Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5158/2008-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: CONTRATO
ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.É de associação em participação o contrato pelo qual uma das partes contribui com determinada verba para as despesas de abertura de uma loja, de que é dono o outro contraente, ficando acordado que ambos repartiriam entre si, na proporção de 50% cada, as receitas e despesas dessa loja.
2.Tanto mais que a quantia prestada pelo associado foi depositada numa conta bancária de que o associante é titular, tendo-se ainda provado que as partes nunca pretenderam autonomizar essa loja das demais pertencentes ao associante “O…”, pretendendo-se apenas que o A participasse nos ganhos e perdas da sua exploração.
3.O contrato de associação em participação em que a participação do associado se faz mediante a entrega de uma quantia em dinheiro, não está sujeito a forma especial, independentemente do montante de tal prestação.
(AV)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Veio nos presentes autos H… pedir que seja declarado nulo o contrato que celebrou com os RR M…, J… e O…, Lda, condenando.-se os RR a entregarem-lhe a quantia de € 50.000,00, com acréscimo de juros de mora.
Alega para tal ter celebrado um contrato com os dois primeiros RR, tendo em vista a entrada do A como sócio da filial da 3ª Ré, em…., e da qual os outros RR eram os únicos sócios.
Tendo-lhes entregue a quantia de € 50.000,00, o negócio nunca se chegou a concretizar.
O contrato é nulo.

Contestaram os RR negando que tivesse acordado um contrato de sociedade. O que existiu foi a intenção de associar o A na exploração da nova loja a abrir e, assim, participar nos resultados de exploração desse estabelecimento.
De resto, o A era trabalhador da firma.
Assim o contrato é de associação em participação, tendo cessado no dia 21/4/2006, quando o A deixou de prestar trabalho à Ré, não mais colaborando com ela.
A 3ª Ré, por carta de 1/8/2006 solicitou ao A que a informasse se pretendia ou não prosseguir com o acordo, ao que o A nunca deu resposta.
Por fim, a invocação da nulidade constitui um venire contra factum proprium.
Em sede de reconvenção, pedem os RR a condenação do A a pagar-lhes € 40.000,00 acrescidos do montante dos prejuízos que se vier a apurar.

O A na réplica impugna a versão apresentada pelos RR reconvintes.

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O processo seguiu os seus termos, realizando-se julgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou a acção não provada e improcedente, tal como o pedido reconvencional.

Inconformado, recorre o A, concluindo que:
O acordo celebrado entre as partes não é um contrato de associação em participação, como erradamente se entendeu na sentença recorrida, mas sim um contrato de sociedade ou de promessa de sociedade.
De qualquer modo, resulta da matéria provada que foram os RR que não cumpriram o contrato, pois em dois anos de actividade da loja a mesma teve lucros de cerca de € 300.000,00 que não foram divididos com o A.
Por outro lado, o contrato é nulo por falta de forma, na medida em que o A entregou aos RR a quantia de € 50.000,00, o acordo carecia de escritura pública nos termos do artº 1143º do CC.
O mesmo se considerarmos o acordo como sendo um contrato de sociedade ou promessa sociedade, uma vez que não respeita os requisitos dos arts. 7º e 9º do CSC.

Os RR contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

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Foram dados como provados os seguintes factos:
1) Em 1/6/2004 o A e os RR M… e J… assinaram um documento que designaram por “Acordo de Compromisso”, pelo qual acordaram fazer “uma sociedade de acordo verbal entre os três”, tendo estabelecido que:
“Na loja de …– sita na…– apesar de a loja ser da firma O…, o Sr. H… terá uma sociedade de 50% tanto no Deve como no Haver.
“Foi estabelecido que, para isso:
“A despesa inicial de abertura da loja seria dividida em duas partes iguais.
“1º O…– 50%
2º H…– 50%.
“A despesa de abertura rondou mais ou menos e 350.000,00.
“O Sr. H… depositou na conta da firma € 50.000,00, ficando portanto a dever € 125.000,00 e que liquidará sempre que haja lucros para dividir entre as 2 partes.
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“As outras lojas do O… serão só unicamente dos sócios J… e M….
“O Sr. H… é funcionário da empresa O…, enquanto ambas as partes assim o entenderem e nessa qualidade desempenhará funções e horários, consoante o estabelecido e auferirá o vencimento acordado com a empresa O….”.

2) O A preencheu e entregou aos RR um cheque no valor de € 50.000,00, datado de 29/1/2004, à ordem de O…, Lda.
3) Tal cheque foi descontado na conta do A em 30/1/2004.
4) O A nunca teve qualquer intervenção ou poder decisório mo funcionamento da filial da sociedade O…, Lda cabendo apenas aos 1º e 2º RR a gerência da mesma, tudo assinando, quer no tocante à celebração de contratos e transacções com entidades terceiras, quer quanto à documentação para efeitos fiscais, nunca lhe dando conhecimento de quaisquer deliberações sociais.
5) Entre A e RR não se chegou a constituir qualquer sociedade.
6) Os RR M… e J… são os únicos sócios e gerentes da sociedade O…, Lda que tem por actividade a exploração do ramo da óptica e seus derivados.
7) A Ré sociedade é proprietária de três estabelecimentos comerciais, sitos na…, onde se situa a sede social, Rua … e Praça….
8) O estabelecimento de …pertence e sempre pertenceu à sociedade O.., Lda.
9) O A nunca esteve autorizado a movimentar contas tituladas pela sociedade O….
10) Todas as transacções e negócios referentes à constituição do referido estabelecimento foram dirigidos e concluídos pela gerência da sociedade Ré e designadamente, o arrendamento da loja onde está instalado o estabelecimento, a admissão de trabalhadores, o aprovisionamento do estabelecimento com produtos para comercialização e todos os demais.
11) O mesmo se diga quanto aos negócios e transacções concluídos posteriormente, no âmbito da actividade de exploração desse estabelecimento.

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12) Entre a Ré O.. e o A foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado em 1/8/2002 sendo o A admitido como chefe dos serviços administrativos.
13) O A remeteu uma sequência de mensagens sms, a partir do seu telemóvel, para o telemóvel da gerente M…, com o teor constante do artigo 49º da contestação.
14) Depois do dia 21/4/2006 o A não voltou a prestar trabalho à sociedade O… nem a colaborar com ela ou com os seus gerentes.
15) O A remeteu à sociedade Ré uma carta, que esta recebeu em 24/4/2006, comunicando que em 26/4/2006 cessa as suas funções, rescindindo o seu contrato de trabalho com a empresa.
16) Em 1/8/2006 a Ré sociedade enviou ao A carta registada com aviso de recepção, junta a fls. 89 e 90.
17) Os RR nunca quiseram autonomizar o estabelecimento de …da sociedade O….
18) Pretendiam apenas que o A participasse nas perdas e ganhos decorrentes da sua exploração.
19) O que foi acordado com o A.
20) A escrita relativa ao estabelecimento de… foi sempre integrada na escrita da sociedade Ré, não havendo qualquer separação contabilística de estabelecimentos.
21) As compras de mercadorias para aprovisionamento daquele estabelecimento eram realizadas em conjunto com as compras para os outros estabelecimentos da sociedade Ré.
22) O A e os RR nunca constituíram um fundo patrimonial comum e autónomo, afecto só ao estabelecimento de….
23) O montante de € 50.000,00 com que o A entrou para o estabelecimento de…, foi depositado numa conta bancária titulada pela sociedade “O…”.
24) No dia 20/4/2006 o A discutiu com a gerência do “O…”, por esta não o ter apoiado na desavença havida entre ele e uma trabalhadora dessa empresa.
25) Na sequência disso, na manhã do dia seguinte, 21/4/2006, logo que chegou ao trabalho, o A pediu para conversar com a gerente M…, tendo-lhe comunicado que terminava ali a sua relação com a “O…”.
26) O A, na madrugada do dia 26/4/2006 entrou, sem autorização da gerência, nos estabelecimentos da “O…” em …e no…, tendo retirado dinheiro das caixas e bloqueado os computadores aí existentes.

27) A Ré “O…” decidiu abrir o seu estabelecimento de …porque contava com a participação do A, mencionada em 1), e por causa do relacionamento amoroso existente entre o A e a filha dos 1ºs RR.
28) As despesas de abertura do estabelecimento rondaram € 341.291,68.
29) A Ré encerrou a loja onde está instalado o estabelecimento de T…, em 30/3/2007.
30) E implicou ainda a perda das obras realizadas no locado e que não podem ser retiradas sem desvalorização do mesmo.

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Cumpre apreciar.
A questão em discussão é a de saber qual o contrato celebrado entre o A e os dois primeiros RR e se o mesmo é nulo.
Defende o A tratar-se de um contrato de sociedade ou, quanto muito, uma promessa de sociedade, enquanto os RR entendem – entendimento partilhado na sentença recorrida – tratar-se de um contrato de associação em participação.
Tal contrato, manuscrito, consta do documento de fls. 15. As partes intitularam-no de “Acordo de Compromisso”, o que, como é óbvio não ajuda a perceber a respectiva intenção negocial.
Nesse contrato podemos salientar as seguintes cláusulas:
– O A e “apesar de a loja ser da firma O… ... terá uma sociedade de 50% tanto no Deve como no Haver”.
– A despesa inicial com a abertura da loja seria dividida em duas partes iguais, 50% a cargo de “O…” e 50% a cargo do A.
– Uma vez que a despesa de abertura da loja rondava os € 350.000,00, o A depositou na conta do “O…” a quantia de € 50.000,00. Os restantes € 125.000,00 seriam liquidados sempre que houvesse lucros para dividir entre as duas partes.
– As outras duas lojas do “O…” continuavam a ser apenas dos sócios J… e M….
– O A mantinha o contrato de trabalho subordinado com a “O…”, auferindo o vencimento acordado com a empresa.


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Nos termos do artº 980º do Cód. Civil, “contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.

Existe desde logo um elemento no contrato celebrado entre as partes que não parece consentâneo com o contrato de sociedade. Com efeito, este contrato pressupõe sempre a chamada “affectio societatis”, ou seja, “a intenção de cada um se associar com os outros para a formação de uma pessoa colectiva distinta da de cada contraente” - Acórdão da Relação de Évora de 12/4/77, CJ 1977, II, p. 402).
Ora, logo na cláusula inicial se estabelece que a loja de T… pertence à firma “O…”.
Por outro lado, o A não entrava com uma verba destinada a um fundo comum, mas sim à mesma empresa ora Ré, em cuja conta depositou a quantia de € 50.000,00.
Parece evidente que a loja de T… não iria constituir uma sociedade autónoma, mas antes seria apenas mais um dos estabelecimentos propriedade de “O…”.

Dos demais factos provados verifica-se que o A e os RR nunca chegaram a constituir qualquer sociedade, que o estabelecimento de T… pertence e sempre pertenceu a “O…” e que todos os negócios e transacções referentes à constituição do estabelecimento de T… bem como os concluídos posteriormente, no âmbito da exploração de tal estabelecimento, foram dirigidos e concluídos pela gerência da sociedade Ré.
O A nunca teve qualquer intervenção ou poder decisório nesse estabelecimento e nunca esteve autorizado a movimentar contas tituladas pelo “O….”.
Provou-se ainda que o contrato de arrendamento do imóvel onde seria implantada a loja de T… foi celebrado pelos RR M… e J… enquanto gerentes da sociedade “O…”.

Finalmente, provou-se que os RR nunca quiseram autonomizar este estabelecimento da sociedade Ré e apenas pretendiam, com o que o A concordou, que este participasse nas perdas e ganhos decorrentes da sua exploração.

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Face a isto, é manifesto que nunca houve qualquer propósito dos contraentes, A. e RR, em criar uma sociedade, nem mesmo sob a forma de um contrato-promessa.
Nunca estiveram presentes os elementos sem os quais não é possível falar de uma sociedade: constituição de um ente jurídica e patrimonialmente autónomo, que não se confunde com as pessoas dos sócios ou o seu próprio património individual.

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Pelo contrário, o acordo constante dos autos integra-se bem melhor no âmbito do contrato de associação em participação.
Nos termos do artº 21º nº 1 do DL nº 231/81 de 28/7, tal contrato é definido como “a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda”.
Por outro lado, decorre do artº 24º nº 1 que o associado deve prestar uma contribuição de natureza patrimonial, a qual quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, ingressará no património do associante.
Como se vê da factualidade provada, o A. associou-se à empresa “O…”, que exercia já a sua actividade comercial, para participar na exploração de um novo estabelecimento dessa empresa, tendo contribuído com uma verba inicial de € 50.000,00, que foi depositada na conta titulada pela “O…”.
O que está em causa no acordo não é a criação de um ente jurídico distinto de cada um dos contraentes – o estabelecimento de T…, como se refere logo no início do contrato, continua a pertencer à sociedade Ré – mas sim a participação nas despesas e receitas desse estabelecimento.
Tanto assim, que o contributo económico do A não visa integrar qualquer capital social mas antes contribuir com a sua parte de 50% nas despesas relativas à abertura dessa loja em T…..

No contrato de associação em participação, a empresa pertence ao associante – no caso o “O…”- que a gere, dentro dos limites e critérios expressos no artº 26º do mesmo diploma.
Como sublinha Ferrer Correia - “Lições de Direito Comercial”, p. 218 - “não se verifica aqui a criação de um novo ente jurídico nem, sequer, de um património autónomo. A contribuição do associado transfere-se para o património do associante, sem qualquer autonomização.”

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Além disso, prossegue Ferrer Correia, o associante “conclui em seu nome próprio todos os negócios jurídicos, mesmo quando o faz dentro do âmbito das actividades em que se encontra interessado o partícipe, ou seja, mesmo que actue por contra e no interesse da associação em participação”.
E se analisarmos não só o texto do acordo como o modo como o mesmo foi executado, parece evidente que a intenção das partes foi simplesmente associar o ora A a uma actividade empresarial já existente – a da sociedade “O…” - para o efeito de participar nas perdas e ganhos da mesma, sem que nunca se referira que lhe são concedidos quaisquer poderes de gerência ou de direcção e sem que, de facto, os tenha alguma vez desempenhado.

Assim, e atento igualmente o disposto no artº 236º nº 1 do Cód. Civil, a interpretação mais consentânea com o conteúdo do contrato celebrado entre as partes e as vicissitudes da sua vigência, é a constante da sentença recorrida, ou seja, a de que estamos em face de um contrato de associação em participação.
O facto de no preâmbulo do acordo se dizer que os ora RR J… e M… “acordaram fazer com o Sr. H… uma sociedade de acordo verbal entre os três” não pode significar só por si que estejamos perante um contrato de sociedade ou a promessa da sua celebração. É necessária conjugar tal declaração inicial com as cláusulas do contrato. E aqui, como vimos, as partes contratuais referidas são sempre o A e a empresa “O…” (de que os dois primeiros RR são gerentes). E, como igualmente já salientámos, a loja de T…, na qual incide a participação do A, é referida como pertencente a “O…”.
De resto, os factos constantes dos nºs 19 a 21 da matéria provada são totalmente esclarecedores, de tal modo que os voltamos a citar, embora sob pena de nos repetirmos:
“Os RR nunca quiseram autonomizar este estabelecimento de T… da sociedade “O….”
“Pretendiam tão-só que o Autor participasse nas perdas e nos ganhos decorrentes da sua exploração”
“O que foi acordado com o Autor”.
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Nos termos do artº 23º nº 1 do mencionado DL nº 231/81, “o contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir”.
Na sentença em apreço entendeu-se que, tendo o A contribuído com uma quantia em dinheiro, não é exigível forma especial.
Refere-se igualmente a sentença recorrida a jurisprudência em sentido contrário, nomeadamente o acórdão desta Relação de Lisboa de 24/4/2007, disponível no endereço www.dgsi.pt, no qual se decidiu que, sendo a contribuição do associado de € 12.469,94, deveria o contrato ser reduzido a escrito e assinado pelas partes, por aplicação do artº 1143º do Cód. Civil.
Pode ver-se igualmente o Acórdão desta Relação, de 7/6/90, in CJ 1990, III, p. 134, embora aqui seja algo diversa a qualificação jurídica.

Diremos desde já que nos parece mais adequada a posição expressa na douta sentença recorrida.
Como se refere no Acórdão do STJ de 15/4/93, CJ/STJ 1993, II, p. 71, citando Raul Ventura, “a liberdade de forma do contrato de associação em participação não afasta, porém, a forma exigida por outros preceitos especiais. A parte final do nº 1 do artº 981º e possivelmente o seu nº 2 são de aplicar à associação em participação, pois o primeiro limita-se a vincar o respeito devido a disposições relativas à transmissão de bens ou constituição de certos direitos e a segunda visa restringir as nulidades totais, cujos efeitos muitas vezes são exageradamente prejudiciais às partes”.
O artº 23º nº 1 do DL 231/81 acabou por seguir o regime de liberdade de forma constante do artº 981º nº 1 do Cód. Civil.
Note-se que sobre este último preceito existe igualmente jurisprudência no sentido defendido na sentença recorrida, como é o caso do Acórdão da Relação do Porto de 23/1/86, CJ 1986, I, p. 172.

Com efeito, na associação em participação, se a participação do associado se faz unicamente em dinheiro não se vê razão alguma para impor forma especial e muito menos a do contrato de mútuo. Pensamos que, neste aspecto, o Acórdão desta Relação de Lisboa de 7/6/90, já mencionado, poderá ter causado alguma confusão, que uma leitura mais atenta teria desfeito. É que em tal decisão considerou-se que o contrato não era de associação em participação mas antes de mútuo. E naturalmente, que a partir daí é exigível o regime formal do artº 1143º.
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Ora, uma participação feita com entrega de dinheiro tem uma natureza que não muda com a quantidade da soma entregue. Trata-se sempre de uma participação pecuniária.
Ao invés, consistindo a participação na transmissão de um bem imóvel, é pela própria natureza deste bem, que se exige a forma especial.
Ou seja, um negócio jurídico consistindo em prestações pecuniárias beneficia à partida de liberdade de forma. Só em certas circunstâncias específicas e em determinados tipos de contratos, ligadas ao montante da prestação – que não à sua natureza – se exige forma especial. Mas se tal negócio jurídico consistir numa participação que envolva a transmissão de direitos inerentes a um bem imóvel é, pela sua própria natureza, que se exigirá forma especial.
Para se perceber melhor o nosso ponto de vista, atente-se no artº 875º do Cód. Civil. O contrato de compra e venda tem as suas características definidas no artº 874º e essas características são as mesmas independentemente do bem vendido e do montante do respectivo preço. É a natureza do bem vendido – bem imóvel - que determinará a aplicação de forma especial, escritura pública, muito embora os elementos constitutivos do contrato sejam os mesmos que os de um contrato de compra e venda de bem móvel.
Como dissemos, a natureza de uma prestação pecuniária não muda de acordo com o respectivo montante. É sempre uma prestação pecuniária. Não é pois a sua natureza que impõe, em determinados contratos, como é o caso do mútuo, a forma especial, mas sim outras considerações, relacionadas com as características peculiares de tais contratos.

Ora, estipulando o artº 23º nº 1 do DL nº 231/81 que o contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, salvo se esta for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir, é manifesto que, traduzindo-se tal contribuição numa dada quantia em dinheiro, a própria natureza dessa prestação não impõe qualquer forma especial.
Sendo assim, terá de improceder a pretensão do A relativa a nulidade do contrato por inobservância de forma especial.

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A questão do abuso de direito perde assim a sua relevância, na apreciação do presente recurso. De qualquer modo, sempre diremos que não podemos concordar com a sentença recorrida, quando imputa ao A tal abuso de direito.
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Na realidade, nada se provou que nos possa levar a concluir que a invocação da nulidade pelo A constitua um caso de venire contra factum proprium ou qualquer outra figura inerente ao exercício abusivo do direito.
O facto de o A ter sido um dos contraentes e vir agora invocar a nulidade de tal contrato, dois anos após a sua celebração, não pode significar, só por si, que o A tenha prosseguido uma conduta que levasse a parte contrária a confiar que tal nulidade nunca viria a ser suscitada.
De resto, a própria divergência das partes relativamente à natureza do contrato, mostra bem que tal conduta, que eventualmente poderia basear o venire contra factum proprium nunca existiu.

Mas esta questão acaba, como dissemos, por ser irrelevante na medida em que, inexistindo o direito – consubstanciado na nulidade negocial – não faz sentido abordar-se a respectivo exercício abusivo.

Note-se ainda que a única questão colocada pelo A na sua petição inicial é a da nulidade do contrato e suas consequências e nunca o incumprimento do mesmo, pelo que as referências feitas a este respeito nas alegações de recurso não poderão ser apreciadas, por constituírem matéria nova.

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Conclui-se assim que:
– É de associação em participação o contrato pelo qual uma das partes contribui com determinada verba para as despesas de abertura de uma loja, de que é dono o outro contraente, ficando acordado que ambos repartiriam entre si, na proporção de 50% cada, as receitas e despesas dessa loja.
– Tanto mais que a quantia prestada pelo associado foi depositada numa conta bancária de que o associante é titular, tendo-se ainda provado que as partes nunca pretenderam autonomizar essa loja das demais pertencentes ao associante “O…”, pretendendo-se apenas que o A participasse nos ganhos e perdas da sua exploração.
– O contrato de associação em participação em que a participação do associado se faz mediante a entrega de uma quantia em dinheiro, não está sujeito a forma especial, independentemente do montante de tal prestação.


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Nestes termos, acorda-se julgar improcedente a apelação.
Custas pelo recorrente.


LISBOA, 18 de Setembro 2008


António Valente


Ilídio Martins


Teresa Pais