Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO CONTA EM PARTICIPAÇÃO INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 03/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1. A associação em participação (contrato assim designado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, que revogou os artigos 224.º a 227.º do Código Comercial que o nominava de conta em participação) caracteriza-se pela associação de uma pessoa (sócio oculto) a uma actividade económica exercida por outra (sócio ostensivo) participando nos lucros (ou, também, nas perdas) resultantes daquele exercício, prestando, ou obrigando-se a prestar, uma contribuição de natureza patrimonial. 2. A contribuição, se traduzida na constituição de um direito ou na sua transmissão, ingressa no património do sócio ostensivo. 3. Se o sócio oculto também participar nas perdas, a contribuição pode ser dispensada no contrato devendo, contudo, ser-lhe atribuído um valor em dinheiro a considerar nas contas finais. 4. Trata-se de contrato consensual, salvo a exigência de forma para a contribuição do associado. 5. A associação em participação não é uma sociedade civil ou comercial por não lhe ser atribuída personalidade jurídica e faltar o requisito do exercício em comum de certa actividade económica. 6. É um contrato comercial típico. 7. O Decreto-Lei n.º 231/81, é interpretativo dos artigos 224.º a 229.º do Código Comercial que revogou. 8. Não sendo possível apurar-se a vontade real de cada parte era conhecida da outra, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, por uma pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes e com diligência média se colocado na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante. 9. A determinação da vontade real constitui matéria de facto reservada às instâncias. 10. O Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o resultado interpretativo da vontade hipotética, que resulta do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, quando não coincida com o sentido apreensível por um declaratário normal. 11. Também o pode fazer tratando-se de negócio formalizado quando a interpretação não tenha uma, mesmo que rudimentar, correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do artigo 238.º do Código Civil). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e seu marido BB intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, pedindo a modificação do contrato de associação em participação para contrato de mútuo; declaração de que o Réu cobrou juros usurários pelas as quantias que recebeu, os quais devem ser reduzidos para 7% e que os Autores já lhe tinham pago a totalidade da divida e juros vencidos, recebendo aquele, em 2001, 2002, 2003 e 2004, montantes em excesso no valor global de 18.165,45 euros; condenação do Réu a pagar-lhes esta quantia, acrescida de juros desde a citação ou, subsidiariamente, a fazê-lo por enriquecimento sem causa. O Réu contestou e deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores a pagarem-lhe a quantia de 1246,40 euros, com juros respeitantes a prestações em falta, nos termos do contrato de associação em participação. No Círculo Judicial de Seia foram julgados improcedentes os pedidos principal e reconvencional, sendo o Réu e os Autores absolvidos dos pedidos. Os Autores apelaram para a Relação de Coimbra que manteve o julgado, assim confirmando a decisão do Relator, tirada ao abrigo do artigo 705.º do Código de Processo Civil. Inconformados, os Autores pedem revista. E assim concluem as suas alegações: 1- De todos os factos dados como provados nos presentes autos não consta um único facto que indique que o ora recorrido participou nos lucros do exercício da actividade da recorrente mulher — salão de cabeleireiro. O recurso foi contra alegado onde se concluiu pela manutenção do aresto em crise. As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo, Este e as instâncias entenderam tratar-se de associação em participação, mas os recorrentes pretendem tratar-se (ou dever ser considerado) um contrato de mútuo. Para alcançar uma conclusão, e independentemente do princípio “jura novit curia” há que atentar no clausulado que acima foi reproduzido quando se elencou a matéria de facto assente. Desde já se deixa dito que a epígrafe do texto (“Contrato de Associação em Participação”) em nada vincula, quer o Tribunal, quer as partes, pois os contratos não são o que os outorgantes apodam, mas antes o que resulta das suas cláusulas, no cotejo com as respectivas normas legais. Curiais, portanto, algumas considerações exegéticas sobre associação (ou conta) em participação. Recuaremos apenas aos artigos 224.º a 227.º do Código Comercial, hoje revogados pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, por não caber na economia deste acórdão fazer a história do instituto, (cf., nesta perspectiva, e v.g., Doutor Cunha Gonçalves, “Da Conta em Participação”; Prof. Galvão Telles, “Conta em Participação” in “O Direito”, 89.º, 3.º, Dr. Costa e Nora, in “Do Contrato de Conta em Participação”, ROA, 6.ª, 104; e Prof. Raul Ventura – “Associação em Participação – BMJ 189-190). Aquele artigo 224.º da lei mercantil definia a “conta em participação” como o contrato em que “o comerciante interessa uma ou mais pessoas nos seus ganhos e perdas”, com um ou outros, a trabalhar em nome individual, sendo que podia ser “momentâneo, relativo e determinadamente a um ou mais actos de comércio do participado”. Discutia-se, então, qual a natureza do contrato: se de sociedade (para o que propendeu o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1952 – BMJ 31-472) se de mero contrato associativo, sendo-lhe, embora, aplicáveis os preceitos do Código Comercial a gerirem os actos do comércio (na linha do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1950 – BMJ 22-343). O Dr. Costa e Nora (ob. cit., 164 e ss.) defendia a primeira das teses por, na sua óptica, se perfilarem os três requisitos fundamentais das sociedades, ou sejam: o acordo de duas ou mais pessoas com capacidade civil ou comercial; a colocação de qualquer coisa (ou bem) em comum e o propósito de repartição, entre si, dos proveitos resultantes da comunhão (era o conceito que resultava do artigo 1240.º do Código Civil de 1867 e está presente no artigo 980.º do Código Civil). Só que o artigo 226.º do Código Comercial não lhe atribuía personalidade jurídica, razão para que faltasse um elemento essencial para poder ser considerada uma sociedade. Já o Dr. Cunha Gonçalves, ob. cit. 2.ª ed., 65 – na linha de César Vivante dizia tratar-se de mera associação mercantil referindo que “já Ferreira Borges – que foi, por assim dizer, o progenitor do direito comercial português – distinguia entre ‘sociedades’ e ‘associações mercantis’ incluindo neste segundo grupo a conta em participação, a agregação de sócio e a parceria.” Finalmente, o Dr. A. Jorge Pinhal (in “Da Conta em Participação”, 1981, ponderou o seguinte: “Aceitando portanto que a associação comercial não está sujeita aos requisitos exigidos para o contrato de sociedade (personalidade jurídica, firma, património e domicilio), apenas devendo possuir como requisitos a pluralidade de associados e o fim comercial, cremos que a conta em participação, nas relações internas pode constituir uma verdadeira associação comercial, já que estão preenchidos os requisitos essenciais de tal espécie de associação – pluralidade de sócios e objectivo comercial.” Na vigência da lei anterior, não nos repugna aceitar este entendimento, muito embora o conceito de associação comercial mais não é do que uma sociedade comercial atípica criada pela doutrina para poder dogmatizar certos contratos comerciais. Mas o que agora importa, e embora tendo presente a evolução que se esboçou, é a análise do regime actual por ser o aplicável ao contrato em apreço. Como se diz no relatório preambular pretendeu-se “colocar à disposição dos agentes económicos instrumentos jurídicos actuais ou actualizados, simples e seguros” pelo que se regulam “dois contratos utilizáveis na cooperação entre empresas: um, velho, que se pretende remoçar – o contrato de associação em participação; outro novo que se pretende consagrar – o contrato de consórcio.” Deixemos este, por irrelevar “in casu”, e debrucemo-nos sobre o primeiro que aquele diploma diz tratar com propósito “apenas de actualização e esclarecimento”. Não é mais nominado de “conta em participação” e os artigos 21.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 231/81, apodam-no de “contrato de associação em participação”. Elencam-se (artigo 21.º) os seus elementos essenciais: Ao contrário do regime anterior em que se exigia que o sócio ostensivo fosse comerciante (ROA – 6.ª, 124) a lei hoje é clara no sentido de se lhe exigir, apenas, que exerça uma actividade económica, não implicando que se insira na situação do n.º 1 do artigo 13.º do Código Comercial. Actualmente, há, na linguagem coloquial ,a figura do “empresário” não coincidente com a de comerciante ,tema que, contudo, seria fastidioso e desnecessário aqui analisar. O associado é-o nos lucros, ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para o primeiro, sendo que a participação nas perdas pode ser dispensada. Esta possibilidade de não participação nas perdas do sócio oculto traduz o acolhimento do já antes defendido pelo Doutor Cunha Gonçalves (ob. cit., 78) que se louvava no § 6 do artigo 118.º do Código Comercial, embora, em sentido oposto, na estrita letra do artigo 224.º daquela lei (“ganhos e perdas”) se pronunciaram, entre outros, os Drs. Costa e Nora (ob. cit) e Alfredo Pinhal (ob. cit. 46). Mas se o associado participar nas perdas, a sua contribuição pode ser dispensada no contrato (artigo 24.º, n.º 2). A dispensa “no contrato” apenas implica a não contribuição imediata impondo, contudo, que ali se atribua um valor em dinheiro, a considerar nas contas a prestar pelo sócio ostensivo aquando da repartição percentual dos lucros ou da cobrança da parte equivalente nas perdas. Trata-se, além disso, de um contrato consensual, à semelhança do que acontecia no regime anterior (artigo 228.º do Código Comercial) salvo se for exigida forma, para a transmissão dos bens com que o associado contribuir, sem prejuízo da conversão do negócio no caso de invalidade por insuficiência daquela (artigos 23.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 231/81 e 293.º do Código Civil). Isto posto, e no seguimento do que antes se explanou quanto à natureza do contrato, e mau grado se use certa terminologia que poderia indiciar tratar-se de sociedade (v.g. sócio ostensivo e sócio oculto) – cf. neste sentido, e para além dos já citados Dr. Adriano Antero, Prof. Barbosa de Magalhães, Doutor Cunha Gonçalves e Rocha Souto e, em sentido contrário, isto é, inserindo-o no conceito de “contrato sui generis e não no de sociedade perfeita e regular, os Profs. Barbosa de Magalhães, José Tavares, Galvão Telles e Raul Ventura - prefere-se esta tese. Ainda se discorda pois, e para além da inexistência do requisito do exercício em comum de certa actividade económica, já que o associante se limita a interessar o associado nos seus ganhos e perdas, sendo que é só este que exerce a actividade, embora tenha em vista outra pessoa a ela ligada por um negócio jurídico. Enfim, embora parecendo conter algum dos requisitos do artigo 980.º do Código Civil (que, segundo os Profs. P. de Lima e A. Varela – in “Código Civil Anotado”, 3.ª ed., II, 307, “não dá uma definição de sociedade mas de contrato de sociedade”) não os preenche totalmente (contribuição dos sócios; exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição; e a repartição dos lucros) não podendo ser integrado no conceito (cf., ob. imed. acima citada, 309). Por isso é que, como de acenou, não pode deixar de se aplaudir o Prof. Raul Ventura (ob. cit., “Associação em Participação”, BMJ 189-190) ao criticar: “A nossa doutrina tem tido – ou parece ter tido – apenas em vista hipóteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, mas cai num círculo quando, por um lado, considera essa distinção juridicamente consistente numa colocação de bens em comum porque a conta em participação é uma sociedade e, por outro lado, qualifica a conta em participação como sociedade, porque há colocação dos bens em comum.” De excluir, em consequencia, a tese da sociedade civil, por nestes casos inexistir um elemento essencial “exercício em comum de certa actividade económica” – do artigo 980.º da lei substantiva civil (cf., v.g, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1991 – 080457). Lapidarmente, ainda o Prof. Raul Ventura refere que “exercer em comum uma actividade, no sentido que essa expressão tem para o contrato de sociedade, não é o exercício por várias pessoas da sua actividade, de modo ou forma concertada com as actividades de cada uma das outras pessoas” (apud “Primeiras Notas sobre o Contrato de Consórcio”, BMJ – 642). Outrossim, não se trata de sociedade comercial, cujo conceito do artigo 1.º do Código das Sociedades Comerciais acaba por remeter, indirectamente, para a noção de sociedade ínsita naquele artigo 980.º do Código Civil (cf., Prof. Miguel Pupo Correia – “Direito Comercial”, 7.ª ed., 2001, 379 ss). O Prof. Jorge Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, II, 2002, 21, define sociedade com a “entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica que não é de mera fruição, a fim de, em regra, obter lucros e atribui-los aos sócios, ficando estes, todavia, sujeitos a perdas”. Só que continua a exigir-se a “affectio societatis” que se reconduz ao conceito de “exercício em comum” de uma actividade, aqui consistente na prática de actos de comércio, e, agora, com sujeição ao princípio da tipicidade. (cf., “inter alia”, e com interesse, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1992 – BMJ 415-666; de 30 de Junho de 1998 – 075957 – e de 23 de Novembro de 1999 – BMJ 491-258). O contrato de associação em participação é, assim, um negócio jurídico antes atípico mas hoje (após o Decreto-Lei n.º 231/81, um contrato típico, com natureza associativa (aleatória) – por contraposição à relação contratual comutativa. (cf. Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1960, p. 57, ensinando que no contrato associativo, as partes têm em vista uma possibilidade de ganho ou perda, ou seja, podem receber mais ou menos do que dão.). 2- Interpretação do negócio 2.1. Aqui chegados, e lendo atentamente o clausulado do contrato que a recorrente outorgou com o recorrido, dúvidas não ficam sobre tratar-se de um contrato de associação em participação. Daí resulta que sendo a Autora dona (e explorando) um “salão de cabeleireiro” (exercendo, portanto, uma actividade económica) acordou que o Réu se lhe associasse na exploração, durante 60 meses, contribuindo com 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) e clausulando, apenas, a participação nos lucros. Mais acordaram que a Autora entregaria mensalmente ao Réu a quantia de 100.00$00 (cem mil escudos). Esta quantia não pode deixar de ser considerada um pagamento “forfait” dos lucros da associação, assim podendo concluir-se, não só pela dogmática do negócio como por tal não poder deixar de resultar do disposto no artigo 236.º e 238.º do Código Civil. Tratando-se de declarações negociais prestadas por ambos os outorgantes, e não sendo possível apurar se a vontade real de um deles era conhecida do outro, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, isto é, por pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes e com diligência média se colocada na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante. (cf., Profs. P. de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, I, 4.ª ed., 233 e, v.g., os Acórdãos de 21 de Maio de 2009 – 692 – A/2001.S1 e de 12 de Novembro de 2009 – 1842/04.3TVPRT.S1, desta Conferência). A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal e, sendo o negócio formal, ter o mínimo de correspondência com o texto do documento “ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil). Embora o documento não fosse aqui exigido por lei (artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 231/81) entende-se que uma vez adoptada essa formalidade, e não resultando terem as partes querido outro negócio que não o de associação em participação, é perante este que nos encontramos, nada apontando para que tivessem querido outorgar um mútuo. Improcedem, em consequência, as razões invocadas pelos recorrentes. Pode, desde já, concluir-se que: Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas pelos recorrentes. Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Março de 2010 Sebastião Póvoas ( Relator) Moreira Alves Alves Velho
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