Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01846/13
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
Sumário:I - Nada obsta a que a fundamentação jurídica da sentença remeta para o parecer proferido pelo representante do Ministério Público na impugnação judicial, sendo que a lei apenas proíbe a fundamentação das decisões judiciais por mera adesão aos fundamentos apresentados por alguma das partes.
II - Não ocorre nulidade por falta de especificação dos fundamentos de dívida exequenda se a sentença recorrida dá a conhecer as normas legais que aplicou na decisão, bem como a interpretação que fez das mesmas.
III - Da conjugação entre o art. 92.º com o § 3.º do art. 111.º, do CIMSISD, resulta que, em caso de liquidação adicional de sisa, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão.
IV - Verifica-se a caducidade do direito à liquidação adicional de sisa notificada ao sujeito passivo em 22 de Fevereiro de 2008, se a liquidação inicial ocorreu em 29 de Agosto de 2001.
Nº Convencional:JSTA00068582
Nº do Documento:SA22014020501846
Data de Entrada:12/03/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N4
CIMSISD91 ART111 §3 ART92
CPC96 ART154 N1 N2
CPPTRIB99 ART14 N1
Jurisprudência Internacional:AC STA PROC0294/11 DE 2011/09/14
AC STA PROC0153/11 DE 2011/05/18
Referência a Doutrina:ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLI PAG192
LEITE DE CAMPOS E BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG363
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1199/08.3BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT), tendo obtido informação de que o preço de um terreno adquirido por A………… (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrida) excedeu o preço declarado, procedeu à liquidação adicional da Sisa e dos respectivos juros compensatórios.

1.2 A Contribuinte deduziu impugnação judicial, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a anulação desse acto tributário. Alegou, em síntese, o seguinte: em 2001 adquiriu um terreno e pagou a sisa liquidada com base no preço declarado; ulteriormente, a AT liquidou adicionalmente sisa com base no valor patrimonial que fixou ao terreno em sede avaliação; ainda mais tarde, tendo concluído que o valor real da transacção foi superior ao declarado e ao da avaliação, a AT efectuou nova liquidação adicional. É esta última que a Contribuinte impugna com fundamento em caducidade do direito à liquidação, com o argumento de que decorreram «mais do que 4 anos sobre o facto tributário» e invocando o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT).

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou a impugnação judicial procedente anulou o acto impugnado com fundamento na caducidade do direito à liquidação. Não pelo argumento invocado pela Impugnante, mas porque considerou que à liquidação adicional é aplicável o prazo de caducidade previsto no art. 111.º, § 3.º, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), na redacção que lhe foi dada pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, conjugado com o art. 92.º do mesmo Código, o que significa que a liquidação adicional não pode ser notificada mais de quatro anos depois da data da liquidação a corrigir, prazo que se mostra excedido no caso sub judice.

1.4 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. A douta sentença é nula, já que não especifica os fundamentos de facto e direito que justificam a decisão (art. 668.º n.º 1 b) do CPC).

2. Na sentença sob recurso não se alcança ao abrigo de que norma ou normas legais, de que princípios jurídicos ou em que doutrina se baseia para considerar que caducou o direito à liquidação.

3. De harmonia com o preceituado no art. 158.º n.º 2 do CPC, não pode considerar-se como fundamentação a simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes. E a sentença sob recurso limita-se a reproduzir e a aderir ao parecer do MP que defende a procedência da excepção de caducidade invocada.

4. A decisão não é clara, é ambígua e é superficial.

Sem prescindir;

5. Também a douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de direito.

6. A liquidação adicional de sisa impugnada deve-se exclusivamente ao facto de a impugnante ter declarado valores divergentes na escritura pública e no contrato promessa. E essa diferença declarada de valores levou a uma omissão da qual resultou a liquidação de sisa inferior à devida.

7. O prazo de caducidade do direito à liquidação da sisa é um prazo especial, pois não se aplica o prazo de 4 anos do art. 45.º n.º 1 da LGT, uma vez que o art. 92.º do CIMSISD já dispunha sobre a matéria, e com a redacção do art. 4.º do DL n.º 472/99 de 8.11 foi fixado em 8 anos o prazo de caducidade do direito à liquidação da sisa e do imposto sucessório.

8. Ora de acordo com o disposto no art. 92.º do CIMSISD, só pode ser liquidado imposto municipal de sisa nos 8 anos seguintes à transmissão.

9. Como consta dos autos a transmissão (escritura pública) ocorreu em 03/09/2001.

10. A administração Fiscal poderia notificar a impugnante da liquidação de sisa até 03/09/2009.

11. Tendo-o feito em 20/02/2008, a notificação da liquidação foi efectuada dentro do prazo da caducidade.

12. Ao contrário do decidido não caducou o direito de liquidação da Sisa.

13. O M.P. defende que a liquidação da sisa só pode fazer-se até decorridos 4 anos contados da liquidação a corrigir (art. 111.º n.º 3 do CIMSISD)

14. E atento a que a 1.ª liquidação ocorreu no dia 29/08/2001, e que a liquidação adicional foi notificada à ora impugnante em 22/2/2008, entre estas duas datas ocorreram mais de 4 anos.

15. E daí ter concluído que à data da notificação da liquidação já havia decorrido o prazo de caducidade de 4 anos.

16. Posição esta à qual o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aderiu na íntegra.

17. Mas ao contrário do decidido não caducou o direito à liquidação.

18. O art. 111.º n.º 3 do CIMSISD estabelece que “a notificação só poderá fazer-se até decorridos 4 anos contados da liquidação a corrigir”, contudo o mesmo preceito legal in fine refere “Fica ressalvado, em todos os casos, o disposto no art. 92.º”.

19. E o art. 92.º do CIMSISD dispõe “Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre sucessões e doações nos 8 anos seguintes à transmissão”.

20. O tribunal a quo violou os arts. 92.º e 111.º n.º 3 do CIMSISD.

Termos em que, deve declarar-se nula a sentença, ou caso assim não se entenda ordenar a sua revogação […]».

1.6 A Recorrida não contra alegou.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (Por facilidade de exposição, as notas de rodapé serão referidas no próprio texto, entre parêntesis rectos.):

«Além do mais a recorrente assaca à decisão recorrida o vício [de] forma de omissão de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Só se verifica nulidade da sentença (ou despacho) por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito quando ocorra falta absoluta de fundamentação, ou seja, quando existe ausência total de fundamentos de facto e de direito 1 [1 Este tem sido o entendimento uniforme do STA, entre outros, ver acórdão de 2012.11.07-P. 01109/12. Em termos de doutrina ver Alberto dos Reis, CPC, anotado, volume V, pág. 140 e Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição revista, II volume, página 357].
Deverá considerar-se que existe falta absoluta de fundamentação quando essa fundamentação seja ininteligível ou não tenha relação perceptível com julgado, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação 2 [2 Acórdão do STA, de 1997.03.19, proferido no recurso n.º 21.923, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
Quando a fundamentação não exteriorizar, minimamente, as razões que levaram a decidir naquele sentido e não noutro dever-se-á entender que estamos perante uma nulidade por falta de fundamentação 3 [3 Acórdão do STA, de 2003-12-17, proferido no recurso n.º 1471/03, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
A fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia.
Ora, da simples leitura da decisão recorrida resulta à evidência que não ocorre a apontada nulidade.
De facto, a sentença recorrida fixou a factualidade relevante para a decisão da causa.
Em termos de fundamentação de direito apropriou-se da pronúncia do MP que fez sua, da qual constam, manifestamente, as razões de direito que levaram a decidir pela caducidade do direito da liquidação adicional do tributo.
Quanto ao fundo da questão, a recorrente carece, também, de razão.
De facto, resulta do probatório que a primeira liquidação foi feita em 29 de Agosto de 2001.
A notificação da liquidação adicional foi notificada à recorrida em 22 de Fevereiro de 2008.
Ora, nos termos do disposto no artigo 111.º/§ 3.º do CIMSISSD, na redacção vigente à data do facto tributário, a notificação da liquidação adicional só podia ser feita dentro dos 4 anos contados da liquidação a corrigir.
Assim sendo, com bem decidiu a sentença recorrida, a notificação da sindicada liquidação adicional foi feita para além do prazo de 4 anos contados da estruturação da liquidação a corrigir.
Quando o artigo 111.º do CIMSISSD refere que fica ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 92.º só pode significar que não pode ser feita/notificada liquidação adicional para além do prazo normal de prescrição, tendo todavia de ser, sempre notificada no prazo de 4 anos contados da liquidação a corrigir (à data do facto tributário, 8 anos contados da transmissão).
A interpretação que a recorrente faz não tem qualquer apoio na letra ou espírito da lei, sob pena do § 3.º do artigo em questão ser letra morta».

1.8 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber se a sentença recorrida

A) enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, o que exigirá que se indague (i) se a sentença é omissa quanto às normas legais ou princípios jurídicos em que alicerçou a decisão, não permitindo alcançar os fundamentos jurídicos por considerou caducado o direito à liquidação e (ii) se a sentença, em violação do disposto no art. 158.º do Código de Processo Civil (CPC), se limitou a aderir à posição de uma das partes (cfr. conclusões 1. a 4.);

B) fez correcto julgamento quando considerou que se verificava a caducidade do direito à liquidação, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar da concatenação dos prazos fixados nos arts. 111.º, § 3.º e 92.º do CIMSISD (cfr. conclusões com os n.ºs 5. a 20.).

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«
1. Em 03-09-2001, a Impugnante adquiriu, através de escritura pública de compra e venda o terreno para construção urbana matriciado sob o n.º 5363,da freguesia de ………., do concelho de Ovar – fls. 11 e 12 do p.a.

2. Consta da escritura o preço de 2.000.000$00 – idem.

3. Com base no qual foi liquidada e paga a sisa, em 29/08/2001, do valor de 997,60 €, conforme o arquivo da sisa n.º 308 – idem.

4. A Fazenda Nacional atribuiu o valor de € 20.849,75, pelo que, a Impugnante foi sujeita a uma primeira liquidação adicional no valor de 1.087,40 €, face ao valor patrimonial de 20.849,75 € atribuído pela Fazenda Nacional, correspondente sensivelmente ao dobro do valor declarado.

5. O TAF de Viseu enviou ao Serviço de Finanças uma certidão, na qual constava o contrato promessa junto à acção nela identificada, referindo que o preço real do negócio fora de 15.000.000$00 – fls. 14 e 15 do p.a.

6. Perante o facto de o valor real por que foi efectuada a transacção ser de 15.000.000$00, procedeu a Fazenda Nacional, na sequência de participação judicial, a nova liquidação adicional, que haveria de concretizar-se em 23-11-2007.

7. A Impugnante foi notificada por ofício datado de 20/02/2008, recebido no dia 22 de Fevereiro de 2008 para efectuar o pagamento voluntário da referida liquidação adicional do Imposto Municipal de Sisa – fls. 6 do p.a.

8. Dela reclamou graciosamente, e interpôs recurso hierárquico, ambos indeferidos – resulta dos autos».

*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A………. impugnou a liquidação adicional de sisa que lhe foi efectuada com referência à aquisição que efectuou de um terreno para construção. Invocou a caducidade do direito à liquidação com o argumento de que o acto impugnado foi praticado mais de 4 anos após o facto tributário, em violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT 1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
[…]
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».).
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou a impugnação judicial procedente e anulou o acto tributário impugnado. Não com a argumentação aduzida pela Impugnante, que expressamente afastou – uma vez que, existindo norma especial relativamente à caducidade do direito à liquidação da sisa, não há que convocar o prazo do art. 45.º da LGT, como se estabelece na parte final do n.º 1 deste artigo («quando a lei não fixar outro») –, mas porque considerou que a liquidação adicional foi praticada (e, por isso, notificada à Contribuinte) mais de 4 anos após a liquidação inicial, em violação do disposto no § 3.º do art. 111.º do CIMSISD, que, na redacção aplicável, que é a do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, dispunha que a notificação da liquidação adicional de sisa «só poderá fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir», sob pena de caducidade do direito à liquidação.
A Fazenda Pública discorda da sentença, imputando-lhe uma nulidade por falta de fundamentação de direito (Apesar de no artigo 2.º da motivação do recurso e na conclusão com o n.º 1 a Recorrente se referir também à falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, essa alegação não se encontra consubstanciada ou concretizada. Por outro lado, independentemente de saber os fundamentos fácticos foram ou não correctamente apurados e se são ou não suficientes para a boa decisão da causa (questões que se situam já no âmbito da validade substancial do julgamento), a verdade é que se tem vindo a entender que a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto só se verificará quando ocorrer a absoluta a falta de motivação de facto, quer por falta de discriminação dos factos provados e não provados (cfr. n.º 2 do art. 123.º do CPPT), quer por falta do exame crítico das provas (cfr. n.º 4 do art. 607.º do CPC). Ora, no caso sub judice a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro efectuou o julgamento da matéria de facto, não só discriminado os factos provados, como referindo expressamente os documentos em que alicerçou a sua convicção.) e erro de julgamento por, contrariamente ao decidido, não estar caducado o direito à liquidação.
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.8.

2.2.2 DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como adiantámos em 1.8, a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de direito foi invocada sob duas vertentes: o art. 158.º (a que hoje corresponde o art. 154.º) do CPC impede que a fundamentação se faça por mera adesão aos fundamentos alegados pelas partes e a sentença «limita-se a reproduzir e a aderir ao parecer do MP»; a sentença é omissa quanto às normas legais ou princípios jurídicos em que alicerçou a decisão, não permitindo alcançar os fundamentos jurídicos por que considerou caducado o direito à liquidação.
A falta de fundamentação da sentença está prevista como nulidade na alínea b) do n.º 1 do art. 605.º do CPC (a que correspondia o art. 668.º no Código anterior).
São de duas ordens por que a lei exige a motivação das decisões judiciais: «A primeira, baseada na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, consiste na necessidade de a decisão judicial explicitar os seus fundamentos como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada pelo Estado.
Não baste neste ponto, que o tribunal declare vencida uma das partes; é essencial que procure convencê-la, mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica, da sua falta de razão em face do Direito.
A segunda liga-se directamente à recorribilidade das decisões judiciais.
A lei assegura aos particulares, sempre que a decisão não caiba na alçada dos tribunais, a possibilidade de impugná-la, submetendo-a à consideração de um tribunal superior. Mas, para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador a baseou» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 688 e 689.).
Sendo inequívoca a obrigatoriedade do juiz fundamentar as decisões, expressamente consagrada no n.º 1 do art. 154.º do CPC As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».), o que o n.º 2 do mesmo artigo A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade».) visa impedir é que a fundamentação se faça por mera adesão aos fundamentos alegados por uma das partes, prática que não dá garantias de efectiva ponderação dos argumentos aduzidos por ambas as partes.
Ora, no caso sub judice a Juíza do Tribunal a quo não aderiu à alegação de qualquer das partes: que não aderiu à alegação da Fazenda Pública é manifesto e, se é certo que julgou a impugnação judicial procedente com fundamento na caducidade do direito à liquidação invocada na petição inicial, fê-lo, como expressamente deixou consignado na sentença, «com fundamento em normas legais divergentes das apontadas pela impugnante».
O que a sentença fez foi remeter a fundamentação de direito para o parecer do Ministério Público, que transcreveu na parte relevante.
Ora, essa prática, não só não está vedada pelo n.º 2 do art. 154.º do CPC, pois o Ministério Público não surge no processo como parte, mas no âmbito da defesa da legalidade e do interesse público em matéria tributária (cfr. art. 14.º, n.º 1 Cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes».), do CPPT), como também não compromete nenhuma das duas razões por que a lei impõe a fundamentação das decisões judiciais: por um lado, ficaram bem expressas na sentença as razões por que foi julgada procedente a impugnação judicial; por outro lado, a remissão para o parecer do Ministério Público em nada comprometeu a recorribilidade da sentença, como bem o demonstra o teor das alegações do recurso na parte em que lhe imputam erro de julgamento.
Tal prática pode mesmo constituir um louvável ganho de eficiência quando o juiz entender que nada tem a acrescentar à argumentação jurídica aduzida pelo representante do Ministério Público no parecer.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de direito nunca poderia, pois, proceder com base na remissão efectuada pela sentença para o parecer do Ministério Público.
A Recorrente invocou também essa nulidade alegando que a sentença é omissa quanto às normas legais ou princípios jurídicos em que alicerçou a decisão, não permitindo alcançar os fundamentos jurídicos por que considerou caducado o direito à liquidação.
Salvo o devido respeito, também não podemos concordar.
A nosso ver, a sentença recorrida deixou bem explícito por que considerava que não era aplicável à situação sub judice o prazo previsto no n.º 4 do art. 45.º da LGT, mas antes o prazo do § 3.º do art. 111.º do CIMSISD, bem como a interpretação que fazia desta norma na parte em ressalva o disposto no art. 92.º do mesmo Código; mais deixou bem claro que considerava verificar-se a caducidade do direito à liquidação por terem decorrido mais de 4 anos entre a primeira liquidação e a notificação da liquidação adicional, o que entendeu violar o disposto no referido § 3.º do art. 111.º do CIMSISD.
Aliás, como deixámos já dito, resulta da motivação do recurso que a Recorrente compreendeu perfeitamente a fundamentação jurídica da sentença.
Seja qual for a validade substancial dessa fundamentação, não encontramos motivo para afirmar que a sentença enferma de vício formal por falta de especificação dos fundamentos de direito.

2.2.3 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Sustenta também a Recorrente que a sentença recorrida fez errado julgamento ao considerar caducado o direito à liquidação, na medida em que a notificação da liquidação adicional ocorreu dentro do prazo de 8 anos previsto no art. 92.º do CIMSISD, sendo que esta disposição é a aplicável, como resulta da ressalva expressa feita na parte final do § 3.º do art. 111.º do mesmo Código.
Vejamos:
À situação em causa – transmissão onerosa de um imóvel em 2001 – aplica-se o CIMSISD, cujas regras de incidência se aplicam às situações de facto ocorridas no âmbito da sua vigência O que é relevante para “fixar” a norma temporalmente aplicável é o momento em que ocorreu o facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada» (ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I volume, pág. 192).). Se é certo que o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (O Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património imobiliário, aprovando o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, alterando o Código do Imposto do Selo, o Estatuto dos Benefícios Fiscais e os Códigos do IRS e do IRC e revogando o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, o Código da Contribuição Autárquica e o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.), revogou o CIMSISD, tal não significa que a Sisa tenha deixado de existir; significa, apenas que aquele código e, consequentemente, o imposto nele regulado, deixaram de ser aplicáveis aos factos ocorridos após a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Impostos, aprovado pelo referido Decreto-Lei.
O prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável em sede de sisa não é o do n.º 1 do art. 45.º da LGT, uma vez que é aquela norma da LGT que limita a aplicação do prazo nele previsto aos casos em que «a lei não fixar outro». Ora, o CIMSISD fixava os seus próprios prazos de caducidade do direito à liquidação (No sentido da natureza especial do prazo de caducidade do direito à liquidação da sisa, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 15 ao art. 45.º, pág. 363.) : de 8 anos, a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito, para a liquidação inicial, de acordo com o art. 92.º, na redacção aplicável, que é a do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro; de 4 anos, a contar da liquidação a corrigir, para os casos de liquidação adicional, mas sempre sem prejuízo do respeito pelo prazo do art. 92.º, tudo como prescreve o § 3.º do art. 111.º.
No caso não se discute que a liquidação impugnada tenha a natureza de liquidação adicional (Liquidação adicional «é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei» (cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário,Almedina, 1972, pág.128).), que não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 909/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 96 a 102, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da11decbc3b9dabd8025726d003b7579?OpenDocument;
– de 18 de Maio de 2011, proferido no processo com o n.º 153/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 763 a 766, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/94e29e68a39ec0468025789a0039e45a?OpenDocument;
– de 14 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 294/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1481 a 1485, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/476b25923ab50a9b802579130038cda3?OpenDocument.). Ora, a liquidação em causa foi efectuada em ordem a corrigir uma liquidação anterior.
Assim, como bem referiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, o prazo da caducidade do direito à liquidação, como decorre do § 3.º do art. 111.º do CIMSISD, é de 4 anos e tem o seu termo inicial na data em que foi efectuada a liquidação a corrigir. Ou seja, sendo que esta ocorreu em 29 de Agosto de 2001, a notificação a liquidação adicional teria que ocorrer até 29 de Agosto de 2005 (Quanto à contagem do prazo estipulado em anos, vide o disposto no art. 279.º, alínea c), do Código Civil.). Uma vez que essa notificação apenas aconteceu em 22 de Fevereiro de 2008, é manifesta a caducidade do direito à liquidação.
A Recorrente discorda deste entendimento. Sustenta que o prazo de caducidade da liquidação adicional é de oito anos a contar da data da transmissão, motivo por que a notificação da liquidação adicional poderia ocorrer até 3 de Setembro de 2009, uma vez que a transmissão ocorreu em 3 de Setembro de 2001. Assim, porque a liquidação adicional foi notificada à Contribuinte em 20 de Fevereiro de 2008, foi-o dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação.
Se bem interpretamos a tese da Recorrente, o único prazo aplicável à situação sub judice seria o de 8 anos do art. 92.º do CIMSISD, por força da parte final do § 3.º do art. 111.º do mesmo Código, que tem a seguinte redacção:
«A notificação só poderá fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens à relação exigida no artigo 67.º, que então poderá ainda fazer-se posteriormente.
Fica ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 92.º».
A nosso ver, da conjugação entre o art. 92.º com o § 3.º deste art. 111.º resulta como única interpretação possível que, em caso de liquidação adicional, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão.
Salvo o devido respeito, a interpretação sustentada pela Recorrente, de que a liquidação adicional poderia ocorrer para além do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, desde que respeitasse o prazo de 8 anos a contar da data da transmissão, para além de não lograr apoio na letra da lei, esvaziaria completamente de conteúdo útil o § 3.º do art. 111.º do CIMSISD.
E bem se compreende que o legislador tenha sujeitado a caducidade do direito à liquidação adicional a este prazo de 4 anos contado da liquidação a corrigir: é que nestas situações a AT já tem conhecimento do facto tributário, pelo que se justifica que as correcções à liquidação inicial sejam também elas sujeitas a prazo.
Por tudo o que deixámos dito, afigura-se-nos que a sentença fez correcta interpretação a e aplicação da lei, designadamente dos arts. 111.º, § 3.º, e 92.º do CIMSISD, motivo por que o recurso não merece provimento.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nada obsta a que a fundamentação jurídica da sentença remeta para o parecer proferido pelo representante do Ministério Público na impugnação judicial, sendo que a lei apenas proíbe a fundamentação das decisões judiciais por mera adesão aos fundamentos apresentados por alguma das partes.
II - Não ocorre nulidade por falta de especificação dos fundamentos de dívida exequenda se a sentença recorrida dá a conhecer as normas legais que aplicou na decisão, bem como a interpretação que fez das mesmas.
III - Da conjugação entre o art. 92.º com o § 3.º do art. 111.º, do CIMSISD, resulta que, em caso de liquidação adicional, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão.
IV - Verifica-se a caducidade do direito à liquidação adicional de sisa notificada ao sujeito passivo em 22 de Fevereiro de 2008, se a liquidação inicial ocorreu em 29 de Agosto de 2001.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) – Joaquim Casimiro Gonçalves (voto a decisão na consideração de que, quanto à questão de na fundamentação jurídica da sentença recorrida se remeter para o teor do Parecer do M.P., se trata de questão que, factualmente, é diferente da que foi apreciada no acórdão de 31.1.2012, proc. 795/11, de que fui relator) - Pedro Delgado.