Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0459/14
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
BENEFÍCIOS FISCAIS DEPENDENTES DE RECONHECIMENTO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - A isenção de CA às pessoas colectivas de utilidade pública, prevista à data no art. 50.º, n.º 1, alínea e), do EBF, depende de requerimento do interessado e de reconhecimento por parte da entidade competente, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 4 do art. 50.º do EBF, na redacção aplicável.
II - Sendo certo que, em regra, o reconhecimento tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento deste direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento, não será assim se a lei dispuser em sentido diverso (cfr. art. 11.º do EBF, na redacção aplicável).
III - Da conjugação dos n.ºs 4 e 5 do EBF (sempre na redacção aplicável), resulta que nos casos em que o interessado não apresentou o pedido de isenção dentro do prazo legalmente fixado, a isenção só se iniciará a partir do ano imediato, inclusive, ao da apresentação.
IV - No caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação.
Nº Convencional:JSTA00069424
Nº do Documento:SA2201511180459
Data de Entrada:04/14/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIB AUTÁRQUICA
DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:LGT98 ART95 N1 N2 F.
CPPTRIB99 ART97 N1 P N2.
CPTA02 ART58 N1 B ART69 N1.
CIMI03 ART41 N5.
EBFISC01 ART4 N1 N2 ART11 ART19 ART34 ART50 N1 E N2 A N4 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC025432 DE 2000/11/15.; AC STA PROC0211/04 DE 2004/12/15.
Referência a Doutrina:PINTO FERNANDES E CARDOSO DOS SANTOS - ESTATUTO DOS BENEFICIOS FISCAIS ANOTADO E COMENTADO 2ED PAG70-71.
NUNO SÁ GOMES - TEORIA GERAL DOS BENEFICIOS FISCAIS IN CIENCIA E TÉCNICA FISCAL N359 PAG136-138.
JORGE LOPES DE SOUSA - CODIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG595-597.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 3366/2004 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (anterior n.º 492/2001)

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por “A………….” (adiante Impugnante ou Recorrido), anulou a liquidação de Contribuição Autárquica (CA) que a este foi efectuada relativamente ao ano de 1991 e a um prédio destinado a campo de jogos.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «


I - O objecto do recurso

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo A………… contra a liquidação de Contribuição Autárquica (CA) do ano de 1991, no valor de 7.088.263$00 (€ 35.356,11).

II. Isto porque o douto Tribunal a quo entendeu que a isenção de CA concedida à impugnante não dependia de requerimento, pelo que aquela teria direito a tal benefício desde o ano, inclusive, em que o prédio foi destinado à realização dos seus fins.

III. Por conseguinte, as questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em:

a) saber se a isenção de CA em causa depende ou não de requerimento por parte do interessado e, em caso afirmativo,
b) saber a partir de que momento se inicia tal isenção.


II - A factualidade dada como provada

IV. A matéria de facto que o douto Tribunal a quo verteu na sua decisão – e que não nos merece reparo – encontra-se referida a págs. 2 e 3 da sentença pelo que, por economia processual, se remete para a sua transcrição a que procedemos supra.

III - As normas legais aplicáveis

V. De forma a que possamos apreciar devidamente a questão que se discute nos presentes autos, cumpre trazer à colação o regime legalmente aplicável (na redacção à data dos factos), mormente os artigos 50.º [Isenções], 4.º [Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento] e 14.º [O princípio da iniciativa dos interessados], todos do EBF.

VI. Elencadas as normas aplicáveis à questão em dissídio, cumpre agora saber se a douta decisão se deverá manter na ordem jurídica ou se, ao invés, deverá ser revogada por erro de julgamento de direito.

IV - A isenção de Contribuição Autárquica

VII. O douto Tribunal a quo entendeu que o benefício de isenção de CA previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 50.º do EBF é um benefício automático, i.e., que resulta directa e imediatamente da lei, pelo que não teria de ser requerido pelo contribuinte.

VIII. Assim sendo, também não necessitava de ser reconhecido, pelo que não haveria lugar à aplicação do n.º 4 do artigo 50.º do EBF.

IX. É aqui que a recorrente Fazenda Pública imputa à douta sentença em erro de julgamento de direito, por entender que há que aplicar ao caso sub judice o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 50.º do EBF. Com efeito,

X. A impugnante é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, pelo que, nos termos do artigo 50.º n.º 1 alínea e) do EBF, poderá beneficiar da isenção de CA.

XI. Tal isenção, desde que verificados os respectivos condicionalismos, terá o seu início desde o ano, inclusive, em que o prédio ou parte do prédio for destinado aos seus fins (artigo 50.º n.º 2 alínea a) do EBF).

XII. Nos casos não abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 50.º [Estados estrangeiros) a isenção será reconhecida pelo DGSI, a requerimento devidamente documentado, que deverá ser apresentado no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção (1.ª parte do n.º 4 do artigo 50.º do EBF), sendo que

XIII. A parte final daquele n.º 4 do artigo 50.º do EBF estabelece uma excepção ao regime previsto na 1.ª parte, mas apenas quanto às Misericórdias (em que o direito à isenção será reconhecido oficiosamente).

XIV. Por conseguinte, nos termos do n.º 5 do artigo 50.º do EBF, nas situações abrangidas pela primeira parte do n.º 4 [em que se incluem as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa], se o pedido for apresentado para além do prazo referido [os 90 dias], a isenção iniciar-se-á a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação. Logo,

XV. A isenção concedida à impugnante, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, não é uma isenção automática, visto que carece de requerimento do interessado e de reconhecimento pela entidade competente e,

XVI. Se não for requerida dentro do prazo legalmente previsto, só se inicia a partir do ano seguinte ao da apresentação do pedido.

XVII. Deste modo, e em conclusão, da conjugação da alínea a) do n.º 2 e dos n.ºs 4 e 5, todos do artigo 50.º do EBF, a isenção de CA iniciar-se-ia no ano em que o prédio fosse afectado aos fins a que se destinava desde que o pedido de reconhecimento fosse apresentado dentro do prazo – não o sendo, a isenção apenas terá o seu início no ano seguinte ao do pedido.

XVIII. Nestes termos, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 4.º n.ºs 1 e 2, 50.º n.º 2 alínea a), 50.º n.º 4 e 50.º n.º 5, todos do EBF, devendo tais normas ser interpretadas e aplicadas no sentido de que:

i- a isenção de CA a conceder às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa depende de requerimento e de reconhecimento por parte da entidade competente;

ii- a não apresentação do requerimento no prazo legalmente previsto apenas permite que a isenção se inicie no ano seguinte ao do pedido.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser provido, a sentença revogada e a impugnação judicial julgada improcedente, com a seguinte fundamentação:

«[…]
3. Está em causa nos autos a liquidação de contribuição autárquica relativa ao ano de 1991, no valor de € 10.599,99 euros (a liquidação era originalmente no valor de € 35.356,11 euros, mas foi anulado o montante de € 24.756,12, na sequência da correcção do resultado de avaliação do prédio), relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 3580 da freguesia de ………., destinado a campo de futebol (complexo desportivo). Pese embora não conste da factualidade levada ao probatório, resulta implicitamente da sentença recorrida que a impugnante tinha por objecto a realização de actividades de promoção do desporto, no âmbito das quais utilizava o referido prédio e com base nas quais terá sido reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, ao abrigo do disposto no Dec.-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, por despacho publicado no D.R., II série, n.º 81, de 7 de Abril de 1980.
Resulta igualmente da sentença recorrida que a impugnante apresentou em 23/08/1994 um requerimento a solicitar a isenção de CA ao abrigo do disposto no artigo 50.º EBF (na redacção então em vigor), tendo o pedido sido deferido com efeitos a partir do ano de 1995, inclusive, ao abrigo do n.º 5 do referido preceito legal.
A impugnante não impugnou tal despacho, mas veio a impugnar posteriormente a liquidação de CA referente ao ano de 1991 junto do TAF de Aveiro, na qual obteve vencimento e cuja decisão a FP agora contesta.
A questão que é suscitada no recurso da FP consiste em saber se o benefício fiscal previsto no então artigo 5.º do EBF é ou não um benefício automático ou depende de reconhecimento por parte da Administração Tributária.
Nos termos do artigo 5.º do EBF «Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei; os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento».
Assim, os benefícios automáticos resultam directa e imediatamente da lei, bastando que se verifiquem os pressupostos nela fixados. Os benefícios dependentes de reconhecimento pressupõem, para além da verificação dos pressupostos objectivos e subjectivos definidos na lei, a prática, pela administração tributária, de um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
Nas palavras de NUNO DE SÁ GOMES (“TEORIA GERAL DOS BENEFÍCIOS FISCAIS”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 359, pág. 136-138), «... os benefícios fiscais são automáticos quando o direito ao beneficio opera “ope lege”, pela simples verificação dos respectivos pressupostos. É o que sucede, entre nós, v. g., com a totalidade dos benefícios fiscais previstos no art. 8.º do Código do IRC, isentando as pessoas colectivas de direito público e as instituições de segurança social e de previdência. Mas também há benefícios fiscais automáticos, quer de natureza subjectiva, beneficiando pessoas privadas de fim interessado (...) quer objectiva.
Nestes casos, verificados os pressupostos legais do benefício fiscal considerado, este surge, automaticamente, “ope lege” sem necessidade de qualquer iniciativa da entidade beneficiada ou intervenção da Administração Fiscal. Portanto, nestas situações, os benefícios fiscais não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos. E esta circunstância tem também naturais reflexos na análise económico –financeira dos benefícios fiscais, pois, tratando-se de medidas automáticas, não há actualmente, e é difícil se não impossível, estabelecer, no futuro, modos de controlo de despesa ou gasto fiscal inerentes, que sejam e totalmente eficazes. E, por isso mesmo, a parte final do n.º 4, do art. 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tratando-se de benefícios fiscais genéricos e automáticos dispensa os contribuintes da declaração dos rendimentos isentos, para efeito do controlo da respectiva despesa fiscal, cometendo tal encargo aos serviços fiscais.
E note-se: parece que o automatismo dos benefícios fiscais, quando tem lugar, não tem por fundamento, necessariamente, uma especial intensidade do interesse público com eles tutelado, que determina a dispensa de reconhecimento oficial, mas antes uma particular conformação legal, pelo que, nesses casos, tendo em vista uma certa economia processual, a lei julga aconselhável dispensar o respectiva apreciação casuística e correspondente reconhecimento pela Administração Fiscal, concedendo, assim, automática e genericamente os benefícios nas hipóteses previstas, sem necessidade de controlo da respectiva despesa fiscal, daí resultante» - E continua o mesmo Autor: «por sua vez, grande número de benefícios fiscais é apreciado casuisticamente pela Administração Fiscal, ficando os seus efeitos dependentes de um acto de reconhecimento. (...) Daí que os modos de reconhecimento pela Administração Fiscal tenham, legalmente, natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal, tendo, pois, eficácia “ex tunc” e não “ex nunc”, salvo disposição de lei em contrário...».
O referido artigo 50.º do EBF (actual artigo 44.º), consagrava uma isenção de CA (actualmente IMI), para as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, como era o caso da impugnante e aqui recorrida, “quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins” - alínea e) do n.º 1 do citado artigo.
Por sua vez a alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito legal previa que a isenção iniciava-se no ano, inclusive, em que o prédio for destinado aos fins referidos na alínea e) do n.º 1. Mas o n.º 6 do mesmo preceito sujeitava essa isenção ao reconhecimento por parte da AF, mediante requerimento a ser apresentado no prazo de 90 dias a contar dessa destinação. Sendo que caso fosse ultrapassado esse prazo, o benefício da isenção só se iniciava no ano seguinte ao da apresentação – 7 do mesmo preceito legal.
Em face dos normativos em causa, parece não oferecer dúvidas que estamos perante um benefício fiscal sujeito ao controlo da administração tributária, ou seja, dependente de reconhecimento. E por outro lado prevê igualmente a lei que a falta de requerimento do interessado no prazo ali consignado se repercuta na duração do benefício.
Por outro lado e como se alcança da factualidade dada como assente na sentença recorrida, na sequência da Recorrida ter apresentado em 23/08/1994 o pedido de reconhecimento da isenção, a AT proferiu decisão de deferimento com efeitos a partir do ano de 1995, inclusive, ao abrigo do n.º 5 do artigo 50.º do EBF, decisão esta que não foi impugnada. Dado tratar-se de um acto destacável o mesmo é susceptível de impugnação – cfr. n.º 4 do artigo 65.º do CPPT. Atento que não foi impugnado no prazo legal, a referida decisão tomou-se caso decidido e resolvido. E assim sendo, não pode em sede de impugnação judicial do acto de liquidação tomar-se conhecimento da questão da isenção relativamente ao ano de 1991 – cfr. a este propósito o acórdão do STA de 02/10/2002, recurso n.º 0528/02».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que a AT incorrera em vício de violação de lei ao liquidar CA ao ora Recorrente relativamente ao prédio em causa e ao ano de 1991, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o benefício em causa (isenção de CA) é automático ou depende de reconhecimento e, neste último caso, qual o momento em que se inicia.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1- Por declaração publicada no D.R., n.º 81, II Série, de 07.04.1980, a Presidência do Conselho de Ministros declarou a impugnante como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, cfr. fls. 6 do PA e que aqui se dá por reproduzida.

2- A impugnante em 1922 adquiriu um terreno, onde posteriormente construiu o seu complexo desportivo, cfr. fls. 9 a 14 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.

3- Por carta datada de 19.11.1993 foi a impugnante notificada para apresentar a declaração modelo 129 para “inscrição do campo de futebol na matriz”, cfr. fls. 15 e que aqui se dá por reproduzida.

4- Em 24 de Maio de 1994 foi a impugnante notificada do resultado da avaliação do terreno a que se refere a inscrição identificada em 3), cfr. fls. 20 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

5- Em 23 de Agosto de 1994 a impugnante apresentou requerimento solicitando isenção de contribuição autárquica nos termos constantes de fls. 22 e que aqui se dá por reproduzida.

6- Dá-se aqui por reproduzido o requerimento apresentado pela impugnante em 24.01.1995, em complemento ao apresentado em 23.08.1994 e constante destes autos a fls. 23.

7- O requerimento apresentado em 23.08.1994 identificou como anexos, fotocópia do cartão de identificação de pessoa colectiva, certidão de registo comercial de Espinho, fotocópia do diploma do reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública e fotocópia dos estatutos.

8- Por carta datada de 02.10.1996 foi a impugnante notificada da concessão da isenção de contribuição autárquica com efeitos a partir de 1995, cfr. fls. 26 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

9- Pela nota de cobrança constante destes autos a fls. 8, e que aqui se dá por reproduzida, foi a impugnante notificada para proceder ao pagamento da contribuição autárquica do ano de 1991.

10- Dá-se aqui por reproduzido o ofício remetido pelo Serviço de Finanças de Espinho e constante destes autos a fls. 39».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT) efectuou uma liquidação de CA ao “A………….” relativamente ao ano de 1991 e ao prédio onde aquele clube tem o seu campo de jogos.
O “A………….” impugnou judicialmente a liquidação. Alegou que, sendo pessoa colectiva de utilidade pública desde 1980 e tendo procedido em 1993 à inscrição na matriz predial de um prédio que adquirira em 1922 e onde construiu o seu complexo desportivo, que se destina, desde há muito antes da data da entrada em vigor do Código da CA e de forma directa, à prossecução dos seus fins estatutários, em 1994 requereu, ao abrigo do disposto no art. 50.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção aplicável, a isenção da CA sobre esse imóvel, desde o ano de 1989, inclusive. Que não obstante essa isenção apenas lhe ter sido reconhecida com efeitos a partir de 1995, o respectivo despacho é anulável (Se bem que o Impugnante não peça a sua anulação.), comunicando-se a ilegalidade de que o mesmo enferma – violação de lei – à liquidação ora impugnada. Segundo o Impugnante, essa violação de lei resultaria do facto de não se ter atentado no disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 50.º do EBF, que dispõe que a isenção se inicia «no ano, inclusive, em que o prédio ou parte do prédio for destinado aos fins nelas [alíneas a) a j) do n.º 1 do mesmo artigo] referidos».
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação impugnada. Isto porque considerou que o benefício fiscal em causa – a isenção de CA prevista no art. 50.º, n.º 1, alínea e), do EBF – não depende de reconhecimento por parte do interessado, motivo por que o Impugnante, que «enquanto pessoa colectiva de utilidade pública a que se refere a alínea e) do referido diploma legal, encontra-se abrangida pelo estatuído no n.º 2 do referido preceito legal», «tem direito a isenção de Contribuição Autárquica no ano, inclusive, em que o prédio ou parte do prédio se destine directamente à realização dos seus fins e desde que seja feita prova da respectiva natureza jurídica».
A Fazenda Pública discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação das disposições legais aplicáveis, designadamente dos arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, e 50.º, n.ºs 1, alínea e), 2, alínea a), 4 e 5, do EBF. Sustenta, em síntese, que a isenção em causa depende de requerimento do interessado e de reconhecimento pela entidade competente, sendo que a não apresentação do requerimento dentro do prazo fixado no n.º 4 do art. 50.º do EBF, tem como efeito que o benefício só se inicie a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, como resulta do n.º 5 do mesmo preceito legal.
Assim, como deixámos dito em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que a AT incorrera em vício de violação de lei ao liquidar CA ao ora Recorrente relativamente ao prédio em causa e ao ano de 1991, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o benefício em causa (isenção de CA) é automático ou depende de reconhecimento e, neste último caso, qual o momento em que se inicia.

2.2.2 DA ISENÇÃO DE CA ÀS PESSOAS COLECTIVAS DE UTILIDADE PÚBLICA: NATUREZA DO BENEFÍCIO E DATA EM QUE SE INICIA

2.2.2.1 Nos termos do disposto no art. 50.º, n.º 1, alínea e), do EBF, na redacção aplicável, estavam isentos de CA as pessoas colectivas de utilidade pública, em relação aos prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Assim, dando por adquirido que o prédio em causa se destina directamente à realização dos fins prosseguidos pelo ora Recorrido, cumpre, antes do mais e como deixámos dito, indagar da natureza do benefício em causa: automático ou dependente de reconhecimento? Na verdade, foi por o ter considerado um benefício automático, que «resulta directamente da lei», que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou a impugnação judicial procedente.
Dispunha o art. 4.º (actualmente art. 5.º) do EBF:
«1. Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei; os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
2. O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser o contrário.
3. O processo de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto nos artigos 14.º e seguintes do presente Estatuto, quando não seja previsto processo próprio para o efeito».
Ou seja, este artigo distingue os benefícios fiscais automáticos dos que estão dependentes de reconhecimento pela AT. Como dizem F. PINTO FERNANDES e C. CARDOSO DOS SANTOS, «Os primeiros, como a sua designação inculca, derivam directamente da lei e operam ope legis, pela simples verificação dos seus pressupostos. Estão neste caso os previstos nos artigos 19.º a 34.º do Estatuto.
Os segundos pressupõem actos de reconhecimento pela Administração Fiscal, de eficácia declarativa ou constitutiva e, em certos casos, carecem de requerimento por parte dos interessados, nuns casos previamente, noutros posteriormente à verificação do facto tributável» (Cfr. Estatuto dos Benefícios Fiscais, Anotado e Comentado, 2.ª edição, comentário 1.1 ao art. 4.º, págs. 70/71.-(No mesmo sentido, vide NUNO SÁ GOMES, na citação efectuada pelo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, que transcrevemos em 1.4.
Ainda no mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 2 ao art. 65.º, págs. 595/596. ).
O benefício em causa – isenção de CA para as pessoas colectivas de utilidade pública, em relação aos prédios destinados directamente à realização dos seus fins – é um benefício dependente de reconhecimento, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 4 do art. 50.º do EBF, que dispunha: «Nos restantes casos previstos neste artigo [ou seja e como decorre do n.º 3 do mesmo artigo, com excepção do caso previsto na alínea a) do n.º 1 – isenção concedida aos Estados estrangeiros –, caso em que o reconhecimento é da competência do Ministro das Finanças], a isenção será, reconhecida pelo director-geral dos Impostos: a requerimento devidamente documentado, que deverá ser apresentado pelos sujeitos passivos na repartição de finanças da área da situação do prédio, no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção, salvo quanto às misericórdias, caso em que o direito à isenção será reconhecido oficiosamente, sempre que se verifique a inscrição na matriz em seu nome».
E bem se compreende que assim seja, uma vez que será necessário um juízo sobre a destinação do prédio aos fins da entidade, o que passa pelo conhecimento dos respectivos estatutos, bem como se imporá a comprovação da comprovação da sua qualificação de utilidade pública.
Aliás, a própria Impugnante admitiu tratar-se de um benefício dependente de reconhecimento (cfr. art. 24.º da petição inicial), discordando da AT apenas relativamente ao início desse benefício, que situa, em qualquer caso (i.e., quer o pedido tenha sido apresentado em prazo quer tenha sido apresentado para além dele), «no ano em que o prédio for destinado aos fins merecedores da isenção».
Não podemos, pois, acompanhar a sentença, que entendeu estarmos perante «uma isenção que resulta directamente da lei», ou seja, perante um benefício automático.

2.2.2.2 Dando como assente que a isenção em causa é um benefício fiscal dependente de reconhecimento, resta-nos averiguar em que data a mesma se iniciou.
A Impugnante, ora Recorrida, apesar de aceitar que a isenção depende da apresentação de requerimento pelo interessado e de reconhecimento pela AT, sustenta que, porque este reconhecimento tem carácter meramente declarativo, o início da mesma, ainda que o respectivo requerimento não tenha sido apresentado dentro do prazo de 90 dias fixado pelo n.º 4 do art. 50.º do EBF, deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ou seja, deve ser reconhecida com efeitos desde o ano em que o prédio tenha sido destinado aos fins da entidade de interesse público, como aliás resulta da alínea a) do n.º 2 do mesmo art. 50.º. Assim, afirma expressamente que «[o] atraso no cumprimento do dever de colaboração nos casos de reconhecimento declarativo, não produz, sob pena de violação da al. a) do n.º 2 do art. 50.º EBF, uma postecipação do direito à isenção, mas legitima apenas a eventual existência de liquidações que se mostrarão ilegais, caso o contribuinte já tenha solicitado, ou entretanto, venha a solicitar o referido pedido de isenção».
É certo que, em regra, o reconhecimento tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento deste direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento. É o que resultava do art. 11.º do EBF (hoje, art. 12.º), que dizia: «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo».
No entanto, como resulta da ressalva feita na parte final do artigo, só assim é se a lei não dispuser de outro modo. Ora, a conjugação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 50.º do EBF não deixava margem para dúvida. Na verdade neste último número dizia-se: «Nas situações abrangidas pela primeira parte do número anterior, se o pedido for apresentado para além do prazo referido, a isenção iniciar-se-á a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação».
Ou seja, não havendo dúvida de que o ora Recorrido não respeitou o prazo de 90 dias fixado pelo art. 50.º do EBF – o que ele mesmo reconhece –, a isenção não poderia produzir efeitos senão no ano seguinte ao da apresentação do requerimento (Diz JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 4 ao art. 65.º, pág. 595/596: «No que concerne aos mais frequentes benefícios fiscais dependentes de reconhecimento pela administração tributária, que são os de IMI (anteriormente Contribuição Autárquica), o reconhecimento acaba por ter eficácia constitutiva e não meramente declarativa em todos os casos em que o pedido não é apresentado no prazo contado da verificação do facto determinante da isenção, como se depreende do facto de, nesses casos de pedido para além do prazo, a isenção se iniciar a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, todavia, no ano em que findaria caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo (art. 41.º, n.º 5, do CIMI).
Apenas nos casos em que o pedido de reconhecimento é apresentado naquele prazo de 90 dias, lhe é atribuída eficácia retroactiva e o efeito do reconhecimento é meramente declarativo. Por isso, nestes casos em que o reconhecimento do benefício fiscal não tem eficácia retroactiva, se não for obtido o reconhecimento, por via administrativa ou em impugnação contenciosa do acto que o negar, não poderá o benefício fiscal ser considerado na liquidação do tributo a que respeitar».).
A liquidação impugnada não enferma do vício que lhe foi assacado.

2.2.2.3 Acresce que, tendo o ora Recorrido pedido a isenção de CA em 1994, e aditado o pedido em 1995, no sentido de que a isenção «lhe seja concedida, a título muito excepcional e atendendo aos fins a que se destina o imóvel avaliado, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 1989», o despacho que deferiu o pedido, referiu que «foi concedida isenção com efeitos a partir do ano de 1995».
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto, o ora Recorrido não impugnou esse despacho, motivo por que o mesmo se converteu em caso decidido ou caso resolvido.
Ora, no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, como é o caso sub judice, «a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 4 ao art. 65.º, pág. 597: «[…] a decisão do pedido de reconhecimento, como acto administrativo com repercussões na esfera jurídica do interessado, é passível de impugnação contenciosa imediata, nos termos do disposto no art. 95.º, n.º s 1 e 2, alínea f), da LGT. A impugnação contenciosa, a efectuar através de acção administrativa especial [art. 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2 do CPPT], deverá ser efectuada no prazo de três meses, se se tratar de impugnação de acto expresso [art. 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA], ou de um ano, se se tratar de situação de inércia da Administração em se pronunciar sobre o pedido de reconhecimento [neste caso através de pedido de condenação à prática de acto devido [art. 69.º, n.º 1, do mesmo Código]. Nestes casos de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação».
Na jurisprudência, vide os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Novembro de 2000, proferido no processo n.º 25432, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32242.pdf), págs. 4210 a 4213, com sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/abd037ce55de0489802569fb003fd5a2;
- de 15 de Dezembro de 2004, proferido no processo n.º 211/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32240.pdf), págs. 1858 a 1864, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d6d396f14865d1ed80256f7f0044a658.).
Por este motivo, nunca poderia agora e nesta sede reconhecer-se o direito ao benefício fiscal que o Impugnante considera que determinaria a ilegalidade da liquidação.

2.2.2.4 Por tudo o que ficou exposto, o recurso da Fazenda Pública será provido, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a impugnação judicial improcedente.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A isenção de CA às pessoas colectivas de utilidade pública, prevista à data no art. 50.º, n.º 1, alínea e), do EBF, depende de requerimento do interessado e de reconhecimento por parte da entidade competente, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 4 do art. 50.º do EBF, na redacção aplicável.
II - Sendo certo que, em regra, o reconhecimento tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento deste direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento, não será assim se a lei dispuser em sentido diverso (cfr. art. 11.º do EBF, na redacção aplicável).
III - Da conjugação dos n.ºs 4 e 5 do EBF (sempre na redacção aplicável), resulta que nos casos em que o interessado não apresentou o pedido de isenção dentro do prazo legalmente fixado, a isenção só se iniciará a partir do ano imediato, inclusive, ao da apresentação.
IV - No caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação.

* * *
3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância.

Lisboa, 18 de Novembro de 2015. - Francisco Rothes (relator) – Ana Paula Lobo – Casimiro Gonçalves.