Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3080/17.6T8CSC.L2-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – No contrato de associação em participação, se não houver dispensa de participação nas perdas, nem cláusula de irresponsabilidade ilimitada, aquele que participa no negócio de outrem corre o risco de perder a sua contribuição – que não é um mútuo -, para além de participar nas perdas até ao valor da sua participação. Por exemplo, se tiver contribuído com 40 pode perder estes 40 e participar em mais 40 nas perdas.
II – O facto de o associado não ter realizado na integra a contribuição prevista, não reduz a proporção da sua participação nas perdas do negócio (embora pudesse suspender o seu direito de participar nos lucros do mesmo).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 05/10/2017, L-Lda, intentou uma acção declarativa cível comum contra R-SA, relativa a IVA de uma empreitada, IVA que a ré não lhe pagou e que devia ter pago como dona da obra.
A 23/11/2017, a ré contestou a petição e formulou um pedido reconvencional pelos valores referidos a seguir. A reconvenção está baseada num acordo celebrado entre a ré e NM, que é actualmente sócio gerente da autora (constituída depois desse acordo), entendendo a ré que teria havido uma cessão da posição contratual do referido NM naquele acordo para a autora, ou então que ambos eram “uma só unidade e realidade”; para acautelar a hipótese de a autora não ser condenada, requereu a intervenção principal de NM.
Desse acordo, celebrado em 2007, decorreria, segundo a ré, um crédito seu, originalmente contra NM. O acordo era de participação num negócio de aquisição de lotes de terreno e de venda de moradias que se construíssem nesses lotes; os valores a que a ré se arroga direito são: 80.244,45€ relativos às despesas de aquisição dos lotes 1 e 2, a que acrescem juros no montante de 28.811,61€; mais 83.025,40€ (= a 52.463,44€ + 30.561,96€), de juros e despesas com financiamento bancário para aquisição dos lotes (inclui aqui os juros ‘sobre o montante em falta’, como se vê nos artigos 73/-b e 88 e segs da contestação); tais valores seriam devidos porque o negócio deu prejuízo atento o custo de aquisição dos lotes e da construção das moradias e o valor pelo qual foram vendidas. Deu à reconvenção o valor de 200.688,58€ (=192.081,46€ [que é a soma dos valores em referidos] + 8.607,12€ relativos a questão [créditos de NoV] que não interessa agora).
A autora contestou o pedido reconvencional e opôs-se à intervenção principal (porque, dizia, se a intervenção fizer algum sentido é porque há ilegitimidade da autora e então a causa de pedir, as partes e o pedido são diferentes, devendo a ré propor a competente acção, se assim o entender, contra NM), mas a intervenção foi admitida, tal como o pedido reconvencional.
Na contestação à reconvenção, para além de excepções (entre elas a de prescrição de juros relativo à tal questão que não interessa agora), a autora impugnou parte dos factos alegados pela ré e aceitou outros; NM aderiu ao articulado da autora.
Na contestação dizia-se que o negócio objecto do acordo de parceria invocado pela ré – alegado em factos que foram aceites - tinha dado lucro e não prejuízo isto porque:
A ré vendeu em 28/07/2014 pelo valor de 400.000€ o Lote 1 e em 23/07/2015 pelo valor de 510.000€ o Lote 2; o total da venda do dois lotes soma 910.000€ cabendo a NM 455.000€, descontadas todas as despesas de aquisição “designadamente … escritura pública, registo predial e IMT” (cláusula 2ª nº 2 do acordo) e “juros sobre o montante em falta, à taxa idêntica à que vier a ser fixada no contrato de mútuo” (cláusula 3ª nº 3 do acordo).
Analisadas as despesas e encargos juntas pela ré, há que as calcular restringindo aos dois lotes objecto do acordo (Lote 1 e 2), exercício que a ré não faz ao incluir despesas que se referem o lote 16 que não faz parte do acordo de parceria; como as despesas se referem aos três lotes, tem de se calcular a proporção de 64,39%, cabendo a NM 50% deste quantitativo em todas as situações com excepção dos encargos bancários.
Apuram-se então os seguintes valores de despesas referentes aos dois lotes objecto do acordo de parceria: - 283.772,19€ de valor liquido com a empreitada não se incluindo o IVA por razões evidentes, cabendo a NM 141.886,09€; - 235.000€ de custo de aquisição dos terrenos, cabendo 117.500€ a NM; dado que pagou 69.433,04€ tem por pagar 48.066,96€; - 991,46€ de atraso na realização da escritura, cabendo 459,73€ a NM; - 15.275€ de Imposto Municipal sobre as Transmissões, cabendo a 7.637,50€ a NM; - 2.692,22€ em despesas notariais, cabendo a 1.346,11€ a NM; - 108,16€ em emolumentos de registo predial, cabendo a 54,08€ a NM; - 104.926,88€ em encargos bancários, sendo NM responsável por apenas 19.686,91€ porque só deve juros pelo capital que não entregou.
Ou seja, o total das despesas imputáveis a NM somam 219.137,38€. Estes 219.137,38€ terão de ser subtraídos à sua parte (455.000€) na venda dos dois lotes. Pelo que haveria um crédito contra a ré de 235.862,62€.
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença (a 13/09/2022), julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar à autora várias quantias, uma delas relativo ao IVA não entregue pela ré à autora no valor de 91.483,15€; a reconvenção, na parte que ainda importa, foi julgada improcedente quanto à autora e parcialmente procedente quanto a NM, que acabou por ser condenado a pagar à ré 46.114,11€, a que posteriormente se juntou, por um despacho complementar, a condenação em juros que se vencerem [sobre aquele montante] a partir da data da sentença, até integral e efectivo pagamento, contabilizados às taxas de juros comerciais.
Desta sentença recorreram (i) NM (a 04/10/2022) quanto à condenação que lhe diz respeito, com o fim de que ela seja substituída por outra que o absolva totalmente do pedido reconvencional. Impugnou parte da decisão da matéria de facto e a decisão de direito. E (ii) a ré, subordinadamente, para que seja substituída por outra que condene NM a pagar à ré 60.637,26€, relativa à percentagem do prelo [sic] de aquisição dos lotes a que se somam as despesas de aquisição, acrescendo juros vencidos e vincendos. Mais 83.025,40€ quanto às despesas relativas ao financiamento da empreitada, acrescidos de juros desde 18/09/2010, para proceder ao pagamento [sic], pelo que os juros são devidos deste essa data, com as limitações previstas no artigo 310 do CC; apresenta um documento para junção. Ambos contra-alegaram, defendendo a improcedência dos recursos das contrapartes, sendo que a ré invocou a questão prévia da rejeição parcial do recurso de NM, na parte relativa à impugnação da decisão da matéria de facto, por falta de observância dos ónus que o art.º 640 do CPC impunha ao recorrente.
A sentença recorrida trata-se da 2.ª sentença proferida nestes autos. A anterior foi anulada, por acórdão do TRL – que não é deste colectivo – que, em 1 de 38 páginas, entendeu que alguns dos factos transcritos tinham que ser esclarecidos e sugeriu que não devia haver condenação no que se liquidasse (o que tinha acontecido na então sentença recorrida). A ré, como o recurso tinha efeito meramente devolutivo, desencadeou em 30/05/2019 um incidente de liquidação (no valor de 180.992,27€) num traslado; nesse incidente foi requerida uma perícia e para ela foi nomeado um árbitro pelo tribunal (constante da lista oficial). É a esta perícia (com relatório junto a 21/01/2021, esclarecido a 03/05/2021) – realizada por um economista/contabilista certificado (TOC) - que as Partes se estão a referir mais à frente.
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Questões que importa decidir: a decorrente da apresentação de um documento para junção; a prévia, da rejeição da impugnação de alguns pontos da decisão da matéria de facto; a da  impugnação da decisão de facto; e a de saber se o pedido reconvencional deve ser julgado procedente quanto a NM nos termos agora pretendidos pela ré ou se ele deve ser dele absolvido na totalidade.
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Da apresentação do documento
A ré diz (e é tudo o que diz sobre a questão), a dada altura:
[…] com efeito, quanto à venda lote 2 pagou a 85.000€ […] conforme factura FA 2015/13 […] junta pelo requerimento com a REF.ª 324932250, datado de 30/05/2019, sob o doc. n.º 243, a qual por facilidade [de] leitura se volta a juntar.
O art.º 651/1 do CPC dispõe que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Pelo teor da própria alegação da ré vê-se que a junção não diz respeito a nenhuma destas situações, pelo que a junção não é admissível. Assim, o documento deve ser retirado do processo e a ré condenada em multa (art.ºs 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).
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Da (não) rejeição do recurso
Diz a ré, na parte útil das suas contra-alegações sobre esta matéria:
“para fundamentar a sua pretensão, NM cita invariavelmente trechos da sentença recorrida, com a indicação da página e respectivo parágrafo, porém sem fazer qualquer transcrição, ou sequer indicar as concretas passagens dos depoimentos que suportam cada uma das pretendidas alterações ao nível da decisão de facto.
Com efeito, o que se verifica é que NM leva a cabo uma impugnação genérica da decisão relativa à matéria de facto, que é precisamente aquilo que o legislador quis evitar tendo em conta o disposto no referido artigo 640º do CPC.
Assim, é forçoso concluir que o Recorrente não cumpriu os ónus legais em matéria de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, devendo assim o recurso ser rejeitado, o que in casu automaticamente conduz à deserção do recurso.
Na verdade, sendo esse o “nó górdio” da discordância de NM (factos provados), o recurso fica simplesmente deserto, por ausência de alegação, porquanto o demais alegado não é susceptível de alterar o sentido da decisão final.
Apreciação:
Ver-se-á à frente que só em relação à impugnação do facto 86 é verdade o que a ré diz. Pelo que só em relação a essa impugnação é que se pode verificar a rejeição.
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Factos dados como provados apenas na parte que importam à decisão das restantes questões:
1. A autora foi constituída em 19/07/2007, sendo seu gerente NM e tem como objecto social construção civil, obras públicas, reabilitação urbana […]
2. Em 31/10/2007, a autora enquanto empreiteira celebrou com a ré enquanto dona da obra o contrato de empreitada, cuja cópia encontra-se junta como doc.1 a fls. 16 e ss.
3. Consta da clausula quarta que “1. A empreitada será realizada pelo preço de 410.582,37€ a que acresce o IVA que for devido, à taxa legal em vigor à data da emissão das respectivas facturas”.
[…]
9 e 10. Os trabalhos realizados pela autora na obra terminaram no ano de 2009 e tiveram o custo líquido de 440.776,93€ […].
[…]
72. a 81. [em vez da transcrição sincopada do acordo entre NM e a ré que era feita nestes pontos, este TRL procede à transcrição integral do mesmo, na parte que importa]:
A ré (1.ª outorgante) e NM (2.º outorgante), em 31/05/2007, acordaram na celebração de um acordo de participação nos termos e condições das seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª (Identificação dos lotes)
1. A 1.ª outorgante vai adquirir por escritura pública três lotes de terreno para construção com projecto, designados por Lote 1, 2 e 16, na Urbanização ‘CV’, com a área de 311m2, 315m2 e 370m2 […] que provêm do alvará de loteamento n°. 1339, pelo preço total de € 365.000.
2. A 1ª outorgante subscreveu em 29/01/2007 um contrato promessa de compra e venda relativo aos lotes identificados nas alíneas anteriores [sic], tendo entregue a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 109.500, nos termos do documento que passa a constituir o anexo 1 do presente contrato.
Cláusula 2.ª (participação na aquisição)
1. O 2.º outorgante participa em 50% na aquisição dos Lotes 1 e 2, identificados na cláusula anterior, aos quais as partes fixam o valor global de 235.000€, correspondendo a 64,38%, do preço total de aquisição dos três lotes.
2. O 2.º outorgante participa igualmente na mesma percentagem, 50% de 64,38%, em todas as despesas relativas à aquisição dos três lotes designadamente as despesas com a escritura pública, registo predial e IMT.
Cláusula 3.ª (Financiamento)
1. O 2.º outorgante entregará à 1.ª outorgante até dia 11/06/2007 a quantia de 30.000€, de que esta dará quitação por recibo autónomo.
2. Posteriormente e consoante as suas disponibilidades financeiras o 2.º outorgante entregará à 1.ª outorgante montantes parciais de 5.000€, até perfazer o valor correspondente ao investimento de 50% de 64,38%, nos termos da cláusula anterior.
3. O 2.º outorgante obriga-se a pagar à 1.ª outorgante juros sobre o montante em falta, à taxa de juro idêntica à que vier a ser fixada no contrato de mútuo a celebrar entre a 1.ª outorgante e o Banco Barclays, para financiamento da empreitada referida na cláusula seguinte.
Cláusula 4.ª (Participação nos lucros da empreitada)
1. O 2.º outorgante participa em 50% de 64,38%, dos lucros líquidos resultantes da empreitada relativa à construção e posterior venda de três moradias unifamiliares, uma em cada um dos lotes identificados na cláusula primeira.
2. Os lucros da venda serão aqueles que resultarem após o abatimento de todas as despesas com a empreitada, designadamente os encargos bancários relativos ao financiamento do respectivo preço.
3. O pagamento ao 2.º outorgante será efectuado mediante a entrega do correspondente recibo de quitação.
[…]
82. A ré adquiriu os identificados lotes por escritura pública de compra e venda abertura de crédito, hipoteca e prestação de aval em 11/09/2007, pelo preço total de 365.000€ (cfr. escritura junta como doc. 5. com a contestação.
[…]
86. F-Lda, vendedora dos lotes 1, 2 e 16 emitiu a nota de débito junta como doc. 7 a fls. 115 referente a prejuízos decorrentes do atraso na realização da escritura de aquisição dos lotes 1, 2 e 16, no valor de 1.540€ que exigiu à ré pelo facto de ter que ser agendada outra data para a sua realização, por causa não imputável à referida vendedora.
87. A ré emitiu a favor de F-Lda, o cheque que consta de fl.115v no valor de 1.540€, para pagamento do montante referido em 86.
88. A Direcção geral de Impostos emitiu a declaração junta a fl. 116 em 20/08/2007 onde consta o valor de 15.275€ relativo a Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis relativo à aquisição dos lotes 1, 2 e 16, tendo como sujeito passivo a ré, relativamente aos Lotes 1 e 2, valor que foi pago por esta (cfr. fls. 117).
89. O cartório Notarial de AL emitiu em nome da ré a factura junta a fls. 117v e 118 com o n.º 007317 no valor de 4.181,77€, relativo a despesas decorrentes da celebração da escritura dos lotes 1, 2 e 16 tendo a ré para pagamento desse valor, emitido o cheque de fls. 118v a favor do mesmo cartório.
90. A 2.ª Conservatória do registo Predial de C emitiu o recibo n.º 19179/2007 junto a fls. 119 (doc. 10).
91. A ré emitiu à ordem da 2.ª Conservatória do registo Predial de C o cheque junto a fl. 120 no valor de 350€ para pagamento das despesas com o registo dos imóveis relativos aos lotes1, 2 e116.
92. O banco Barclays enviou em 22/08/2007 o doc. 11 junto a fls. 120v à ré.
93. A ré vendeu em 28/07/2014 pelo valor de 400.000€ a moradia construída no Lote 1, e em 23/07/2015 pelo valor de 510.000€ a moradia construída no Lote 2, somando o total da venda 910.000€.
[…]
96. Por conta da quantia estipulada na clausula 3.ª n.ºs 1 do acordo NM entregou à ré 30.000€ em 07/06/2007 e 12/07/2007; 19.123,90€ em 05/09/2008; 10.832,29€ em 23/01/2009 e um terceiro 6.440,88e em 24/07/2009, tudo no 66.396,26€.
97. Nada foi pago à ré relativamente a juros a que se reporta a clausula 3.ª n.º3 do acordo de participação, nem a parte respeitante a despesas mencionadas no ponto 2 da clausula 2.ª do acordo de participação.
98. Para o financiamento de parte do preço de aquisição dos lotes bem como da própria empreitada a ré solicitou um empréstimo ao Barclays Bank no montante de 688.000€ (cfr. doc. 5 de fls. 101 a 114 ) e também um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito (conta corrente caucionada) no montante de 300.000€, como se verifica pelo contrato junto como doc. 13 de fls. 121v a 128, cujos montantes foiram gastos pela ré na aquisição dos lotes 1, 2 e 16 e nas despesas de construção das moradias.
99. A ré elaborou o mapa de movimentos relativos ao pagamento de juros do empréstimo no valor de 688.000€, mais imposto de selo relativos ao Barclays conta 113200539228 junto a fls. 128v a 131, constando do mesmo que o valor total ascendeu a 162.980,55€ [contados até 30/07/2014 - TRL], sendo 52.463,44€ relativos ao lote 1, 52.463,44€ relativos ao lote 2 e 58.053,67€ relativos ao lote 16. A ré elaborou ainda mapa de movimentos relativos ao pagamento de juros da conta corrente caucionada (300.000€) mais imposto de selo relativos ao Barclays conta 113200539228 - 113200540291 junto a fls. 198 a 201, constando do mesmo que o valor total ascendeu a 94.942,41€, sendo 30.561,96€ relativos ao lote 1, 30.561,96€ relativos ao lote 2 e 33.818,49€ relativos ao lote 16.
100. O Barclays emitiu em nome da ré os documentos relativos a juros devedores, despesas e comissões na conta 113200539228 juntos como docs. 15 a 256 a fls. 132 a 197 e 202 a 247.
101. (i) As despesas suportadas pela ré com a aquisição dos terrenos ascenderam ao valor total de 394.941,77€, correspondendo as do lote 1 a 129.693,98€; as do lote 2 a 124.572,43€ e as do lote 16 a 140.675,36€; (ii) as despesas com juros da conta caucionada e com o empréstimo bancário ascenderam a um total de 256.782,54€, 162.980.55€, correspondendo 82.658,26€ 52.463,44€ às do lote 1, 82.658,26€ 52,463,44€ às do lote 2 e 91.466,02€ 58.053,67€ às do lote 16; (iii) as despesas gerais da empreitada e manutenção ascenderam a um total de 870.362,54€, correspondendo 268.437,25€ às do lote 1, 259.329,99€ às do lote 2 e 342.595,23€ às do lote 16; considerando as receitas o valor total das vendas de 1.350.000€, correspondendo a 400.000€ a do lote 1, a 510.000€ a do lote 2 e a 440.000€ a do lote 16; o resultado global ascendeu a um valor negativo de 172.086,78€ 78.284,86€, correspondendo 80.789,49€ 50.594,67€ (negativos) ao do lote 1, 43.439,32€ 73.634,14€ (positivos) ao do lote 2 e 134.735,61€ 101.324,26€ (negativos) ao do lote 16.
[…]
106. Em 18/09/2010 a ré enviou a NM a carta junta com o requerimento ref.ª 30819968, que este recebeu, em que comunica os montantes que considera em falta por aquele: 87.500€ relativo a capital em falta; 9.828,64 relativo a despesas de aquisição dos lotes (50% lotes 1 e 2); 1.030,68 de IMI de três anos e juros à taxa de 9,808% sobre cada uma das alíneas anteriores, solicitando a entrega dessa quantia no prazo máximo de 10 dias.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
NM em relação ao ponto 86, defende que deve ser acrescentado
“mas apenas à compradora.”
Invoca para o efeito o seguinte:
24. o próprio funcionário da ré - NoV, “Confirma que a escritura atrasou porque faltavam documentos, a escritura passou para outro dia e tiveram que pagar uma quantia.” (pág. 36, 2º parágrafo da sentença),
25. o que é corroborado pela administradora da ré: “Diz quanto aos pontos 86 e 87 que foi emitida uma nota de débito, porque o banco não tinha um documento e para não perderem o sinal tinham que pagar um juro e passaram aquele cheque, montante que foi pago pela ré a quem foi exigido o valor, porque o vendedor não tinha responsabilidade.” (página 37, 1º parágrafo da sentença).
Apreciação:
O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’ dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
[…]
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
[…]
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
[…]
Ora, a transcrição de apontamentos tomados pela Sr.ª juíza, síntese da percepção pela mesma do depoimento em causa, e consignados na sentença, não é a indicação das passagens da gravação, nem é transcrição de excertos dessas passagens que o recorrente considere relevantes, pelo que nesta parte a ré tem razão, ou seja, NM não deu cumprimento a este ónus, nesta impugnação, pelo que, a mesma deve ser rejeitada.
Aqui, por isso, a questão prévia levantada pela ré procede, quanto ao demais, como se vai ver, NM cumpre todos os ónus que lhe incumbiam, pelo que a questão prévia improcede nessa parte.
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Em relação aos factos 98, 99 e 101, NM, entende que (faz-se a comparação entre a redacção que a sentença dá a esses pontos e a redacção que NM propõe para eles):
98 – Deve ser retirada dele a parte que diz que a ré para o financiamento de parte do preço de aquisição dos lotes bem como da própria empreitada solicitou também um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito (conta corrente caucionada) no montante de € 300.000, como se verifica pelo contrato junto como doc. 13 de fls. 121 v a 128.
99 – Deve ser retirada dele que a ré elaborou ainda mapa de movimentos relativos ao pagamento de juros da conta corrente caucionada (€300.000) mais imposto de selo relativos ao Barclays conta 113200539228 - 113200540291 junto a fls. 198 a 201, constando do mesmo que o valor total ascendeu a €94.942,41, sendo €30.561,96 relativos ao lote 1, €30.561,96 relativos ao lote 2 e €33.818,49 relativos ao lote 16.
101 – (i) as despesas com a aquisição dos terrenos são apenas as dos lotes 1 e 2 e não também do lote 16 e não devem incluir os 1540€ dos factos 86 e 87; (ii) as despesas com juros só deve incluir os do empréstimo, não os da conta caucionada; alterado isto e mantendo-se o valor das despesas gerais da empreitada e de manutenção e o valor das vendas (1.350.000€), o resultado global passa a ser o valor negativo de 75.944,78€, correspondendo a -50.098,94€ (negativos) ao do lote 1, 74.129,88€ (positivos) ao do lote 2 e -100.775,72€ (negativos) ao do lote 16.
Como fundamentação da sua pretensão NM diz:
33. Fixado o custo da aquisição e o valor das vendas, impunha-se o apuramento dos custos de construção,
34. veio a ré apresentar um extenso conjunto de despesas, as quais foram objecto de perícia (a fls. ...)
35. verificou-se que juntou despesas anteriores à aquisição dos lotes, despesas repetidas, e a perícia concluiu ainda que foram incluídos “documentos emitidos a terceiros, movimentos sem suporte documental, lançamento de valores incorrectos, descobertos e outras comissões bancárias … que em alguns casos representam actos negligenciados de gestão de tesouraria.” (pág. 8 do relatório),
36. tudo com vista a aumentar os custos e demonstrar que não houve lucro líquido e, por conseguinte, que NM tinha de lhe pagar,
37. feito o expurgo pelo Sr. Perito, apura o relatório de peritagem que as “despesas gerais com a empreitada e manutenção” somaram no lote 1 o valor de 268.437,25€ e no lote 2 o valor de 259.329,99€, num total de 527.767,24€, (pág. 6 do relatório)
38. mais refere que das quais os “juros com a CCC e com o empréstimo bancário” são de 82.658,26€ para cada um dos dois lotes, somando um total de 165.316,52€, 39. mas ressalva o Sr. Perito (pág. 7 do relatório) quanto à conta corrente caucionada (CCC): “Não é possível aferir a materialidade do uso das verbas referentes ao “contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito”. Uma conta corrente caucionada é um empréstimo de tesouraria, como referido anteriormente das análises às IES recepcionadas, referentes à ré, compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros movimentos e encargos para além dos Lotes em apreço, e que porventura a conta corrente caucionada poderia fazer face (o que o Tribunal certamente sindicará)”,
40. pois não sindicou, e considerou o Tribunal a quo como custo da empreitada nos pontos 98 e 99 dos factos provados o quantitativo de juros 60.389,64€ da conta corrente caucionada 113/200540291 no valor de 300.000€,
41. à revelia do relatório pericial e da demais prova documental e testemunhal,
42. a testemunha AS, contabilista certificado da ré que elaborou os mapas de custos, deixou claro no seu depoimento que apenas colocou os valores com documentos de despesas de suporte, porém quanto à conta corrente caucionada, não sabia efectivamente qual o destino que lhe foi dado, acrescentando que desconhecia o conteúdo do acordo de parceria, como se transcreve:
dia 26/11/2018 - 24:03 a 25:05 Depoimento AS
Testemunha: Eu penso que efectivamente este empréstimo, o empréstimo propriamente dito tinha a ver com a aquisição e a conta corrente tinha a ver com o desenvolvimento da obra.
Mandatário da ré: A aquisição provavelmente, a conta caucionada são… no valor de 300.000, provavelmente será 300.000 que eram para a aquisição.
Testemunha: Provavelmente seria então a aquisição, mas só dos lotes.
Mandatário da Ré: Só dos lotes? O contrato está dividido, um era da aquisição.
Testemunha: Então por exclusão de partes a conta corrente caucionada seria para a fase da construção, não sei, não sei.
31:19 a 32:55 Depoimento AS
Juiz: Doc.2, folhas 94 verso

Mandatária do Interveniente: O Sr. Dr. atendeu a esta…
Testemunha: Sra. Dr.ª não atendi.
Mandatária do Interveniente: Recorda-se se teve mais algum documento, para além deste, que servisse de suporte a abranger a construção e outras despesas relacionadas com a obra.
Testemunha: Que eu me lembre não.
43. a sentença (página 34) reflecte este depoimento: “Diz que não teve em conta o acordo quando elaborou os mapas porque não tinha conhecimento dele. …. Os mapas foram elaborados tendo em conta dois elementos o que lhe foi dito e os documentos de suporte”,
44. tão pouco valorizou o Tribunal a quo a mentira da ré (página 37 da sentença 3º parágrafo): “A conta caucionada foi aberta porque a empreitada e a aquisição dos lotes levou todo o valor do empréstimo e tiveram que abrir uma conta caucionada para as subempreitadas, e que para libertarem os valores o banco ia ver o andamento da obra e as vistorias do banco.”
45. bastava verificar a prova documental: a conta caucionada foi aberta em 05/09/2007 (cfr. documento 13 da contestação a fls. 121v a 128 dos autos) 6 dias antes da aquisição dos terrenos que foi feita em 11/09/2007 (facto provado 98, documento 5 a fls. 101 a 114 dos autos) e naturalmente antes da construção das moradias!
46. De facto, a ré contratou aquando da aquisição dos imóveis e construção objecto do acordo de participação, apenas um empréstimo de 688.000€, conforme escritura pública de “Compra e venda abertura de crédito, hipoteca e prestação de aval” outorgada em 11/09/2007 (facto provado 98, documento 5 a fls. 101 a 114 dos autos),
47. do texto desta escritura resulta claramente que a ré comprou por 365.000€ os 3 lotes, e o Barclays abriu “um crédito bancário… até ao montante máximo de 668.000€…. Destinado à satisfação do preço de aquisição dos imóveis … e o remanescente destinado a assegurar em parte, os meios financeiros necessários á construção das moradias nos mencionados imóveis.”
48. consta também da página 5 desta escritura, que o contrato se destina: “…à aquisição dos imóveis … apoio à construção, dos respectivos juros remuneratórios, das comissões, e outros encargos que se mostrem devidos incluindo juros de mora e sobretaxa de mora, aplicada a título de cláusula penal”,
49. e foi a existência deste empréstimo de 688.000€, que a ré comunicou a NM, e, por conseguinte, se fixou no texto do acordo a obrigação de NM pagar “juros sobre o montante em falta, à taxa de juro idêntica há que vier a ser fixada no contrato de mútuo a celebrar entre a (ré) e o Banco Barclays” (cfr. n.º 3 da cláusula 3ª do doc. 2),
50. contrato de mútuo não é “Contrato de empréstimo sobre a forma de abertura de crédito”, este contrato celebrado pela ré com o Barclays Bank em 05/09/2007, tem por objecto “um empréstimo até ao montante máximo de 300.000€ … tendo por finalidade apoio à tesouraria”, e não a aquisição ou a construção, conforme documento 13 da contestação (a fls. 121v a 128 dos autos), este dinheiro foi usado pela ré no só ela sabe e em seu exclusivo benefício,
51. como refere a perícia e se reitera “a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros movimentos e encargos para além dos Lotes em apreço, e que porventura a conta corrente caucionada poderia fazer face”, tanto assim que a ré nunca informou NM da existência deste empréstimo de 300.000€, que apenas foi conhecido com a contestação dos presentes autos.
52. Devem, face à prova e conforme perícia, ser suprimidos dos custos da empreitada o valor dos juros de 60.389,64€ da conta corrente caucionada 113/200540291, e considerados apenas custos os do empréstimo de mútuo de médio e longo prazo 86003014737 que somam em referência aos 2 lotes o total de 104.926,88€.
A 1.ª questão que é posta por esta argumentação é quanto aos pontos 98, 99 e 101(ii) e é a de saber se as despesas com a conta corrente caucionada também devem ser consideradas.
Quanto a isto a fundamentação da decisão de facto tem uma série de apontamentos que mostram por que é que se decidiu assim; quais sejam:
“O Tribunal teve em conta […]
[…] os seguintes meios probatórios devidamente conjugados:
- as declarações de NM […]. Desconhecia a conta caucionada.
- O depoimento da testemunha AS, que foi contabilista da ré de 2008 até ao presente […]. Foram-lhe exibidos os mapas juntos com a contestação. Os mapas foram feitos por ele e pelo arquitecto NoV que representa a ré informalmente. […] Quanto ao doc.14 explicou os encargos relativos aos empréstimos.
- o depoimento da testemunha NoV, arquitecto e jovem agricultor, que disse ter prestado serviços de arquitectura para a autora em 2006/2007 e neste momento tem um contrato com a ré desde Abril de 2011 na mesma área, é filho da administradora da ré e sobrinho do sócio JVM. Tomou conhecimento do acordo de participação junto aos autos. […] Afirma que os mapas doc.14 fl.128v foram elaborados com base nos documentos do banco. Juros e despesas foram com base nos documentos. O mapa […] relativo a conta caucionada foi também com base nos documentos. Presenciou a assinatura do acordo.  […]
O Tribunal baseou-se igualmente nas seguintes diligências realizadas após a baixa dos autos em vista da satisfação do solicitado pelo TRL:
- AS, […] Os mapas foram elaborados tendo em conta dois elementos: o que lhe foi dito e os documentos de suporte. A ré tinha 3-4 contas em bancos. Os custos da obra em causa foram realizados através de um só banco quer os gastos quer os ganhos. Fez os registos mediante as escrituras de venda. A pessoa da ré que o assessorava tinha que ter um apoio de documento de suporte. […] O destino dos mapas era para uso interno de controle. São mapas de apoio ao lançamento da contabilidade.  […] […] O valor do acordo de participação serviu para financiar a parte económica da empreitada, foi uma componente da fonte de financiamento. Havia uma conta afecta à empreitada dos três lotes. Confirma que os 300.000€ da conta caucionada e os 680.000€ foram utilizados na empreitada. O destino quer de cheques quer de transferências eram com o n.º de conta do empréstimo. […]
- NoV, dá apoio administrativo à ré, era amigo do interveniente NM, com quem não fala por causa desta situação. Tem conhecimento do acordo de participação tendo participado nas negociações. […]. Diz que relativamente aos dois empréstimos foram os dois feitos em simultâneo (conta caucionada e empréstimo) mas não esteve na escritura. […] Esclarece de novo que foi ele que fez os mapas com o contabilista. […] O NM sabia que se iam financiar junto de entidade bancária. […]
- Depoimento de NM […] Quanto ao 98 confirma a contracção desses financiamentos no Barclays. Esses montantes foram aplicados na obra[?] Julga que sim. […]
- MaM, administradora delegada da ré, desde 1995. […]. Quanto aos 98 a 100 confirma que o empréstimo e a conta caucionada foram contraídos junto do banco e foi tudo gasto com a aquisição e construção das casas. […] A conta era unicamente das casas da Ab e foi gasto nas contas da construção. A conta caucionada foi aberta porque a empreitada e a aquisição dos lotes levou todo o valor do empréstimo e tiveram que abrir uma conta caucionada para as subempreitadas [4:56 a 5:41 - TRL], e que para libertarem os valores o banco ia ver o andamento da obra e as vistorias do banco. Tinham que fazer periodicamente balanços para o banco verificar se as facturas correspondiam aos pagamentos. Diz que ainda teve que aplicar dinheiros pessoais para terminar as empreitadas e por no mercado as casas. […] O contrato com as L não englobava sub empreitadas (janelas, cozinhas, casas de banho, vidros).
*
Nos esclarecimentos LV, perito avaliador nomeado nos autos e que elaborou o relatório pericial e o relatório de esclarecimentos, esclareceu que usou os mapas das partes […e] que analisou documentos bem como porque não considerou os valores que menciona do relatório.
Quanto à argumentação de NM, a ré diz o seguinte:
Para o financiamento de parte do preço dos lotes, bem como da própria empreitada, a ré celebrou com o Barclays Bank um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito no montante de 300.000€, (cfr. contrato junto com a contestação).
A finalidade “apoio à tesouraria” que consta do texto do referido contrato é uma referência genérica e característica de um contrato de abertura de crédito, pois na prática o contratante pode dar o destino que entender ao dinheiro.
Não obstante, a verdade é que essa referência “apoio à tesouraria” refere-se à empreitada dos autos, tendo sido essa a finalidade que a ré deu ao dinheiro da conta caucionada, conforme, aliás, foi confirmado pela prova testemunhal produzida nos autos.
Concretamente, a testemunha NoV, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento de 27/11/2018, esclareceu que os 300.000€ da conta caucionada foram para a empreitada incluindo a aquisição dos terrenos (cfr. passagens [00:11:32 a 00:13:15]:
Mandatário [00:11:32] Pronto. Entretanto, também se verifica aqui… e já agora que estivemos a falar em mapas e para esgotar o tema, há aqui o pagamento… folhas… portanto, o doc.14 da contestação, fl.128v. Está aqui um valor de 688.000€ e estão aqui… portanto, como é que elaborou estes mapas? Foi com base em quê?
Test. [00:12:04] Com base nos documentos do banco.
Mandatário [00:12:06] Do banco?
Test. - [00:12:06] Sim.
Mandatário [00:12:07] Aqui estão os juros?
Test. - [00:12:08] Os juros. Esse documento refere-se ao pagamento dos juros, portanto, será do empréstimo que foi feito para a empreitada.
Mandatário [00:12:16] Para a empreitada?
Test. [00:12:16] Sim. E depois existem também os juros para os terrenos.
Mandatário [00:12:19] Sim, já lá vamos. Eu vou só mostrar aqui, está aqui o doc.15 da contestação. E depois, por aí afora, vai até… todos estes doc que estão aqui, já agora veja… eu estou a passar assim rapidamente, mas pronto, isto é tudo os documentos comprovativos dos juros, portanto, ou seja, isto vai até… vamos lá ver… estando aqui, vai até ao documento 146, portanto, no fundo, estes documentos serviram de base, de suporte à elaboração…
Test. [00:12:57] À elaboração disso…
Mandatário [00:12:58] … deste mapa…
Test. [00:12:58] … desse mapa.
Mandatário [00:12:59] … falou também… e já agora, vamos passar para o mapa… o doc.147, fl.198. E estava a falar do quê? Que isto era uma conta caucionada? Explique-me lá, então.
Test. [00:13:10] Seria o empréstimo para a compra do terreno, dos terrenos.
Mandatário [00:13:14] Do terreno, através de uma conta caucionada?
Test. [00:13:15] Sim.
Igualmente, veja-se o seguinte trecho do depoimento da mesma testemunha (cfr. passagens [00:54:44 a 00:55:26]:
Mandatária [00:54:44] Que idade tinha o NM?
Test. [00:54:45] Aí, não sei. Mas ele deve ser mais ou menos da minha idade. Eu tenho 41, portanto, ele é um ano ou dois mais velho do que eu.
Mandatária [00:54:50] Mais novo.
Test. [00:54:51] Mais novo? Então, pronto.
Mandatária [00:54:53] Portanto, tinha 28 anos… ou 27 ou 28. Pronto, não tinha disponibilidades. E depois estaria obrigado a pagar juros sobre o montante em falta à taxa de juro idêntica fixada no contrato a celebrar com o Barclays. Existem dois contratos com o Barclays e mais uma conta caucionada…
Test. [00:55:14] Sim.
Mandatária [00:55:15] … então e foi tudo isto para perfazer os 40 ou os 60 mil euros que o NM não entregou?
Test. [00:55:20] Não foi para perfazer só isso. Foi para perfazer a compra – a compra e a construção das casas.
Mandatária [00:55:26] Muito bem. Já percebi.
No mesmo sentido, veja-se ainda o depoimento da testemunha AS, prestado na audiência de julgamento de 27/11/2018 (cfr. passagens [00:11:32 a 00:13:15]:
Mandatário [00:23:22] Também temos aqui… e estão separados, Sra. dra., doc. 14 e vou já dizer qual é ... está aqui um doc. 14, folhas 128 verso… juros de empréstimo, imposto de selo. Este foi o empréstimo para... há aqui dois tipos de juros, há aqui juros de empréstimo e juros conta caucionada. Estes juros de empréstimo… este empréstimo foi… está aqui um valor de 688.000€, está ali em cima. Aqui estão as despesas… digamos, são juros, e despesas acessórias aos juros com esse empréstimo.
Test. [00:24:03] Eu penso que efectivamente o empréstimo propriamente dito teria a ver com a aquisição. E a conta caucionada teria a ver com o desenvolvimento da obra.
Mandatário [00:24:15] Portanto, a aquisição… a conta caucionada são… está aqui um valor de 300.000€, provavelmente será 300.000€ que era a aquisição. Será isso?
Test. [00:24:31] Eventualmente então seria a aquisição, mas só dos lotes.
Mandatário [00:24:34] Só dos lotes. Portanto, no fundo está dividido… um era a aquisição…
Test. [00:24:39] E então por exclusão de partes a conta corrente caucionada seria para a fase da construção.
Perante tais depoimentos, fica cabalmente demonstrado que NM não tem razão quanto à requerida alteração da matéria de facto, tendo a sentença recorrida decidido de acordo com a prova produzida nos autos.
Com efeito ao contrário do alegado por NM, a empreitada global incluindo o valor da aquisição dos imóveis teve um valor negativo de 172.086,78€, ponto 101 dos factos provados.
É assim por demais evidente que ambos empréstimos bancários foram utilizados para o financiamento da empreitada.
Apreciação:
Antes de mais, veja-se o que é que se passou com a perícia:
No relatório da perícia, o Sr. Perito escreveu o seguinte:
O presente relatório resulta de um vasto trabalho desenvolvido pelo Perito, assente nas verificações materiais recolhidas para responder aos quesitos. Foram analisados os elementos junto aos autos e documentos adicionais requeridos através do mandatário da ré.
[..] C. Recolha de Informação
O perito do Tribunal, com o intuito de dar seguimento à peritagem, em 09/09/2020, solicitou a disponibilização em suporte informático (word ou Excel) dos documentos juntos ao processo, designadamente os movimentos Despesas Gerais, Despesas C/juros e mapa resumo. Adicionalmente foi questionado se a contabilidade tem registos por obra (evolução de obra), assim como inventário por obra referente ao final dos anos em causa.
Acerca da questão colocada, a ré, em 25/09/2020, através do seu Contabilista Certificado, AS, comunicou, "cumpre-me informar que não existem Centros de Custo por obra, mas todos os custos estão suportados em detalhe pelos mapas extra-contabilísticos".
Tendo em conta anteriores informações, o Perito, em 26/10/2020, solicitou, à ré, a disponibilização das IES [informações empresariais simplificadas - TLR] da sociedade referentes ao período de 2007 a 2016. Foram apresentadas as IES, em 16 e 17/11/2020, referentes aos anos de 2010, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019. Em 06/12/2020 foram solicitadas as IES em falta. Posteriormente, em resposta ao solicitado foi transmitido que "não temos acesso aos dados relativos aos anos de 2007 a 2009 (declarações anuais), nem aos anos de 2011 e 2012 (IES)" e disponibilizada a IES referente a 2015.
Observa o Perito que de acordo com o n.º 1 do artigo 130 do CIRC "Os sujeitos passivos de IRC, com excepção dos isentos nos termos do artigo 9.º, são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 12 anos, um processo de documentação fiscal relativo a cada período de tributação".
[…]
E. Considerações Gerais da Peritagem
[…]
A salientar dos documentos juntos aos autos:
Clarifica o Perito que de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites todos os movimentos financeiros e patrimoniais de uma sociedade tem que estar devidamente registados na contabilidade. Na sequência das informações disponibilizadas pelo Contabilista Certificado da sociedade, "cumpre-me informar que não existem Centros de Custo por obra, mas todos os custos estão suportados em detalhe pelos mapas extra-contabilísticos", conclui-se que não é possível associar os documentos apresentados pela ré, e juntos aos autos, às demonstrações financeiras/contabilidade da sociedade.
Em virtude do exposto, o Perito não tem como aferir se os documentos juntos aos autos foram devidamente lançados na contabilidade da sociedade.
Como referido e observável, todos os documentos juntos aos autos correspondem a mapas extra-contabilísticos, os quais foram agrupados em 3 conjuntos, nomeadamente:
- Despesas Gerais;
- Despesas CCC + Empréstimo;
-Despesas Terrenos.
Da análise às IES recepcionadas, referentes à ré, compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros investimentos e encargos para além dos 3 lotes referenciados no processo.
O trabalho realizado pelo Perito foi condicionado pela falta de alguma informação relevante, sendo em alguns casos impossível aferir a concordância entre as facturas, junto aos autos, e a aplicação do material ou serviços nos respectivos lotes.
O Perito explica que nos mapas apresentados em anexo ao presente relatório de peritagem (designadamente os mapas de Despesas Gerais; de CCC + Empréstimo e de Terrenos) [que têm por base os mapas apresentados pela ré nos autos - TRL] nos campos a vermelho o Perito não demonstra concordância com a inclusão dos referidos valores conforme exposto, nos campos a amarelo não foram apresentadas suficientes evidências das respectivas imputações (cabendo ao tribunal sindicar). Acresce que os referidos mapas apresentam um campo de breves observações acerca dos movimentos.
Apresenta-se o mapa resumo, extraído dos valores apurados nos mapas supra mencionados:
[…]
F. Resposta a Quesitos
1. Qual o valor que a ré despendeu a título de juros e de encargos financeiros com o financiamento total da empreitada?
Resposta do Perito:
O Perito destaca os factos provados, extraídos da sentença, com particular incidência na análise do quesito supra identificado, nomeadamente:
98. (...) A Ré para o financiamento de parte do preço de aquisição dos lotes bem como da própria empreitada solicitou um empréstimo ao Barclays Bank no montante de €688.000 e também um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito no montante de €300.000.
82. (...) A ré adquiriu os identificados lotes por escritura pública de compra e venda de abertura de crédito, hipoteca e prestação de aval em 11 de Setembro de 2007.
99. A ré elaborou o mapa de movimentos relativos ao pagamento de juros do empréstimo mais impostos de selo relativos ao Barclays conta 113228.
100. O Barclays emitiu em nome da ré os documentos relativos a juros devedores, despesas e comissões na conta 113228 juntos como doc.s 15 a 256 a fls. 132 a 294.
Da análise dos documentos emitidos pelo Barclays a conta à ordem utilizada correspondia à conta n.º 113228.
O empréstimo mútuo de médio e longo prazo, de montante €688.000, tinha o descritivo 860737. A conta corrente tinha o número de conta 113291.
Não é possível aferir a materialidade do uso das verbas referentes ao "contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito". Uma conta corrente caucionada é um empréstimo de tesouraria [. C]omo referido anteriormente, da análise às IES recepcionadas, referentes à ré, compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros investimentos e encargos para além dos Lotes em apreço, [a] que porventura a conta corrente caucionada poderia fazer face (que o Tribunal certamente sindicará).
Do mapa "CCC + Empréstimo", em anexo, partindo do pressuposto de inclusão de juros e de encargos financeiros com a conta corrente caucionada, apura-se o montante de 256.782,54€ a título de juros e de encargos financeiros com o financiamento da empreitada.
A ré apresentou a seguinte reclamação, na parte que importa:
I – Das considerações gerais do relatório pericial:
1. No ponto C, Recolha de Informação, lê-se que “Posteriormente, em resposta ao solicitado foi transmitido que “não temos acesso aos dados relativos aos anos de 2007 a 2009 (decorações anuais), nem aos anos de 2011 e 2012 [IES]”.
Pergunta-se ao Senhor Perito:
a) Tem o Senhor Perito conhecimento que a ré prestou, oportunamente todas as contas desde, incluindo os mencionados períodos, como resulta da certidão permanente que se junta e aqui e dá por reproduzida (doc. 1)?
b) Solicitou o Sr. Perito à ré que diligenciasse no sentido de obter tais certidões?
2. Assim, indica-se desde já os códigos de acesso às certidões requeridas relativamente aos anos em falta, e que por facilidade de leitura se juntam em anexo (doc. 2 a 6).
Pergunta-se ao Senhor Perito:
a) Quais as diferenças no resultado da perícia resultante das IES ora juntas?
[…]
4. Ainda no ponto E, Considerações Gerais da Peritagem, lê-se também na página 5 do relatório “…Da análise às IES recepcionadas, referentes à ré, compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros financiamentos e encargos para além dos 3 lotes referenciados no processo”, e;
5. Também à resposta ao primeiro quesito, página 7, em que afirma “compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros que se estendem a outros investimentos e encargos para além dos Lotes em apreço, e que porventura a conta caucionada poderia fazer face (…)”.
Pergunta-se ao Senhor Perito:
a) Sabendo-se que a ré teve a sua actividade centrada na compra e edificação nos lotes referenciados nos autos, quais foram os outros investimentos e encargos detectados pelo Exmo. Perito?
b) A existirem mais investimentos e encargos que percentagem representam dos encargos financeiros, comparativamente com os Lotes em apreço?
[…]
Mais requer a presença do Senhor Perito na audiência final, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 486º do CPC.
O Sr. perito respondeu o seguinte [com simplificações]
Resposta do Perito à Questão 1. a) e b):
O Perito apresenta a troca de emails, com o mandatário da ré e com o contabilista certificado da ré, elucidativa para o pedido de esclarecimento da Parte, que se passa a reproduzir:
Do perito para contabilista e advogado – 26/10/2020 6:22
Na sequência de anterior troca de emails solicito a disponibilização das IES da ré no período de 2007 a 2016.
Do contabilista para o perito, 26/10/2020, 16:53
Tomo boa nota do seu pedido, mas, penso, que relativamente aos anos de 2007 a 2009 não estava em vigor a IES, mas sim a declaração anual. Por outro lado, vai ser impossível fazer a recolha destas declarações no Portal das Finanças pois só estão disponíveis as IES a partir de 2016.
Vou tentar ver o que tenho em arquivo morto, mas, seguramente os anos de 2007 a 2010 já não terei.
Se assim for a única forma de recuperar estas declarações será pedir junto do Serviço de Finanças respetivo certidões de teor das mesmas.
Do contabilista para o perito – 27/10/2020 13:53
Na sequência do nosso e-mail de ontem informo o seguinte:
Conseguimos arranjar as declarações, anuais, de 2007, 2008 e 2009, e IES, dos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2016.
Como pretende lhe faça chegar estes elementos?
Do perito para o contabilista – 13/11/2020 10:10
Se for possível por email, em suporte digital, ou por wetransfer.
Do contabilista para o perito – 16/11/2020, 09:58
Anexo: IES 2019, 2018, 2017 e 2016
Venho por este meio enviar as IES dos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 da ré
Do perito para contabilista e advogado: 06/12/2020, 19:18
Na sequência de anterior troca de emails solicito a disponibilização das IES em falta da ré, designadamente de 2007 a 2009 e de 2011, de 2012 e de 2015, ou em alternativa as declarações anuais.
Em nota, as IES entraram em vigor em 2007, com o Dec.-Lei  8/2007.
Do contabilista para o perito – 07/12/2020 10:58
Obrigado pela sua comunicação.
Entretanto lamento informar que no Portal da A.T. já não temos acesso aos dados relativos aos anos de 2007 a 2009 (declarações anuais), nem aos anos de 2011 e 2012 (IES). Em arquivo morto já não temos cópia destes elementos.
Penso que, salvo melhor opinião, a única forma de obtermos estes elementos será pedindo junto do Serviço de Finanças competente certidões de teor destes anos.
Com estranheza vem agora a Parte questionar o Perito acerca das informações que o próprio prestou. Igualmente, o Perito esclarece que a Parte teve toda a oportunidade para juntar aos autos a informação que considerou pertinente e porventura solicitar ao Serviço de Finanças o que alegou não ter em arquivo.
Face ao exposto, com admiração vem a Parte, em posterior momento, dar indicações sobre o que o Perito devia ter solicitado ou esclarecido.
Resposta do Perito à Questão 2.:
O Perito informa que junto à reclamação não foram juntas IES, o que foi anexo corresponde a Prestações de Contas.
Resposta do Perito à Questão 4. e 5. a) e b):
Em resposta ao solicitado o Perito inicia a exposição apresentando os movimentos registados nas IES e nas Prestações de Contas relativos a Vendas e a Prestações de Serviços:
Prestação de Contas 2007 - €0
Prestação de Contas 2008 - €0
Prestação de Contas 2009 - €0
IES 2010 - €13.535.29 (referente a Prestações de Serviços)
Prestação de Contas 2011 - €13.535.29 (referente a Prestações de Serviços)
IES 2013 - €0
IES 2014 - €0
IES 2015 - €0
IES 2016 - €440.000 (referente a Vendas)
IES 2017 - €0
IES 2018 - €11.000 (referente a Vendas)
IES 2019 - €0
Dos dados oficiais, contabilisticamente e fiscalmente aceites, debruçando-se nas rubricas de Vendas e Prestações de Serviços constata-se que em 2010 e 2011 ocorrem Prestações de Serviços. Também se observa das IES o registo de vendas em 2016, pelo montante de €440.000, e o registo de vendas em 2018, pelo valor de €11.000.
Extrai-se da Sentença "verificou a autora, que de facto a ré vendeu em 28/07/2014 pelo valor de 400.000€ o Lote 1, e em 23/07/2015 pelo valor de 510.000€ o Lote 2" [a parte transcrita é do relatório da anterior sentença, mas os factos estão provados em 93, facto igual nas duas sentenças - TRL], contudo os movimentos como descritos não estão lançados na contabilidade da ré conforme se observa pela ausência do registo de Vendas.
Face ao exposto, conforme anteriormente referido no Relatório Pericial, nas Considerações Gerais de Peritagem, e que o Perito reitera, "Clarifica o Perito que de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites todos os movimentos financeiros e patrimoniais, de uma sociedade, tem que estar devidamente registados na contabilidade", assim como "Em virtude do exposto, o Perito não tem como aferir se os documentos juntos aos autos foram devidamente lançados na contabilidade da ré"
Para além do abordado, dado que a Parte não forneceu, como solicitado, registos por obra (evolução de obra), assim como inventário por obra ou outra documentação pertinente para o efeito, tendo apenas respondido que "Em resposta às suas questões cumpre-me informar que não existem Centros de Custo por obra" o Perito não tem como determinar quais as percentagens questionadas pela Parte.
Em audiência final, o mandatário da ré não pediu qualquer esclarecimento ao perito sobre esta questão da conta caucionada.
Posto isto,
Em 11/09/2007, aquando da aquisição dos 3 lotes – por 350.000€, já estando pagos 109.500€ (tudo conforme cláusula ½ do acordo de participação), faltando, pois, pagar 240.500€ - a ré contratou um empréstimo de 688.000€ (escritura pública de “Compra e venda abertura de crédito, hipoteca e prestação de aval” outorgada em 11/09/2007 (facto provado 98, doc. 5).
Do texto a escritura, consta que “o Barclays abre […] um crédito bancário, até ao montante máximo de 668.000€” destinado “à satisfação do preço de aquisição dos imóveis por esta escritura […] e o remanescente a assegurar, em parte, os meios financeiros necessários à construção das moradias nos mencionados imóveis, conforme projectos de construção aprovados […] pela Câmara Municipal […] em 16/07 e 16/08 [de 2007], sendo nesta data disponibilizado por crédito na conta de depósitos à ordem [113/2000539228, associada a uma conta empréstimo – cláusula 4ª do documento complementar, donde também constam inúmeras previsões contratuais relativas às utilizações do crédito por valores parciais após autos de medições de obra e questões conexas] o montante de 168.000€. O presente contrato é celebrado pelo prazo de 36 meses […]; o crédito poderá ser utilizado pelo prazo máximo de 24 meses, prazo findo o qual […] cessa o direito de saque e a correspondente obrigação de entrega de fundos pelo Barclays.” Mais à frente, no contrato, ainda consta: “dos quais 168.000€ destinam-se à aquisição dos imóveis […] e a restante quantia de 528.000€ destina-se ao apoio à construção, dos respectivos juros remuneratórios, das comissões, e outros encargos que se mostrem devidos incluindo juros de mora e sobretaxa de mora, aplicada a título de cláusula penal”.
Temos assim que no dia 11/09/2007 a ré passou a ter a disponibilidade de 528.000€ para pagar a construção das três moradias durante 2 anos, construção que se iniciava então.
Perante isto não tem qualquer sentido dizer-se que 6 dias antes, a 05/09/2007, celebrou um outro “contrato de empréstimo sobre a forma de abertura de crédito” com o Barclays Bank “até ao montante máximo de 300.000€” destinado à aquisição dos terrenos ou à construção das moradias.
De resto, esse contrato dizia expressamente que tinha “por finalidade apoio à tesouraria” (doc. 13 da contestação), não sendo nele sequer mencionado fosse o que fosse em relação à aquisição ou construção de seja do que for.
Os elementos de prova invocados pela ré – e que são os tidos em conta na decisão da matéria de facto impugnada, segundo os apontamentos transcritos na sentença recorrida – não convencem minimamente de que o empréstimo para apoio à tesouraria tivesse afinal sido contraído para a construção das moradias ou para a compra dos terrenos:
O depoimento das testemunhas AS (o empréstimo era para compra e a conta caucionada era para o desenvolvimento da obra) e NoV (a conta caucionada seria para a compra dos terrenos) dizem coisas contraditórias, apesar de AS se ter baseado, segundo diz, no que lhe foi dito por NoV. E quando o mandatário da ré lhe diz que os 300.000€ da conta caucionada eram provavelmente para a aquisição, responde que “então provavelmente eram para a aquisição”, e logo a seguir volta novamente atrás, dizendo que então a conta caucionada seria para a fase da construção”, acabando por dizer “não sei, não sei”, o que tudo dá bem a ideia de que diz o que pensa ser-lhe pedido para dizer, apesar de nada saber realmente. E NoV não revela nada que lhe permita dizer que os 300.000€ foram de facto empregues na obra em causa, nem muito menos que esse empréstimo para apoio de tesouraria tenha sido solicitado para o financiamento de parte do preço de aquisição dos lotes bem como da própria empreitada.
Por outro lado, a sentença recorrida dá relevo ao depoimento da administradora da ré, como se vê do apontamento transcrito (localizado na gravação por este TRL) - “A conta caucionada foi aberta porque a empreitada e a aquisição dos lotes levou todo o valor do empréstimo e tiveram que abrir uma conta caucionada para as subempreitadas […]” quando a conta caucionada foi aberta em 05/09/2007, 6 dias antes da aquisição dos terrenos que foi feita em 11/09/2007.
O único elemento que apontaria no sentido de se aceitar o facto dado como provado era o apontamento da Sr.ª juíza que, referindo-se ao depoimento de NM diz que “Quanto ao [ponto] 98 confirma a contracção desses financiamentos no Barclays. Esses montantes foram aplicados na obra[?] Julga que sim.” Este depoimento foi prestado depois de o processo ter sido devolvido pelo TRL e antes dele tinha sido prestado um depoimento, com apontamento também transcrito pela Sr.ª juíza no qual consta que NM “desconhecia a conta caucionada.” Ou seja, contra toda a lógica das posições assumidas no processo, NM, de um momento para o outro, teria alterado radicalmente a sua posição e admitido que afinal o valor da conta corrente teria sido aplicado na obra. A afirmação é tão surpreendente que nem a ré se aproveita deste elemento de prova, nem NM o tenta rebater. Perante tudo isto, foi-se confirmar a gravação de tal depoimento, e nos minutos 10:43 a 15:50 (a única parte do depoimento que se refere ao assunto), NM está a referir-se exclusivamente ao empréstimo dos cerca de 700.000€, em nenhum momento havendo qualquer indício de que se tenha apercebido, minimamente que fosse, que a Sr.ª juíza lhe estava a falar também da conta-corrente caucionada.
Em suma, nenhum elemento de prova cria a convicção segura de que o empréstimo contraído para apoio da tesouraria tivesse sido contraído para aquisição dos lotes e/ou para a construção da moradia, ou que depois tenha sido de facto aplicado na construção da moradia.
Sendo que outros elementos de prova apontam em sentido contrário, reforçando a dúvida sobre a versão da ré: desde logo o facto de um empréstimo para apoio da tesouraria, contraído 5 dias antes de um empréstimo para a compra dos terrenos e para a construção das moradias que deveria durar dois anos, não ser, segundo a lógica das coisas, um empréstimo com este fim. Até porque um empréstimo com este fim tem uma lógica própria que se reflecte nas questões que regula, tal como se mostra acima, e nada disso consta das regras do empréstimo para apoio da tesouraria. E depois porque havendo 528.000€ para a construção das moradias que apenas se estava a iniciar, não se acredita que fosse necessário um empréstimo de outros 300.000€, nesse mesmo momento. Por isso é que a administradora da ré diz – mas não é verdade - que este só foi contraído depois de todo o outro ter sido levado.
Por outro lado, o perito chamou a atenção que “da análise às IES recepcionadas, referentes à ré, compreende-se que a sociedade regista movimentos financeiros e patrimoniais que se estendem a outros investimentos e encargos para além dos Lotes em apreço, [a] que porventura a conta corrente caucionada poderia fazer face”, sendo que a ré não demonstrou minimamente o pressuposto de que o seu mandatário parte na reclamação: “Sabendo-se que a ré teve a sua actividade centrada na compra e edificação nos lotes referenciados nos autos”. O tribunal recorrido e este TRL não sabem nem podem saber isso (e principalmente porque a ré não juntou documentos, podendo e devendo tê-lo feito), e era à ré que o cabia provar. E tal nem sequer corresponde ao normal das coisas: não é uma empresa sem qualquer outra actividade que tem condições para celebrar um contrato de empréstimo no valor em causa (688.000€) e muito menos em simultâneo (e no mesmo Banco) com um empréstimo (de 300.000€) para apoio de tesouraria. Para além de que, mesmo sem se poder confiar nos documentos contabilísticos da ré – pois que, em 2014 e 2015, em que vendeu duas moradias, nada consta neles quanto a isso -, mesmo assim, dizia-se, nalguns dos anos (2010 e 2011) revela-se neles a existência de rendimentos de outras actividades.
Em suma, o empréstimo para apoio de tesouraria pode ser empregue, como a ré admite, naquilo que ela quiser. Pelo que a ré teria que ter demonstrado que o utilizou de facto (ou que realmente utilizou uma parte dele) na aquisição dos terrenos e construção das moradias, não bastando, para tal, provar que celebrou esse empréstimo.
Assim, dos factos 98 e 99 têm que se retirar as referências a deste empréstimo e no facto 101(ii) tem que retirar-se os valores que se referem a eles. Se, depois, apenas devem ser considerados os juros na parte relativa aos lotes 1 e 2, é outra questão, a tratar na parte de Direito.
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A segunda questão que a impugnação de NM levanta é em relação ao ponto 101, (i) e parte final, e divide-se em três subquestões, isto é, (i) se as despesas com a aquisição dos terrenos são apenas as dos lotes 1 e 2 ou também as do lote 16; (ii) se não devem ser considerados os 1540€ dos factos 86 e 87; (iii) o resultado global.
Quanto a (i), no contrato prevê-se que o lucro líquido seja aquele que resultar após o abatimento de todas as despesas com a empreitada, relativa à construção e posterior venda de três moradias, designadamente os encargos bancários relativos ao financiamento do respectivo preço (cl.ª 4). A venda das moradias inclui naturalmente os terrenos onde elas estão implantadas pelo que o custo da compra de tais terrenos é também um custo a ter em conta. Por isso, a decisão da matéria de facto considerou, implicitamente e bem, o custo da compra dos três terrenos e não só dos dois.
Quanto a (ii) estava dependente da impugnação da decisão do facto 86, que foi rejeitada, pelo que não pode ser agora considerada.
Quanto a (iii): o resultado global é aquele que resulta do que ficou estabelecido no resto do ponto 101, que não é exactamente o indicado por NM; ou seja, tendo-se modificado a parte do ponto 101(ii) relativo aos juros – desaparecem os juros da conta corrente caucionada -, por força da procedência da impugnação anterior, os valores do resultado global são alterados por arrastamento.
Assim, esta impugnação procede parcialmente nesta última parte.
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Por sua vez, a ré entende que o facto 101 (iii) deve ser alterado para o seguinte (para se chegar a esta conclusão comparou-se a redacção que a sentença dava a tal facto com a redacção que a ré dava para ele):
as despesas gerais da empreitada e manutenção ascenderam a um total de 968.094,40€, correspondendo 311.629,58€ às do lote 1, 396.629,58€ às do lote 2 e 344.835,23€ às do lote 16;
E em consequência, também a parte final, relativa ao valor global, deve ser que alterada:
Ascendeu a um valor negativo de 354.818,69€, correspondendo 123.981,82€ ao lote 1, 93.860,26€ ao lote 2 e 136.976,61€ ao lote 16 (todos valores negativos).
Questão prévia à apreciação:
Antes ainda de se expor a fundamentação desta pretensão da ré, assinale-se que ela tem um evidente erro de lógica: o que a ré quer que se dê como provado é diferente do que ela escreve.
Veja-se: em relação às despesas gerais a ré aumenta-as, em relação ao que consta do ponto 101(iii) da sentença, em 97.731,86€, mas já em relação ao resultado global negativo aumenta-o de 172.086,78€ para 354.818,69€, o que dá uma diferença de 182.731,91€ em vez de 97.731,86€, estando por isso errado o valor de 354.818,69€ numa diferença de 84.999,98€. Ou seja, afinal, o que a ré defende é que os custos gerais têm o valor de 968,094,40€ + 85.000€ = 1.053.094,40€.
Ou seja, aquele aumento de 182.732,14€ proposto pela ré, em relação ao que a sentença dá como provado na parte final do facto 101 (que foi 870.362,54€) tem de ter correspondência noutra coisa.
Essa outra coisa decorre naturalmente da argumentação da ré:
97.731,86€ é o IVA em que a ré diz ter sido condenada a pagar à autora e 85.000€ é comissão que diz ter pago pela venda da vivenda do lote 2.  Considera, assim, estes dois valores como custos da empreitada.
Assim, a questão, em relação a 101(iii), é, da perspectiva da ré, se aos custos gerais da empreitada e manutenção, deve acrescer o IVA que a ré foi condenada a pagar à autora e os 85.000€ que diz ter pago de comissão pela venda do lote 2.
Quanto ao IVA das facturas, a ré, para sustentar esta pretensão diz o seguinte:
[…] há uma despesa fundamental para a ré que não [foi] tida em conta na valoração das despesas da empreitada, que é justamente o IVA no montante de €97.731,86 (cfr. facto prova 54 e outros) a que a ré foi obrigada a pagar fruto da sentença dos presentes autos, necessariamente o valor do IVA acresce aos custos da empreitada.
Ora, trata-se de um evidente erro da ré, pois que a decisão da matéria de facto no valor de 870.362,54€ já considera esse valor e de forma correcta tendo em conta o valor de IVA em que realmente a ré foi condenada a pagar à autora (91.483,15€) e não o valor indicado erradamente pela ré (de 97.731,86€ - porque este foi o valor que se discutia num processo tributário – vejam-se os factos 53 e 54, iguais nas duas sentenças - e não o valor que a ré foi condenada a pagar nesta acção).
Por isso, diga-se desde, já, NM nem sequer se pronuncia sobre esta pretensão da ré e a fundamentação da decisão da matéria de facto nada disse porque nada tinha a dizer, já que o perito, correctamente, já tinha considerado o valor de IVA em que a ré foi condenada como custo da obra.
Assim esta subquestão fica desde já afastada. Ou seja, considera-se desde já manifestamente improcedente a impugnação quanto a este valor.
*
Quanto à comissão dos 85.000€ a ré diz o seguinte:
A ré, quanto à venda [do] lote 2 pagou 85.000€ de comissão à XL, conforme factura FA 2015/13 relativa a “serviços de mediação referente à venda do prédio urbano, destinado a habitação – inscrito na matriz predial com o artigo n.º 00000 – sito na Rua P”, junta pelo requerimento com a REF.ª: 324932250, datado de 30/05/2019, sob o doc. n.º 243, a qual por facilidade leitura se vota a juntar.
O Sr. Perito não colocou tal despesa no âmbito dos custos de empreitada por não ser um valor percentual [sic - TLR] estar de acordo com os valores habituais das comissões de mediação.
Ora tal argumento é falacioso e sem fundamento, até porque duas das testemunhas em sede de audiência de julgamento corroboraram e confirmaram o pagamento dessa factura.
Desde logo, com relevância para a questão suscitada, veja-se o seguinte trecho da testemunha AS [do depoimento] prestad[o] na sessão de audiência de 05/11/2021 que se transcrevem:
Mandatária [de NM - TRL] [00:31:24] Ah. Eu fico aqui, o Sr. dr. fica aí. Está bem? [00:31:30] Então vamos lá, temos uma escritura de 23/07/2015. No valor de 510.000€, e o Sr. dr. diz que os valores entram na conta, e é feita a conciliação bancária.
Juíza [00:31:52] Ó P, põe só folhas 1295, está bem? 1294 verso, 1295 só para depois [00:32:02].
Mandatária [00:32:00] Durante o mês de Julho de 2015, eu pergunto se aparece aí o crédito do valor…
Test. [00:32:07] Pois, ó Sra. dra., é assim, pode não aparecer o valor total, mas aparece efectivamente o valor de 430.000€. Porque no início do período, se eu consigo ler bem, havia um saldo de cerca de 100.000€ e no final desse mesmo período o saldo passou para 498.000€. E mesmo que não tenha havido nenhuma despesa debitada nesta conta, ainda assim, o saldo aumentou cerca de 400.000€ do início do período para o final do período. [00:32:49] Portanto, Sra. dra., eu diria que ele pode não estar é valorizado, mas está cá.
Mandatária [00:32:56] 510.000€.
Test. [00:32:59] Não [00:32:59] 510.000€, estão contabilizados 451.000€ se não me engano.
Mandatária [00:33:05] E foram pagos os 85.000€.
Test. [00:33:08] Estão aqui também debitados, exactamente.
[00:33:13] Posso-me retirar?
Isto é[, o] contabilista, AS, confirmou que o débito de 85.000€, pago pela ré foi efectivo e real.
Também com relevância para a questão, veja-se o seguinte trecho da testemunha NoV prestadas na sessão de audiência de 09/11/2021 que se transcrevem:
Mandatário [00:38:40] Pegando… enfim, eu já voltarei ao princípio, só para tentar perceber um bocadinho essa questão [00:38:52]. Também não sei como é que isso aconteceu, mas pode haver erros de junção de documentos. Em relação ao… só vamos pegar na questão da comissão, aliás, comissão que o Sr. perito não a considerou no relatório. Diz que depois ficaria [00:39:24]. Mas pegando no valor da comissão e considerando o que o Sr. arqt.º acabou de dizer, eu ia pedir-lhe duas coisas, que confirmasse se o documento 2… se essa comissão está no documento 261 que diz movimentos relativos às despesas [00:39:51] do empréstimo bancário ou se diz movimentos relativos às despesas gerais de empreitada e manutenção ou se está noutra listagem qualquer. [00:40:13] Tanto quanto me apercebi, [00:40:16]. Apesar de não saber exactamente onde é que essa informação contabilística [00:40:30] não foi repetida [00:40:33], onde é que ela está.
Test. [00:40:39] Estará no mapa que tem o nome de custo geral, empreitada, excluindo o custo com o banco. Pronto. Isto era efectuado, foi um movimento que foi efectuado, o pagamento foi feito no banco no dia 24/07/2015. Está aqui movimento de 85.000€ e na coluna correspondente que é a coluna 2, 85.000€.
Mandatário [00:41:12] E foi no dia?
Test. [00:41:14] Foi no dia 24/07/2015.
Juíza [00:41:22] O que é que aconteceu aí? 24/07/2015?
Test. [00:41:25] Foi a venda do… foi o pagamento da comissão à imobiliária.
Mandatário [00:41:32] Só queria que o Sr. arqt.º explicasse, então… portanto, é o documento 499, Sra. dra. É o documento 499…
Juíza [00:41:43] Mas quer que mostre? É isso?
Mandatário [00:41:44] Sim, que mostre. Para que explique ao tribunal onde é que está exactamente essa alegada duplicação que não existe, mas explicar por que é que não existe duplicação. Eu pergunto, portanto, todos os documentos que estão aqui identificados, estão por ordem cronológica.
Test. [00:42:01] Estão por ordem de pagamento, saída do dinheiro do banco.
Juíza [00:42:03] A seguir ao mapa? É o mapa?
Mandatário [00:42:06] Exactamente. [00:42:06].
Juíza [00:42:17] Qual é a página?
Mandatário [00:42:19] Sra. dra., é a penúltima página deste mapa, portanto, é nesta aqui. É a data.
Test. [00:42:27] Está aqui. 24/07/2015. O número do cheque [00:42:40] …
Mandatário [00:42:42] Portanto…
Test. [00:42:44] … [00:42:43].
Mandatário [00:42:46] Portanto, o Sr. arqt.º está-me a dizer, é essa a percepção que eu tenho, no fundo, isto aqui é que funciona quase como uma reconciliação bancária. Ou seja, os movimentos bancários de despesa estão aqui mencionados.
Test. [00:42:59] O registo representa o extracto bancário, tirando os custos. Os custos, como diz aqui em cima, tirando os custos do empréstimo e da [00:43:11].
Mandatário [00:43:15] Portanto, esta despesa… depois aqui a minha ilustre colega disse que estava a 1.183, portanto, esta despesa, tem aquela despesa de 85.000€ que levou o autor a juntar, não está reflectido no extracto?
Test. [00:43:33] Não.
Juíza [00:43:37] É 1.183. É?
Mandatário [00:43:38] Não. Era um outro. 516.
Juíza [00:43:48] Diga?
Mandatário [00:43:49] Folhas 516.
Juíza [00:44:13] Pode-se sentar.
Mandatário [00:44:16] [00:44:16]. Peço desculpa. Não 1183, 1.181. Juíza [00:44:25] É esta. É do 85.000€?
Mandatário [00:44:28] Exactamente.
Juíza [00:44:29] É?
Mandatário [00:44:29] Exactamente. Portanto, este documento que está aqui indevidamente repetido, não está reflectido…
Test.  [00:44:38] Contabilisticamente, não.
Mandatário [00:44:39] Não está?
Test. [00:44:39] Não. Só há uma factura, portanto, só entrou e só teve uma saída de dinheiro. Uma entrada, neste caso. Neste caso foi uma entrada de dinheiro. Desculpe, foi uma saída de dinheiro, uma saída, um pagamento.
Mandatário [00:44:52] Olhe, [00:44:58] o Sr. Arqt.º já falou dos tais cinco anos, enfim, na construção. A minha pergunta é esta, o lote 1 e o lote 2 em termos de construção são equivalentes?
Test. [00:45:17] Sim. Muito equivalentes. Havia só uma pequena diferença na dimensão do terreno. Daí a diferença da aquisição, um ter sido 115, o outro ter sido 120. Porque de resto, em termos de construção foi [00:45:31] da área de construção com a mesma tipologia e com tudo.
Mandatário [00:45:38] Qual foi o primeiro lote a ser vendido?
Test. [00:45:40] Foi o lote 1.
Mandatário [00:45:40] Lote 1. E qual foi o valor de venda?
Test. [00:45:43] Foram 400.000€.
Mandatário [00:45:44] 400.000€. Este lote 2 foi alvo desta comissão especial, digamos assim, esta comissão. Qual é que era o preço que vocês estavam a pedir? Que a ré estava a pedir?
Test. [00:46:04] Penso que estávamos… o valor que estava anunciado era à volta dos 430 ou 440. Agora também não me consigo recordar exactamente qual é que era o valor que estávamos a comercializar. Já passaram muitos anos.
Mandatário [00:46:15] E acabou, em termos de valor líquido, que é o que interessa para [00:46:19]. Em termos de valor líquido quanto é que a ré recebeu?
Test. [00:46:25] Recebeu 425. É o valor da escritura que são 510.
Mandatário [00:46:31] 510, menos [00:46:33].
Test. [00:46:33] [00:46:33] dá 425.000€.
Mandatário [00:46:36] Quando é que foi vendido o lote? Foi quando?
Test. [00:46:40] O lote 1 foi em Julho de 2014.
Mandatário [00:46:43] E este foi vendido?
Test. [00:46:45] Em Julho de 2015.
Mandatário [00:46:46] Portanto, um ano depois conseguiram vender por 25.000€ mais?
Test. [00:46:49] Sim, sim.
Mandatário [00:46:50] Portanto, esta operação contabilística, no fundo, de vender por [00:46:56], vender por 510 foi a forma que encontraram para ter um comprador…
Test. [00:47:03] Sim. Ao fim destes anos todos que tinha a casa à venda, as poucas visitas que íamos tendo não davam em nada, até que finalmente apareceu alguém em concreto que fez uma proposta e o custo de manter as casas ao longo destes anos todos já era tão grande, já era um custo tão grande para a empresa que tinha que se vender.                                  
Mandatário [00:47:30] Mas tinham mais que um mediador, presumo.
Test. [00:47:33] Nessa altura tínhamos em mais do que uma imobiliária. Houve determinadas alturas em que houve uma imobiliária com exclusividade, depois saiu. Passaram várias imobiliárias pelas mãos, até que se conseguiu esta finalmente em 2015, que conseguiu fazer a venda.
O depoimento da testemunha confirma o pagamento da factura de 85.000€ bem como a dificuldade da venda do lote 2.
Quanto a isto a sentença disse o seguinte:
O Tribunal teve em conta […]
[…] os seguintes meios probatórios devidamente conjugados:
- O depoimento da testemunha AS, que foi contabilista da ré de 2008 até ao presente […]. Foram-lhe exibidos os mapas juntos com a contestação. Os mapas foram feitos por ele e pelo arquitecto NoV que representa a ré informalmente. […]
[…]    
O Tribunal baseou-se igualmente nas seguintes diligências realizadas após a baixa dos autos em vista da satisfação do solicitado pelo TRL:
- Depoimento da testemunha LF, funcionário a agência europeia de segurança marítima. Comprou uma casa à ré (construída no lote 16), a casa estava anunciada por uma imobiliária, no contrato promessa de compra e venda, comprou por 440.000€, pago com empréstimo de dois bancos. No contrato promessa pagaram 10% de sinal. No contrato promessa foi pago em cheque, mas não tem a certeza. Diz que a casa tem piscina e jacuzzi. 
- AS, […] Os mapas foram elaborados tendo em conta dois elementos: o que lhe foi dito e os documentos de suporte. […] Fez os registos mediante as escrituras de venda. A pessoa da ré que o assessorava tinha que ter um apoio de documento de suporte. […] Quanto à moradia do lote (venda em 2015) de 510.000€, uma comissão de 85.000€ foi lançada no mapa, na altura o Sr. NoV explicou mas com explicação ambígua. Referiu a existência da factura dos 85.000€ (doc. 5) que estão mencionados como pagos. […] A comissão se não fosse tão elevada reduzia os prejuízos.
- NoV, dá apoio administrativo à ré, era amigo do interveniente NM, com quem não fala por causa desta situação. […] Afirma que a comissão do Lote 2 foi de 85.000€. Diz que nesta situação a imobiliária entrou em contacto explicou que tinham um cliente estrangeiro e a intermediação tinha que ser superior, eles, ré, tinham que ficar com 425.000€. A ré disse que o negócio tinha que acontecer. Afirma que comissão foi paga. A casa estava à venda há 6/7 anos com custos elevados, e as despesas tinham que ser estancadas.  […] Os Lotes 1 e 2 são muito equivalentes, apenas uma diferença no terrenos. […]
- MaM, administradora delegada da ré, desde 1995. […] Quanto à comissão de 85.000€ explica que a percentagem de 20% de comissão teve que ver com o contrato com a Imobiliária XL para vender por 430.000€ e que havia vários intermediários e então propuseram pagar os 425.000€ que foi o que receberam e aceitaram pois que as despesas eram elevadas e já estavam há muito para vender a casa, diz que não sabe como foi distribuído o valor de 85.000€ pelos diversos intermediários. […]
*
Nos esclarecimentos LV, perito avaliador nomeado nos autos e que elaborou o relatório pericial e o relatório de esclarecimentos, esclareceu que usou os mapas das partes […]. Mais esclareceu que analisou documentos bem como porque não considerou os valores que menciona do relatório.
Concretizando melhor […]
Para prova dos factos 98 a 101 o tribunal teve em conta os depoimentos de AS, NoV, MaM e NM conjugados com os mapas juntos 121 a 299 e com o exame pericial junto aos autos e com os esclarecimentos realizados pelo Sr. Perito.
[…]
Vistos os mapas e o mapa resumo elaborado pelo Sr. Perito e constante do relatório vemos que os valores não coincidem totalmente.
[…]
O Sr. perito explicou […] relativamente à comissão imobiliária referente ao lote 2 por não corresponder aos valores praticados no mercado concorrencial.
Relativamente às despesas não consideradas pelo Sr. perito a ré não produziu melhor prova que convencesse o Tribunal relativamente à sua inclusão e consideração.
Não obstante AS e NoV terem referido que os mapas foram elaborados por AS com a colaboração de NoV o certo é que em concreto quanto às não consideradas, salientando-se em particular a comissão de 85.000€, dos seus depoimentos não ficou esclarecido suficientemente porque foi pago tão elevado valor e fora do que é habitual, nem mesmo a representante legal da ré, não se percebendo, a intervenção de tantas pessoas como o referido por esta última, na ausência de documentos que confirme e que nem sequer vieram a tribunal confirmar tal, pelo que, na ausência de esclarecimentos precisos e convincentes quanto a despesas não atendidas pelo Sr. perito e acolhendo as reservas salientadas pelo Sr. Perito mais não tivemos do que responder da forma como fizemos em particular quanto ao facto 101.
NM, quando a ré apresentou (a 13/01/2020) os contratos das comissões, os meios de pagamento e os extractos bancários respectivos, sobre os quais as testemunhas da ré se pronunciaram, veio dizer o seguinte a 20/01/2020 (só assim se percebem bem as passagens desses depoimentos transcritas pela ré, principalmente da test. AS):
1. Não obstante o Lote 16 não fazer parte do acordo de parceria objecto dos presentes autos, impõe-se a análise dos documentos referentes ao mesmo juntos pela ré sob os nºs 5 a 11, por comparação com o que adiante se explanará:
- A ré celebrou com a XL um contrato de mediação imobiliária no qual se obrigou a pagar valor de comissão de 12.000€ (+IVA) ou sejam 14.760€, a comissão para o Lote 16 correspondeu a 3,35% do valor da venda que foi de 440.000€, conforme cópia da escritura pública que se junta e cujo teor se dá por integramente reproduzido para todos os legais efeitos (doc.1);
- Os comprovativos dos pagamentos da comissão juntos sob os nºs 7 e 10 do requerimento da ré são respectivamente uma ordem de transferência bancária para a XL de 02/09/2016 e um cheque à ordem de XL emitido em 13/10/2016.
Analisados os documentos referentes aos Lotes 1 e 2 objecto dos presentes autos, verifica o Interveniente o seguinte:
2. Desde logo a suposta comissão imobiliária refere-se ao Lote 2 e não ao Lote 1 contrariamente ao que a ré referiu no art.º 31 do seu pedido de liquidação “A ré despendeu em comissão para venda do lote 1 a quantia de €85.000, como se verifica pelo documento que se junta e aqui se dá por reproduzido, (doc. 243)”, esclarecendo agora que a venda do Lote 1 foi directa não havendo lugar ao pagamento de comissão;
3. A ré junta como documento 1 o contrato de mediação imobiliária celebrado em 02/06/2015 com a XL, no qual se lê que pagaria como comissão 85.000€ (com IVA incluído), a comissão corresponderia assim a 16,67% do valor da venda que foi de 510.000€ (ponto 93 dos factos provados da sentença),
- desde logo este contrato não foi comunicado ao Interveniente;
- se a ré para o Lote 16, em que o ganho foi exclusivamente seu, contratou uma comissão de 3,35%, jamais poderia para o Lote 2 (em que existia a parceria) contratar uma comissão de 16,67% - não o fez como adiante se provará – mas ainda que o tivesse feito, o pagamento deste valor teria sempre de ser da exclusiva responsabilidade da ré por manifestamente desadequado ao mercado e infundado, pelo que o valor de 85.000€ não deve ser contabilizado nos custos do acordo.
4. Mas mais grave, a ré vem nos presentes autos imputar ao Interveniente este custo supostamente pago à Imobiliária, e do que resulta dos documentos que a ré agora junta, só se pode concluir que a própria ré não pagou tal valor à Imobiliária, vejamos:
- analisada a factura da XL junta pela ré como doc. 2, e o cheque emitido pela ré junto como doc.3 verifica-se que este cheque não foi emitido á ordem da XL, mas sim de N, aparecendo ainda no lado a menção manuscrita que se transcreve: *N (Sociedade de Advogados) Comissão Venda Lote 2 Ab (50-50A);
- a imobiliária XL (que operava com a marca XL) nunca teve a firma ou marca N, conforme breve consulta às publicações do Portal do Ministério da Justiça em https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx, cuja impressão se junta como doc. 2.
- ora um cheque emitido à ordem de N, aparentemente um pagamento a Advogados, não faz prova do pagamento de 85.000€ da factura da XL;
- Se dúvidas houvesse, o pagamento da comissão nos termos supostamente contratados entre a ré e a XL, conforme Cláusula 5º nº 3 do contrato junto como documento 1 pela ré seria “aquando da celebração da escritura, documento particular ou conclusão do negócio visado”, ou seja em 23/07/2015 data da venda do Lote 2, mas da análise do extracto bancário junto pela ré como documento 4 não se verifica nesta data, nem em data próxima, a entrada do valor de 510.000€ da venda, logo não se alcança como a ré pagou a comissão sobre um valor que não recebeu.
Em conclusão, não pode ser imputado como custo de venda do Lote 2, o valor de 85.000€ por manifestamente desadequado ao mercado e infundado, mas também face à ausência de prova e prova contrária que a ré juntou aos autos: não existe prova do recebimento do valor de 510.000€ referente à venda, mas mais importante não existe prova de pagamento à Imobiliária do valor de 85.000€, mas sim a uma entidade distinta e desconhecida, pelo que muito respeitosamente se requer não seja contabilizado como custo do acordo de parceria referente ao Lote 2 o valor de 85.000€ da suposta comissão imobiliária.
Na resposta a um pedido de litigância de má fé feito mais tarde, a ré respondeu a isto do modo seguinte:
6. O alegado pelo Interveniente não corresponde à verdade, nomeadamente no que toca à data da venda de cada um dos imóveis, pois bastará atentar nas escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos para se perceber que, ao contrário do alegado, os imóveis foram vendidos em anos diferentes, o primeiro em 28/07/2014 (Lote 1), e segundo em 23/07/2015 (Lote 2), (cfr. documentos de fls. de autos).
7. Igualmente, está alegada e documentalmente demonstrada nos autos a razão dos imóveis terem sido vendidos por preços diferentes, a qual se prende com o facto de no caso do Lote 2 ter existido comissão de mediação imobiliária a pagar, enquanto que no caso do Lote 1 foi uma venda directa, sem comissão.
8. A comissão imobiliária foi fixada tendo em conta o tipo de comprador em causa, para o qual o valor de aquisição relevava para efeitos dos “Visto Gold”.
9. Pelo que, por forma a conseguir-se pagar a comissão devida, o Lote 2 foi vendido por um preço superior (cfr. documentos de fls. dos autos).
Quanto à argumentação da ré, NM respondeu o seguinte:
34. A ré entende que no apuramento dos valores dos custos com a empreitada e venda dos imóveis deve ser considerada a comissão de 85.000€ à XL, respeitante à venda do Lote 2 do acordo,
35. estranhamente foi a mesma XL que mediou a venda do Lote 16 excluído do acordo por 440.000€, o qual não fazia parte do acordo, era exclusivamente da ré, e o valor da comissão neste caso foi de 12.000€ (+IVA), ou seja 14.760€ que a ré provou ter pago juntando aos autos uma ordem de transferência bancária para a XL de 02/09/2016 e um cheque à ordem de XL emitido em 13/10/2016
36. o Lote 2 foi vendido conforme escritura junta aos autos por 510.000€ (facto 93 da sentença) e a ré insiste que pagou 85.000€, o que representa 16,67% do valor da venda,
37. junta a ré um contrato de mediação imobiliária celebrado em 02/06/2015 com a XL, que não foi comunicado a NM, no qual se lê que pagaria como comissão 85.000€ (com IVA incluído), e ainda a factura da XL neste valor,
38. ainda que o tivesse pago, este valor teria sempre de ser da exclusiva responsabilidade da ré por manifestamente desadequado ao mercado e infundado, e não poderia ser contabilizado nos custos do acordo,
39. nesse sentido o relatório pericial que exclui esta despesa fundamentando: “Comissão imobiliária referente ao lote 2, por não corresponder aos valores praticados no mercado concorrencial”,
40. mas o certo, e mais grave, é que no seguimento do determinado pelo Tribunal a quo, vem a ré juntar por requerimento de 13/01/2020 com a referência Citius 16150076 (34525263) o suposto comprovativo de pagamento desta comissão de 85.000€ - um cheque emitido pela ré a uma “NDR”,
41. ora “N”, que ninguém conseguiu explicar quem era, não é a XL, 
42. face ao insólito e gravidade da situação foi indicada como testemunha RP, legal representante da XL tendo o processo estado a aguardar durante mais de 6 meses a comparência e audição desta testemunha a qual notificada no dia 02/12/2021 para comparência a fim de prestar depoimento em 09/12/2021 não compareceu, enviada notificação para o mesmo fim em 31/01/2022, em 22/02/2022 não a recebeu, nem procedeu ao seu levantamento, tendo NM pedido a sua comparência sob custódia, certo é que nunca compareceu (designadamente nas continuações da audiência de 24/03/2022 e 05/05/2022),
43. o próprio contabilista certificado da ré, confirmou que não se tinha apercebido que o cheque tinha sido pago a uma entidade diferente da que emitiu a factura, e manifestamente um pagamento de 85.000€ não pode ser provado por prova testemunhal à revelia da prova documental – há uma factura de 85.000€ e não há um comprovativo de pagamento a esta entidade,
44. em suma, a ré não provou o pagamento dos 85.000€ porque não pagou este valor, logo não pode ser considerado nos custos para apuramento do saldo da empreitada.
O que se passou com a perícia nesta parte, para além do já relatado em termos gerais, foi o seguinte:
No relatório inicial, nesta parte, o perito tinha escrito:
Acerca dos movimentos que o Perito considera que não foram apresentadas suficientes evidências das respectivas imputações e justificações de materialidade, como tal assinaladas a amarelo e não consideradas no valor total a apurar, destaca-se as ocorrências seguintes:
[…] Comissão imobiliária referente ao lote 2, por não corresponder aos valores praticados no mercado concorrencial (certamente o Tribunal sindicará).
A ré reclamou, dizendo, nesta parte:
7. […] Pergunta-se ao Senhor Perito:
a) Teve em consideração, além da factura, o contrato subscrito entre a ré e a XL, junto a fls.?
b) Qual o valor da comissão de mediação imobiliária praticado no mercado para vendas nos chamados vistos gold, ou seja, para o mercado internacional, nomeadamente o de origem chinesa?
O perito respondeu o seguinte:
Resposta do Perito à Questão 7. a) e b):
Regista-se um cheque pelo montante de 85.000€, passado a uma entidade designada N, díspar de XL, certo é que as transacções financeiras fazem prova dos movimentos, quanto ao resto, certamente o Tribunal sindicará.
Salienta o Perito que, como já exposto, a Parte é que tem que fundamentar e sustentar o que apresenta.
Apreciação:
Um cheque de 85.000€ à N não prova que foi paga a invocada comissão de 85.000€ à XL.
O facto de tal cheque constar do extracto bancário da conta respectiva (que é o documento 4 do requerimento de 13/01/2020), prova apenas o movimento bancário em causa, não que ele realmente represente um pagamento, que, de qualquer modo, pelo que antecede, não se poderia dizer, que tivesse sido feito à XL.
Menos relevo ainda tem o facto de tal valor (85.000€) constar do mapa elaborado pela testemunha AS com base no que a testemunha NoV lhe disse (é o doc.499 da ré que serviu de base para o mapa elaborado pelo perito quanto às despesas gerais). Trata-se de um apanhado extra-contabilístico feito por eles, com a versão da ré.
Não foi produzida prova testemunhal do pagamento como se diz na fundamentação da decisão de facto, sendo que a testemunha RP da XL, que também tinha sido indicada pela ré, acabou por ser prescindida pela ré.
As explicações avançadas sobre a existência de vários intermediários (pela testemunha NoV, filho da administradora da ré, e por esta, nos termos naturalmente interessados com que o fazem), não passam, por não terem qualquer suporte objectivo, de tentativas de explicação.
O próprio pagamento do valor da venda é incerto. No extracto bancário consta o valor de 451.000€ e não 510.000€ (e muito menos 430.000€ de que falou a testemunha AS, valor este que não tem qualquer sentido e que confirma de novo que esta testemunha diz “não importa o quê”: esta testemunha fala do valor de 430.000€ como se ele constasse daquele extracto, quando notoriamente não consta: o extracto tem apenas uma página e meia de texto e em 2 segundos vê-se logo que o valor de 430.000€ não existe). O mandatário da ré (numa parte do depoimento da testemunha AS não transcrita) aventou a hipótese de haver um contrato-promessa anterior, ficando sugerido que já podia ter sido pago um sinal (sugerindo implicitamente que para perfazer os 510.000€). Mas o advogado não era testemunha e não há sinais do contrato-promessa existir apesar de a ré ter tido 6 anos para o juntar aos autos; por outro lado, o valor do sinal, que assim teria de ser 59.000€, 11,57%, não corresponde à normalidade das coisas.
O valor de 510.000€ pela venda do lote 2 não tem nada de especial, se comparado com o valor da venda do lote 1, vendido um ano antes (em plena crise de 2008-2014), pelo que a explicação avançada pela ré (visto gold), sem suporte documental ou testemunhal sem ligação à parte, não convence. Já o valor da venda do lote 16 (vendido mais de um ano depois, dois anos depois do primeiro, já longe da crise de 2008-2014 – foi vendido a 13/10/2016 conforme escritura junta por NM no requerimento de 20/01/2020) é um valor que levanta dúvidas e por isso não dá garantias suficientes para servir de comparação, tanto mais que esse lote tem mais 17,4% da área do lote 2 e mais 18,97% do lote 1 e uma piscina e jacuzzi que os outros dois lotes não têm.
Por fim, uma comissão de 16,67% sai fora das regras da experiência comum das coisas, como é referido pelo Sr. perito (pela venda do lote 16 a ré pagou uma comissão de 3,35% como lembra NM), apontando para que seja um valor colocado para aumentar os prejuízos do negócio, quando já há muito havia litígio entre as partes.
Assim, não basta que se fale na dita comissão para que ela esteja provada. Ou seja, consideram-se fundadas as dúvidas do tribunal recorrido (e agora as deste TRL) sobre a prova produzida pela ré, o que só por si impede que se dê como provado tal valor (art.º 346 do CC).
Pelo que a impugnação não procede.
*
Do recurso sobre matéria de Direito
A decisão final tem a seguinte fundamentação, em síntese deste TRL:
A ré pedia (i) 80.244,45€ pela aquisição dos lotes 1 e 2, mais 28.811,61€ de juros já vencidos mais os vincendos e (ii) 83.025,40€ pelos juros para financiar a empreitada (= 52.463,44€ do empréstimo + 30.561,96€ da conta caucionada) e os juros vincendos sobre esta última quantia.
Estes pedidos reportam-se: o (i) à cláusula 2/1-2 do acordo de participação (despesas de aquisição); o (ii) à cláusula 3/3 (juros sobre o montante em falta).
Quanto a (i) relativo à aquisição dos lotes, NM só pagou 66.396,26€ dos 117.500€ que devia ter pago, ficando em falta 51.103,74€. E ficaram ainda em falta os valores dos factos 86-87, 88, 89, 90-91, que perfazem, na parte que cabe a NM, 9.533,42€. O total em dívida é pois de 60.637,15€.
Quanto a (ii) relativo aos juros para financiar a empreitada, NM ficou efectivamente obrigado a pagar juros mas apenas sobre o montante em falta, isto é, sobre o valor de 51.103,74€; já quanto aos juros sobre os montantes financiados pela instituição bancária, tal não decorre do acordo, pelo que não pode considera-se provada tal obrigação por banda do NM o qual não a aceita, devendo este valor ser descontado aos valores da venda para apurar os lucros líquidos, como decorre da clausula 4.ª do acordo. Ou seja, seriam apenas devidos os 51.103,74€, mas a ré não os pede, pelo que NM não pode ser condenado a pagá-los.
Invoca a ré que o valor [60.637,15€] é devido na totalidade porquanto a empreitada deu prejuízo.
Em réplica invoca NM que não é verdade que tenha dado prejuízo e diz, em contrapartida, que é credor do montante de 235.862,62€ já descontadas as despesas que lhe seriam imputáveis.
Ora, ficou acordado também que NM participaria em 50% de 64,38% dos lucros líquidos resultantes da empreitada relativa à construção e posterior venda de três moradias unifamiliares, uma em cada um dos lotes identificados na cláusula primeira, com os critérios aí definidos (cláusula 4ª/2).
Os lucros da venda seriam aqueles que resultassem após o abatimento de todas as despesas com a empreitada, designadamente os encargos bancários relativos ao financiamento do respectivo preço.
Ora, ficou provado que:
As despesas suportadas pela ré com a aquisição dos terrenos ascenderam ao valor total de 394.941,77€, correspondendo as do lote 1 a 129.693,98€; as do lote 2 a 124.572,42€ e as do lote 16 a  140.675,36€; as despesas com juros da conta caucionada e com o empréstimo bancário ascenderam a um total de 256.782,54€, correspondendo 82.658,26€ às do lote 1, 82.658,26€ às do lote 2 e 91.466,02€ às do lote 16; as despesas gerais da empreita e manutenção ascenderam a um total de 870.362,54€, correspondendo 268.437,25€ às do lote 1 a 259.329,99€ às do lote 2 e 342.595,23€ às do lote 16; o resultado global ascendeu a um valor negativo de 172.086,78€, correspondendo a 80.789,49€ (negativos) ao do lote 1, 43.439,32€ (positivo) ao do lote 2 e 134.735,61€ (negativo) ao do lote 16; tendo-se em consideração como receitas o valor das vendas total de 1.350.000€, correspondendo a 400.000€ a do lote 1, a 510.000€ a do lote 2 e a 440.000€ a do lote 16.
Ora, resulta de tais factos que a empreitada deu prejuízo no valor total de 172.086,78€ (negativos), sendo certo que em relação aos lotes 1 e 2 o prejuízo cifrou-se em 37.350,17€ (negativos), sendo certo que as partes estão de acordo em que a parceria tinha que ver apenas com os lotes 1 e 2 (daí as proporcionalidades 50% de 64,38%), como de facto a ré efectua os cálculos nos artigos 98 a 102 da contestação reconvenção, tendo apenas em conta as receitas e despesas relativas a esses lotes 1 e 2.
Note-se que os lotes 1 e 2 deram um prejuízo de 37.350,17€ (negativos).
Porém, teremos que atender a que NM entrou com 66.396,26€ os quais não foram contabilizados nas receitas, mas que o são, pelo que terá que ser considerado como receita relativamente aos lotes 1 e 2 o que vale por dizer que a empreitada destes dois lotes não deu prejuízo mas lucro, embora pouco, pelo que terá que ser descontado ao valor a pagar [= 60.637,15€] o valor proporcional do lucro de 29.046,09€ [= 37.350,17€ - 66.396,26€], correspondente a ½ (14.523,04€) restando o valor a pagar de 46.114,11€.
NM diz o seguinte contra isto, na parte útil:
76. existiu lapso de verificação nas despesas pelo Tribunal a quo, que incluiu como custo de aquisição a verba de 1.540€ […] pelo [que…] este valor [deve ser suprimido] no cálculo dos custos de aquisição.
77 a 81. erradamente também, o Tribunal a quo incluiu os juros de uma conta corrente caucionada de 300.000€ […].
82. Expurgados estes dois valores que não são custos imputáveis a NM (o atraso na escritura) ou referentes ao acordo (a conta corrente e os respectivos juros) os custos totais dos 2 lotes somam um total de 885.169,06€.
83. o valor das vendas dos 2 lotes foram no total de 910.000€,
84. logo o saldo dos Lotes 1 e 2 objecto do acordo foi positivo em 24.830,94€.
85. as despesas referentes à aquisição somaram 253.274,95€ dos quais NM poderia participar até 50%, ou seja 126.637,48€,
86. NM entregou à ré 66.396,26€ o que corresponde a uma participação de 26,27% dos custos fixados no acordo,
87. nos termos do artigo 405º do C.C., as Partes no acordo de participação estabeleceram para o caso de NM não cumprir a sua obrigação de entrega dos 50% de capital a obrigação de pagamento de juros,
88. o acordo não obriga NM a entregar o capital, nem fixa que o mesmo seja descontado no valor que este venha a receber, muito antes pelo contrário dá-lhe a possibilidade de “consoante as suas disponibilidades financeiras… entregar… montantes parciais” (cfr. n.º 2 da cláusula 3ª do doc. 2)
89. não pode o Tribunal a quo decidir em violação do acordado pelas Partes que o valor em falta para perfazer os 50% descontado o valor do lucro terá de ser pago por NM,
90. pelo contrário, foi acordado que a consequência da falta de entrega de 60.241,22€ por NM à ré, implicaria que a ré indicasse a NM os juros sobre o montante em falta, à taxa de juro idêntica há que viesse a ser fixada no contrato de mútuo que celebrou com o Banco Barclays, para financiamento da empreitada referida no contrato de participação, (cfr. n.º 3 da cláusula 3ª do doc. 2),
91. mas a ré não só não indicou os juros, nem tão pouco a taxa e nada peticionou sobre este valor a NM, atento o princípio do dispositivo plasmado nos arts. 5 e 611/1 do CPC, e não o fez porque imputou a totalidade dos juros sobre os 688.000€ do contrato de mútuo celebrado pela ré, o que a sentença acolheu: “52.463,44€ às do lote 1, 52.463,44€ às do lote 2” (facto 99) num total de 104.926,88€,
92. que são claramente superiores aos juros sobre a quantia em falta que NM teria de pagar conforme acordado,
93. assim a condenação de NM no pagamento à ré de 46.114,11€ representa uma mais do que duplicação do pagamento – juros sobre o capital que entregou, sobre o que não entregou, sobre o que não tinha de entregar e ainda o capital,
94. tudo em violação do acordo de participação, e das obrigações que foram aí fixadas entre as Partes,
95. e leva a um enriquecimento sem causa da ré, que recebeu os 66.396,26€, acabando com a condenação por ficar com um total de 113.170,37€ para além dos 24.830,94€ do lucro líquido,
96. sendo certo que NM nada deve à ré, a verdade é que a sua participação que seria de até 50%, ficou reduzida na proporção do valor que entregou o que corresponde a 26,27%,
97. em consequência, se os 2 lotes do acordo deram um saldo positivo de 24.830,94€, logo na proporção da sua participação de 26,27% que entregou à ré, tem NM direito a receber da ré o quantitativo de 6.523,09€ […].
A ré não responde especificamente a esta parte, sendo que a posição dela já resulta do que foi dizendo quanto à impugnação da matéria de facto (quer de NM, quer sua), e daquilo que diz no recurso subordinado que se passa a transcrever na parte útil:
26. A ré interpelou NM em 18/09/2010 a carta junta com o requerimento ref.ª 30819968, que este recebeu, em que comunica os montantes que considera em falta por aquele: 87.500€ relativo a capital em falta; 9.828,64€ relativo a despesas de aquisição dos lotes (50% lotes 1 e 2); 1.030,68€ de IMI de três anos e juros à taxa de 9,808% sobre cada uma das alíneas anteriores, solicitando a entrega dessa quantia no prazo máximo de 10 dias – facto provado 106.
27. Assim, NM está obrigado a pagar à ré 60.657,26€, vencendo-se sobre a mesma os juros comerciais dos últimos 5 anos anteriores à dedução da contestação/reconvenção dos autos.
28. Isso os juros contratualmente previstos, à taxa de juro igual à do contrato de mútuo, integram não só o valor de aquisição com os lotes de terreno, mas também as despesas com a aquisição.
29. Com efeito o acordo de participação, no que toca aos juros não isenta NM [de] qualquer item do pagamento de juros, pelo que não se compreende a distinção operada na sentença.
30. Com efeito, nada foi pago à ré relativamente a juros a que se reporta a clausula 3/3, nem a parte respeitante a despesas mencionadas na clausula 2/2 – facto provado 97.
[…]
50. […A] sentença calcula individualmente o prejuízo/lucro da venda de cada uma dos lotes/vivendas mas não resulta do acordo de participação tal divisão.
51. Com efeito é abundantemente referido que a fórmula contratual de “50% de 64,38%” do valor total, tanto para os custos como para o eventual lucro.
52. Ora somando o prejuízo dos três lotes e aplicando tal fórmula verifica-se que NM nada tem a deduzir aos valores que está obrigado a pagar.
[…]
Tendo presente a matéria de facto dada como provada acima transcrita verifica-se que NM tem a pagar à ré as seguintes quantias:
a) 60.637,26€, relativa a percentagem do prelo [sic - TRL] de aquisição dos lotes a que se somam as despesas de aquisição, acrescendo juros vencidos e vincendos.
b) 83.025,40€ quanto às despesas relativas ao financiamento da empreitada.
O que perfaz 143.662,66€ a pagar por NM [com juros]
[…]
NM responde – para além de tudo o que já resulta do seu recurso sobre matéria de direito e da sua posição quanto à impugnação da decisão da matéria de facto - que:
[…] 45. Questiona também a ré a sentença por apurar individualmente os valores dos lotes do acordo (lote 1 e 2), entendendo que deveria incluir o Lote 16, alegando que a fórmula contratual é de “50% de 64,38%”,
46. se o acordo entre as Partes respeita apenas a 2 lotes, bem andou o Tribunal a quo em considerar os valores destes 2 lotes quando o prejuízo/lucro está identificado, e apenas aplicando a fórmula contratual de “50% de 64,38%” quando as despesas dos 3 lotes aparecem juntas,
47. até porque o lote 16 era muito distinto dos outros dois que estavam incluídos no acordo – era maior em área e construção, tinha piscina e acabamentos mais caros (facto 101) e NM não teve qualquer intervenção nas escolhas), nem qualquer controlo ou acompanhamento dos seus custos,
48. a ré ao querer que NM pague os custos deste lote (ainda que em parte), é pretender inflacionar falsamente os custos do acordo e que NM a financie, obtendo um enriquecimento injustificado à custa dele, o que não foi acordado e que a sentença felizmente não permitiu.
*
Apreciação:
Quanto à sentença: é certo que a ré fazia pedidos reportados a partes específicas das cláusulas do acordo de participação, mas isso de forma simplista, a partir do pressuposto de que o negócio objecto de tal acordo tinha dado prejuízo; ou seja, a partir da constatação desse prejuízo, apenas importaria ver o que é que lhe seria devido em concreto (das despesas incorridas com o negócio) por NM.
A lógica da ré era pois o de querer tudo o que entendia que resultava do acordo de participação entendido no seu todo, resultado esse que, no caso, tinha sido um prejuízo que ela entendia que tinha de ser repartido com NM na proporção da entrada de capital a que NM se tinha obrigado nesse acordo.
Pelo que era a dívida global que resultava do acordo de participação, lido no seu todo, que estava em causa substancialmente na pretensão da ré e não direitos específicos reportados a cada cláusula contratual ou a cada parcela de despesas.
Para além deste pressuposto inicial errado (baseado na forma errada como a ré deduz a sua pretensão), a sentença incorre noutros erros:
(i) NM não estava a dever o que faltava para os 117.500€ (50% de 235.000€ correspondente ao preço dos dois lotes de terreno); o contrato previa uma consequência específica para essa falta, que não era o nascimento de uma dívida do valor correspondente, mas sim o pagamento de juros por esse valor. E percebe-se a lógica: não entrando com o resto do dinheiro, teria que pagar à ré o preço (juros) com que ela comprava esse dinheiro. Assim, o pagamento desses juros representava o pagamento do capital em falta, e, por isso, pagando esses juros – ou ficando em dívida deles - é como se ele tivesse entrado também com essa parte de capital.
(ii) os valores que constam dos factos 86-87, 88, 89, 90-91 já entraram no cálculo do valor global do resultado do negócio, isto é, como despesa com a compra dos terrenos. Por isso é que esse custo é de 394.941,77€ e não 365.000€ que é o preço da compra dos terrenos (aqueles valores constam expressamente do mapa elaborado pela ré com essas despesas, mapa esse que é igual ao mapa apresentado pelo perito e que foi aceite pela sentença na primeira parte do facto 101 (isto é, 101(i)). Por isso, não podem ser tomados como parte de uma dívida autónoma de NM, sendo antes valores como despesas a ser subtraídas ao lucro que advém da venda das três vivendas para dar lugar ao lucro líquido (que no caso foi negativo).
Quer isto dizer que o valor de 60.637,15€ que a sentença diz ser o valor da dívida de NM à ré (ao qual, depois, ela deduz o lucro positivo que diz que o negócio deu) não existe pura e simplesmente.
(iii) os juros a pagar sobre o montante em falta para perfazer os 117.500€, cláusula 3/3, foram pedidos pela ré, ao contrário do que diz a sentença. A ré englobou-os no segundo pedido formulado. De resto, só a consideração desses juros é que permite dizer que a participação de NM no acordo foi de 50% dos 64,38% e por isso apurar a parte dele no prejuízo do negócio. Ao ser obrigado a pagar os mesmos juros que a ré pelo capital que esta estava a utilizar, embora só pela parte correspondente ao montante em falta, NM estava a comprar a parte correspondente desse capital. Não tendo pago esses juros, violando o contrato, só se for condenado a pagá-los é que se pode dizer, como a ré pressupõe nos seus pedidos, que ele participa em 50% dos 64,38% do negócio e, por isso, deve o que deve. Portanto, o pedido do pagamento desses juros que resultam expressamente do contrato, sempre seria um pressuposto implícito dos pedidos da ré. De qualquer modo, repete-se, embora com erros de formulação e de cálculos, aqueles juros são pedidos, englobados no segundo pedido. Questão diferente seria a da possível prescrição desse direito a juros, mas a autora, “substituída” por NM não deduziu a excepção da prescrição e ela não é de conhecimento oficioso (art.º 303 do CC).
(iv) os juros sobre o financiamento para a aquisição dos terrenos e para a construção (e manutenção até à venda) das moradias são uma despesa da empreitada, que por isso são subtraídos ao lucro bruto correspondente ao valor da venda das três vivendas, dando o lucro líquido a dividir pelos dois participantes do negócio. Pelo que, a sentença, por um lado ao dizer que eles não são devidos por que não decorre do contrato tal obrigação, ao mesmo tempo que logo a seguir diz que tal valor deve ser descontado aos valores da venda para apurar os lucros líquidos, está a entrar numa contradição formal, porque, afinal, vem aceitar a consideração daqueles juros (englobados no valor líquido do negócio), embora pareça não aceitar considerá-los.
As contas que a sentença faz para, no facto 101, parte final, chegar ao resultado global do negócio estão correctas, embora com valores que foram parcialmente alterados por este acórdão e, por isso, chegou a um resultado distinto ao que este acórdão chegou. Mas o que agora importa é salientar que a sentença e NM que, no essencial, aceita este modo de cálculo, estão assim a aceitar que há que fazer o cálculo desse resultado global do negócio e que ele é um pressuposto para se encontrar os valores correctos em dívida.
(v) a sentença não tem razão, no entanto, em, depois, considerar apenas os valores globais relativos aos lotes 1 e 2 porque o contrato é expresso quando diz que os valores a considerar são relativos às três moradias e não são às duas.
(vi) também não tem razão, ao considerar que o capital com que NM entrou no negócio do acordo de participação deve ser considerado uma receita do negócio, com o efeito de tornar o saldo negativo (de -37.350,17€) em positivo (29.046,09€) e de, assim, tornar NM credor de metade desse saldo positivo, com a consequência de diminuir, por compensação, a dívida que tinha para com a ré, de 60.637,15€, para 46.114,11€. Isto é errado, porque a contribuição do dinheiro com que NM entrou para o negócio da ré, é precisamente uma parte daquilo que ele se arrisca a perder ao participar no negócio de outrem, pois que só seria recuperado se o negócio desse lucro (já que o contrato não prevê que ele recupere a sua contribuição por outra forma). Como ele deu prejuízo, NM, para além de participar nesse prejuízo na proporção da sua contribuição, perde ainda a sua contribuição para o negócio.      
Isto é assim nos termos do acordo e assim também resulta do regime jurídico do contrato de associação em participação previsto no Dec.-Lei 231/81.
Pois que no regime jurídico desse contrato – que é o contrato em causa nos autos pois que nele NM se associou à actividade económica que ia ser exercida pela ré, ficando de participar nos lucros e perdas que desse exercício resultassem para a ré, o que corresponde à noção que desse contrato aquele DL dá no seu art.º 21/1 – não se prevê outra forma de recuperação da contribuição do associado que não a sua participação nos lucros (art.º 25/1 do DL), pelo que, se não houver lucros, ele perde essa sua contribuição, para além de, caso não tenha sido clausulada a dispensa da participação nas perdas, nem a sua responsabilidade ilimitada por elas (tal como permitido nos artigos 21/2, 23/2 e 24/2), participa ainda nas perdas até ao limite do valor da participação (art.º 25/4 e 23/2). 
Pelo que, por exemplo, se tiver contribuído com 40 e a contraparte em 80 – proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente -, e o negócio der um prejuízo do 60, vai perder a sua contribuição de 40 e participar/responder por 20 das perdas (1/3 do prejuízo - mas se o negócio tivesse dado um prejuízo de 150, não participaria por 50, porque a sua responsabilidade pelas perdas não poderia ultrapassar 40, o valor da sua contribuição).
Neste sentido, Filipe Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 72: “[…] sendo que a participação nos lucros da actividade se mede pelo investimento do associado, que é sempre avaliado em dinheiro, e que há lucro quando há excedente relativamente ao investimento inicial de ambos, que se manteve e foi incrementado (e que assim será recuperado por cada um, com a sua parte nos lucros: se não houver lucro, o associado nada recebe a esse título, naturalmente, e corre o risco de não recuperar a parte perdida do seu capital; se participar nas perdas, pode ainda responder pelas responsabilidades constituídas).
É o que também resulta do facto de a contribuição do associado, quando for em dinheiro, não ser um mútuo (com obrigação de restituição), mas sim um investimento que ingressa no património do associante, sem qualquer obrigação de restituição (tal como se a contribuição tivesse sido num imóvel: art.º 24/1 do DL 231/81) –  veja-se Engrácia Antunes, Dos contratos comerciais em especial, Almedina, Set2009, pág. 408: “[…] não existe formação de qualquer património autónomo ou sequer comum (já que as contribuições do associado ingressam no património individual ou empresarial do associante)”; Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. I, Lisboa, 1994, pág. 313: “ […] A contribuição do associado ingressa no património do associante […]”; e  Pinto Furtado, Curso de direito das sociedades, 3.ª edição, Almedina, 2000, pág. 84: “a contribuição patrimonial do associado  (capitalista, “sócio” oculto) ‘deve ingressar no património do associante’ (art.º 24/1 do DL)”; também o ac. do TRL de 07/06/1990, CJ.1990, III, págs. 134-137, esp. 136; o ac. do TRL de 18/09/2008, proc.  5158/2008-8, também, tal como o anterior, quanto a uma contribuição em dinheiro (“Com efeito, na associação em participação, se a participação do associado se faz unicamente em dinheiro não se vê razão alguma para impor forma especial e muito menos a do contrato de mútuo”; isto depois de ter explicado que “decorre do art.º 24/1 que o associado deve prestar uma contribuição de natureza patrimonial, a qual quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, ingressará no património do associante”); bem como o ac. do STJ de 25/03/2010, proc. 682/05. 7TBOHP.C1.S1, que confirmou a improcedência de uma acção em que o autor queria converter uma associação em participação num mútuo. Entre o mais diz: “Embora o documento não fosse aqui exigido por lei (artigo 23 do DL 231/81) entende-se que uma vez adoptada essa formalidade, e não resultando terem as partes querido outro negócio que não o de associação em participação, é perante este que nos encontramos, nada apontando para que tivessem querido outorgar um mútuo”; contra, parecendo equiparar uma contribuição em dinheiro a um empréstimo de dinheiro, veja-se o ac. do TRL de 24/04/2007, proc. 8939/2006-1 – “4. Estipulando o art.º 23/1 do DL231/81 que: «O contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir» e tendo a autora/putativa associada contribuído com o valor de 12.469,94€, deveria o contrato, por aplicação, mutatis mutandis, do art.º 1143 do CC, ser reduzido a escrito e assinado pelas partes, sob pena de nulidade”, embora no caso considerasse que não se provaram os factos necessários para que se pudesse concluir pela existência de uma associação em participação).
Quanto à posição de NM:
O que consta de 76 dependia da correcta impugnação da decisão da matéria de facto e já foi afastado.
O que consta de 77 a 81 já foi discutido e decidido a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto.
Quanto ao que consta de 82 a 85: é um erro, já se viu, fazer as contas com referência apenas à venda dos dois lotes ou ao prejuízo que resulta do negócio relativamente apenas aos dois lotes.
Quanto ao que consta de 86 a 97: o facto de ter faltado ao cumprimento da sua obrigação de pagar os 117.500€, não pode servir para NM, agora que sabe que o negócio deu prejuízos, reduzir a sua participação proporcional no negócio, com a consequente vantagem de reduzir a sua participação nas perdas. Já se viu que o contrato previa uma consequência para esse incumprimento – pagamento de juros sobre o montante em falta – que não era nem a obrigação de pagar essa parte como defende a sentença, nem, como quer agora NM, reduzir a sua participação ao montante que pagou de facto. Aliás, a lei prevê esta hipótese, de não cumprimento integral da obrigação de contribuição, estipulando como sua consequência que o faltoso não poderia exigir a sua parte nos lucros enquanto não satisfizesse a contribuição em falta, mas já não podendo opor ao outro, quando este lhe exigisse a sua parte nas perdas, o facto de não a ter pago na totalidade. É o que resulta do art.º 24/1-5 do DL 231/81: “1 - O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial […] 5 - Salvo convenção em contrário, a mora do associado suspende o exercício dos seus direitos legais ou contratuais, mas não prejudica a exigibilidade das suas obrigações.”
Quanto à posição da ré:
O que a ré pretende com o que diz de 26 a 30 é que a condenação implique o pagamento de juros desde a data da carta que consta do facto 106 que serviria como interpelação (art.º 805/1 do CC).
Quanto ao valor da dívida, o mesmo só foi liquidado com a sentença, sem que dos factos provados se possa retirar a conclusão de que a falta de liquidez seja imputável a NM, pelo que só a partir dessa data seriam devidos juros de mora (art.º 805/3 do CC, a contrario).
Quanto aos juros pelo montante em falta (cláusula 3/3), a carta do ponto 106 serve, realmente, de manifestação de vontade da ré em que NM lhe pague os juros em falta e a ré tem direito a eles como já se viu acima, tal como já se viu que não se coloca a questão da prescrição.
Quanto ao que consta de 50 a 52, já se viu que é a posição da ré a correcta, embora quanto à dedução/desconto a razão seja outra, já adiantada acima (o facto de a contribuição de NM ser um capital que ele arrisca perder, ou seja, a que só teria direito como recuperação a título de participação nos lucros).
Quanto às contas feitas pela ré, não têm relevo, pois que, como já se viu, são consideradas de uma perspectiva de direitos específicos decorrentes das cláusulas contratuais ou de partes concretas de despesas, quando ao que ela tem direito é à participação de NM nas perdas (para além do direito aos juros ‘sobre o montante em falta’).
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Posto isto,
O contrato de participação celebrado entre NM e ré dizia:
Cláusula 4:
1. O 2.º outorgante participa em 50% de 64,38%, dos lucros líquidos resultantes da empreitada relativa à construção e posterior venda de três moradias unifamiliares, uma em cada um dos lotes identificados na cláusula primeira.
2. Os lucros da venda serão aqueles que resultarem após o abatimento de todas as despesas com a empreitada, designadamente os encargos bancários relativos ao financiamento do respectivo preço.
Daqui decorre, como se disse acima, que o lucro líquido é aquele que resultar após o abatimento de todas as despesas com a empreitada, relativa à construção e posterior venda de três moradias, designadamente os encargos bancários relativos ao financiamento do respectivo preço. A venda das moradias inclui naturalmente os terrenos onde elas estão implantadas pelo que o custo de todas as despesas com a compra de tais terrenos – e também do lote 3 - é também um custo a ter em conta. Pelo que a cláusula 2/2 é redundante, não tendo autonomia. Essas despesas já estão incluídas, como se vê no quadro das despesas com os terrenos do relatório pericial (fl.13), cujo valor global, de 394.941,77€ corresponde ao mesmo valor do facto 101(i). Tal como as despesas dos pontos 86-87, 88, 89 e 90-91 (que já constam do mapa, tendo por isso contribuído para aquele valor de 394.941,77€) e, por isso também não têm de ser consideradas autonomamente.
A venda das 3 moradias – o lucro bruto – teve o valor de 1.350.000€.
As despesas com a empreitada – com a aquisição dos terrenos, dos juros com o empréstimo de 688.000€ e as despesas de empreitada (factos 98, 99 e 101) – tiveram o valor global de 1.428.284,86€ (= 394.941,77€ + 162.980.55€ + 870.362,54€).
Logo, o lucro (líquido) foi de 1.350.000€ - 1.428.284,86€ (negativos) = 78.284,86€ negativos, e não os 172.086,78€ negativos que constavam do facto 101 da sentença.
Ou seja, um prejuízo de 78.284,86€.
A participação de NM neste prejuízo é de 50% de 64,38%. Ou seja, 25.199,90€.
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NM entende que como só pagou 66.396,26€ (facto 96) dos 117.500€ que teria de ter pago para atingir os 50% de 235.000€ que lhe dariam direito a essa participação de 50% nos lucros do negócio (cláusula 2/1), a participação em vez de ser de 50% desceria para 28,25% [embora ele fale em 26,27% por ter em conta outros valores que acima não foram aceites]. Isto quer nos lucros quer nos prejuízos.
Mas não é assim, como já se viu: a consequência de ele não pagar os 117.500€ (50% dos 235.000€) era apenas, como resulta da cláusula 3/3 do contrato, a de ele ter de pagar os juros sobre o montante em falta, ou seja, no caso, sobre 51.103,74€ (= 117.500€ - 66.396,26€).
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Àquela participação nos prejuízos, acresce, como se viu, a obrigação de pagar os juros sobre o montante em falta, montante que é de 51.103,74€.
NM dizia que este é um crédito da ré / dívida sua (dele, NM), que realmente existe, mas que não lhe está a ser exigido nesta acção.
Mas não é assim como já se viu.
De resto, a autora, ou seja, agora, NM, também englobava aquela obrigação do pagamento dos juros numa parte proporcional das despesas bancárias que eram pedidas, como decorre do parte da síntese da posição dela feita no sumário deste acórdão: “Apuram-se então os seguintes valores de despesas […] 104.926,88€ em encargos bancários, sendo NM responsável por apenas 19.686,91€ porque só deve juros pelo capital que não entregou.”
Assim, do que se trata é de um erro da forma como se viram os direitos que estão em causa na acção ou da forma de se apurar aquilo que era devido, de que não enferma só a ré, pois que a autora/NM tem uma forma de cálculo deles que vai variando ao longo de toda a acção, desde a contestação até às alegações do recurso.
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Por outro lado, segundo NM esse crédito é ilíquido.
Ora, apesar de não estar liquidado é agora liquidável, dado já se saber quanto é que a ré pagou por esses juros, com base numa simples operação aritmética (regra de três simples):
Se 688.000€ acarretaram 162.980.55€ de juros, 51.103,74€ acarretam 12.105,98€.
Isto durante o período em que a ré esteve a pagar juros pelo empréstimo para financiamento da empreitada (até 30/07/2014). A partir de então, são devidos juros sobre esses 12.105,98€ que NM devia ter entregue até essa data e que não entregou, e isso até ao momento em que os pague, juros esses à taxa comercial (art.º 102, §§ 3 e 4, do Código Comercial). Deixando de estar vigente o empréstimo, não tem sentido continuar a pagar juros sobre o capital que já não está emprestado. Assim, os juros passam a recair sobre a quantia que devia ter sido empregue até àquela data.
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Assim, NM tem de pagar à ré 25.199,90€ de prejuízo do negócio objecto do acordo de participação, com juros a contar da liquidação feita neste TRL, mais 12.105,98€ dos juros pelo não cumprimento integral de pagar os 117.500€ constante da cláusula 3/3 desse mesmo acordo, com juros vencidos desde 30/07/2014 e vincendos até integral pagamento, sendo os juros à taxa comercial (o empréstimo extinguiu-se com o seu pagamento naquela data, pelo que não faz sentido continuar a pagar juros a uma taxa constante de um contrato desaparecido).
Os juros comerciais vencidos até 23/11/2017 sobre 12.105,98€ são de 2.821,22€ (utilizou-se a calculadora de https://www.calculodejuros.pt/juros-comerciais.aspx). Vencidos até 04/10/2022 são 6.944,55€.
Custas
Na sentença, NM foi condenado a pagar 46.114,11€.
O seu recurso visava alcançar a sua absolvição total.
Este acórdão diminui a condenação para 44.250,43€ (valores vencidos a 04/10/2022).
Logo, NM só ganhou 4,04%.
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A ré visava aumentar a condenação de 46.114,11€.
Como a condenação baixou, a ré perde o seu recurso.
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Com a reconvenção a ré visava obter a condenação de NM em 192.081,46€.
Só conseguiu a condenação dele em 40.127,10€.
Logo, só ganhou na proporção de 20,89%.
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Pelo exposto, julga-se:
(i) o recurso de NM parcialmente procedente, diminuindo-se o valor em que ele fica condenado a pagar à ré de 46.114,11€ para 40.127,10€ (= 25.199,90€ + 12.105,98€ + 2.821,22€), com juros à taxa comercial até integral pagamento:
- a contar deste acórdão sobre 25.199,90€;
- a contar de 24/11/2017 sobre 12.105,98€.
(ii) o recurso da ré improcedente.
Custas do recurso de NM, na vertente de custas de parte, por NM na proporção de 95,96% e pela ré na proporção de 4,04%.
Custas do recurso da ré, na vertente de custas de parte, pela ré.
Custas da reconvenção da ré contra NM: pela ré em 79,11% e por NM em 20,89%.
Retire do processo (incluindo a respectiva ocultação electrónica) e restitua à ré (à custa dela) o documento apresentado com o recurso, com 0,5 UC de multa (art.ºs 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).

Lisboa, 16/03/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas