n.º 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pág. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4.º do DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido art. 66.º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, pág. 458).
Ora nos termos do n.º 3 do art. 93.º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do n.º 3 do art. 94.º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (n.º 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas (Neste sentido se decidiu também no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário citado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto).
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos arts. 66.º do RGIT e 94.º, n.ºs 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contra-ordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública».
Cumpre, pois, deferir o pedido de reforma quanto a custas.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em deferir a requerida reforma quanto a custas e determinar que onde, no acórdão reformando, se escreveu «Custas pela Recorrente», se passe a ler «Sem custas, por não serem devidas pela Fazenda Pública».

Sem custas.


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Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.