Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 026/18.8BEPRT-S1 |
Data do Acordão: | 02/06/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO APENSAÇÃO |
Sumário: | I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença, ou do despacho referido no art. 64.º do mesmo RGCO, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior a ¼ da alçada do tribunal tributário. II - Deve também aceitar-se esse recurso quando interposto de despachos susceptíveis de condicionar a decisão final a proferir, sob pena de se consumar uma situação de facto lesiva e que o recurso da sentença poderia nunca ser suficiente para reparar. III - Na fase judicial, verificando-se os requisitos da apensação de processos de contra-ordenação, impõe-se ao juiz de qualquer desses processos, ou pedir os demais processos para proceder à sua apensação, caso o seu processo seja o mais antigo, ou remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de ser apensado a este, tudo nos termos do disposto nos arts. 28.º, alínea c) e 29.º do CPP, aplicável subsidiariamente [art. 3.º, alínea b), do RGIT e art. 41.º, n.º 1, do RGCO]. |
Nº Convencional: | JSTA000P24171 |
Nº do Documento: | SA220190206026/18 |
Data de Entrada: | 01/11/2019 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | A............ E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de despacho proferido em processo de contra-ordenação
1. RELATÓRIO 1.1 O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (adiante também denominado Recorrente) interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do regime do art. 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do despacho por que a Juíza daquele Tribunal, considerando que a apensação deve ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, indeferiu o pedido de apensação de processos efectuado pelo acima identificado Recorrido (adiante também Arguido) nos presentes autos, apresentando alegação que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª- QUESTÃO PRÉVIA: o recurso deve ser admitido, apesar do valor da coima aplicada e do disposto no artigo 83.º, n.º 1 do RGIT, atento o disposto no artigo 73.º, n.º 2 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 - neste sentido despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do STA de 02/05/2018, proferido na reclamação n.º 14/18 do STA, constante do P. 2086/17.0BEPRT – S1.1, em reclamação apresentada pelo magistrado subscritor deste recurso, de despacho de não admissão de recurso idêntico. 2.ª- Nos autos foi aplicado ao arguido e impugnante uma coima que não ultrapassa um quarto (€ 1.250,00) da alçada fixada para os Tribunais Judiciais da Primeira Instância, pelo que nos termos do art. 83.º, n.º 1 do RGIT, não seria admissível recurso do despacho em crise. 3.ª- Todavia, o STA tem vindo a entender ser admissível recurso em casos justificados, com base nos fundamentos previstos no art. 73.º, n.º 2 do RGCO, aplicável por força do disposto no art. 3.º, alínea b) do RGIT, quando tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cf. acórdãos do STA de 9/5/2012, 19/9/2012, 08/05/2013 e de 05/02/2014, proferidos nos P. 243/12, 703/12, 655/13 e 1071/13, disponíveis em www.dgsi.pt). 4.ª- Ora, nos termos daquele art. 73.º, n.º 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida. 5.ª- No caso dos autos, a decisão recorrida adoptou um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, o Tribunal recorrido deveria ter decidido qual era o processo, Juiz ou Tribunal competente para proceder ao julgamento conjunto das impugnações de coimas apresentadas, ordenando a remessa dos autos para o processo primeiramente instaurado ou solicitando o envio de todos os outros, para apensação a estes autos, caso sejam estes os instaurados em primeiro lugar. 6.ª- E, sendo o recurso judicial de contra-ordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, impõe-se a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP. 7.ª- É pacífico na jurisprudência do STA que a apensação deverá também ser efectuada pelo Tribunal e sucede que neste TAF, na prática, não acontecem as referidas apensações, para julgamento do arguido num mesmo e único processo, com a invocação do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, ou seja, de que a apensação deveria ter sido requerida no processo instaurado em primeiro lugar e ao qual todos os outros tenham que ser apensados – no sentido de que a apensação deve ser ordenada e efectuada pelo Tribunal, veja-se o decidido nos acórdãos do STA de 03/04/2015, proferido no P. 1396/14, de 08/04/2015, proferido no P. 75/15, de 17/06/2015, proferido no P. 137/15, de 07/10/2015, proferido no P. 645/15 e de 04/11/2015, proferido no P. 72/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 8.ª- Ora, é nosso entendimento que as normas do art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC não têm aplicação no processo penal, tal como se decidiu no acórdão do TRC de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt e assim sendo, e porque importa que se proceda a apensação dos referidos processos, tal como entendido na jurisprudência do STA, afigura-se-nos manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito a admissão do presente recurso, para se aclarar se o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, tem ou não aplicação no processo penal. 9.ª- Nos termos do art. 73.º, n.º 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida, e há manifesta necessidade para melhoria de aplicação do direito quando ocorrem erros claros na decisão judicial, de tal forma que repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito, o que acontece com a solução jurídica encontrada pela decisão recorrida, pelo que é manifestamente necessário a admissão do recurso. 10.ª- Assim, caso não fosse admissível recurso, ficariam sem controlo jurisdicional decisões proferidas com duvidosas soluções jurídicas, ao arrepio da unânime jurisprudência do STA sobre a questão da apensação destes processos, com manifesta violação do direito, claro prejuízo do direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas e do interesse público da economia e boa gestão processual, pelo que deverá ser admitido o presente recurso. 11.ª- A QUESTÃO OBJETO DE RECURSO: O despacho recorrido não ordenou a apensação de outras impugnações de coimas fiscais que o mesmo arguido tem pendentes neste TAF, por a apensação dever ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, por força do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, aplicável subsidiariamente atento o previsto no art. 3.º, al. b) do RGIT, art. 41.º, n.º 1 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 e art. 4.º do CPP. 12.ª- Ora, chegados os recursos à fase judicial, nos termos do art. 25.º do CPP, deveria ser ordenada a apensação neste Tribunal dos recursos de contra-ordenação interpostos pelo mesmo arguido. 13.ª- O MP recorrente não se conforma com a decisão e a interpretação perfilhada pelo despacho recorrido porquanto adoptou-se um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, e sendo o recurso judicial de contra-ordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, atento o disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, o Tribunal recorrido deveria ter ordenado a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP. 14.ª- Ou seja: é nosso entendimento que o Tribunal recorrido deveria decidir, como este não é o processo mais antigo, julgar competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de contra-ordenação o processo mais antigo e ordenar a remessa destes autos ao mesmo, para apensação. 15.ª- E, dando-se o caso do processo onde se aprecia a apensação ser o mais antigo, há que se declarar esse Tribunal o competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de coima apresentadas e solicitar a remessa de todos os outros processos para apensação ao mesmo, e tudo por simples aplicação do disposto na al. c), do art. 28.º do CPP, sendo inaplicável ao processo penal o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, e sendo em tudo uma situação idêntica à que se depara, quando o Tribunal se declara territorialmente incompetente para julgar a acção e declara outro o competente para o efeito, remetendo-lhe o processo para decisão. 16.ª- Por outro lado, a apensação destes recursos de contra-ordenação impõe-se também pela aplicação da regra da economia e da boa gestão processual prevista no art. 130.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao CPP por força do seu art. 4.º e ao RGCO e ao RGIT, de modo a impedir que se pratiquem repetidos actos de prolação de sentenças e notificações absolutamente iguais, para os mesmos intervenientes, com evidentes prejuízos para uma boa e célere administração da justiça, para além, dos inerente e consequentes prejuízos orçamentais e financeiros que daí resultam. 17.ª- Assim sendo, impõe-se que se proceda a apensação de todos os recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP, e sem se chamar à decisão as regras consagradas no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC – neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt. 18.ª- Ou seja: a conexão de processos pode e deve ser apreciada oficiosamente, logo que no processo conste a comprovação de uma das situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do CPP, não tendo aplicação subsidiária no processo-crime o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, na medida em que as regras para determinar o Tribunal competente para se proceder a julgamento conjunto de todas as impugnações de coima interpostas pelo mesmo arguido estão previstas no CPP, nomeadamente na al. c) do seu art. 28.º. 19.ª- As normas legais do processo civil, como direito subsidiário, só são aplicáveis ao processo penal, desde que no CPP não haja regras próprias e que se demonstre a sua harmonia com os princípios do processo penal, o que no caso da citada norma do CPC não acontece. 20.ª- Foram violados os artigos 4.º, 24.º, 25.º e 28.º, al. c) do CPP, art. 41.º, n.º 1 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, art. 3.º, al. b) do RGIT e art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC. Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que decida que não é este o processo para julgamento conjunto do arguido pelas impugnações das coimas aplicadas e sim o que primeiramente foi instaurado, ordenando-se a remessa dos autos para apensação ao referido processo mais antigo, e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA». 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente e em separado. 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, por haver jurisprudência recente e uniforme sobre as questões suscitadas, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Pertinentemente, há que considerar o seguinte circunstancialismo processual: 1) O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto introduziu em juízo o processo de contra-ordenação instaurado contra o ora Recorrido por falta de pagamento de taxas de portagem; 2) Por despacho de 13 de Junho de 2018, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu a apensação de processos de contra-ordenação requerida pelo Arguido e sustentada pelo Representante do Ministério Público naquele Tribunal. * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR No presente recurso judicial da decisão de aplicação de coima foi proferido despacho a indeferir a requerida apensação de processos. 2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO (INTERPOSTO AO ABRIGO DO ART. 73.º, N.º 2, DO RGCO) O presente recurso jurisdicional vem interposto ao abrigo do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, para «melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade da jurisprudência». 2.2.3 DA APENSAÇÃO DE PROCESSOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, repetida e uniformemente, desde há muito (Salvo erro, o primeiro acórdão deste Supremo Tribunal a decidir a questão foi o já referido supra na nota (6), de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1396/14.), «[t]endo o recurso judicial da decisão administrativa que aplicou uma coima por infracção como a dos autos dado entrada em Tribunal conjuntamente com outros recursos respeitantes ao mesmo infractor, ou quando, relativamente ao mesmo infractor, já se encontrarem pendentes no Tribunal recursos por infracções idênticas, deve o juiz ordenar a apensação de todos esses processos judiciais, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25.º do Código de Processo Penal», sendo que, «[n]a fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (arts 64.º do RGCO e 82.º do RGIT)». 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em admitir o recurso, conceder-lhe provimento e, em consequência, revogar o despacho recorrido e ordenar que, em sua substituição, seja proferido outro nos termos ora prescritos. Sem custas (cfr. art. 94.º, n.º 4, do RGCO). * Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo. |