Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0114/11
Data do Acordão:10/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DA LIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
Sumário:I – As regras estabelecidas no art. 124.º do CPPT implicam o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, nos termos da qual, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
II – Relativamente a uma liquidação que resulta da revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração (revisão oficiosa) e a favor do sujeito passivo, efectuada ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação se, em relação àquele acto anterior não subsistem dúvidas quanto ao exercício do respectivo direito dentro do prazo da caducidade.
III – A revisão oficiosa a favor do contribuinte não dispensa que a este seja facultado o exercício do direito de participação, a menos que da decisão resulte que não há montante algum a pagar nem qualquer outro prejuízo para o contribuinte (cfr. art. 60.º, n.º 2, da LGT).
Nº Convencional:JSTA00068925
Nº do Documento:SA2201410080114
Data de Entrada:02/09/2011
Recorrente:DG DAS ALFÂNDEGAS
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CAC ART221 N3 N4 ART243 ART204 N2.
LGT98 ART78 ART79 N1 ART60 N2 N1.
RCPIT98 ART60 N1.
CPPTRIB99 ART124.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC021244 DE 2000/01/25.; AC STA PROC026248 DE 2002/04/10.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO AREAS EDITORA 6ED VOLII PAG340.
RUI DUARTE MORAIS - MANUAL DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ALMEDINA 2012 PAG204.
DIOGO LEITE CAMPOS E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA ENCONTRO DE ESCRITA 4ED PAG511.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 89/03 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente), em representação da então denominada Direcção-Geral das Alfândegas (DGA), recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………………, Lda.” (a seguir Impugnante ou Recorrida), anulou as liquidações oficiosas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), juros compensatórios e direitos aduaneiros que foram efectuadas ora Recorrida, com fundamento em caducidade do direito à liquidação e em preterição do direito de audição prévia.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

A) A decisão recorrida enferma de erro nos pressupostos de direito porquanto faz errada aplicação do instituto da caducidade.

B) Pois que, no caso “sub judice”, o facto tributário ocorreu com a saída, irregular, das mercadorias do regime de aperfeiçoamento activo, quer para efeitos de constituição da dívida aduaneira, quer para efeitos de IVA, sendo o respectivo prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, quer para os direitos aduaneiros, quer para o IVA (art. 98.º da Reforma Aduaneira, na redacção então vigente, dada pelo Decreto-Lei n.º 244/87) em conformidade com o art. 2.º do Regulamento (CEE) n.º 1697/79 e o n.º 3 do art. 221.º do CAC, que entrou em vigor em 01/01/1993.

C) Só que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação, objecto dos autos de impugnação, de cuja decisão agora se recorre, porque essa liquidação resulta de revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração tributária (oficiosa) e a favor do contribuinte, ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, logo, não se pode colocar qualquer questão de caducidade do direito à liquidação, uma vez que este instituto não é neste caso aplicável.

D) Cumprirá afirmar que, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra defendeu no processo de oposição, relativo à dívida objecto do presente recurso, processo n.º 177/05.9BESNT, com sentença datada de 12/02/2007, que o instituto da caducidade não era aplicável ao caso em análise, estando, por sua vez, a revisão do acto tributário sujeita a prazos próprios.

E) Daí que, mesmo quanto à liquidação que foi objecto da revisão oficiosa, na sequência da qual foi originada a liquidação impugnada, nos autos de que agora se recorre, não se verifica a caducidade do direito à liquidação, dado que os factos tributários datam, de 30/07/1993 (sendo de assinalar que, o Tribunal, no processo de Oposição n.º 177/05.9BESNT, considera que ocorreram, posteriormente, apenas em 13/07/1994) e tal liquidação foi comunicada ao devedor em 24/07/1996, ainda dentro do prazo de três anos.

F) Ao que acresce a circunstância de ter ocorrido um facto suspensivo do prazo de caducidade, contemplado no n.º 2 do art. 33.º do então vigente CPT e na segunda parte do n.º 3 do art. 221.º do CAC: a apresentação, em 31/10/1995, de um recurso contencioso de anulação para o então Tribunal Tributário de 2.ª Instância, que só veio a obter decisão final em 07/05/2003, por acórdão desse douto Supremo Tribunal Administrativo – processo n.º 237/03.

G) Por último, de acordo com a nossa leitura, não havia lugar a audição prévia, por aplicação do n.º 2 do art. 60.º da LGT, na redacção vigente em 2003, em virtude de, estarmos perante um caso de revisão oficiosa de acto de liquidação a favor do contribuinte.

H) Neste sentido, entendemos que a decisão recorrida da 2.ª Unidade Orgânica/Juízo Liquidatário, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 22 de Novembro de 2010, violou o art. 221.º n.º 3 do CAC e o n.º 2 do art. 659.º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito e com o suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com a formulação de conclusões do seguinte teor: «

a) Quando foi liquidada a dívida já havia decorrido o prazo de caducidade que é de 3 anos, nos termos da redacção do art. 105.º da Reforma Aduaneira, do art. 2.º do Reg. (CEE) n.º 1697/79 do Conselho e do art. 221.º do CAC, versão original.

b) A interrupção do prazo de caducidade não pode exceder 14 dias. (CAC art. 219.º, 1).

c) A douta sentença decidiu bem quando considerou ter-se verificado a inexigibilidade por caducidade da dívida (CAC art. 221.º; Reg (CEE) n.º 1659/79, art. 2.º);

d) A douta sentença poderia ter conhecido da prescrição, o que fez correctamente em parte, sem que o raciocínio escorreito se tenha traduzido numa decisão consequente;

e) Entre o próximo dia 21/4/2011 e o dia 30/09/2011, completar-se-ão 19 anos sobre a ocorrência dos factos geradores do imposto, conforme provam as datas de aceitação de todos os DUs de importação das mercadorias conexas com os presentes autos.

f) O regime tributário aplicável às mercadorias importadas é o que estiver em vigor na data de aceitação das declarações pela estância aduaneira (CAC – art. 67.º, versão originária – Reg (CE) n.º 2913/92 do Conselho 12/12/92).

g) Consequentemente, a prescrição e a caducidade regem-se pelas normas vigentes à data da aceitação de cada DU, que são todas anteriores a 30/09/2002.

h) Atento o disposto nos artigos 48.º e 49.º da LGT e o art. 34.º do CPT é forçoso concluir pela prescrição da dívida, resultante da liquidação impugnada;

i) A garantia que chegou a ser prestada nos presentes autos, na sequência da impugnação e da oposição à execução, é posterior à prescrição da dívida.

j) A douta sentença não elencou no segmento fáctico uma multiplicidade de factos trazidos para os autos pela Recorrida, seja na PI seja nas conclusões das alegações;

k) A esta omissão está associado um erro de pronúncia quando o Tribunal a quo considera como não provados quaisquer outros factos ali não referidos ou quando não ordena a junção de documentação em poder da Administração Pública, seja o SIVA, que fez inspecções frequentes à Recorrida, seja às Alfândegas.

l) Através da requerida junção dos DUs pelas Alfândegas, teria ficado provada a origem comunitária das mercadorias importadas.

m) A douta sentença omitiu a pronúncia porque provavelmente não teve presente que as mercadorias, sendo de origem comunitária e tendo dado entrada em depósito franco, nunca podiam ser sujeitas ao RAA (CAC – art. 114.º);

n) porquanto não estavam sujeitas ao pagamento de direitos, eram isentas de IVA, nos termos do art. 15.º do CIVA, por se encontrarem em livre prática, em função da sua origem comunitária;

o) a declaração para a r.a.a. é, do ponto de vista jurídico, um erro flagrante;

p) a Recorrida incorreu nele porque tal lhe foi imposto pela DGAIEC, quando, no início de 1988, lhe foi imposta a obrigação de declarar tais mercadorias para r.a.a. previamente à sua entrada em entreposto franco.

q) As mercadorias, num dado momento, apenas podem estar sujeitas a um regime aduaneiro. Se lhe foram atribuídos dois regimes só um é válido.

r) A impugnante não tinha e não tem que responder pelos efeitos da ilegalidade emergente da imposição da declaração para aperfeiçoamento activo de mercadorias comunitárias, entradas em entreposto franco, logo isentas de IVA – (CIVA art. 15.º 1 a) e b), posteriormente reexportadas ou sujeitas a tributação (art. 14.º 1, a).

s) A douta sentença não emitiu pronúncia sobre um relatório técnico, não impugnado pela FP ou pela Alfândega de Alverca.

t) Por esse relatório se vê que cerca de 18% da produção (184 126 televisores incorporando outros tantos cinescópios) foi declarada para introdução no consumo, à saída do entreposto, tendo sido pago o IVA à Alfândega.

u) Verifica-se também que as autoridades que inspeccionaram cometeram os erros de aritméticos grosseiros: somaram quando deviam subtrair; subtraíram quando deviam somar; duplicaram as existências; não consideraram cinescópios avariados e destruídos sob controlo aduaneiro, etc.,

v) Estes erros, se corrigidos, fariam desaparecer a dívida.

w) Porém, sobre eles a douta sentença nada diz.

x) A omissão de pronúncia incide também sobre a não audição da Recorrida, prevista no art. 45.º do CPPT e art. 60.º da LGT.

y) Nunca foi justificada a constante mutação da dívida que oscilou entre 17,5 milhões de euros e os cerca de 700 mil euros.

z) Eventuais dúvidas sobre a legalidade da sujeição das mercadorias ao RAA ou a um duplo regime aduaneiro, bem como sobre a interpretação do art. 221.º do CAC deverão ser sujeitas ao incidente de reenvio prejudicial ao TJCE, dado estar esgotada a jurisdição interna.

Preceitos que deveriam ter sido aplicados:

Os referidos nas presentes conclusões de c) a y).

CRP - art. 266.º e 268.º

Reg. CEE n.º 1854/89 do Conselho de 14/6/1989, arts. 2.º, 3.º, 5.º e 6.º)

CPT – art. 34.º

CPPT – art. 164.º; 163.º, 2; 165.º, 2;

LGT, art. 48.º e 49.º;

DL 398/98, de 17/12 – art. 5.º.

Termos em que deve ser confirmada a douta sentença com os fundamentos dela constantes. Se assim não se entender nem por isso deve ser provido recurso, dada a prescrição da dívida e a ostensiva ilegalidade da sua liquidação, podendo esse Venerando Tribunal sanar as deficiências apontadas à douta sentença, assim se fazendo Justiça!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, que não emitiu parecer.

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando anulou as liquidações impugnadas com fundamento em caducidade do direito à liquidação. Eventualmente, ou seja, se essa questão for respondida afirmativamente, teremos ainda que apreciar e decidir se a sentença fez errado julgamento quando julgou verificado o vício de forma por preterição do direito de audição.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão da causa, resulta apurada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante foi detentora de uma fábrica de televisores em ……………, que laborava sob o estatuto aduaneiro de entreposto franco, desde os anos 70, até à sua extinção em meados de 1992. (Cfr. art. 1.º da p.i.)

B) Em 06.06.1994, a Direcção Geral das Alfândegas de Lisboa localizou 253 DU’s globais de importação por cancelar que não foram incluídos nas listagens trimestrais de cancelamento do Regime de Aperfeiçoamento. (Doc. fls. 8/13 do processo administrativo tributário em apenso)

C) O Depósito Franco foi extinto através da Portaria n.º 752/93 de 25 de Agosto (Circular 163/93-Série II). (Doc. fls. 8/13 do processo administrativo tributário em apenso)

D) Mediante ofício n.º 859 datado de 29.07.1994, o Chefe de Divisão dos Procedimentos Aduaneiros e Fiscais da Direcção das Alfândegas de Lisboa, dirigiu ao Director Geral da Alfandega de Lisboa, a missiva seguinte: “A fim de ser efectuada a liquidação oficiosa dos DU’s processados por essa Alfândega pela firma A………………, S.A. omitidos nas listagens de cancelamento do regime de aperfeiçoamento activo, nos termos do despacho de 13/7/94 do Exmo Senhor Director das Alfandegas de Lisboa, exarado na informação da Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão de Lisboa, exarado na informação da Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão à Fraude, de que se junta fotocópia, junto se remetem fotocópias das relações dos referidos DU’s e do Fax n.º 392 de 14.9.93” (Doc. fls. 19/23 do processo administrativo tributário em apenso)

E) Mediante carta registada com aviso de recepção datada de 07.12.1994 [e recebida em 14 de Dezembro de 1994 (cfr. sentença a fls. 333, 1.º §)], a Alfândega de Lisboa, notificou a Impugnante, nos seguintes termos: “Face à extinção do vosso depósito franco sito (...) e considerando que se efectuaram as liquidações oficiosas das declarações que haviam sido omitidas nas listagens de cancelamento do regime de aperfeiçoamento activo, ficam V.Exas. notificados para procederem aos pagamento das importâncias em dívida, conforme discriminação constante das listagens que se anexam.
Nestes termos, uma vez que o montante em dívida, no valor de 3.408.377.701$00, foi objecto de registo de liquidação, deverá o seu pagamento efectuar-se na Tesouraria desta Alfandega nos 10 (dez) dias seguintes à recepção da presente notificação”. (Doc. fls. 52/54 do processo administrativo tributário em apenso)

F) A listagem anexo à notificação a que alude a al. E) do probatório contabiliza 253 DU’s. (Doc. fls. 37/51 do processo administrativo tributário em apenso)

G) Em 22.12.1994, a Direcção Geral das Alfandegas notificou a Impugnante da rectificação da dívida a que alude a al. E) do probatório, passando esta de 3.408.377.701$00 para 3.364 563 564$00, uma vez que: «Foram, assim, subtraídos ao montante inicial, devido a erro ostensivo detectado, os seguintes valores:
28.943. 764$00---DU 109510/89
5.389. 731$00---DU 79126/90
9.480.642$00---DU 103 755/90» (Doc. fls. 60 do processo administrativo tributário em apenso)

H) Em 28.12.1994, a Impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação a que alude a al. E) do probatório junto do Tribunal Tributário de 1.ª [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se 2.ª onde se queria dizer 1.ª.)] Instância de Lisboa. (Doc. fls. 81/94 do processo administrativo tributário em apenso)

I) Por despacho do Director das Alfândegas de Lisboa datado de 28.12.1994, foi revogado o seu despacho anterior, datado de 13.07.1994, que havia determinado o cancelamento oficioso das declarações processadas pela Alfândega de Alverca e consequentemente anulada a liquidação a que alude a al. E) do probatório, tendo sido ainda, determinado enviar o processo à Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão da Fraude. (Doc. fls. 19/32 e 124/125 do processo administrativo tributário em apenso)

J) Em 09.01.1995, foi a Impugnante notificada do despacho do Director das Alfândegas de Lisboa a que alude a al. I) do probatório. (Doc. fls. 122/121 do processo administrativo tributário em apenso)

L) Em 20.02.1995, por Sentença proferida no âmbito do processo de impugnação judicial a que alude a al. H) do probatório, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, na sequência do despacho revogatório a que alude a al. I) do probatório. (Doc. fls. 124/125 do processo administrativo tributário em apenso)

M) Em 31.07.1995, foi elaborado um relatório pela Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão da Fraude sob o assunto “Cancelamento do regime de Aperfeiçoamento activo da firma A……………… S.A., relativo ao ano de 1990” onde se apurou a existência de 48.673 cinescópios aos quais não FOI COMPROVADO NENHUM DOS DESTINOS PREVISTOS NO ART. 18.º DO REG. (CEE) 1999/1985) propondo-se, a cobrança da dívida no montante de 119.798.352$00, acrescido de juros compensatórios. (Doc. fls. 176/193 do processo administrativo tributário em apenso)

N) Em 04.10.1995, o Director das Alfândegas de Lisboa exarou no parecer a que alude a al. M) o seguinte despacho: «Concordo». (Doc. fls. 176/193 do processo administrativo tributário em apenso)

O) Mediante ofício n.º 1713 datado de 13.10.1995, o Director das Alfândegas de Lisboa, notificou a Impugnante, nos termos seguintes: «(...) face ao pedido dessa firma de 95.08.17, a solicitar a substituição das listagens apresentadas a 94.02.03 e meses subsequentes, pelas listagens agora apresentadas e que o apuramento do regime incida não sobre o regime de aperfeiçoamento activo, mas sim, sobre o parqueamento inerente à extinção do entreposto, o mesmo foi indeferido por despacho de 95.09.28, com os seguintes fundamentos: ....). (Doc. n.º 2 junto à p.i.)

P) Em 31.10.1995, a Impugnante interpôs junto do Tribunal Tributário de 2.ª Instância [(Permitimo-nos corrigir a denominação do Tribunal, que na sentença aparecia como Tribunal Tributário de 2.ª Instância de Fiscal Aduaneiro de Lisboa.)] recurso contencioso de anulação contra o despacho de indeferimento proferido pelo Director das Alfândegas de Lisboa, sobre o pedido de substituição de listagens apresentadas bem como o pedido formulado para que o apuramento do regime incida não sobre o regime de aperfeiçoamento activo, mas sim sobre o apuramento inerente à extinção do entreposto. (Doc. fls. 197/207 do processo administrativo tributário apenso)

Q) A Direcção da Alfândega de Alverca, mediante informação datada de 31.01.1996, apurou com base nos cinco Relatórios de Inspecção (ofício n.º 1693 da DAL de 95.10.04 (ano de 1988); ofícios n.º 1695 e 1897 da DAL de 95.11.17 (ano de 1989); ofício n.º 1711 da DAL de 95.10.04 (ano de 1990); ofício n.º 1851 da DAL de 95.11.07 (ano de 1991) e ofício n.º 2030 da DAL de 95.12.13 (ano de 1992) que o montante em dívida ascendia a 911.597.592$00, informação, essa que foi sancionada por despacho do Director da Alfândega de Lisboa datado de 01.02.1996. (Doc. fls. 248/251 do processo administrativo tributário em apenso)

R) A Impugnante não foi ouvida no âmbito dos cinco procedimentos de inspecção e que culminaram com os Relatórios a que alude a al. Q) do probatório.

S) Em 17.07.1996, a Impugnante foi notificada de nova liquidação nos seguintes termos: «1. Face à extinção do depósito franco sito (...) de que essa empresa era titular, tornou-se imperativo atribuir um destino aduaneiro às diversas mercadorias ai existentes, ultimando-se o regime em que as mesmas se encontravam (…)
3. Contudo, por se terem detectado erros no apuramento da situação tributária da empresa, procedeu o Sr. Director das Alfândegas de Lisboa em 94.12.28 à revogação do seu anterior despacho, determinando a anulação dos actos de liquidação objecto da notificação para pagamento efectuada através dos ofícios desta Alfândega n.ºs 3085 e 3168 de 94.12.07 e 94.12.22, respectivamente.
5. Nestes termos, uma vez que o montante em dívida, no valor de 911.597.592$00 (...) foi objecto de registo de liquidação, deverá o seu pagamento efectuar-se na Tesouraria da Alfândega de Alverca nos 10 (dez) dias seguintes à recepção da presente notificação, de acordo com o art. 1.º/1 e alínea a) do art. 222.º/1 do Código Aduaneiro Comunitário (...)» (Doc. fls. 298/302 do processo administrativo tributário em apenso)

T) Em 30.07.1996, a Impugnante deduziu junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recurso da decisão que determinou o pagamento da quantia de 911.597.592$00. (Cfr. informação fls. 334 do processo administrativo tributário em apenso)

U) Em 06.08.1996, na sequência da notificação a que alude a al. S) do probatório, a Impugnante requereu ao Director da Alfândega de Lisboa, ao abrigo do art. 61.º e segs., art. 82.º da LPTA e art. 22.º do CPT a fundamentação da liquidação e bem assim a prestação de informações melhor identificadas no Doc. fls 322/326 do processo administrativo tributário.

V) Em 08.08.1996, no âmbito do recurso a que alude a al. T) do probatório, foi elaborada informação pelo Chefe de Divisão dos Regimes Aduaneiros, onde se propõe: “uma inspecção à contabilidade da empresa de modo a comprovar se, apesar do incumprimento das obrigações do regime assinaladas nos relatórios da ex-Alfândega de Lisboa e relativos aos anos de 1982 a 1992, a reexportação efectiva das mercadorias poderá, nos termos conjugados dos arts. 204.º do CAC e 859.º das DAC, hoje aplicáveis, conduzir à não constituição da dívida aduaneira”. (Doc. fls. 328/334 do processo administrativo tributário em apenso)

X) Em 14.08.1996, o Director Geral das Alfândegas sobre o pedido de informação a que alude a al. V) do probatório proferiu o seguinte despacho: “Indeferido o requerido tendo em conta que os arts. 82.º do LPTA e 61.º do CPA não são os meios adequados para requerer este tipo de informações, e no que respeita o art. 22.º do CPT esta Alfândega considera que esta notificação é suficiente visto que os elementos agora solicitados constam do processo que se encontra à disponibilidade do Requerente” (Doc. fls 322/326 do processo administrativo tributário)

Z) A informação a que alude a al. X) do probatório teve a concordância do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais originando uma terceira inspecção à Impugnante, na sequência da qual, em 11.12.1997, foi elaborado o Relatório da Inspecção n.º 960118, recaindo sobre o mesmo parecer do Chefe de Divisão da DAPRF de 07.01.1998, tendo concluído: “(...) afigura-se assim que os 59.484 cinescópios desviados do regime aduaneiro de aperfeiçoamento activo, poderão constituir a nova base para liquidação e cobrança das importâncias em dívida pela A……………., em substituição da dívida calculada no relatório anterior” (Doc. fls. 237/377 do processo administrativo tributário em apenso)

AA) O Relatório da Inspecção n.º 960118 e respectivo parecer não obtiveram qualquer despacho superior. (Doc. fls. 237/377 do processo administrativo tributário em apenso e art. 12.º da contestação)

AB) Em 05.07.2001, na sequência da informação da DSCJC, datada de 05.07.2001, foi prestada pela DSRA a informação n.º 233/CC/2001, datada de 19.07.2001 que propõe: «(...) a transmissão de elementos suficientes à Alfândega no sentido de esta efectuar o apuramento exacto do montante em dívida, corrigindo-se a dívida actualmente imputada à “A…………….” no montante de 911.597.591$00 e notificada àquela empresa em 17.Jul.96» . (Doc. fls. 394/396 do processo administrativo tributário em apenso)

AC) Em 17.09.2001, o Director Geral das Alfândegas exarou na informação a que alude a al. AB) do probatório, o despacho seguinte: “Visto. Concordo com o proposto (…)”. (Doc. fls. 394/396 do processo administrativo tributário em apenso)

AD) Mediante ofício n.º 1219, datado de 03.10.2001, a informação a que alude a al. AC) do probatório foi enviada à Alfândega de Alverca. (Doc. fls. 397 do processo administrativo tributário em apenso)

AE) Na sequência do recebimento do ofício a que alude a al. AD) do probatório a Direcção-Geral das Alfândegas e dos impostos Especiais Sobre o Consumo - Alfândega de Alverca elaborou a informação de 08.01.2003, da qual se destaca: “Como determinado, procedeu-se à rectificação da dívida pelo método FIFO. Para o processo dos cálculos utilizou-se a seguinte metodologia:
a) Foram calculados os últimos DU’s de importação desta estância aduaneira, até se atingir a quantidade dos 59.484 cinescópios por apurar:
b) Para se efectuar o cálculo dos juros compensatórios, foi considerado o prazo decorrido desde a aceitação das declarações (porque não sabemos o momento de introdução em consumo) até à data da liquidação oficiosa, ocorrida na sequência da primeira inspecção;
c) A declaração aduaneira n.º 051.658, de 07/0/1992 de Alverca, apresenta no Impresso da primeira liquidação oficiosa a cobrança de Direitos Aduaneiros no valor de Esc: 1.389.307$00 (€ 6.929.83). Tendo em consideração as dúvidas existentes quanto ao pagamento ou não dos direitos aduaneiros e a utilização do regime de aperfeiçoamento activo, optamos por não incluir este valor no cálculo da dívida;
d) O valor de dívida apurado é de Esc: 153.306.001$00 (€ 764.68,11), conforme mapa de cálculo em anexo.
Contudo, suscitam-se dúvidas quanto à utilização deste método para o referido cálculo, considerando que:
a) O método FIFO é um critério de valorimetria utilizado para a valorização de existência, como processo de determinação dos preços de entrada em stock e de saída para consumo. Este método pressupõe que as primeiras mercadorias a entrar em armazém são as primeiras a sair, significando que as existências finais são valorizadas aos preços mais recentes;
b) Em virtude de não existir um sistema de inventariado de existências (ponto 7 da presente informação) subsistem dúvidas quanto à possibilidade da utilização do método;
c) Tratando-se de um método de custeio das saídas das mercadorias, e não tendo informação quanto às mesmas, dado não existir imputação entre as importações e as exportações, o cálculo foi baseado em valores dos DU’s de importação da Alfândega de Alverca, pressupondo-se que os 59.484 cinescópios correspondem às existências finais;
d) Não sabemos se a mercadoria em situação irregular respeita aos DU’s considerados, porque nos mapas de inspecção existem DU’s de Importação de outras instâncias aduaneiras.
Existem cinescópios com várias referências e modelos, situação que não pode ser considerada porque não temos conhecimento total das declarações aduaneiras de destino da mercadoria” (Doc. fls. 428/432 do processo administrativo tributário em apenso).

AF) Por Acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 18.06.2002 foi rejeitado por ilegalidade de interposição o recurso de contencioso de anulação a que alude a al. P) do probatório, não se conformando com o mesmo dele a Impugnante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o qual viria a negar provimento ao recurso mediante Acórdão de 07.05.2003. (Doc. fls. 464/470 do processo administrativo tributário em apenso).

AG) [(Ocorreu um lapso na numeração – que regressou à alínea AE) –, que ora nos permitimos corrigir.)] mediante carta registada com aviso de recepção datada de 20.08.2003 [e recebida em Setembro de 2003 (cfr. sentença a fls. 334, 3.º §)], a Direcção Geral das Alfândegas de Alverca, notificou a Impugnante da «Liquidação oficiosa de rectificação da dívida no montante de € 771.786,69 (154.719.815$00) ao abrigo do art. 78.º da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL n.º 898/98 de 17 de Dezembro» de cujo texto se retira designadamente o seguinte:
«De acordo com o despacho da Sr. Directora-Geral Dra. …………, de 27 de Maio de 2003 (doc. 1) e com o meu despacho de 26 de Junho de 2003 (doc. 2), notifico V.Exa. que, com os fundamentos constantes do parecer da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso no qual recaiu despacho concordante da Exma Sra. Directora-Geral, esta Alfândega procedeu à correcção da liquidação da dívida dentro do prazo de caducidade.
A empresa foi notificada a 17 de Julho de 1996 do apuramento da dívida no montante de 911.597.591$00, no entanto, a fim de dar cumprimento ao despacho, do então Director Geral Dr. ………………, de 17 de Agosto de 2001, foi utilizado o método FIFO para a correcção da dívida, apurando-se um novo montante no valor de 153.806.001$00 (€ 764.687,12), sendo que, o apuramento da dívida foi para a quantidade de 59.484 cinescópios aferidos em 20 DU’s.
A rectificação da dívida liquidada oficiosamente, através dos impressos de liquidação, com os números de registo 900257, 900259, 900269 e de 900370 a 900276 todos de 10 de Julho de 2003 (doc.8), sendo que, o montante global da liquidação ascende a € 771.736,69 (setecentos e setenta e um mil setecentos e trinta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) (€ 153.306.001$00), calculado da seguinte forma:

IVA - 16% € 530.758.46
Juros Compensatórios € 234.033,40
Direitos Aduaneiros (DU 51656) € 6.929,88
Impressos € 20,00» (Doc. n.º 1 junto à p.i.)

AH) Em 23.10.2003, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Administração Aduaneira efectuou uma liquidação a posteriori de direitos aduaneiros e IVA que considerou devidos pela sociedade ora Recorrente na sequência do encerramento do entreposto franco onde esta exerceu a sua actividade desde os anos 70 até 1992 e que foi extinto pela Portaria n.º 752/93, de 25 de Agosto; isto porque, por despacho de 13 de Julho de 1994, o Director das Alfândegas de Lisboa ordenou a «liquidação oficiosa das declarações que haviam sido omitidas nas listagens de apuramento do regime de aperfeiçoamento activo» [cfr. factos provados sob as alíneas A) a E)]. Ou seja, a Administração Aduaneira terá considerado que quando do cancelamento do regime de aperfeiçoamento activo (Consiste na importação temporária de mercadorias com o objectivo da sua exportação depois dessas mercadorias terem sofrido operações de aperfeiçoamento. Essas mercadorias importadas em regime de aperfeiçoamento activo não ficam sujeitas ao pagamento dos direitos aduaneiros. Aperfeiçoamento activo é, pois, o regime aduaneiro que permite a utilização no território aduaneiro da Comunidade, das mercadorias não comunitárias destinadas à reexportação do território aduaneiro da Comunidade sob a forma de produtos compensadores, sem que tais mercadorias sejam sujeitas a direitos de importação nem a medidas de política comercial (cfr. art. 114.º, n.º 1, do CAC).) a sociedade terá omitido nas listagens de cancelamento do regime a mercadoria constante de diversas DU’s.
Assim, em 14 de Dezembro de 1994, a Alfândega de Lisboa notificou a sociedade para, em 10 dias, pagar Esc. 3.408.377.701$00, resultante de liquidações oficiosas «das declarações que haviam sido omitidas nas listagens de cancelamento do regime de aperfeiçoamento activo» e que, nos termos da mesma notificação, se refere a 253 DU’s e, em 22 de Dezembro de 1994, a Direcção-Geral das Alfândegas notificou a sociedade, em aditamento à notificação anterior, da “rectificação” da dívida, de Esc. 3.408.377.701$00 para Esc. 3.364.563.564$00 [cfr. factos provados sob as alíneas E) a G)].
A sociedade deduziu impugnação judicial contra essa liquidação em 28 de Dezembro de 1994 e, na mesma data, o Director das Alfândegas de Lisboa revogou o seu referido despacho de 13 de Julho de 1994, revogação que determinou a anulação da liquidação e, consequentemente, o julgamento de extinção da instância da impugnação judicial daquela liquidação, por inutilidade superveniente da lide [cfr. factos provados sob as alíneas H) a L)].
Em 17 de Agosto de 1995, a sociedade pediu ao Director das Alfândegas de Lisboa para substituir as listagens apresentadas a 3 de Fevereiro de 1994 e nos meses seguintes pelas então apresentadas e pediu também para que o apuramento do regime incida não sobre o regime de aperfeiçoamento activo, mas sim sobre o apuramento inerente à extinção do entreposto, pedido que aquele rejeitou por despacho de 28 de Setembro de 1995 e, apesar de em 31 de Outubro de 1995 ter interposto recurso contencioso de anulação deste despacho para o Tribunal Tributário de 2.ª Instância (Denominação dada à data ao tribunal de 2.ª instância em sede de contencioso tributário.), esse recurso foi rejeitado por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Tribunal que, na área territorial em causa, sucedeu na competência do Tribunal Tributário de 2.ª Instância.) de 18 de Junho de 2002, confirmado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Maio de 2003 [cfr. factos provados sob as alíneas O), P) e AF)].
A Administração Aduaneira praticou novo acto de liquidação, desta feita no montante de Esc. 911.597.592$00, notificado à sociedade em 17 de Julho de 1996, este com base em cinco relatórios elaborados no âmbito de cinco procedimentos de inspecção (um por cada ano) em que a sociedade não foi ouvida, e com base nos quais concluiu ser aquele o montante em dívida na sequência do cancelamento do regime de aperfeiçoamento activo a que esteve sujeita a sociedade [cfr. factos provados sob as alíneas M), N) e Q) a S)].
A referida liquidação de Esc. 911.597.592$00 foi objecto de recurso hierárquico por parte da sociedade para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, interposto em 30 de Julho de 1996 [cfr. factos provados sob a alínea T)].
Na sequência desse recurso hierárquico e em virtude de informações prestadas no âmbito do mesmo, a Administração Aduaneira efectuou uma nova inspecção, na sequência da qual procedeu àquilo que denominou de «liquidação oficiosa de correcção da dívida […] ao abrigo do art. 78.º da LGT», fixando o montante a pagar pela sociedade em € 771.736,69 (correspondente a Esc. 153.306.001$00), do que notificou a sociedade por carta datada de 20 de Agosto de 2003 [cfr. factos provados sob as alíneas T), V), Z) a AE) e AG)].
Em 23 de Outubro de 2003, a sociedade deduziu impugnação judicial contra esta última liquidação [cfr. factos provados sob a alínea AH)], invocando, para além do mais e na parte que ora nos interessa considerar, a caducidade do direito à liquidação e a preterição do direito de audição prévia.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação judicial procedente quer por caducidade do direito à liquidação quer por preterição do direito de audição prévia.
No que respeita à caducidade do direito à liquidação, considerou a Juíza daquele Tribunal, em síntese, que o facto tributário ocorreu em 13 de Julho de 1994, pelo que a primeira liquidação, porque foi notificada à Impugnante em 14 de Dezembro de 1994, respeitou inequivocamente o prazo de três anos de caducidade do direito à liquidação fixado pelo n.º 3 do art. 221.º do CAC («A comunicação ao devedor não se pode efectuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Este prazo é suspenso a partir do momento em que for interposto um recurso na acepção do artigo 243.º, até ao termo do processo de recurso».
Note-se que a comunicação referida neste n.º 3 é a prevista no n.º 1 do mesmo art. 221.º, que dispõe:
«O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respectivo registo de liquidação seja efectuado».), prazo que, a decorrer sem suspensão, terminaria em 13 de Julho de 1997.
Mais considerou que aquela liquidação foi objecto de rectificação, primeiro, e de revogação, depois, esta por despacho do Director das Alfândegas de Lisboa e que veio a ser objecto de recurso contencioso de anulação, interposto em 31 de Outubro de 1995 no Tribunal Tributário de 2.ª instância, o qual veio a conhecer decisão final em 7 de Maio de 2003, mediante acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo. Mas, apesar disso, não pode aceitar-se a tese da Fazenda Pública, de que o prazo de caducidade do direito à liquidação se manteve suspenso durante o período da pendência desse recurso contencioso de anulação (ou seja, entre 31 de Outubro de 1995 e 7 de Maio de 2003), atento o disposto no art. 33.º, n.º 2 («A instauração da acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão».), do Código de Processo Tributário (CPT), conjugado com o art. 243.º do CAC, e que, por isso, deveria considerar-se que a notificação efectuada em Setembro de 2003 (Apesar de a sentença referir que a carta para notificação estava datada de 20 de Agosto de 2003 [alínea AG) dos factos provados], pensamos que se refere à data em que a mesma foi recebida.) o foi antes de caducado o direito à liquidação. Isto, se bem interpretamos a sentença, porque considerou a Juíza que a ratio da suspensão do prazo da caducidade, com a consequente inutilização, para a contagem do prazo, do período de pendência da acção judicial, tem a ver com a «dependência do exercício do direito de liquidação em relação ao litígio a que a acção se refere, pois só uma situação de impossibilidade de exercer o direito pode justificar que não se conte o prazo para o seu exercício», como resulta do disposto no art. 329.º do Código Civil (CC). Ora, a Impugnante foi notificada da segunda liquidação em 24 de Julho de 1996, ou seja, no âmbito da pendência do referido recurso contencioso de anulação (interposto em 31 de Outubro de 1995), o que significa que a própria Administração reconhece (com a prática deste segundo acto de liquidação durante o período da pendência do recurso contencioso de anulação) que esta não constituía facto suspensivo da caducidade do direito à liquidação.
Mais salienta a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que este segundo acto de liquidação veio a ser anulado, mas não com fundamento na pendência do referido recurso contencioso de anulação.
Concluiu, pois, que não houve suspensão do prazo da caducidade do direito à liquidação, motivo por que é de «concluir que, quando a Impugnante foi notificada da liquidação impugnada, já esse prazo tinha caducado».
Quanto ao vício de forma por preterição do direito de audição, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra também deu razão à Impugnante, considerando que a esta não foi concedida a possibilidade de exercer aquele direito antes da liquidação.
Mais salientou na sentença que não colhe a argumentação da Fazenda Pública, de que a lei apenas impunha que fosse facultado o exercício desse direito quanto a actos de conteúdo desfavorável, pois não se verifica o pressuposto do n.º 2 do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que a liquidação nem foi efectuada com base em declaração da Impugnante, nem resulta de decisão proferida a seu pedido (mas antes de revisão oficiosa efectuada por iniciativa da AT), nem se pode considerar que a decisão lhe tenha sido favorável, pois tal só sucederia caso não houvesse qualquer montante a pagar, o que não sucede no caso sub judice.
Com estes dois fundamentos – caducidade do direito à liquidação e preterição do direito de audição prévia – a Juíza anulou a liquidação impugnada.
A Fazenda Pública discordou da sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.
No que respeita ao primeiro fundamento, sustenta, em síntese, que na situação sub judice não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação, uma vez que esta «resulta de revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração tributária (oficiosa) e a favor do contribuinte, ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT», motivo por que o instituto da caducidade não lhe é aplicável. Mais sustenta que, mesmo relativamente à liquidação que foi objecto de revisão oficiosa (que a sentença denominou segunda liquidação), não se verifica a caducidade do direito à liquidação, uma vez que os factos tributários ocorreram em 30 de Julho de 1993 e a liquidação foi notificada à Impugnante em 24 de Julho de 1996 (De acordo com a factualidade dada como assente na sentença, a liquidação foi notificada em 17 de Julho de 1996 [cfr. alínea S) dos factos provados].), ou seja, dentro do prazo de três anos.
Sustenta ainda, “em acréscimo”, que ocorreu um facto suspensivo do prazo da caducidade, nos termos do disposto no art. 33.º, n.º 2, do CPT, e do art. 221.º, n.º 3, 2.ª parte, do CAC, qual seja a apresentação do recurso contencioso de anulação em 31 de Outubro de 1995, o qual só veio a conhecer decisão final em 7 de Maio de 2003.
No que respeita ao segundo fundamento, sustenta que não havia lugar a audição prévia, porquanto estamos perante um caso de revisão oficiosa de acto de liquidação a favor do contribuinte.
Antes de avançarmos na identificação das questões a apreciar e decidir, cumpre deixar registado que a sentença não deveria ter conhecido do vício de forma depois de ter considerado procedente o vício de violação de lei. Na verdade, em processo de impugnação judicial, ao contrário do que sucede no processo administrativo (Dispõe o art. 95.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: «Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório».), nem sempre se impõe a apreciação da legalidade do acto impugnado em face de todos os vícios invocados. Assim, quando, como no caso sub judice, se tenha iniciado a apreciação da validade do acto impugnado, de acordo com o prescrito no art. 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário («1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior».) (CPPT), por um vício cuja procedência, não só determina a anulação do acto impugnado, como também impede a sua renovação – a caducidade do direito à liquidação –, sendo esse vício julgado procedente, não se justifica que a sentença prossiga com o conhecimento de um vício de forma, que apenas poderia determinar a anulação do acto, mas já não a sua renovação.
Salvo o devido respeito, não faz sentido que, procedendo a impugnação judicial com base naquele vício por erro sobre os pressupostos de direito, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Impugnante, na medida em que obsta à renovação do acto, se conheça de outros vícios imputados ao acto, cujo conhecimento deve ter-se por prejudicado.
Na verdade, as regras estabelecidas no art. 124.º do CPPT implicam o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, nos termos da qual, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se, assim não fosse, i.e., se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados aos actos tributários seria indiferente a ordem do seu conhecimento (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 17 ao art. 124.º, pág. 340. ).
Assim, se eventualmente viermos a concluir que a sentença decidiu correctamente quanto à caducidade do direito à liquidação, será dispensável prosseguirmos na apreciação da sentença na parte em que sindicou a validade da liquidação à luz do vício de forma por preterição do direito de audição prévia. Já no caso contrário, não poderemos dispensar-nos de apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento no que a esse vício do acto impugnado respeita.
Concluindo, a questão que ora cumpre apreciar, como deixámos dito em 1.6, é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando anulou as liquidações impugnadas com fundamento em caducidade do direito à liquidação e, se essa questão for respondida afirmativamente, teremos ainda que apreciar e decidir se a sentença fez errado julgamento quando julgou verificado o vício de forma por preterição do direito de audição.
Uma nota final para referir que, em sede de contra-alegações foram suscitadas diversas questões de que não cumpre conhecer: umas, respeitantes ao julgamento da matéria de facto, que nunca poderiam ser apreciadas, a menos que a Impugnante tivesse interposto recurso [e, se o tivesse feito, a competência para dele conhecer não seria deste Supremo Tribunal Administrativo, atento o disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT]; outras, relativas ao julgamento de direito, mas que, manifestamente, extravasam o âmbito do objecto do recurso, que é definido pelas alegações da Recorrente e respectivas conclusões. Se a Recorrida pretendia que essas questões fossem reapreciadas em sede de recurso jurisdicional, deveria ter deduzido recurso, ainda que subordinado [cfr. art. 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil («1- Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
2- O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária».
Hoje corresponde-lhe o art. 633.º.) (CPC), na redacção em vigor à data (Referimo-nos à redacção do CPC anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.)], ou, pelo menos, requerido a ampliação do objecto do recurso [cfr. art. 684.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC, na mesma redacção («1- No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas».
Hoje corresponde-lhe o art. 636.º.)].


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2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Como deixámos já dito, a sentença recorrida anulou a liquidação com fundamento na caducidade do direito à liquidação. Vejamos se fez correcto julgamento:
Antes do mais, cumpre ter presente a redacção do n.º 3 do art. 221.º do CAC: «A comunicação ao devedor não se pode efectuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Este prazo é suspenso a partir do momento em que for interposto um recurso na acepção do artigo 243.º, até ao termo do processo de recurso».
Note-se que a comunicação referida neste n.º 3 é a prevista no n.º 1 do mesmo art. 221.º, que dispõe: «O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respectivo registo de liquidação seja efectuado».
Note-se ainda que o n.º 4 do mesmo preceito introduz uma excepção àquele prazo: «Sempre que a dívida aduaneira resulte de um acto que era, no momento em que foi cometido, passível de procedimento judicial repressivo, a comunicação ao devedor pode ser efectuada, nas condições previstas nas disposições em vigor, após o termo do prazo de três anos previsto no n.º 3». Aliás, na redacção do art. 221.º do CAC anterior à que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 2700/00, de 16 de Novembro de 2000, que era a que estava em vigor à data dos factos, os referidos n.ºs 3 e 4 constavam do n.º 3, que apresentava a seguinte redacção: «A comunicação ao devedor não se poderá efectuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Todavia, se, em virtude de um acto passível de procedimento judicial repressivo, as autoridades aduaneiras não puderam determinar o montante exacto dos direitos legalmente devidos, a referida comunicação será efectuada, na medida em que as disposições em vigor o prevejam após o termo desse prazo de três anos».
Mas, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, não há que ponderar a aplicação desta excepção, uma vez que a expressão acto passível de procedimento judicial repressivo, utilizada no n.º 4 do art. 221.º do CAC (que corresponde à 2.ª parte do n.º 3, na redacção inicial) abrange apenas os actos que, segundo a ordem jurídica do Estado-membro cujas autoridades competentes reclamam uma cobrança a posteriori, são qualificados de infracções criminais (Por todos, vide o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Setembro de 2006, proferido no processo n.º 515/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Março de 2006 (http://dre.pt/pdfgratisac/2006/32230.pdf), págs. 1289 a 1293, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7874aa5fda69ade4802571fc003c04b6?OpenDocument.), situação que não se coloca no caso.
Ou seja, o prazo de caducidade a aplicar no caso sub judice é o prazo de 3 anos previsto no n.º 3 do art. 221.º do CAC. Aliás, não há dissensão entre a Administração e a Impugnante no que respeita ao prazo. Note-se que esse prazo se aplica, quer aos direitos aduaneiros, quer ao IVA com eles cobrado, por força do disposto no art. 98.º da Reforma Aduaneira («A cobrança a posteriori de quaisquer imposições que não constituam recursos próprios ou direitos residuais regula-se pelas disposições da regulamentação comunitária em vigor, com as excepções constantes dos artigos seguintes».), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/87, de 16 de Junho.
Note-se ainda que, apesar de na sentença recorrida se situar a data de ocorrência dos factos tributários em 13 de Julho de 1994, com o fundamento de que «[o] momento da constituição da dívida coincidirá com o momento em que cessou o cumprimento da obrigação cujo incumprimento deu origem à dívida aduaneira, ou seja, o momento em que se verificou a saída das mercadorias do regime de aperfeiçoamento activo, nos termos do n.º 2 do art. 204.º do CAC», a Recorrente admite que a data da constituição da dívida aduaneira se situa em 30 de Julho de 1993, que diz corresponder à data da extinção do entreposto franco.
Seja como for, nunca em 17 de Julho de 1996, data em que, como resulta do disposto na alínea S) dos factos provados, a ora Recorrida foi notificada da segunda liquidação [referimo-nos à segunda liquidação, uma vez que a liquidação que foi notificada por ofício de 7 de Dezembro de 1994 e cuja rectificação foi notificada por ofício de 22 de Dezembro de 1994, foi revogada por despacho de 28 de Dezembro de 1994, tudo nos termos das alíneas E), G) e I) dos factos provados], estariam decorridos os três anos fixados como prazo de caducidade do direito à liquidação.
Poderá argumentar-se que, para efeitos de apurar a caducidade do direito à liquidação, não releva a notificação desta segunda liquidação, mas antes a da liquidação que foi notificada à ora Recorrida em Setembro de 2003 [cfr. factos provados sob a alínea AG)]. Parece ter sido essa a tese sustentada pela Juíza do Tribunal a quo.
Por isso, viu-se na necessidade de averiguar da existência de causas de suspensão da caducidade, designadamente da que foi invocada pela Administração Aduaneira ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 221.º do CAC, qual seja a pendência do recurso contencioso de anulação entre 31 de Outubro de 1995 – data em que foi deduzido junto do Tribunal Tributário de 2.ª instância [cfr. alínea P) dos factos provados] –, e 7 de Maio de 2003 – data em que foi proferida decisão final pelo Supremo Tribunal Administrativo [cfr. alínea AF) dos factos provados]. Na verdade, a aceitar-se, como aceitamos, pelas razões que adiante explicaremos, que, para efeitos de averiguar da caducidade do direito à liquidação, a notificação da liquidação que releva é a que foi efectuada em 17 de Junho de 1996, é inoportuna a indagação sobre a existência da causas de suspensão do prazo da caducidade, uma vez que aquela notificação, independentemente de qualquer suspensão, ocorreu dentro do referido prazo de três anos.
Em todo o caso, sempre diremos que concordamos com a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra quando esta considera que a interposição desse recurso nunca interferiria na contagem do prazo da caducidade, não tendo a virtualidade de o suspender. É que, como bem deu conta a sentença, louvando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (O acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 808/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Dezembro de 2005 (http://dre.pt/pdfgratisac/2005/32210.pdf), págs. 29 a 39, também disponível em, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2badeeffa1d76dac80256f8e0038e672?OpenDocument.), a razão de ser da suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação por existência de situação litigiosa, prevista no n.º 3 do art. 221.º do CAC, é a impossibilidade do exercício do direito enquanto essa situação se mantém, aliás em consonância com a regra do art. 329.º do CC («O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».); ora o referido recurso contencioso de anulação em nada contendia com a possibilidade do exercício do direito à liquidação, pois o acto cuja anulação aí foi peticionada – o despacho do Director das Alfândegas de Lisboa que indeferiu o pedido de substituição de listagens apresentadas e de que o apuramento do regime seja feito, não relativamente ao regime de aperfeiçoamento, mas à extinção do regime de entreposto [cfr. alínea P) dos factos provados] –, em nada contende com a possibilidade de liquidar os direitos aduaneiros e o IVA em causa. Aliás, como judiciosamente observou a Juíza do Tribunal a quo, a própria Administração Aduaneira não lhe reconheceu esse efeito, na medida em que, na pendência do recurso contencioso de anulação, efectuou a segunda liquidação.
Mas, como dizíamos, é irrelevante averiguar de causas de suspensão para efeitos de averiguar da caducidade do direito à liquidação, uma vez que a notificação da liquidação que releva é a que foi efectuada em 17 de Junho de 1996 (manifestamente dentro do prazo de caducidade) e só esta. Vejamos:
A liquidação que foi notificada à ora Recorrida em 2003, como consta do ofício que lhe foi remetido para notificá-la, foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 78.º da LGT, ou seja, foi efectuada no âmbito da revisão da liquidação notificada em 24 de Julho 1996, mediante iniciativa da Administração Aduaneira (revisão oficiosa), com fundamento em erro imputável aos serviços e a favor da Contribuinte, uma vez que da revisão resulta um valor a pagar inferior [cfr. alínea AG) dos factos provados].
Ora, como bem sustenta a Recorrente, relativamente a esta liquidação resultante da revisão oficiosa prevista no art. 78.º da LGT não são aplicáveis os prazos de caducidade do direito à liquidação. Não o são porque a revisão é favorável ao sujeito passivo (A nosso ver, já assim não seria se a revisão fosse a favor da Administração, caso em que haveria de se respeitar os prazos de caducidade do direito à liquidação. Neste sentido, RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 204.). Na verdade na situação sub judice não é o exercício do direito à liquidação que está em causa, mas antes a revisão – no caso reforma [cfr. art. 79.º, n.º 1, da LGT («O acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior, reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão».)] – de um acto de liquidação relativamente ao qual não há dúvida que foi praticado dentro do prazo que a lei fixa para o exercício do respectivo direito.
A revisão oficiosa da liquidação «destina-se, em regra, a permitir a reparação de erros cometidos pelos serviços que originaram liquidações ilegais, em desfavor do sujeito passivo/contribuinte» (RUI DUARTE MORAIS, ibidem.). Assim, limitar a possibilidade de revisão da liquidação a favor do contribuinte ao período em que poderia ser exercido o direito à liquidação constituiria uma restrição considerável ao âmbito da revisão e poderia inclusive excluir a possibilidade da revisão (nos casos em que o acto de liquidação tivesse sido praticado no último dia do prazo para o exercício do respectivo direito). Daí que o legislador, avisadamente, lhe fixou prazos próprios que, no caso de revisão a favor do contribuinte, por iniciativa da Administração e com fundamento em erro imputável aos serviços, fixou em quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago. «O que parece ser uma solução razoável: por um lado, deverá decorrer um prazo relativamente longo antes que deixe de ser possível reparar uma ilegalidade imputável à própria administração; por outro, enquanto o tributo não estiver cobrado (o “processo” não estiver encerrado) deverá ser possível a reparação do erro» (RUI DUARTE MORAIS, ob. cit., pág. 206.).
Em conclusão, na situação sub judice, relativamente à liquidação notificada à ora Recorrida em Setembro de 2003 não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação, uma vez que esta resulta de revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração tributária e a favor do contribuinte, ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, sendo que em relação a este acto anterior não subsistem dúvidas quanto ao exercício do respectivo direito dentro do prazo da caducidade.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido diverso, não pode ser confirmada no que a este fundamento concerne.


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2.2.3 DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA

Nos termos que deixámos referidos em 2.2.1, cumpre, agora, conhecer do erro de julgamento quanto à questão da preterição do direito de audiência (dito de audição) prévia à liquidação.
Na sentença recorrida, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra entendeu que se verificava o invocado vício de forma por preterição do direito de audiência prévia, uma vez que entendeu que à ora Recorrida não foi assegurada a possibilidade de exercício do direito de participação no âmbito do procedimento de inspecção, nem em qualquer momento anterior à liquidação impugnada.
A Recorrente discorda e sustenta que «como resulta inequivocamente da letra da lei, do n.º 2 do art. 60.º da LGT, na redacção vigente em 2003, a audição prévia apenas deverá ter lugar quanto a actos de conteúdo desfavorável ao contribuinte, não ocorrendo a sua realização, em caso de revisão oficiosa a favor do contribuinte, e calculada uma dívida em montante inferior àquela que resultava da liquidação que se reviu» (cfr. item 15 das alegações de recurso, a fls. 364).
Concordamos integralmente com a sentença recorrida, afigurando-se-nos que a Recorrente faz uma leitura restritiva do conceito de actos de conteúdo desfavorável ao contribuinte, que não é autorizada nem pela letra nem pela ratio do n.º 2 do art. 60.º da LGT, que, na redacção em vigor à data (Redacção original, que veio a ser alterada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007).), dizia: «É dispensada a audição em caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável». Vejamos:
No caso dos autos, a liquidação foi efectuada com base em revisão de uma liquidação relativamente à qual a Administração não assegurou à ora Recorrida o direito de participação [cfr. alíneas Q) e R) dos factos provados].
E se é certo que, à data em que foram elaborados os relatórios de inspecção que estiveram na origem da liquidação notificada em 1996 [cfr. Q) e S) dos factos provados], não estava ainda em vigor a LGT, cujo início de vigência ocorreu em 1 de Janeiro de 1999 (Cfr. arts. 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou o CPPT.), nem o Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), com início de vigência também em 1 de Janeiro de 1999 (Cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, diploma que aprovou o RCPIT. ), pelo que não pode sustentar-se a aplicação das normas procedimentais tributárias que, ulteriormente, vieram impor a audição prévia do contribuinte antes de serem proferidas decisões que afectassem a sua esfera jurídica, designadamente antes de concluído a procedimento de inspecção, quais sejam o art. 60.º, n.º 1, alínea e), da LGT («1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
[…]
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária».) e o art. 60.º, n.º 1, do RCPIT («Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação».), isso não significa que, nessa data, não fosse necessário assegurar aos contribuintes o exercício do direito de audição, antes de serem proferidas decisões que afectassem a sua esfera jurídica, como constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo há muito firmada (Por mais antigos, vide os acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Janeiro de 2000, proferido no processo n.º 21.244, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Novembro de 2002 (http://dre.pt/pdfgratisac/2000/32211.pdf), págs. 217 a 224,
- de 29 de Novembro de 2000, proferido no processo n.º 25.214, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://dre.pt/pdfgratisac/2000/32242.pdf), págs. 4383 a 4399;
- de 10 de Abril de 2002, proferido no processo n.º 26.248, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004 (http://dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), págs. 967 a 975.).
A Constituição da República Portuguesa (CRP), no n.º 4 do art. 267.º (na redacção de 1989, vigente à data da aprovação do CPT, a que corresponde o n.º 5 do mesmo artigo nas redacções de 1997 e posteriores) exige que o processamento da actividade administrativa assegure a «participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito».
É certo que esta norma constitucional não concretiza a forma como deve ser assegurada tal participação, mas o art. 100.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – este, sim, já em vigor à data (O Código do Procedimento Administrativo entrou em vigor em 15 de Maio de 1992, nos termos do disposto nos arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, diploma que o aprovou. ) – estabelece que «concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».
É certo também que a CRP não exige que o direito de participação que assegura seja concretizado precisamente através de uma comunicação prévia do sentido provável da decisão final, sendo a fórmula constitucional compatível com outras formas de participação dos particulares nos procedimentos administrativos, desde que possibilitem a estes influenciar o sentido da decisão final.
Acontece, porém, que no caso sub judice, não havia regime especial que estabelecesse um regime de participação do contribuinte previamente à liquidação, motivo por que seria necessário assegurá-lo nos termos do art. 100.º do CPA, tanto mais que este estabelece, no seu art. 2.º, n.º 5, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, que «[o]s princípios gerais da actividade administrativa constantes do presente Código e as normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada», entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial ( Vide FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1.ª edição, pág. 30.). Porque o art. 100.º do CPTA é uma norma que concretiza preceito constitucional (à data o art. 267.º, n.º 4, da CRP), passou a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário, aplicando-se em todas as situações em que inexistam normas procedimentais especiais sobre as matérias nele reguladas.
Ou seja, a Administração não permitiu à sociedade exercer o direito de participação no procedimento que culminou com liquidação notificada em 1996.
Por outro lado, a Administração deveria também ter assegurado o direito de participação da ora Recorrida, agora sim já ao abrigo do disposto no art. 60.º da LGT, antes de concluído o procedimento de revisão oficiosa daquela liquidação.
Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, não colhe a argumentação da Recorrente de que a lei apenas impunha que fosse facultado o exercício desse direito quanto a actos de conteúdo desfavorável, de acordo com o disposto no já citado n.º 2 do art. 60.º da LGT. É que não se verificam os pressupostos de que este preceito faz depender a dispensa do direito de audiência prévia através do qual se concretiza o direito de participação: nem a liquidação foi efectuada com base em declaração da Impugnante, nem resulta de decisão proferida a seu pedido (mas antes de revisão oficiosa, ou seja, efectuada por iniciativa da AT e não por iniciativa do sujeito passivo), nem se pode considerar que a decisão lhe tenha sido favorável, pois tal só sucederia caso não houvesse qualquer montante a pagar (Neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 9 ao art. 60.º, pág. 511. ), o que não sucede no caso sub judice. Por outro lado, não concordamos com a afirmação, aliás não substanciada, de que a decisão da revisão oficiosa não deve ser precedida da possibilidade de exercer o direito de participação através da audiência prévia. Não conhecemos preceito que apoie essa afirmação, nem vislumbramos princípio que a justifique.
Entendemos, pois, que a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificado o vício de preterição do direito de audiência prévia e, com fundamento no mesmo, anulou a liquidação impugnada. Quanto a este fundamento, o recurso não pode ser provido, motivo por que a decisão recorrida se manterá na ordem jurídica.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - As regras estabelecidas no art. 124.º do CPPT implicam o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, nos termos da qual, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
II - Relativamente a uma liquidação que resulta da revisão de anterior acto de liquidação por iniciativa da administração (revisão oficiosa) e a favor do sujeito passivo, efectuada ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, não pode falar-se de caducidade do direito à liquidação se, em relação àquele acto anterior não subsistem dúvidas quanto ao exercício do respectivo direito dentro do prazo da caducidade.
III - A revisão oficiosa a favor do contribuinte não dispensa que a este seja facultado o exercício do direito de participação, a menos que da decisão resulte que não há montante algum a pagar nem qualquer outro prejuízo para o contribuinte (cfr. art. 60.º, n.º 2, da LGT).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida, se bem que apenas com fundamento na violação do direito de audição prévia.

Sem custas (uma vez que a Fazenda Pública delas está isenta nos processos de natureza tributária no regime aplicável, que é o anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).

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Lisboa, 8 de Outubro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.