Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0372/16
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
IVA
Sumário:I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.

II - No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.

III - Em conformidade, sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à comercialização de veículos, não pode a AT desconsiderar os custos por ela suportados com o IVA respeitante à aquisição de veículos noutros Estados-Membros da União Europeia com o fundamento de que o não exercício do direito de reembolso ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro, faz com que não possa dar-se por verificado o requisito da indispensabilidade.

Nº Convencional:JSTA00070405
Nº do Documento:SA2201711150372
Data de Entrada:03/23/2016
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23 N1 ART17 N1.
CONST76 ART104 N2.
LGT ART68-A N1.
CIRCULAR 14/2008 DIREÇÃO DE SERVIÇOS DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS DE 2008/07/11.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 79/1072/CEE DE 1979/06/12 ART8.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0107/11 DE 2011/11/30.
Referência a Doutrina:ANTÓNIO PORTUGAL - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA PAG243 E SEGS.
TOMÁS TAVARES - DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS IN CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL N396 PAG131/133.
VÍTOR FAVEIRO - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO FISCAL PORTUGUÊS VOLII PAG601.
RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC COIMBRA 2007 PAG87.
MOTA PINTO - TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 2ED PAG78.
SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL 7ED PAG111
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 579/14.0BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (doravante também Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando procedente a impugnação judicial deduzida, após indeferimento sucessivo da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, pela sociedade denominada “A……….., Lda.” (adiante Impugnante ou Recorrida), anulou as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos exercícios de 2007 e 2008, por discordar da decisão na parte em que entendeu ilegal a correcção que a Administração tributária (AT) efectuou por não aceitar como custos dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável os montantes correspondentes ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) suportado pela sociedade quando das aquisições de automóveis efectuadas noutros Estados-Membros da União Europeia (transacções intracomunitárias).
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios relativas aos períodos de tributação de 2007 e 2008, no montante de € 58.104,45 e € 108.166,93, bem como das decisões de indeferimento proferidas em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico.
B. Nos presentes autos foi produzida prova documental e prova testemunhal, ora entende a Fazenda Pública que a questão a dirimir nos presentes autos, é uma questão de direito, e a prova testemunhal produzida foi infrutífera para responder ao que realmente interessa.
C. Ou seja, a resolução do presente litígio circunscreve-se tão só à questão de saber se quando o sujeito passivo não exerce o direito de reembolso do IVA, nos termos da 8.ª Directiva do Conselho, o montante desse IVA contabilizado como custo é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC?
D. Encontra-se preenchido o requisito da indispensabilidade exigido no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC?
E. Entende a Fazenda Pública que, não tendo a impugnante exercido o direito de reembolso, ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
F. A Impugnante, na qualidade de sujeito passivo, foi objecto de uma acção de inspecção com a ordem de serviço n.º OI201007182, classificada de âmbito geral (al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar de Processo de Inspecção Tributária (RCPIT)), abrangendo os exercícios de 2007 e 2008.
G. Da referida acção de inspecção resultaram correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, em sede de IRC e de IVA para os referidos anos de 2007 e 2008.
H. Verificaram os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) que a impugnante, em 2007 e 2008, havia importado e legalizado vários veículos automóveis.
I. Tais automóveis foram facturados pelos fornecedores comunitários com liquidação de IVA do país de origem (evidenciado nas respectivas facturas).
J. A impugnante contabilizou os montantes de IVA comunitário como custo fiscal integrado nos preços de aquisição dos veículos.
K. Nos termos da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), os sujeitos passivos de IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso do IVA suportado nas operações realizadas noutros Estados Membros da EU.
L. Sempre que não seja exercido o direito ao reembolso nos termos ínsitos na 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE) o montante de IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito da indispensabilidade.
M. No que ao tema diz respeito, a então Direcção de Serviços do IRC veiculou instruções na Circular n.º 14/2008, de 11 de Julho, isto porque haviam sido suscitadas dúvidas sobre o enquadramento fiscal, em sede do IRC, do IVA suportado apesar de não ser exercido o direito à sua restituição, conferido pela 8.ª Directiva do Concelho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro.
N. No ponto 2. da referida Circular refere-se que “Sempre que não seja exercido esse direito, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito de indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respectivo Código”.
O. A ratio do entendimento veiculado na Circular 14/2008 da DSIRC é clarividente, pois se o IVA suportado no espaço comunitário é recuperável, não deve por isso ser considerado como custo.
P. E, por ser recuperável não se verifica a sua indispensabilidade para ser considerado como custo (artigo 23.º do CIRC).
Q. Deste entendimento foi a impugnante conhecedora, através do RIT, veja-se para tanto 1.2.1 – Custos não dedutíveis – IVA comunitário.
R. E, não ofereceu qualquer prova da verificação do requisito para a sua dedutibilidade em sede de IRC (que tinha exercido o direito ao reembolso ou que tinha sido efectuado tal pedido).
S. Assim como também nunca a impugnante contestou a ratio da Circular 14/2008 da DSIRC.
T. A sentença do Tribunal a quo dá como assente que “(...) O Tribunal retira a convicção que a Impugnante procedeu efectivamente à contabilização do IVA suportado nas transacções comunitárias como custo, sendo que em caso algum a Impugnante coloca em causa tal factualidade vertida no relatório de inspecção, pelo que se deve ter a mesma por assente;
U. Conclui também o Tribunal na sentença que ora se recorre que, “(...) no caso em apreço o IVA suportado nas transacções com fornecedores de outros Estados-Membros da União Europeia era susceptível de ser reembolsado.
Acontece que, conforme resulta dos autos, a impugnante não exerceu o direito de reembolso junto das entidades europeias competentes.
V. Contudo, dispõe que “Não o tendo feito, afigura-se que existe de facto um custo para a impugnante e que assim sendo foi indispensável para a realização da sua actividade”.
W. Ora, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por opinião diversa, que tendo o Tribunal dado como assente que a impugnante, aqui recorrida, contabilizou o IVA suportado nas transacções comunitárias como custo, que esse mesmo IVA era susceptível de ser reembolsado, e não tendo a recorrida exercido o direito de reembolso junto das entidades europeias competentes, a sentença teria que ser improcedente.
X. O custo teria que ser considerada como não indispensável para a realização da actividade.
Y. A douta sentença que ora se recorre decidiu pela anulação das liquidações adicionais de IRC também por falta de fundamentação da liquidação e a violação do princípio do inquisitório e da verdade material previsto no artigo 58.º, da LGT, porquanto a A.T não efectuou todas as diligências a que está obrigada nos termos desta norma com vista ao apuramento da verdade material (...)
Z. Dispõe o referido normativo legal, artigo 58.º da LGT, que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.
AA. Como expõe António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária, Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pág. 265 “O princípio do inquisitório – ou da oficialidade ou verdade real – significa ser a administração tributária quem dirige o procedimento, determinando, mesmo nos casos em que tenha sido iniciado, não oficiosamente, mas por solicitação dos interessados, o modo como se desenvolve. (...)
2- Em sentido amplo, o princípio do inquisitório quer dizer igualmente não estar a administração tributária limitada na condução do procedimento pelas pretensões dos contribuintes ou outros obrigados tributários. (...)
3- O princípio do inquisitório está também associado à informalidade ou flexibilidade do procedimento tributário, que é uma garantia de que o órgão instrutor tem a liberdade da escolha das diligências necessárias para a satisfação do interesse público e a descoberta da verdade material
BB. Já o princípio da verdade material encontra-se consagrado no artigo 6.º do RCPIT que dispõe “O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.
CC. Impõe, portanto, que a administração tributária no âmbito do procedimento de inspecção procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a praticar.
DD. Trata-se, pois, de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.
EE. No caso em apreço, a AT cumpriu com o disposto no artigo 58.º da LGT e artigo 6.º do RCPIT, pois os STI, recolheram prova suficiente para sustentar as correcções efectuadas, materializada nas facturas de aquisição dos veículos importados, emitidas pelos fornecedores comunitários, na revelação contabilística do impugnante, informação remetida pela DGAIEC, assim como as respostas obtidas pela circularização efectuada aos clientes da impugnante, como relata o RIT, constitui prova bastante na medida em que da análise das facturas se pode concluir, sem margem para qualquer reserva, que as operações em apreço foram sujeitas a imposto normal no respectivo estado membro e como tal poderia/deveria ter sido exercido o direito de reembolso do IVA nos termos da 8.ª Directiva do Concelho (79/1072/CEE).
FF. Tendo a impugnante a consciência de que a decisão lhe iria ser desfavorável, mormente pela notificação do projecto de relatório da inspecção, deveria pois ter demonstrado que efectivamente tinha exercido o seu direito de reembolso junto das entidades europeias competentes.
GG. E oportunidades não lhe faltaram, nomeadamente aquando do decurso da inspecção externa de que foi objecto, aquando da notificação para exercer o direito de audição antes do Relatório de inspecção, na reclamação graciosa, no recurso hierárquico, e até mesmo em sede de impugnação.
HH. A impugnante não ofereceu novos meios de prova, idóneos, que pudessem alterar a decisão da AT.
II. Não existe qualquer divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto, ou seja, a matéria tributável não foi erradamente quantificada e o facto tributário existe.
JJ. À impugnante bastaria exibir prova documental em como tinha exercido o seu direito de reembolso do IVA, para que o imposto suportado pudesse ser deduzido como custo nos termos do artigo 23.º do CIRC.
KK. Pois, não seria a AT que teria que fazer, correlativamente, a prova de uma omissão na actuação ou non facere.
LL. Até porque, dispõe o art. 74.º, n.º 1 da LGT, a propósito desta matéria que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
MM. No caso em apreço, foi a impugnante quem contabilizou como custo o IVA liquidado nas facturas de aquisição dos veículos.
NN. Ou seja, é a impugnante quem invoca o direito à dedução e a quem interessa a prova dos factos constitutivos desse direito, não foi a AT que de motu proprio invocou esse facto.
OO. Assim, se a pretensão de deduzir os encargos contabilizados como custos do exercício, para efeitos de determinação do lucro tributável, pertence à impugnante, o ónus da comprovação dos factos que estão na sua base também lhe pertence.
PP. Concomitantemente, se a aceitação do custo se encontra dependente do exercício do direito à restituição do IVA, nos termos da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE) e se não foi exercido por parte da impugnante, não pode ser deduzido como custo nos termos pretendidos, já que não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
QQ. Incidindo o ónus da prova sobre a impugnante, é esta que tem que suportar as desvantagens da incerteza dos factos que não tenha logrado provar, no caso concreto reitera-se, o exercício do direito ao reembolso do IVA liquidado nas facturas das aquisições intra-comunitárias.
RR. Actualmente é pacífico que a fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, ou seja, o que o levou a decidir num sentido e não em qualquer outro, tal como está consagrado nos artigos 268.º n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), 77.º da LGT e 152.º do Novo Código do Procedimento Administrativo (CPA).
SS. Destarte, só existirá falta de fundamentação se face à obscuridade das afirmações e contradições, não for possível conhecer esse itinerário, ou ainda, se o autor do acto decidir em sentido diverso sem fundamentar essa divergência.
TT. O que manifestamente não aconteceu na situação dos autos, pois o despacho que determinou a realização das correcções técnicas assenta num relatório que estabelece, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido para chegar ao valor das correcções e cujos fundamentos foram, oportunamente dados a conhecer à ora impugnante.
UU. Da leitura da petição apresentada pela impugnante é possível concluir que esta não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos serviços de inspecção, tendo mesmo formulado um juízo crítico sobre o mesmo!
VV. O procedimento conducente às correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária foi objecto de fundamentação própria, a qual consta do respectivo relatório da inspecção, do qual constam os motivos de facto e de direito que suportam as correcções.
WW. Como já decidiu esse STA no aresto proferido no processo n.º 0742/07, “O dever de fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivos essenciais os de habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a respectiva lesividade, e assegurar a transparência e imparcialidade das decisões administrativas.
XX. E, o acto de liquidação constitui um acto em massa que consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar ou a receber pelo sujeito passivo, sendo o culminar de uma sucessão de actos encadeados que conduzem ao cálculo do imposto a pagar ou a receber
YY. Uma vez que os actos praticados e notificados à ora impugnante apresentavam uma fundamentação expressa, clara e suficiente, contendo a decisão, seus fundamentos e meios de defesa.
ZZ. Como tal, não carece o acto de liquidação de reproduzir novamente todos os fundamentos já invocados e regularmente notificados ao contribuinte em anteriores fases do processo.
AAA. E como é a própria lei que expressamente o admite, ao dispor no artigo 153.º do Novo CPA que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respectivo acto.
BBB. E no mesmo sentido, estipula o n.º 1 do artigo 77.º da LGT que a fundamentação pode “(...) consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres (...), incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
CCC. Assim, resulta claro que a alegada falta de fundamentação não se verifica, no caso dos autos, porquanto quer do acto de liquidação do imposto, quer do projecto de relatório, quer do relatório de inspecção tributária, todos notificados à impugnante, constam expressa e minuciosamente descritos todos os elementos essenciais do acto: as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários.
DDD. Um tal regime resulta precisamente do facto da liquidação consistir numa simples operação matemática, que não pode alterar o que foi determinado pela decisão plasmada no despacho, pelo que a nota de cobrança deve conter apenas a fundamentação própria do acto de liquidação, ou seja a demonstração do apuramento do valor a pagar ou a reembolsar.
EEE. Deste modo depois das notificações efectuadas ao ora impugnante e de este ter participado no procedimento, tudo o que havia a fazer era a liquidação em sentido estrito, não cabendo senão estabelecer a taxa aplicável e proceder aos cálculos do imposto devido. Foi o que fez, e não mais, o acto de liquidação.
FFF. Assim sendo, é de concluir que o acto de liquidação do imposto se encontra fundamentado nos termos legalmente exigidos, dele constando os elementos tidos por essenciais.
GGG. Na verdade a determinação da matéria colectável e a liquidação devem ser vistas conjuntamente, porque esta é incindível daquela (Prof. Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina 2001, pp. 252 e ss.)
HHH. No mesmo sentido, decidiu o TCA Sul no Acórdão de 31/10/2006, Processo 00122/04 “(...) a liquidação impugnada foi precedida de uma acção de fiscalização que deu origem ao relatório da inspecção tributária junto dos autos e em devido tempo dado a conhecer ao reclamante. É através da inspecção efectuada que se confirma, corrige ou determina a matéria colectável, objecto da liquidação.
Assim embora as liquidações “stricto sensu” constituam os actos tributários por excelência, devem ser analisados em conjunto com o relatório da inspecção tributária, da qual são uma consequência, sendo este acto administrativo preparatório daquelas.
O acto tributário tem uma inevitável componente de liquidação, pois constitui o acto finalizador de determinação da dívida fiscal (...). O conceito de acto tributário contém em si o conceito de liquidação, ao completar o momento de quantificação da dívida, nos casos em que a lei o exige (...) Saldanha Sanches “A Quantificação da Obrigação Tributária” 2.ª ed. Lex, 2000, pp. 115.
É nesta visão de conjunto que o reclamante encontrará a fundamentação dos actos tributários.
III. Reiteramos, as liquidações impugnadas fundaram-se nas correcções técnicas operadas pela Inspecção Tributária, por indedutibilidade dos encargos suportados com o IVA liquidado nas aquisições intracomunitárias, uma vez que não foi exercido o direito ao reembolso desse imposto junto das autoridades fiscais do estado do fornecedor (bem sabendo disso a ora recorrida).
JJJ. E, recordamos, nos termos da 8.ª Directiva do Conselho os sujeitos passivos estabelecidos em território português têm direito ao reembolso do IVA suportado em operações efectuadas noutros Estados Membros da União Europeia.
KKK. O IVA suportado no espaço intracomunitário é recuperável e por isso não é dedutível,
LLL. e por ser recuperável não se verifica a indispensabilidade para o considerar como custo.
MMM. Não oferece prova da verificação do requisito para a sua dedutibilidade em sede de IRC, ou seja, o exercício do direito ao reembolso e tão-pouco logrou provar que tenha pedido esse reembolso.
NNN. Como já supra referido e pelos motivos aí aduzidos, bem como de acordo com a prova documental junta aos autos (que aqui se dá por reproduzida, por uma questão de economia processual), mormente o RIT que se encontra devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, entende a Fazenda Pública que não tendo a impugnante exercido o direito de reembolso, ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
OOO. Sendo que a prova da sua indispensabilidade competia nos termos legais à impugnante.
PPP. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal as correcções efectuadas e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida.
QQQ. Assim, por tudo quanto se expôs, entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de errónea interpretação e aplicação do direito aplicável ao caso sub judice.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legais as correcções efectuadas e julgue improcedente a presente impugnação judicial».

1.3 A Impugnante contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor:
«A. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a procedência da acção ancora no facto de que, por um lado, “assiste razão à impugnante quando refere que há falta de fundamentação da liquidação e a violação do princípio do inquisitório e da verdade material previsto no art. 58.º, da LGT, porquanto a AT não efectuou todas as diligências a que está obrigada nos termos desta norma com vista ao apuramento da verdade material, não tendo indagado a razão de ser de não ter havido este reembolso, pelo que a consideração de tal custo não pode ser considerado por não indispensável, na medida em que em abstracto era reembolsável, por si só, sem outras considerações, revela-se não fundamentado e violador dos referidos princípios” (negrito nosso).
B. E que “não ficou demonstrado que nos presentes autos que tenha sido a impugnante a verdadeira adquirente das viaturas importadas em nome de terceiros. Pelo contrário, da prova produzida resultou que vários particulares recorriam aos serviços da Impugnante de modo a que esta procedesse, em representação daqueles, à importação e legalização de viaturas, realizando todos os actos necessários a esse fim”,
C. Acrescentando ainda que “tendo-se concluído que é sobre a Autoridade Tributária que impende o ónus de provar os factos constitutivos das liquidações adicionais impugnadas nos presentes autos, resulta do artigo 76.º, da LGT, que as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei – conforme supra já se referiu em sede de motivação da decisão de facto”,
D. concluindo, assim, pela anulação dos actos tributários impugnados sub judice.
E. Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a Douta decisão que julgou procedente a impugnação por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento de direito porquanto “tendo o Tribunal dado como assente que a impugnante aqui recorrida contabilizou o IVA suportado nas transacções comunitárias como custo, que esse mesmo IVA era susceptível de ser reembolsado, e não tendo a recorrida exercido o direito de reembolso junto das entidades europeias competentes, a sentença teria que ser improcedente.
F. Na perspectiva da Fazenda Pública “o custo teria que ser considerado como não indispensável para a realização da actividade”,
G. tanto mais que “se a aceitação do custo se encontra dependente do exercício do direito à restituição do IVA, nos termos da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE) e se não foi exercido por parte da impugnante, não pode ser deduzido como custo nos termos pretendidos já que não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do CIRC”.
Isto Posto
H. Cumpre verificar os pressupostos de dedutibilidades dos custos suportados pelos sujeitos passivos para efeitos do IRC e sua verificação no caso em apreço bem como as regras do ónus da prova aplicáveis à situação sub judice.
I. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC «Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (redacção em vigor à data).
J. Ou seja, para efeitos fiscais, sempre serão considerados custos “todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva”.
K. Por outro lado, cumpre esclarecer que os sujeitos passivos de IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso suportado nas operações efectuadas noutros Estados-Membros desde que se encontrem preenchidas as condições previstas no artigo 3.º da oitava Directiva.
L. À luz dos referidos normativos conclui-se que o IVA suportado pela impugnante era abstractamente susceptível de reembolso e que este último, em face da matéria de facto dada como provada, não se concretizou,
M. Contudo nada consta na matéria dada como provada que a impugnante não efectuou o pedido de reembolso junto das entidades competente.
N. Adicionalmente, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária – LGT – (redacção em vigor à data dos factos) «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
O. Nos termos do estipulado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
P. Neste enquadramento, o princípio do inquisitório, consagrado fundamentalmente no artigo 58.º da LGT, impõe que a Administração Tributária, no âmbito dos procedimentos, realize todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, independentemente de essas diligências lhe terem sido requeridas pelas partes ou de a sua concretização resultar do juízo que realiza nesses procedimentos.
Q. Acresce que de acordo com as regras de repartição do ónus da prova incumbia à AT a prova de que a impugnante não exerceu o direito de reembolso do IVA intracomunitário não bastando para tal uma mera alegação [não comprovada] de tal facto como forma de desconsiderar aquele encargo como custo fiscalmente aceite.
R. Aliás, compulsados os autos verifica-se ainda que não se vislumbram quais os factos recolhidos pela AT que permitem conclui de forma inequívoca que apesar de o IVA suportado nas transacções comunitárias ter sido considerado como custo (facto 2) dado como provado) a impugnante não exerceu o direito de reembolso bastando-se na mera alegação de que não houve reembolso efectivo.
S. Efectivamente a AT em momento algum efectuou diligências – a que se encontra obrigada por força do supra mencionado artigo 58.º da LGT – com vista ao apuramento da verdade material,
T. Nunca tendo diligenciado no sentido de saber se a impugnante exerceu o referido direito ou se, tendo exercido o mesmo não se verificou.
Em suma
U. Resulta claro que o IVA intracomunitário foi efectivamente contabilizado como custo pela impugnante.
V. Não obstante, a AT em clara violação das regras de repartição do ónus da prova não logrou provar como lhe competia nos termos do artigo 74.º da LGT que a impugnante, detentora do direito de reembolso do IVA intracomunitário não exerceu o referido direito.
W. Ora, não basta à AT alegar que a impugnante não foi reembolsada do IVA intracomunitário suportado sempre teria de provar que foi efectuado o referido pedido de reembolso junto das autoridades competentes.
X. Nesta medida, o emaranhado de argumentos – inócuos e pouco elucidativos – apresentados pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso visam apenas criar a ilusão de que a obrigação de prova dos factos alegados pela AT sempre seriam da responsabilidade da impugnante por força do princípio da participação.
Y. Ao fazê-lo a Fazenda Publica visou criar uma teia de tal forma intrincada de forma a “apagar” um ónus que lhe assiste e concomitantemente afastar a violação do princípio do inquisitório e da verdade material que lhe foi imputada pelo Tribunal a quo.
DAÍ QUE
Z. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir pela procedência total da impugnação ordenando a anulação das liquidações adicionais em sede de IRC em apreço.
AA. Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:
«Questão decidenda: dedutibilidade como gasto para a determinação do lucro tributável em IRC, do IVA pago em transacções intracomunitárias quando o sujeito passivo não exerce o direito ao reembolso.
A solução jurídica da questão deverá ponderar as seguintes considerações:
- a indispensabilidade dos gastos (componente negativa do lucro tributável) como requisito da sua relevância fiscal, significa que constitui condição necessária para a obtenção do rendimento sujeito a imposto, no quadro do exercício regular da actividade do sujeito passivo, inscrita no escopo societário, nele se incluindo os encargos fiscais (art. 23.º n.º 1 al. f) CIRC redacção da Lei n.º 107-B/ 2003, 31 Dezembro);
- é irrelevante para a dedutibilidade dos gastos efectivamente suportados o exercício do direito ao reembolso do imposto pelo sujeito passivo no Estado-membro onde as operações tributáveis foram efectuadas, porquanto aquele é uma mera faculdade, nunca uma imposição legal cuja inobservância seja cominada com a indedutibilidade do gasto, quer nos termos da 8.ª Directiva do Conselho 2006/98/CE, 20 Novembro 2006, quer nos termos de qualquer disposição do direito interno português (arts. 2.º e 3.º da Directiva);
- da irrelevância do exercício do direito ao reembolso para a dedutibilidade do gasto resulta a irrelevância da determinação do responsável pelo ónus da prova (Administração Tributária ou sujeito passivo);
- não obstante, caso se admita a prova do exercício do direito ao reembolso como requisito necessário para a dedução do gasto suportado, o ónus da prova incumbe ao sujeito passivo, na medida em que aquele exercício representa um facto constitutivo do direito à dedução que invoca (art. 74.º n.º 1 LGT);
- é inquestionável que sujeito passivo efectuou o pagamento do IVA liquidado nas transacções intracomunitárias, suportando o respectivo gasto, embora não tenha resultado provado o exercício do direito ao reembolso (sentença, fls. 232).
Da conjugação das antecedentes considerações resulta a dedutibilidade do IVA suportado (como componente negativa do lucro tributável), a carência de fundamento legal das correcções aritméticas controvertidas e das subsequentes liquidações adicionais objecto da impugnação judicial».
1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.
1.6 Cumpre apreciar e decidir.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os factos seguintes:
1) Pela Ordem de Serviço n.º OI201007182, foi realizada acção de inspecção relativa aos exercícios de 2007 e 2008 da empresa B……….., Lda., pessoa colectiva n.º ……….., a qual decorreu entre 30.03.2011 e 13.10.2011 – fls. 22, 23 e versos do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico;
2) Em 30.11.2011 foi elaborado o relatório final da acção inspectiva, do qual consta, além do mais, o seguinte:
1. - VEÍCULOS IMPORTADOS E LEGALIZADOS PELA “B……….”
Nos anos em análise a “B………..” contabilizou a aquisição, no mercado comunitário, de 83 veículos, legalizados em seu nome, nos montantes totais do (IVA comunitário incluído):
48 Veículos em 2007 - € 474.006
35 Veículos em 2008 - € 323.872
As aquisições contabilizadas foram validadas através de cruzamento de informação efectuado com a DGAIEC (Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo).
(...)
1.2 - Enquadramento em IRC – Correcções
1.2.1 - Custos não dedutíveis - IVA comunitário
Vários veículos usados importados e legalizados pela “B………..” (ver quadro infra) foram facturados pelos fornecedores comunitários com liquidação de IVA do país de origem, evidenciado nas respectivas facturas.
O SP contabilizou os montantes de IVA comunitário como custo fiscal integrado nos preços de aquisição dos veículos. Ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE) os sujeitos passivos do IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso de IVA suportado em operações efectuadas noutros Estados Membros da União Europeia.
A “B………..” não exerceu o direito à restituição do IVA liquidado pelos fornecedores comunitários.
Sempre que não seja exercido esse direito, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respectivo Código;

Assim, será de corrigir a matéria colectável do IRC dos anos em análise nos montantes correspondentes ao IVA comunitário contabilizado como custo, relativamente aos seguintes veículos:


1.2.2 - Correcções aos proveitos contabilizados
Resultante das correcções às liquidações do IVA fundamentadas nos pontos 1.1.1 e 1.1.2 deste relatório, bem como dos erros cometidos pelo SP na contabilização da venda de alguns veículos, os proveitos que concorrem para formação dos resultados do 2007 e 2008 deverão ser corrigidos.
Em mapa anexo (A3 - 1 fls.) evidenciam-se as correcções a efectuar aos proveitos que concorrem para a formação dos lucros tributáveis de 2007 e 2008, nos montantes totais de € -21.427,29 e € -989,07, respectivamente.
2. - VEÍCULOS IMPORTADOS E LEGALIZADOS POR TERCEIROS
2.1 - A factualidade relevante
Na análise da contabilidade da “B…………” verificamos que uma quantidade significativa dos veículos comercializados pela empresa, ou com intervenção desta, tinham sido importados e legalizados na Alfândega em nome de particulares. Identificados os casos referidos, solicitamos às respectivas Alfândegas a remessa de todos os documentos que serviram de base à legalização.
A intervenção da empresa na comercialização destes veículos assumiu duas vertentes:
A. O veículo é importado em nome do particular (o cliente destinatário da viatura), facturando a “B…………” ao ciente apenas uma verba a título de “comissão por intermediação no negócio”;
B. O veículo é importado em nome do um particular (um terceiro qualquer), que imediatamente o vende à “B…………” por um valor superior ao do custo.
Uma vez que apresentam contornos jurídicos diferentes, trataremos estes dois casos separadamente.
2.1.1 – “Comissões por intermediação”
Face à informação recolhida nas Alfândegas, verificamos que, salvo algumas excepções, os documentos inerentes à legalização dos veículos (factura do fornecedor, DAV, CMR, Transporte) foram emitidos em nome do cliente particular.
Na tentativa de recolha de mais informação que clarificasse a situação, circularizamos os clientes respectivos, por ofício, solicitando a indicação de quem lhe vendeu o veículo, data e preço acordado, bem como a remessa dos documentos relacionados com a operação, nomeadamente cópia da factura de aquisição e prova do pagamento, assim como documentos alfandegários caso tenha importado o veículo. Anexamos (anexo A4 - 1 fls.), a título exemplificativo, cópia de um dos ofícios remetidos.
Com base nas respostas obtidas elaboramos o mapa anexo (A5 - 3 fls.), no qual evidenciamos, veículo a veículo, os elementos relativos: ao cliente, à factura da “comissão de intermediação” emitida pela “B…………” e aos documentos relacionados com a importação. Também, veículo a veículo, reproduzimos sinteticamente as respostas obtidas dos clientes circularizados e produzimos comentário resultante da análise de todos os documentos envolvidos nas operações.
As respostas são elucidativas no sentido de demonstrar que os veículos não foram importados pelos clientes finais, mas sim adquiridas por estes no stand “B…………”.
Alguns dos clientes circularizados são claros em afirmar que adquiriram o veículo no stand B…………” (veja-se as viaturas …………, ………… e …………). Juntam-se cópias destas respostas (anexo A6 3 fls.)
Outros juntaram documentos comprovativos da qualidade do stand “B……….” como vendedor, nomeadamente contratos/propostas de compra e venda celebrados com o stand, declarações de circulação e cartas de garantia emitidas pela “B……….” (veja-se as viaturas ………, ………, ………, ………, ……… e ………).
Junta-se, a título exemplificativo, cópia da proposta de compra e venda do veículo ……… (anexo A7 – 1fls.)
Quanto à prova de pagamento, nenhum deles declarou ou demonstrou que pagou o veículo directamente ao fornecedor comunitário. Pelo contrário, das respostas obtidas verifica-se que os veículos foram pagos à “B……….” pagamentos estes que assumiram várias modalidades, além da entrega de dinheiro vivo:
• Pela entrega de um veículo como parte de pagamento (veja-se as viaturas ………,………, ………, ………, ……… e ………);
• Pela entrega de cheques emitidos à “B……….” ou emitidas em nome do seu sócio “C………” (veja-se as viaturas ………, ………, ……… e ………); Junta-se, a título exemplificativo, cópia de cheque relativo à viatura ……… (anexo A8 - 1 fls.)
• Pelo recurso ao crédito para pagamento do veículo, em cujos contratos consta a firma “B………..” como vendedora (veja-se as viaturas ………, ……… e ………);
De realçar que em dois casos (……… e ………), o veículo foi “importado”por uma pessoa e a factura da “comissão pela intermediação da negócio” foi emitida a outra pessoa. As respostas obtidas quanto a estes casos revelam a confusão existente e corroboram a conclusão de que a “B……..” é efectiva e verdadeira importadora dos veículos.
Verificamos também que muitas das respostas são muito semelhantes, quer no seu aspecto formal (tipo de letra, espaçamento das linhas, gestão do espaço na folha, etc.) e substancial (recorrente utilização da expressão “Fui ao stand “B……….”. Juntam-se algumas destas respostas (anexo 9 - 4 fls.)
Como estas respostas foram remetidas em cartas registadas, pudemos verificar, pela análise dos respectivos registos, que muitas delas foram entregues na mesma estação do correio, no mesmo dia e registadas na mesma hora, o que sugere intervenção da “B……….” neste processo. Concretamente, as respostas relacionadas com os veículos ………, ………, ………, ……… e ………, foram registadas na estação dos CTT da “Praia”, na Póvoa do Varzim no dia 06.06.2011, entre as 16:36 h e as 16:38 h, apesar de os “remetentes”terem residência em locais diversos.
Por outro lado, e no que concerne à suposta comissão facturada aos clientes pela “intermediação no negócio”, boa parte dos clientes circularizados nem refere a existência de tal documento. Apenas nas respostas em que há suspeitas de intervenção da stand na sua elaboração, foi remetida a cópia da factura da comissão, sem, contudo, se ter feito prova da pagamento (excepção para o veículo ………)
De acordo com a informação recolhida nas diversas Alfândegas, na maior parte dos veículos importados consta como declarante/representante …………, gerente da firma “………. - Despachante Oficial, Unipessoal Lda.” com o NIF ………, que prestou o serviço de legalização.
Quanto ao serviço de transporte das veículos, na grande maioria das casos, foram facturadas pela empresa transportadora “…………, Lda.”, NIF ………., com sede em Boticas.
Em nenhuma das respostas obtidas constava a factura daquelas empresas nem a prova do pagamento dos respectivos serviços, como seria normal uma vez que se tratam de documentos relacionados com as operações em análise.
2.1.2 - Importação por particular e imediata venda à “B……….”
Face à informação recolhida nas Alfândegas, verificamos que todos os documentos inerentes à legalização dos veículos (factura do fornecedor, DAV, CMR, Transporte) foram emitidos em nome de um particular. Por sua vez, e em regra, este particular emite, no mesmo mês ou no mês seguinte, uma declaração de venda à “B……….” com um valor superior, por vezes substancialmente superior, ao somatório das gastos suportadas pela aquisição e legalização veículo.
Também aqui circularizamos, por ofício, os particulares em nome de quem foram legalizadas as viaturas e as alienaram à “B……….”, na tentativa de recolha de mais informação. Solicitamos ao particular a confirmação da operação e, em caso afirmativo, a remessa da documentação inerente e da prova de entrega da declaração do IVA pela prática de uma só operação tributável, ou, não confirmando a operação, a indicação da sua verdadeira participação no negócio. Anexamos (anexo A10 - 1 fls.), a título exemplificativo, cópia de um dos ofícios remetidos.
Com base nas respostas obtidas elaboramos o quadro anexo (A11 - 10fls.), no qual evidenciamos, veículo a veículo, os elementos relativos: ao terceiro “importador”, aos documentos relacionados com a importação e à declaração de venda emitida pelo particular à “B……….”. Também, veículo a veículo, reproduzimos sinteticamente as respostas obtidas dos particulares circularizados e produzimos comentário resultante da análise de todos os documentos envolvidos nas operações.
As respostas são elucidativas no sentido de demonstrar que os veículos não foram importados pelos particulares. Pode-se apresentar as respostas em dois grandes grupos:
A) Boa parte dos particulares circularizados declararam expressa e redondamente que “não importaram o veículo”, “não compraram nem legalizaram qualquer veículo”, nada tem a ver com este negócio”, “desconhecem o veículo”, etc. Alguns declaram que não conhecem o stand “B……….”. Outros, apesar de negar a importação do veículo, dizem que conhecem o stand “B……….” na medida em que já lhe haviam adquirido outro(s) veículo(s).
(veja-se as viaturas ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………., ……….., …………, ………., ……….., ………, ……….., ………., …………, ………., ………. e ….........). Juntam-se, a título exemplificativo, algumas destas respostas (anexo A12 -7 fls.)
B) As restantes respostas são elucidativas vagas no seu conteúdo, não respondem minimamente ao solicitado. São muito parecidas na forma (tipo de letra, aspecto, expressões utilizadas, sintaxe, erros gramaticais, etc.), apenas diferindo na identificação do remetente. Começam, quase sempre, pela expressão “dirigi-me ao stand B……….”. Juntam-se, a título exemplificativo, algumas destas respostas (anexo A13 - 18 fls.)
Nestas respostas, são utilizados, recorrentemente, várias justificações para a importação do veículo e para o desinteresse que os levou a vendê-lo ao stand. Começam por dizer que se dirigiram ao stand para adquirir uma viatura, escolhendo-a na Internet ou em catálogos, pedindo ao C……… (familiaridade no tratamento) para a trazer da Alemanha. Entregam cópias do BI e do NIF para a viatura “vir em seu nome”, uma vez que é para si.
Quando a viatura chega, não a querem pelos mais variados motivos: tinha kms a mais, estava acidentada, tinha problemas mecânicos, não era bem igual à que tinha visto no catálogo, não era do seu agrado. Ou então: porque viu outra no stand de que gostou mais, porque apareceu outro cliente no stand que gostou muito dela, porque houve erros na importação através da troca de identidades, ou porque aconteceu alguma coisa na sua vida que lhe impossibilitou ficar com ela por motivos financeiros.
Em todos estes casos, o stand “B……….” aceita ficar com as viaturas rejeitadas, sendo que o particular “importador” emite uma declaração de venda à “B……….”. Na grande maioria destes casos, as declarações pela revenda do veículo ao stand são emitidas por valor substancialmente superior ao do seu custo, o que não é minimamente aceitável. Não é curial que o stand aceitasse pagar muito mais por uma viatura que foi rejeitada pelo “importador”.
Como estas respostas foram remetidas em cartas registadas, pudemos verificar, pela análise dos respectivos registos, que muitas delas foram entregues na mesma estação do correio e registadas na mesma hora, apesar de os “remetentes” terem residência em locais diversos o que sugere intervenção da “B……….” neste processo. Concretamente, as cartas-resposta relacionadas com os veículos infra foram registadas nas estações dos CTT:

• “Praia”, em 06.06.2011, entre as 16:36 h e as 16:39 h: ……….., ………, ………, ………, ………, ………, ………;
• “Praia”, em 09.06.2011, entre as 09:30 h e as 09:34 h: ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………;
• “Caxinas”, em 13.06.2011, entre as 18:28 h e as 18:29 h: ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………;
• “Praia”, em 15.06.20 11, entre as 18:04 h e as 18:06 h: ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………;
Destes casos (B), em nenhuma resposta se fez prova do pagamento do veículo ao fornecedor comunitário, o que seria normal se efectivamente os veículos fossem importados pelos particulares.
Em nenhuma das respostas se aflora, sequer, a questão do ganho obtido pelo particular, e eventual tributação, na venda do veículo à “B……….”
Verifica-se, também, a importação de mais do que um veículo em nome do mesmo particular.
De acordo com a informação recolhida nas diversas Alfândegas, na maior parte dos veículos importados consta como declarante / representante …………., gerente da firma “………..- Despachante Oficial, Unipessoal, Lda.”, com o NIF ……….., que prestou o serviço de legalização.
Quanto ao serviço de transporte dos veículos, na grande maioria dos casos, foram facturados pela empresa transportadora “…………….., Lda., NIF …………, com sede em Boticas.
Em nenhuma das respostas obtidas constava a factura daquelas empresas nem a prova do pagamento dos respectivos serviços, como seria normal uma vez que se tratam de documentos relacionados com as operações em análise.
2.1.3 - Movimentos financeiros
Face à contabilidade da “B……….”, nos anos em análise foram movimentadas duas contas bancárias: N.º ………. no Finibanco e N.º ……….. no BPN.
Analisadas as conciliações bancárias efectuadas pudemos verificar que os movimentos financeiros efectuados nestas contas bancárias foram relevados nas contas de Depósitos da contabilidade.
Porém, em análise às contas dos fornecedores (contas 22...,), verificamos que só os movimentos comerciais com fornecedores nacionais mereciam relevo contabilístico nestas contas. Ou seja, não existem na contabilidade contas-correntes dos fornecedores comunitários.
Inquirido o sócio da “B……….” sobre esta realidade, incomum em empresas que adquirem bens a fornecedores estrangeiros, declarou que pagava a dinheiro todas as aquisições na comunidade, justificando com o facto de assim conseguir melhores preços.
Apesar de se admitir que alguns negócios se efectuam a troco de dinheiro vivo, não é curial que aquisições frequentes a dado fornecedor sejam sempre pagas em dinheiro.
Por outro lado, nas respostas obtidas nas circularizações efectuadas (referenciadas supra), pudemos comprovar que alguns clientes emitiram cheques em nome do sócio da empresa “C…………” ou, simplesmente, “C…………”.
O que indicia que possa existir uma terceira conta, em nome do sócio da empresa, que não consta na contabilidade, utilizada para pagamentos e recebimentos de transacções comerciais, nomeadamente compra e venda de viaturas, que se pretendem ocultar dos registos contabilísticos.
Este indício foi corroborado através da verificação de um documento bancário, constante de uma das respostas dos clientes circularizados, que comprova a existência de uma conta bancária no BPN, com o n.º ……….., em nome do dito sócio da empresa. Este documento suporta uma transferência bancária a favor da empresa alemã “…………. GMBH”, no montante de € 16.900. Esta transferência está relacionada com a importação do veículo marca MINI a que foi atribuída a matrícula nacional ……….
De acordo com a informação a que tivemos acesso, a remetida pela DGAIEC e a recolhida da contabilidade da “B……….” e no que a este veículo diz respeito, verifica-se o seguinte:
• Importado e legalizado formalmente em nome de ………, cujo DAV tem o n.º 66585 de 22.08.2008;
• Adquirido à empresa alemã “……… GmbH”, NIF DE ………, por € 16.900, que emitiu a factura n.º VRGGFZ8100940 em nome do referido adquirente;
• A “B……….” contabilizou a aquisição desta viatura ao referido ………, suportada documentalmente numa declaração de venda emitida por, ou em nome, deste, em 25.08.2008, pelo preço de € 22.000 (de realçar a discrepância como valor de aquisição, mesmo adicionado de valor do ISV pago - € 2.155);
• A “B……….” alienou este veículo à firma “………, SA”, NIF ………, pelo preço de € 23.500. O referido “importador” ……… é sócio desta empresa ……….
Ou seja, este veículo apesar de “importado” formalmente em nome de um particular, foi pago pelo sócio da “B……….” através de transferência da sua conta particular.
Em síntese e considerando que a “B……….” não escritura na sua contabilidade quaisquer contas-correntes de fornecedores comunitários, invocando que todos os pagamentos são efectuados em dinheiro, e face à prova relacionada com o pagamento do veículo ………, supra explanada, concluímos que as importações de veículos referenciados neste relatório realizadas em nome de particulares, mas efectivamente efectuadas pela “B……….” (conforme prova reunida através das respostas obtidas), teriam sido pagas através da utilização desta conta particular aberta em nome do sócio “C……….”.
Juntam-se cópias dos documentos relacionados com o veículo supra: DAV, factura do fornecedor comunitário, documento de transferência bancária, declaração de venda emitida pelo “importador” ……… (anexo A14 - 5 fls.)
2.2 - Enquadramento fiscal
2.2.1 - “Comissões por intermediação”
Apesar de ser uma situação que se pode aceitar quando acontece esporadicamente, no presente caso a considerável quantidade de veículos nestes condições (cerca de 30) levantou-nos suspeitas quanto à realidade dos negócios formais revelados pelos documentos.
Em condições normais, seria a “B……….” a importar o veículo e a vendê-lo no mercado nacional com a respectiva margem de lucro.
Porém, a habitual configuração jurídica dos negócios praticados pelo SP foi substituída por um conjunto de actos jurídicos formais encadeados de forma a preencher idêntica finalidade - vender o veículo ao cliente final, mas obtendo uma significativa redução da carga fiscal.
Esquematicamente:



Dos factos relatados no ponto 2.1.1 supra pode concluir-se que o verdadeiro comerciante das viaturas foi a “B……….”, isto é, foi a “B……….” que adquiriu os veículos aos fornecedores comunitários referidos e os vendeu aos clientes finais. Esta conclusão é alicerçada no seguinte:
• A “B……….”pagou os fornecimentos de veículos efectuados por aqueles fornecedores, para o que teria utilizado uma conta bancária aberta em nome do seu sócio;
• Se a compra fosse efectuada directamente pelo cliente, seria normal que o pagamento fosse feito por este. Pelo contrário, nas respostas à circularização nenhum dos clientes provou que tivesse efectuado qualquer pagamento ao fornecedor comunitário;
• Aliás, nestas respostas, alguns clientes declararam que pagaram os veículos à “B……….” em várias modalidades, como referida no ponto 2.1.1;
• Acresce o facto de alguns clientes terem recorrido ao crédito, em cujos processos surge a “B……….” como fornecedora do veículo, sendo que os montantes financiados foram entregues directamente à “B……….” pelas sociedades financeiras;
• Relevante o facto do nenhum dos clientes “importadores” nos remeter as facturas dos prestadores dos serviços de legalização da viatura e do transporte, talvez porque não a tenham em seu poder na medida em que o serviço foi contratado e pago pela “B……….”;
• Por fim, o resultado da circularização - relevante a resposta de alguns dos clientes circularizados que responderam claramente que adquiriram o veículo na “B……….”;
• Quanto aos restantes, a experiência nestes casos diz-nos que a primeira reacção do particular circularizado quando recebe a carta é dirigir-se ao “stand” perguntando se há algum problema, o qual poderá manipular a resposta a seu contento;
• E, de facto, tudo indica que assim foi, na medida em que as várias das respostas são vagas sem responder com clareza aos quesitos solicitados. Acresce a tudo isto as ilações que a análise dos registos postais das cartas propiciou, resultando claro uma intervenção da “B……….” na elaboração e conteúdo destas respostas.
Constata-se, assim, a existência de um conjunto de actos jurídicos de natureza artificiosa em detrimento do configuração jurídica habitual vulgarmente seguida para a obtenção do mesmo resultado económico – a compra do veículo no mercado comunitário e a venda ao cliente nacional.
Face a estas conclusões, serão de corrigir os valores declarados pela “B……….” quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, nos termos expostos nos pontos seguintes:
(...)
2.2.1.2 - Correcções em sede de IRC
Constituindo a “comissão” facturada aos clientes o valor acrescentado pelo SP, a contabilizar como proveito, daqui não resultariam correcções na medida em que os valores facturados foram contabilizados como proveito.
Porém, das respostas obtidas pudemos comprovar, relativamente a alguns dos veículos, o preço de venda efectivamente acordado entre a vendedora “B……….” e o cliente final (cfr. coluna [22] do mapa anexo A 15).
Nestes casos, o proveito contabilístico corresponderá à diferença entre o preço total acordado (coluna [22]) e o IVA liquidado (colunas [23] ou [24]).
A correcção em IRC corresponderá à diferença entre o proveito contabilístico determinado nos termos supra descritos e o custo com a aquisição do veículo (preço de aquisição + IA/ISV), líquido do IVA comunitário suportado. A esta diferença se deduzirá o valor facturado pela “B……….”a título de comissão, uma vez que já foi contabilizado como proveito.
As correcções a efectuar estão evidenciadas no mapa seguinte, cujos valores foram extraídos do mapa anexo A 15:




2.2.2 - Importação por particular e imediata venda à “B………”
À primeira vista parece estarmos perante situações de actos isolados de comércio levados a cabo pelos particulares no sentido de realizaram algum rendimento. Mas da análise que efectuamos e das circunstâncias dos casos, não parece que esta tese tenha substância.
Em condições normais, seria a “B………” a importar o veículo e a vendê-lo no mercado nacional com a respectiva margem de lucro.
Porém, a habitual configuração jurídica dos negócios praticados pelo SP foi substituída por um conjunto de actos jurídicos formais encadeados de forma a preencher idêntica finalidade – vender ao seu cliente final, mas obtendo uma significativa redução da carga fiscal.
Esquematicamente:





Dos factos relatados no ponto 2.1.2 supra pode concluir-se que o verdadeiro comerciante das viaturas foi a “B………..”, isto é, foi a “B………..” que adquiriu os veículos aos fornecedores comunitários referidos e os vendeu aos clientes finais, sem intervenção dos particulares que aparecem no meio do circuito. Esta conclusão é alicerçada no seguinte:
• A “B………..”pagou os fornecimentos de veículos efectuados por aqueles fornecedores, para o que teria utilizado uma conta bancária aberta em nome do seu sócio;
• Se a compra fosse efectuada pelos particulares, seria normal que o pagamento fosse feito por este. Pelo contrário, nas respostas à circularização nenhum dos particulares “importadores”provou que tivesse efectuado qualquer pagamento ao fornecedor comunitário;
• Do resultado da circularização efectuada aos particulares em nome de quem foram legalizadas as viaturas, um grupo significativo respondeu claramente que não importaram o veículo nem o alienaram à “B………..”. Alguns deles afirmam desconhecer a empresa. Outros que a conhecem porque já negociaram com ela. É evidente a utilização dos seus dados pessoais, por parte da “B………..” para a importação e legalização dos veículos e consequente revenda fictícia dos mesmos à empresa.
• Quanto aos restantes, a experiência nestes casos diz-nos que a primeira reacção do particular circularizado quando recebe a carta é dirigir-se ao “stand”perguntando se há algum problema, o qual poderá manipular a resposta a seu contento;
• E, de facto, tudo indica que assim foi, na medida em que as restantes respostas são muito semelhantes na sua forma e conteúdo, utilizando argumentos repetitivos e pouco credíveis;
• Acresce a tudo isto as ilações que a análise dos registos postais das cartas-resposta propiciou, na medida em que, muitas delas, foram registadas na mesma estação dos Correios, no mesmo dia e à mesma hora, resultando claro uma intervenção da “B………..” na elaboração e conteúdo das respostas;
• Absurdos os argumentos invocados pela generalidade dos particulares para justificarem a importação dos veículos e o seu desinteresse pelo mesmo, que resultou numa revenda imediata à “B……….”.
• A ser assim, e pretendendo livrar-se do veículo para reaver as importâncias despendidas, seria normal que o revendessem pelo preço de custo, o que não se verificou na medida em que as declarações de venda emitidas à “B……….” são de valor significativamente superior ao custo total do veículo; Porém, nenhum deles refere na resposta que está a revender o veículo por preço superior ao do seu custo total, obtendo daí um ganho que seria tributado (se fosse real).
• A corroborar toda esta montagem, a “utilização” do mesmo particular, mais do que uma vez para dar o nome na aquisição e legalização dos veículos.
• Relevante o facto de nenhum dos particulares “importadores” remeter a factura dos prestadores dos serviços de legalização da viatura e do transporte, talvez porque não a tenham em seu poder na medida em que os serviços foram contratados e pagos pela “B……….”;
Também aqui se constata a existência de um conjunto de actos jurídicos de natureza artificiosa em detrimento da configuração jurídica habitual vulgarmente seguida para a obtenção do mesmo resultado económico – a compra do veículo no mercado comunitário, sem a intervenção de terceiros, e a venda ao seu cliente nacional.
Face a estas conclusões, serão de corrigir os valores declarados pela “B……….”, quer em sede de IVA quer em sede de IRC, nos termos expostos nos pontos seguintes.
(...)
2.2.2.2 - Correcções em sede de IRC
Nos veículos em questão a “B……….” apurou um resultado bruto correspondente à diferença entre o preço facturado aos seus clientes, líquido do IVA liquidado (pela margem,) e o preço de aquisição incluído nas declarações de venda emitidas pelos particulares “importadores”.
O resultado bruto não relevado contabilisticamente corresponde à diferença entre o valor “facturado” pelo particular “importador” e o custo total de aquisição do veículo (preço de aquisição + IA/ISV), excluído do IVA comunitário, uma vez que, conforme fundamentação do ponto 1.2 supra, o IVA comunitário não poderá ser aceite como custo.
As correcções a efectuar, evidenciadas no mapa “PROVEITOS NÃO RELEVADOS” em anexo (A 17 - 2 fls.), são do montante total de:
Ano de 2007 - € 224.700,95
Ano de 2008 - € 301.757,88
3. - Outras correcções ao lucro tributável do IRC
3.1 - Custos não dedutíveis - compras registadas em duplicado
O SP contabilizou em duplicado as seguintes aquisições. Estes gastos contabilizados em duplicado não são aceites fiscalmente, face ao disposto no art. 23.º do Código do IRC.
• Contabilizou na conta 31217, em Agosto de 2007 (lançam/ n.º 0708001), a factura n.º 20720301, emitida em 01.08.2007 pela firma ………………………., SA”, NIF ……….., referente à aquisição do veículo marca AUDI, matricula ……….. pelo preço de € 34.500,00. Em Dezembro de 2007 (lançam/ n.º 0712047) contabilizou a mesma factura, na mesma conta, pelo mesmo valor. Consequentemente, o resultado do exercício de 2007 foi afectado negativamente em € 34.500,00, pelo que será de acrescer aquele montante;
• Contabilizou na conta 31217, em Março de 2007 (lançam/ n.º 0703012), a declaração de venda emitida em 07.03.2007 por ………… NIF …………, referente à aquisição do veículo da marca VW, matrícula ………. pelo preço de € 8.500,00. O veículo não consta, como devia, do inventário de existências finais de 2007. Em Dezembro de 2008 (lançam/ n.º 0812029) contabilizou o mesmo documento, na mesma conta, pelo mesmo valor. Consequentemente, o resultado do exercício de 2007 foi afectado negativamente em € 8.500,00, uma vez que não inclui o veículo no stock final. Será de acrescer ao resultado de 2007 aquele montante;
• Contabilizou na conta 31217, em Dezembro de 2007 (lançam/ n.º 0712061), a Declaração Aduaneira de Veículo n.º 200610048603, de 11.04.2006, referente à importação do veículo marca Mercedes, matrícula …………, pelo valor de € 17.956,63. O veículo consta do inventário de existências finais de 2007 pelo mesmo valor. Em Fevereiro de 2008 (lançam/ n.º 0802006) contabilizou, na mesma conta, a declaração de venda emitida em 04.02.2008 por ……….., NIF …………, referente à aquisição do mesmo veículo pelo preço de € 18.250,00. Uma vez que não há registo na contabilidade de qualquer venda ao referido vendedor, verifica-se duplicação do registo da aquisição do mesmo veículo.
Consequentemente, o resultado do exercício de 2008 foi afectado negativamente em € 18.250,00, pelo que será de acrescer ao resultado de 2008 este montante.
3.2 - Multas e outras penalidades
O SP contabilizou, em 2008, como custo contabilístico na conta “695-Multas e penalidades”, a importância de € 1.722,17.
Face ao disposto no art. 45.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRC, estes encargos não são dedutíveis para efeitos ele determinação do lucro tributável.
Como o SP não procedeu ao acréscimo (no quadro 07 da declaração mod. 22 do IRC) deste montante ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do lucro tributável, será efectuada a correspondente correcção ao lucro tributável declarado.
4. - Síntese das Correcções
(...)
4.2 - IRC

Ajustamentos de prejuízos
Para determinação da matéria colectável de 2008, a “B……….” deduziu o prejuízo apurado em 2007, no montante de € 61.803,52, apurando uma matéria colectável de € 19.411,09.
Face às correcções ao resultado de 2007, supra evidenciadas, que transformaram o prejuízo em lucro, o referido prejuízo apurado pelo SP em 2007 e deduzido em 2008, terá que ser ajustado para zero.
Assim, a matéria colectável para 2008 será corrigida para:
Matéria colectável declarada 19.411,09
Correcções ao lucro tributável 332.868,11
Ajustamentos aos prejuízos deduzidos 61.803,52
Matéria colectável corrigida 414.082,72
- fls. 23 a 76 e versos do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
3) Em sede de acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou informações relativas a importações de viaturas aos particulares: ………. (sobre a viatura com a matrícula ………..); ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..); ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..); ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..); ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..); ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..); e ……….. (sobre a viatura com a matrícula ………..), os quais informaram que não são os proprietários das viaturas em causa, não tendo procedido à respectiva importação por si mesmos ou através da Impugnante – fls. 49 e verso, 50 e verso, 54/verso, 55, 60 a 64 e versos, do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
4) Sobre o relatório de inspecção recaiu Parecer e Despacho concordantes, datados de 02.12.2011, tendo sido efectuadas correcções aritméticas, em sede de IVA e IRC, que determinaram a correcção da matéria colectável dos anos de 2007 e 2008 em € 265.720,25 e € 332.868,11, respectivamente, tendo sido fixado o valor do lucro tributável corrigido em € 203.916,73 para o ano de 2007 e em € 414.082,72 para o ano de 2008 – fls. 22 e verso da 34 do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico;
5) Foi efectuada liquidação oficiosa de IRC no valor de € 58.104,45 referente ao ano de 2007 e de € 108.166,93 referente ao ano de 2008 – acordo e fls. ... do processo físico;
6) Para além da venda de viaturas em exposição nas suas instalações, a Impugnante procedia à importação de viaturas a pedido de clientes e de acordo com as escolhas concretas efectuadas por estes através de páginas da internet – depoimento das testemunhas ………. e ………. e declarações do impugnante;
7) No âmbito dos serviços mencionados em 6), era prática da Impugnante proceder à negociação com os fornecedores estrangeiros, transportar as viaturas até Portugal e tratar da documentação relativa à legalização das viaturas importadas – depoimento das testemunhas ………. e ………. e declarações do legal representante da impugnante;
8) No âmbito dos serviços mencionados em 6), verificaram-se várias situações (em número não apurado) em que a Impugnante adiantou o pagamento do preço aos fornecedores estrangeiros por conta dos clientes nacionais – depoimento das testemunhas ……… e ……….. e declarações do legal representante da impugnante;
9) No âmbito dos serviços mencionados em 6), verificaram-se várias situações (em número não apurado) em que a Impugnante adquiriu as viaturas importadas aos seus clientes, por perda de interesse destes nos veículos em causa ou por falta de capacidade financeira para a aquisição — depoimento das testemunhas ……….. e ……….. e declarações do legal representante da impugnante;
10) Em 17.05.2012 a Impugnante apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação adicional em sede de IRC e juros compensatórios relativos aos anos de 2007 e 2008, pedindo a anulação dos actos mencionados – fls. 2 a 17 e versos do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
11) Em 27.12.2012 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante.
12) Em 22.01.2013, a Impugnante apresentou Recurso Hierárquico daquele indeferimento, que veio a ser indeferido por decisão de 21.11.2013 – fls. 3 a 21, do processo administrativo referente ao recurso hierárquico, junto ao processo físico.
13) Em 12.03.2014 a Impugnante apresentou a presente impugnação – fls. 1 a 51 do processo físico.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, não tendo sido provado, concretamente, que:
a) A Impugnante foi a verdadeira adquirente, em nome próprio, das viaturas com as matrículas ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ……….. (consideradas para efeitos de correcção aos proveitos da Impugnante nos termos de fls. 17 do relatório de inspecção, a fls. 31/verso do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico); ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ………..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ……..; ………; ………; ………; ………; ……… e ……… (consideradas para efeitos de correcção aos proveitos da Impugnante nos termos de fls. 21 do relatório de inspecção, a fls. 33/verso, e de fls. 50 a 59 e versos do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico), tendo adquirido as mesmas a fornecedores de outros Estados-Membros da União Europeia e vendido posteriormente aos clientes finais, sem intervenção destes na importação;
b) A Impugnante pagava os veículos importados aos fornecedores utilizando uma conta bancária aberta em nome do seu sócio C………..;
c) Foram celebrados contratos de financiamento dos quais constava a Impugnante como fornecedora dos veículos a adquirir;
d) As respostas constantes dos Anexos A9 e A13 ao relatório de inspecção (a fls. 47 a 48 e versos; 65 a 73 e versos, respectivamente, do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico) foram redigidas pela Impugnante e por esta remetidas por via postal registada;
e) Relativamente às viaturas constantes do Anexo A11 ao relatório de inspecção (a fls. 50 a 59 e versos do processo administrativo referente à reclamação graciosa, junto ao processo físico), a Impugnação adquiriu-as aos seus clientes por preço superior ao da importação».
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A sociedade acima identificada, que se dedica à actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros, em ordem à determinação da matéria tributável dos exercícios dos anos de 2007 e 2008 para efeitos de IRC, deduziu como gastos o IVA que suportou com as aquisições de veículos efectuadas a fornecedores de outros Estados-Membros da União Europeia.
A AT, invocando que a Impugnante, ao abrigo do disposto na 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), podia ter exercido o direito ao reembolso do IVA suportado nessas aquisições e que não o fez, entendeu que os montantes correspondentes a esse IVA, liquidado por aqueles fornecedores e por ela suportado, não constitui custo dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável «porque não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do respectivo Código [CIRC]», motivo por que procedeu à correcção que, a par de outras que ora não nos interessa considerar, deram origem às liquidações adicionais impugnadas.
A sociedade originária devedora, após ver indeferidos os meios graciosos de reacção contra aquela liquidação, designadamente a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, apresentou a presente impugnação judicial.
Como bem salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a Impugnante assacou às liquidações adicionais de IRC «vício de erro nos pressupostos por duas ordens de razões: em primeiro lugar, alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira não provou se a Impugnante exerceu ou não o direito de reembolso do IVA suportado em operações efectuadas com os Estados Membros da União Europeia; em segundo lugar, invoca que a Autoridade Tributária e Aduaneira não recolheu indícios suficientes que permitam concluir que as aquisições foram, na verdade, efectuadas pela Impugnante na qualidade de verdadeira adquirente».
Por isso, bem, considerou que ficaram fora do âmbito da presente impugnação judicial as demais correcções efectuadas pela AT à matéria tributável declarada.
Quanto às duas correcções cuja legalidade considerou ser posta em causa na presente impugnação judicial e relativamente às quais julgou procedente a impugnação judicial, diremos desde já que a AT apenas questiona em sede de recurso a primeira, como resulta da leitura das alegações de recurso e respectivas conclusões. Assim, podemos desde já adiantar que neste recurso apenas está em causa saber se a sentença decidiu bem pela ilegalidade da correcção que a AT efectuou por desconsiderar como custo para efeitos da determinação da matéria tributável dos exercícios de 2007 e 2008 o IVA suportado pela sociedade ora Recorrente com as aquisições de viaturas efectuadas noutros Estados-Membros da União Europeia.
Delimitado o âmbito do recurso, recordemos desde já a fundamentação utilizada pela AT para desconsiderar o custo e que, sob a epígrafe «Custos não dedutíveis – IVA comunitário», consta do relatório elaborado no final da acção inspectiva de que a sociedade foi objecto: «Vários veículos usados importados e legalizados pela “B……….” (ver quadro infra), foram facturados pelos fornecedores comunitários com liquidação de IVA do país de origem, evidenciado nas respectivas facturas.// O SP contabilizou os montantes de IVA comunitário como custo fiscal integrado nos preços de aquisição dos veículos.// Ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE) os sujeitos passivos do IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso de IVA suportado em operações efectuadas noutros Estados Membros da União Europeia.// A “B……….” não exerceu o direito à restituição do IVA liquidado pelos fornecedores comunitários.// Sempre que não seja exercido esse direito, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respectivo Código; // Assim, será de corrigir a matéria colectável do IRC dos anos em análise nos montantes correspondentes ao IVA comunitário contabilizado como custo».
A sociedade ora recorrente, discordando desse entendimento, argumentou na petição inicial de impugnação, a esse propósito, que incumbia à AT provar a não verificação do requisito da indispensabilidade do custo, o que passaria pela comprovação do efectivo não exercício do direito de reembolso do IVA, prova que a AT não logrou efectuar. Mais parece relacionar essa argumentação com a violação dos princípios da verdade material e do inquisitório em sede de procedimento, tecendo ainda diversos considerandos sobre a distribuição do ónus da prova, e com a violação da obrigação de fundamentação dos actos tributários.
Vejamos agora, em resumo, o que decidiu a sentença quanto a esta correcção para decidir, como decidiu, pela sua ilegalidade.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto começou por dizer que cumpria verificar os requisitos de que a lei faz depender a dedutibilidade dos custos para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Desincumbindo-se dessa tarefa, após enunciar as disposições legais pertinentes – designadamente os arts. 3.º, n.º 2, 17.º e segs., maxime, o 23.º, todos do CIRC, na redacção aplicável ao tempo ( Note-se que, aqui como adiante – a menos que haja expressa menção em contrário – nos referimos à versão do CIRC em vigor à data dos factos, ou seja, na versão anterior à republicação de 2009, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.) – e fazer referência à doutrina e à jurisprudência, concluiu que «[o]s custos ou perdas das empresas constituem, assim, os elementos negativos da conta dos resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa, o mesmo é dizer para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» e que «[r]esulta, assim, das normas e jurisprudência citadas que a indispensabilidade dos custos se assume como um requisito essencial para que se possa considerar os mesmos como contabilisticamente aceites (e fiscalmente considerados), devendo a mesma ser comprovada».
De seguida, considerou ser certo que, de acordo com a 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro de 1979, na versão que lhe foi dada pela Directiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, «os sujeitos passivos de IVA estabelecidos em território português têm direito ao reembolso do IVA suportado em operações efectuadas noutros Estados-Membros da União Europeia, conquanto cumpram as regras ali estabelecidas», direito que considerou também resultar da denominada Directiva IVA, a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, designadamente do seu art. 168.º.
Aplicando esses considerandos ao caso sub judice, entendeu que «o IVA suportado [pela Impugnante] nas transacções com fornecedores de outros Estados-Membros era susceptível de ser reembolsado» e que resulta dos autos que «a impugnante não exerceu o direito de reembolso junto das entidades europeias competentes», motivo por que concluiu: «existe de facto um custo para a impugnante e que assim sendo foi indispensável para a realização da sua actividade».
Antes de rematar a apreciação da questão e de considerar que a impugnação judicial procede nesta parte, deixou ainda registado um parágrafo do seguinte teor: «Por outro lado, afigura-se-nos que assiste razão à impugnante quando refere que há falta de fundamentação da liquidação e a violação do princípio do inquisitório e da verdade material previsto no art. 58.º, da LGT, porquanto a AT não efectuou todas as diligências a que está obrigada nos termos desta norma com vista ao apuramento da verdade material, não tendo indagado a razão de ser de não ter havido reembolso, pelo que a consideração de que tal custo não pode ser indispensável, na medida em que em abstracto era reembolsável, por si só, sem outras considerações, revela-se não fundamentado e violador dos referidos princípios».
Com esse parágrafo concluiu o tratamento da questão de saber se pode considerar-se como custo dedutível para a determinação do lucro tributável em IRC, o IVA suportado em transacções intracomunitárias quando o sujeito passivo não exerce o direito ao reembolso, questão a que deu resposta positiva.
Como adiantámos supra, essa questão é a única que constitui objecto do presente recurso, pois a Fazenda Pública, na motivação do recurso que veio interpor da sentença, que rematou com 68 conclusões, só quanto a ela exprimiu discordância com a sentença. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, essa discordância assenta, essencialmente, na circunstância de considerar que, contrariamente ao que sustentou a sentença, quando o sujeito passivo não exerce o direito de reembolso do IVA nos termos da 8.ª Directiva do Conselho, o montante do IVA por ele suportado não pode ser deduzido como custo para efeitos da determinação da matéria tributável em IRC, por, nessas circunstâncias, não se poder considerar verificado o requisito da indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do CIRC. Complementarmente, discorda também do entendimento sustentado na sentença quanto aos princípios da verdade material e do inquisitório, que considera terem sido escrupulosamente observados e põe a cargo da ora Recorrida as consequências do incumprimento do ónus da prova da não obtenção do reembolso do IVA; discorda ainda da sentença no que respeita à falta de fundamentação da liquidação, pois considera que o relatório da fiscalização deu a conhecer os fundamentos de facto e de direito e todo o «itinerário cognoscitivo e valorativo» subjacente à correcção em causa, que a sociedade ora Recorrida, aliás, demonstra conhecer perfeitamente.
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber
i) se a sentença recorrida decidiu correctamente quando considerou que a AT violou a lei ao desconsiderar como custo fiscal para efeitos da determinação da matéria tributável de IRC (corrigindo a matéria tributável declarada e, consequentemente, procedendo às liquidações impugnadas) com fundamento na falta de verificação do requisito da indispensabilidade ínsito no n.º 1 do art. 23.º do CIRC (sempre na referida redacção) os encargos suportados pela ora Recorrida com o IVA respeitante às aquisições de veículos feitas noutros Estados-Membros da União Europeia; se essa questão for respondida negativamente, então haverá que prosseguir com a apreciação das questões de saber
ii) se a sentença fez correcto julgamento quanto às invocadas violação dos princípios da verdade material e do inquisitório em sede procedimental [cfr. art. 58.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro] e da falta de fundamentação da liquidação [cfr. art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 77.º da LGT e art. 152.º do Código do Procedimento Administrativo].
2.2.2 DA INDISPENSABILIDADE COMO REQUISITO DA RELEVÂNCIA FISCAL DO CUSTO COM O IVA SUPORTADO NAS AQUISIÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS
O que temos de indagar é se a correcção em causa podia ou não ser efectuada com o fundamento que o foi, i.e., ao abrigo do disposto no art. 23.º, n.º 1, do CIRC, por a AT considerar que não estava verificado um dos requisitos de que essa norma fazia depender a caracterização de um custo como custo fiscal: a indispensabilidade.
Dizia o art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável à data:
«1- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
(…)
j) Encargos fiscais e parafiscais;
(…)»
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável ( Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».), tanto mais que, por imperativo constitucional (cfr. art. 104.º, n.º 2 («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), da CRP), a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (E que se prendem com os fins extra-fiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).
No caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade do custo, que a AT aceita, mas apenas a sua indispensabilidade. Impõe-se-nos, pois, indagar em que consiste essa indispensabilidade, uma vez que a lei, não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis constantes das diversas alíneas do referido art. 23.º – entre as quais se incluem «os encargos fiscais e parafiscais» –, exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743.
Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ff886014e34df8d80258152004d86f8.).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 - T, disponível em
http://www.caad.org.pt/userfiles/file/P29%202012T%20-%202012-06-15%20-%20JURISPRUDENCIA%20-%20Decisao%20Arbitral.pdf.).
O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa.
Tendo em conta que a actividade da ora Recorrida é o comércio de veículos automóveis ligeiros, afigura-se-nos inquestionável que o custo respeitante ao IVA suportado na aquisição intracomunitária daqueles veículos, inserindo-se sem margem para dúvida na actividade exercida, é, à luz das regras da experiência, potencialmente gerador de proveitos. Não pode sequer considerar-se existir, no momento relevante para aferir da indispensabilidade, qualquer dúvida quanto à correlação do custo com a actividade prosseguida (Se a AT tiver dúvidas, em face de um determinado custo, quanto à sua correlação com o escopo social do contribuinte, deverá solicitar a colaboração deste (que é que está em melhor situação para o efeito), indicando qual a motivação inerente e o objectivo prosseguido com o custo em causa. Trata-se aqui, contrariamente ao que parece entender o Juiz a quo, não de uma questão de repartição de ónus da prova, mas antes de um «dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”» (cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade…, pág. 276, bem como VÍTOR FAVEIRO, Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, pág. 848).).
É certo que, como alega a Recorrente e a sentença deu como provado, a sociedade ora Recorrida não pediu o reembolso daquele imposto ao abrigo do disposto na 8.ª Directiva do Conselho, direito que lhe assistia. Mas, salvo o devido respeito, o não exercício desse direito – como direito que é, e não um ónus («Por ónus entendemos a necessidade de adopção de um comportamento para realização de um interesse próprio. O onerado não deve: pode livremente praticar ou não um certo acto, mas se o não praticar não realizará certo interesse» e «O onerado, se não acatar o ónus, não infringe nenhum dever, nem a sua conduta é ilícita, mas perde ou deixa de obter uma vantagem» (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 178).) – não tem como consequência a perda da possibilidade de deduzir o IVA suportado como custo na determinação da matéria tributável de IRC.
É certo que a AT, pela Circular n.º 14/2008 da Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, de 11 de Julho de 2008 (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/AB950A52-ABE5-4A0B-94B9-CA9D89EF78B4/0/Circular%2014_08.pdf.), pretendendo esclarecer «dúvidas sobre o enquadramento fiscal, em sede de IRC, do IVA suportado em resultado de não ser exercido o direito à sua restituição, conferido pela 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro», veio dizer, no seu ponto 2, que «[s]empre que não seja exercido esse direito, o montante do IVA contabilizado como custo não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, porque não se verifica o requisito de indispensabilidade exigido pelo n.º 1 do artigo 23.º do respectivo Código».
No entanto essa circular, que a Recorrente invoca quer nos seus termos literais quer na sua razão de ser – aliás, afirmando expressamente que «nunca a impugnante contestou a ratio da Circular» –, não diz porque não se verifica o requisito da indispensabilidade se não for exercido o direito ao reembolso do IVA; afirma-o, pura e simplesmente.
É sabido que a doutrina administrativa, sendo obrigatória para os serviços da AT (cfr. art. 68.º-A, n.º 1, da LGT), não é vinculativa para os tribunais. Na verdade, as instruções administrativas apenas são vinculativas para os serviços hierarquicamente dependentes do serviço que as emitiu. Por outro lado, as ordens internas da AT, seja qual for a forma que revistam – “despachos genéricos”, instruções, circulares ou outra – não são fontes de Direito Fiscal «porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem» (SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, pág. 111.). A doutrina nelas veiculada apenas poderá convencer de que fazem a melhor interpretação da lei em razão da sua fundamentação.
Como deixámos já dito, os fundamentos que a AT externou em ordem à fixação da doutrina da referida circular não nos permitem aferir da validade da mesma. Quanto à alegada ratio da mesma, correndo o risco de não alcançarmos a verdadeira razão de ser subjacente à solução preconizada pela circular, ela será a seguinte: sendo o IVA reembolsável a pedido do sujeito passivo de IRC, se este não exercer esse direito, conclui-se que o custo só foi incorrido porque o sujeito passivo optou por não formular o pedido e, por conseguinte, o mesmo não pode ter-se por indispensável à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da fonte produtora.
A ser essa a razão de ser da circular, pouco temos a acrescentar ao que deixámos já dito em torno do requisito da indispensabilidade, afigurando-se-nos que a interpretação que a AT terá feito do mesmo está há muito afastada pela doutrina e pela jurisprudência. Tal interpretação, salvo o devido respeito, assenta num entendimento insustentável, quer à luz dos princípios legais que enformam a tributação sobre o rendimento, quer à luz das regras da experiência e até da praticabilidade, qual seja o de que apenas poderiam considerar-se como custos dedutíveis os estritamente indispensáveis «para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», ficando de fora na determinação da matéria tributável todos aqueles que, não obstante não se questione a sua ligação a esse desígnio, se revelam de algum modo ou em alguma medida supérfluos ou não literalmente indispensáveis para o mesmo. No limite, haveria de se desconsiderar todos os gastos relativamente aos quais se comprovasse que poderiam ter sido incorridos por um valor inferior àquele por que o foram efectivamente. Isto, note-se, sem que a AT fizesse qualquer demonstração de intenção de evasão fiscal.
Nessa tese, todas as opções do sujeito passivo de IRC no âmbito da sua actividade que não se mostrassem as mais económicas seriam penalizadas, pois o custo, na parte em que excedesse essa perfeição economicamente utópica, não seria deduzido para efeitos de determinação da matéria tributável. Levada ao extremo, a tese constituiria um entrave intransponível à iniciativa privada e a toda a actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, pois exigiria do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento que fizesse sempre as melhores opções económicas e jurídicas, sob pena de ser penalizado em sede de imposto sobre o rendimento.
Manifestamente, não é essa a vontade do legislador, que logo na Lei fundamental (cfr. o art. 104.º, n.º 2, da CRP) consagrou como objecto da tributação das empresas o rendimento real e não o rendimento ideal.
A indispensabilidade, tal como a entendemos, configura uma ligação dos custos à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em suma, à actividade desenvolvida pelo contribuinte, pelo que só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.
Concluímos, assim, que não há motivo para desconsiderar como custo fiscal o IVA em causa.
A sentença que, com fundamentação adequada e bem estruturada, decidiu nesse sentido, não merece censura.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.
II - No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.
III - Em conformidade, sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à comercialização de veículos, não pode a AT desconsiderar os custos por ela suportados com o IVA respeitante à aquisição de veículos noutros Estados-Membros da União Europeia com o fundamento de que o não exercício do direito de reembolso ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro, faz com que não possa dar-se por verificado o requisito da indispensabilidade.
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3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 15 de Novembro de 2017. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Casimiro Gonçalves.