Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | CLÁUSULAS CONTRATUAIS DANOS PRÓPRIOS PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário I–Estando-se no âmbito de cobertura facultativa relativa aos danos próprios sofridos pelo veículo pertença do Autor, urge ponderar o regime legal prescrito no DL nº. 214/97, de 16/08, que veio instituir regras com a finalidade de assegurar uma maior transparência em matéria de sobresseguro nos facultativos contratos de seguro automóvel ; II–tal diploma, veio, ainda, estabelecer a imposição das empresas seguradoras elaborarem tabelas de desvalorizações periódicas automáticas, para determinação do valor da indemnização devida, mediante normas emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de forma a evitar, conforme se referencia no preâmbulo, a “manutenção do valor seguro, e correspondente reflexo no prémio devido, por falta de iniciativa do segurado no sentido da respectiva actualização, quando é certo que a indemnização a suportar pela seguradora em caso de sinistro tem em conta a desvalorização comercial entretanto sofrida pelo veículo” ; III–suscitando-se, em sede recursória, a proibição de uma cláusula contratual geral, determinante da sua nulidade – o artº. 12º da LCCG (aprovada pelo DL nº. 446/85, de 25/10) -, tendo por fonte o quadro legal inscrito no artº. 286º do Cód. Civil, ex vi do artº. 24º, ambos do mesmo diploma, impõe-se, nessa sede, o invocado conhecimento ; IV–o princípio geral de boa-fé estatuído no artº. 15º, da LCCG, que macula de proibidas as cláusulas contratuais gerais que o contrariem, visa o conteúdo do contrato, procurando salvaguardar uma composição dos interesses das partes contratantes que não seja excessivamente desequilibrada e visa depurar ou garantir um juízo de razoabilidade dos termos contratuais convencionados ; V–o que se revela com maior acuidade em virtude se, estando-se perante contratos de adesão, nos quais o predisponente assume uma primazia negocial decorrente da imposição de um conteúdo pré-contratualmente definido, esta rígida ou estática predeterminação unilateral justifica a existência de restrições ou limitações à liberdade de conformação contratual ; VI–desta forma, urge salvaguardar que a favor do predisponente sejam estabelecidas cláusulas desvirtuadoras do equilíbrio contratual, violadoras de um equilíbrio que a boa-fé, atendendo aos interesses das partes outorgantes, pretende tutelar ou acautelar ; VII–nessa avaliação, assume carácter essencial a aferição ou projecção dos efeitos objectivos do acordado na esfera dos interesses do aderente, de forma a evitar aquele desequilíbrio normativo, contratante com as exigências da boa-fé ; VIII–no âmbito do contrato de seguro, de forma a aferir acerca da absoluta proibição das cláusulas inscritas na alín. b), do artº. 18º, da LCCG, urge atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos pela apólice, de forma a proceder-se à nítida distinção entre as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz daquele normativo e aquelas que apenas delimitam o objecto do contrato, ou seja, balizam ou circunscrevem o âmbito do risco coberto pelo contrato, de plena validade ; IX–assim, na tutela daquele princípio geral de boa-fé, devem considerar-se como proibidas as cláusulas excludentes ou limitadoras de responsabilidade, insertas em contratos de adesão, que, devido à sua amplitude, acabem por retirar utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil e justificativo da outorga e finalidade contratual ; X–ou seja, as cláusulas limitadoras ou excludentes de responsabilidade não podem configurar-se como desproporcionais, violadoras do equilíbrio procurado entre as partes contratantes na assumpção do vínculo contratual, pois, caso tal ocorra, traduzem-se como violadoras do princípio da boa-fé, urgindo, nos termos dos artigos 15.º e 18.º, alíneas b), do DL 446/85, de 25-10, considerá-las proibidas e, como tal, nulas (artigo 12.º, do mesmo diploma legal) ; XI–todavia, no caso dessas mesmas cláusulas apenas introduzirem uma limitação de responsabilidade, sem lograrem comprometer ou esvaziar a garantia do risco coberto pela apólice ou a utilidade e finalidade pretendidas com a sua outorga, mas apenas restringindo, de forma equilibrada e entendível a finalidade visada com a contratualização do seguro, inexiste legal justificação para as rotular como violadoras da boa-fé, maculando-as como proibidas e, consequentemente, nulas ; XII–estando em causa um seguro facultativo, é maior a liberdade das partes em contratualizarem, ou não, determinando conjunto tipificado de coberturas, em virtude de possuírem maior autonomia ou disponibilidade no balizar ou circunscrever do âmbito de cobertura da responsabilidade transmitida, prevendo em concreto quais os riscos que pretendem, e que não pretendem, ser objecto de transmissão ; XIII–ou seja, nesta tipologia de seguros, é perfeitamente legítimo que as partes contratualizem, no âmbito da sua liberdade e autonomia contratual, qual o concreto âmbito dos riscos cobertos, ao que não será alheio um juízo ponderativo do custo/benefício, tendo em atenção os concretos riscos decorrentes da actividade em causa e o valor a despender no pagamento do prémio. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I–RELATÓRIO 1–ANTÓNIO ……………., residente na Rua ………….., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra COMPANHIA de SEGUROS ………………, S.A., com sede na Rua ……………., pedindo a condenação desta: Pedidos Principais: a)-Ordenar e custear a reparação de todos os danos que se verificaram no veículo segurado em consequência dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019. b)-Pagar ao A. uma indemnização correspondente ao valor diário de € 50,00 por cada dia que o A. esteja impedido de poder utilizar normalmente o veículo segurado, sendo que, à data de 3/3/2021, o valor da indemnização se liquida provisoriamente no valor de € 35.050,00(trinta e cinco mil e cinquenta euros). Pedidos Subsidiários: a)-Em caso de improcedência do pedido principal deduzido sob a alínea a), deverá a R. ser condenada a fornecer ao A. um veículo com as características e a antiguidade que o veículo segurado tinha à data do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019. b)-Em caso de improcedência do pedido subsidiário deduzido sob a alínea a), deverá a R. ser condenada a indemnizar o A. pelo custo efectivo da reparação dos estragos decorrentes dos sinistros ocorridos nos dias 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, indemnização aquela cujo valor total nunca poderá ser inferior a € 14.128,24 (catorze mil, cento e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos), conforme referido no art. 44.º supra,atribuindo-se também ao A. o direito a conservar para si o salvado. Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: – o A. é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel de marca Ford S-Max, de matrícula …………. (doravante designado como veículo segurado) ; – em 26 de Janeiro de 2013, o A. celebrou com a R., relativamente a tal veículo, um contrato de seguro do ramo automóvel, com cobertura de danos próprios, titulado pela Apólice n.º 2......35 (doravante designado apenas como Seguro) ; – No dia 6 de Janeiro de 2019, o veículo segurado sofreu um acidente do qual resultou danificada a parte traseira daquele mesmo veículo ; – Sinistro aquele que foi participado à R., e, tendo esta reconhecido que o mesmo sinistro se encontra coberto pelo Seguro, determinou a realização da competente peritagem ; – Tendo, no âmbito daquela mesma peritagem, sido aprovado pela R. um orçamento de reparação num valor que o A. já não consegue precisar (uma vez que não conservou nenhuma cópia daquele mesmo orçamento), mas que ronda os € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), ordenou a R. a realização daquela reparação ; – Todavia, em 6 de Março de 2019, o veículo segurado sofreu novo acidente, por virtude do qual ficou impossibilitado de circular ; – O veículo segurado ficou também impossibilitado de circular até à oficina para reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019, conforme já havia sido aprovado pela R. ; – O A. participou à R. o sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019, sendo que também este sinistro foi considerado pela R. como estando coberto pelo Seguro ; – Tendo, em conformidade, sido efectuada peritagem para a determinação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019 e do custo da respectiva reparação, foi esse mesmo custo orçado em € 11.628,24 (onze mil, seiscentos e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos) ; – Considerando a R. que se verificou uma perda total do veículo segurado, não autorizou a reparação do mesmo, tendo proposto ao A. o pagamento de uma indemnização no valor de € 7.267,00 (sete mil, duzentos e sessenta e sete euros), conservando o A. o salvado ; – Proposta aquela que o A. recusou, já que, contrariamente ao entendimento assumido pela R., não se verificou uma perda total do veículo segurado em consequência do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019 ; – Tendo o Autor também apresentado à R. duas contrapropostas, sendo a primeira de reparação da viatura com peças de “linha branca”, ou mesmo usadas, o que deveria baixar substancialmente o custo da reparação, ou, em alternativa, que a R. fornecesse ao A. uma viatura de marca e modelo do veículo segurado, com os anos e no estado de conservação do mesmo veículo segurado ; – Contrapropostas aquelas que foram todas rejeitadas pela R.. – Por meio de carta datada de 25.3.2019 (desta feita já representado pelo advogado subscritor da presente petição inicial) o A. fundamentou o seu entendimento de que não se verifica a perda total do veículo segurado, tendo solicitado à R. a reparação daquele mesmo veículo, ou, em alternativa, o pagamento de uma indemnização no valor de € 11.628,24 (correspondente ao custo da reparação apurado na peritagem cujo relatório já foi junto como Doc. 3), acrescida da atribuição do salvado ao A. ; – Solicitação aquela que, mais uma vez, a R. recusou ; – Pelo que, desde o dia 6 de Março de 2019 não só ficou o A. impedido de utilizar o veículo segurado, como também de o conduzir à oficina para a realização da reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019, reparação aquela que fora autorizada pela R. ; – Assim como, por outro lado, o A. não recebeu da R. qualquer indemnização compensatória pelos mesmos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 ; – De modo que, permanecendo por regularizar, por parte da R., os danos ocorridos no veículo segurado em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, o A. por meio de carta datada de 15.4.2020, apresentou à R. uma proposta de regularização dos supra referidos sinistros mediante o pagamento da quantia de € 11.628,24 (correspondente ao custo da reparação apurado na peritagem cujo relatório já foi junto como Doc. 3), acrescida da atribuição do salvado ao A. ; – Sendo que, também aquela proposta foi recusada pela R., apenas se tendo mostrado disponível para pagar ao A. a quantia de € 7.267,00, acrescida do salvado ; – Quantia aquela que é manifestamente inferior aos danos causados no veículo segurado em consequência dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019 ; – De modo que, à data da instauração da presente acção, o veículo seguro encontra-se imobilizado por não ter a R. ordenado a reparação dos danos causados pelos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019 : – Sendo que, o A. não recebeu por conta daqueles mesmos danos qualquer compensação pecuniária com a qual pudesse reparar o veículo segurado ou adquirir outro equivalente, nem tampouco a R. disponibilizou ao A. qualquer viatura de substituição ; – Pelo que, encontrando-se o A., desde 6 de Março de 2019, impedido de utilizar o veículo segurado por facto que exclusivamente à R. é imputável, é tal facto fonte de prejuízos significativos para o A., já que este é empresário em nome individual, e, prestando serviços a clientes dispersos por todo o território nacional, era no veículo segurado que efectuava as suas deslocações àqueles clientes ; – Todavia, em virtude da recusa da R. em ordenar a reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019, o A. tem o veículo segurado imobilizado e não mais o pôde utilizar, seja no dia a dia da sua vida pessoal, seja no exercício da sua actividade profissional ; – De modo que, a fim de poder continuar a desempenhar a sua actividade profissional, teve o A. de adquirir uma viatura usada, com o que despendeu a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) ; – Encargo aquele que o A. não teria tido de suportar se a R. tivesse cumprido a sua obrigação de reparar os danos emergentes dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019 ; – Em face de tudo quanto vem exposto supra, não tendo sido reparados os danos resultantes dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e em 6 de Março de 2019, nem tendo o A. sido indemnizado pela R. por aqueles mesmos danos, tem o A. direito ser colocado pela R. na situação em que estaria se não tivessem ocorrido aqueles mesmos sinistros ; – Pelo que, tendo a R. incumprido culposamente a obrigação de reparação dos danos decorrentes, para o veículo segurado, dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, está obrigada a efectuar a reparação daqueles mesmos danos, de modo a restituir o veículo segurado a estado em que se encontraria se não se tivessem verificado aqueles mesmos sinistros ; – Ou, em alternativa à reparação daqueles referidos danos, está a R. obrigada a fornecer ao A. um veículo com as características e a antiguidade que o veículo segurado tinha à data dos sinistros ; – Ou, em alternativa aos modos de reparação referidos, está a R. obrigada a indemnizar o A. pelo custo efectivo da reparação dos estragos decorrentes dos sinistros ocorridos nos dias 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019 ; – Custo aquele que, segundo as peritagens efectuadas pela R. em 2019, ascende ao valor total de € 14.128,24 (catorze mil, cento e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos), do qual o valor parcial de € 2.500,00 corresponde ao custo da reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019, correspondendo o valor de € 11.628,24 ao custo da reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019 ; – Sendo que, em virtude do tempo já decorrido desde a elaboração daqueles mesmos orçamentos, os mesmos já se encontrarão desactualizados ; – Estando ainda a R. obrigada a indemnizar o A. por todo o prejuízo sofrido em consequência da privação do uso daquele mesmo veículo, nos termos já descritos. 2–Citada a Ré, veio apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
3–Designada data para a realização da audiência prévia, veio esta a realizar-se, conforme acta de fls. 70 e 71. Nesta, fo(i)(ram): - fixado o valor da causa ; - definido o objecto do litígio: “O Autor, com fundamento no contrato de seguro celebrado com a Ré, e em virtude de sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, pretende que a Ré ordene e custeie a reparação de todos os danos que se verificaram no veículo seguro, bem como do prejuízo resultante da privação do uso do veículo no montante global de 35.050,00 €, ante o tempo de privação e o valor diário que computa em 50,00 €. Subsidiariamente, Primo, Condenação da Ré a fornecer ao Autor um veículo com as características e a antiguidade que o veículo segurado tinha à data do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019. Identicamente, em relação de subsidiariedade, Condenação da Ré a indemnizar o Autor pelo custo efectivo da reparação dos estragos decorrentes dos sinistros ocorridos, no valor global de 14.128,24 €, atribuindo-se, ainda, ao Autor o direito de conservar para si o salvado”. - definidos os temas de prova: “a)-Dos danos resultantes dos acidentes ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019 (respectivo objecto e extensão) b)- Do valor venal do veículo à data do sinistro g)- Da perda total do veículo” ; - apreciados os requerimentos probatórios ; - designada data para a realização da audiência final. 4–Tal audiência de discussão e julgamento veio a concretizar-se conforme acta de fls. 72 e 73. 5–Posteriormente, em 08/12/2022, foi proferida sentença, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos: “Conforme os critérios e fundamentos normativos supra-referidos: Condeno a Ré, Companhia de Seguros ………………, SA. ao pagamento ao Autor, António ……………., da quantia de 7.267,00 € (sete mil duzentos e sessenta e sete euros). No mais, absolvo do(s) pedido(s) a Ré, Companhia de Seguros ………………, SA. A responsabilidade por custas fica a cargo do Autor, António……………….. Registe e notifique”. 6–Inconformado com o decidido, o Autor interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada. Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra): “1.ª A d. Sentença recorrida considera não ser devido o pagamento do custo total da reparação da viatura do Recorrente em virtude de se verificar a situação de perda total prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. Todavia, a d. Sentença recorrida não toma na devida conta a circunstância de a situação de perda total prevista no art. 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto apenas ser atendível como limite à reconstituição da situação natural na fase pré-judicial (vd., neste sentido, o Acórdão do TRG de 26.10.2017, proferido no processo n.º 772/15.8T8FAF.G1, in www.dgsi.pt, bem como o Acórdão do TRL de 11.10.2018, proferido no processo n.º 7247/17.9T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt). 2.ª Uma vez transitado o litígio para a fase judicial, a reconstituição natural do statu quo ante apenas pode ser recusada se for excessivamente onerosa para o devedor, impendendo sobre este o ónus da prova daquela onerosidade excessiva (vide, neste sentido, o Acórdão do TRP de 28.5.2020, proferido no processo n.º 289/19.1T8MCN.P1, in www.dgsi.pt). Sendo que, na sua contestação não alega a Recorrida que a reparação da viatura do Recorrente fosse excessivamente onerosa, limitando-se a alegar que o custo da reparação é superior ao valor venal da viatura sinistrada (cf. o art. 15.º da Contestação). 3.ª Cumprindo salientar que a diferença entre o custo da reparação da viatura do Requerente e o valor venal daquela mesma viatura à data do sinistro sub judice era de € 473,00, pelo que, manifestamente, o custo da reparação orçamentado no Doc. 3 junto à petição inicial não era excessivamente oneroso em função do valor venal do veículo. Por conseguinte, e contrariamente ao entendimento sufragado na d. Sentença recorrida, o ressarcimento dos danos sofridos pelo Recorrente em virtude dos sinistros sub judice não deve ser feito por meio da indemnização prevista no n.º 3 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, mas antes por meio da reparação da viatura sinistrada, reconstituindo-se a situação natural que existia antes do sinistro. 4.ª Mesmo que se considerasse que a responsabilidade da Recorrida se limita ao valor venal do veículo sinistrado (hipótese que, sem conceder, apenas por cautela de patrocínio se configura), daí sempre resultaria que o valor da indemnização devida ao Recorrente teria como limite, por cada sinistro, a quantia de € 11.155,00 (correspondente ao valor venal do veículo sinistrado), e não o valor de € 7.267,00 arbitrado pela d. Sentença recorrida. 5.ª Como foi considerado provado na fundamentação de facto da d. Sentença recorrida, ocorreram, no âmbito de vigência do contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, dois sinistros (um em 6 de Janeiro de 2019 e outro em 6 de Março de 2019 – cf. os pontos n.ºs 3 e 6 da fundamentação de facto da d. Sentença recorrida), sendo que ambos aqueles sinistros foram reconhecidos pela Recorrida como estando cobertos pelo supra referido contrato de seguro. Assim como foi também considerado provado, na fundamentação de facto da d. Sentença recorrida, que os danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 não chegaram a ser reparados nem o Recorrente recebeu por conta deles qualquer indemnização (cf. o ponto n.º 5 da fundamentação de facto da d. Sentença recorrida). 6.ª Mesmo se é certo que os danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 não chegaram a ser reparados em virtude de o Recorrente não ter levado a viatura sinistrada à oficina indicada na ordem de reparação, daí não decorre uma renúncia ou qualquer outra causa de extinção do direito à reparação daqueles mesmos danos, pelo que tem o Recorrente direito à reparação dos danos decorrentes de ambos os sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, ou, em alternativa, a receber uma indemnização correspondente ao valor efectivo actual das reparações daqueles mesmos danos. 7.ª Mesmo que se considerasse que a responsabilidade da seguradora Recorrida por cada sinistro se limita ao valor venal do veículo sinistrado (hipótese que, sem conceder, apenas por cautela de patrocínio se configura), daí sempre resultaria ter o Recorrente direito, para além de conservar o salvado na sua posse, a uma indemnização no valor de € 13.563,79, ou seja: € 2.408,79 (custo da reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 + € 11.155,00 (valor venal do veículo sinistrado à data do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019). 8.ª O dano de privação de uso de veículo automóvel constitui um dano patrimonial indemnizável nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483.º, 562.º e 566.º do Código Civil. 9.ª O contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida consiste de um conjunto de cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que o Recorrente se limitou a aceitar, encontrando-se sujeito ao regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG). Sendo que, ex vi das disposições conjugadas dos artigos 12.º e 15.º do RJCCG, são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e são nulas as cláusulas contratuais gerais proibidas por aquele diploma, nulidade essa que é invocável nos termos gerais (art. 24.º do RJCCG), ou seja, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286.º do CC). 10.ª Sendo que, ex vi do disposto na alínea b) do art. 18.º do supra citado Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que «Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros». 11.ª O dano de privação de uso de veículo automóvel que o Recorrente vem sofrendo tem como causa o sinistro sub judice, ou seja, um facto com natureza manifestamente extracontratual. Por conseguinte, subsumindo-se aquele dano à previsão da alínea b) do art. 18.º do RJCCG, são nulas todas e quaisquer cláusulas do contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida por meio das quais se afaste a responsabilidade desta pela indemnização do dano de privação de uso de veículo automóvel (v.g. o art. 1.º da cláusula 1.8 daquele contrato), nulidade essa que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos. 12.ª Todavia, ainda que se entendesse não ser nula a limitação de responsabilidade inserida no art. 1.º da cláusula 1.8 do contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida (hipótese que, sem conceder, apenas por cautela de patrocínio se configura), tal cláusula apenas poderia ter eficácia numa fase pré-judicial da composição do litígio, até porque aquela cláusula importa uma derrogação dos princípios vertidos nos artigos 483.º, 562.º e 566.º do CC. Por conseguinte, em fase judicial, os danos sofridos pelo Recorrente são, todos eles e sem qualquer excepção, indemnizáveis segundo o critério previsto nos artigos 562.º e 566.º do CPC, ou seja, a restituição natural da situação existente antes da ocorrência dos sinistros de 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019. 13.ª Como se afirma no Acórdão do TRC de 23.11.2021, proferido no processo n.º 2319/18.5T8ACB.C1 (in www.dgsi.pt), considera-se equitativo fixar no montante diário de € 100,00 a indemnização pelo dano de privação de uso de veículo exclusivamente alocado à actividade comercial do lesado. A fortiori, não poderá deixar de considerar-se equitativa a fixação, no montante diário de € 50,00, da indemnização pela privação de uso de veículo que o lesado utilizava tanto na sua vida pessoal como no exercício da sua profissão, como sucede com a viatura do ora Recorrente (cf. o ponto 10 da fundamentação de facto da d. Sentença recorrida). 14.ª Mesmo que se entenda que a atribuição ao Recorrente, pela privação do uso da sua viatura em virtude do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019, de uma indemnização no montante diário de € 50,00 não pode decorrer da previsão contratual das condições particulares do contrato de seguro sub judice (v.g. por não se considerar nula a limitação de responsabilidade prevista no art. 1.º da cláusula 1.8 daquele mesmo contrato), o arbitramento ao Recorrente de uma indemnização no montante diário de € 50,00 pela privação do uso da sua viatura em virtude do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019 sempre decorrerá da aplicação do critério da equidade, ex vi do disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC. Indemnização aquela que, por outro lado, não pode estar sujeita aos limites previstos no art. 3.º da cláusula 1.8 do contrato de seguro sub judice, já que, se o Recorrente continua, na presente data, privado da utilização da viatura segurada pela Recorrida, tal privação de uso tem como causa única e exclusiva o incumprimento culposo, pela mesma Recorrida, da obrigação de indemnização decorrente do contrato de seguro sub judice e das normas dos artigos 483.º, 562.º e 566.º do CC. 15.ª Assim, a d. Sentença recorrida enferma de violação da norma do n.º 3 do art. 41.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto, já que o Capítulo III do Título II daquele diploma, incluindo o seu art. 41.º, apenas é aplicável à fase do procedimento pré judicial de regularização do sinistro automóvel, que se consubstancia na apresentação, ao lesado, de Proposta Razoável de indemnização pela empresa de seguros. 16.ª A d. Sentença recorrida enferma também de violação das normas dos artigos 483.º, 562.º e 566.º do CC, já que, segundo aquela que é a correcta interpretação e conjugação daquelas normas, tem o Recorrente direito à reparação efectiva dos danos decorrentes dos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, tanto mais que, na sua contestação, não alegou a Recorrida, e muito menos provou, que a reconstituição natural da situação em que o Recorrente se encontrava antes da ocorrência daqueles sinistros seja excessivamente onerosa. 17.ª Por outro lado, atendendo ao tempo já decorrido desde a elaboração dos orçamentos referentes aos sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, afigura-se que, em virtude da inflacção entretanto verificada, os valores daqueles orçamentos já se encontram desactualizados, pelo que, por apenas à Recorrida ser imputável, a título de culpa, a recusa da efectivação das reparações previstas naqueles orçamentos, está esta obrigada, ex vi do disposto no art. 798.º do CC, a efectuar as reparações dos danos decorrentes daqueles sinistros, independentemente do seu custo. 18.ª A d. Sentença recorrida enferma ainda de violação das normas dos artigos 12.º, 15.º, 18.º, alínea b) e 21, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, já que, nos termos daquela que é a correcta interpretação e conjugação daquelas normas, é nula a limitação de responsabilidade prevista no art. 1.º da cláusula 1.8. do contrato de seguro sub judice”. Em conformidade, pugna o Apelante pela revogação da sentença recorrida, nos termos expostos, devendo ser prolatado Acórdão que julgue totalmente procedentes os pedidos deduzidos. 7–A Apelada/Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem integralmente): “1.–Vem o Autor interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo a 8 de dezembro de 2022, sustentando, em suma, que o Mmo. Julgador a quo errou ao aplicar o Direito quanto ao caso em apreço. 2.–Neste sentido, o A. requer a revisão do entendimento pelo Tribunal ad quem entendendo ser de considerar a quantia indemnizatória nunca inferior a 14.128,24€ ao invés do valor de 7.267,00 €. 3.–No dia 6 Janeiro de 2019 ocorreu o primeiro sinistro, relativamente ao qual a Recorrida assumiu a responsabilidade e autorizou a reparação do veículo em causa. 4.–Contudo, o Recorrente não procedeu à reparação e continuou a circular com a viatura, tendo percorrido mais 5.000 km. 5.–No dia 6 de Março de 2019 ocorreu um segundo sinistro. 6.–O orçamento demonstrou que o valor necessário para a reparação dos danos peritados após o segundo sinistro, sem desmontagem, seria de 11.628,24€, valor este que poderia ser aumentado aquando da desmontagem da viatura, pois alguns danos apenas são percetíveis aquando da desmontagem dos veículos. 7.–Deste modo, demonstrou-se que o valor das reparações seria muito mais elevado do que o valor venal, pelo que, se verificou uma situação de perda total, podendo o Recorrente manter o salvado na sua posse e a Recorrida apenas pagar a diferença: 7.267,00€. 8.–Por último, também não é contratualmente devido qualquer valor de privação de uso neste caso. 9.–Esta interpretação resulta da conjugação do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, dos artigos 562º e 566º CC, bem como da cláusula 5.2. e da cláusula 1.8 – artigo 1º do contrato de seguro titulado pela apólice. 10.–Com o pagamento do valor venal deduzido o valor do salvado será reconstituída a situação em que o Recorrente se encontrava caso os sinistros não tivesse ocorrido. 11.–Face ao exposto, salvo o devido respeito, o recurso não poderá proceder por falta de fundamento dos argumentos apresentados, não se vislumbrando que a douta sentença recorrida tenha violado as disposições legais invocadas, pois operou a justa subsunção do Direito aplicável à matéria de facto provada”. Conclui, no sentido da confirmação da sentença recorrida. 8–O recurso foi admitido por despacho de 27/03/2023, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 9–Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: 1.–aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA. Nesta apreciação, urge, fundamentalmente, conhecer acerca do seguinte: I)–Da inaplicabilidade do ressarcimento dos danos sofridos por aplicação da indemnização prevista no nº. 3, do artº. 41º, do DL nº. 291/2007, de 21/08, antes o devendo ser por meio da reparação da viatura sinistrada, através da reconstituição da situação natural existente antes do sinistro (os artigos 562º e 566º, do Cód. Civil) – Conclusões 1ª a 3ª; II)–Do direito à indemnização pelos danos resultantes de ambos os sinistros – Conclusões 4ª a 7ª; III)–Do direito à indemnização pelo dano de privação de uso de veículo automóvel: 1)-O dano de privação de uso de veículo automóvel como um dano patrimonial indemnizável – Conclusão 8ª; 2)-Da nulidade das cláusulas contratuais que limitem ou excluam o direito à indemnização pelo dano de privação de uso de veículo automóvel (os artigos 12º, 15º, 18º, alín. b) e 21º, alín. a), todos do DL nº. 446/85, de 25/10) – Conclusões 9ª a 11ª e 18º ; 3)-Ainda que assim não se entendesse, a limitação de responsabilidade inscrita no artº. 1º da cláusula 1.8 do contrato de seguro apenas teria eficácia numa fase pré-judicial da composição do litígio (em virtude de derrogar os princípios contidos nos artºs. 483º, 562º e 566º, todos do Cód. Civil) – Conclusão 12ª ; 4)-Do critério de fixação da indemnização pelo dano de privação de uso de veículo automóvel - – Conclusões 13ª a 17ª. ** III–FUNDAMENTAÇÃO A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte: 1.–Em 26 de Janeiro de 2013, o Autor e a Ré acordaram, por escrito, titulado pela apólice n.º 2......35, a transferência dos riscos emergentes da circulação do veículo automóvel de marca Ford, modelo S-Max, com a matrícula …………… (primeira matrícula de 2011), pertencente ao Autor, mais acordando na cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento, incêndio, raio ou explosão, furto ou roubo, cataclismos naturais, queda de aeronaves) a partir de 28 de Janeiro até 31 de Dezembro de 2013, anualmente renovável, mediante a entrega do prémio anual de 655,65 €. 2.–Do aludido acordo constam, entre outras, as seguintes cláusulas: Coberturas Contratadas – Pacote 6 – DP Mais sem Franquia Privação de Uso 50,00 € Danos Próprios Choque, Colisão e Capotamento (…) Parte I - Condições Particulares (…) 1.8.- Privação de uso por sinistro Artigo 1.º Garantias O valor diário contratado será pago ao segurado após reparação do veículo seguro, não havendo lugar a qualquer pagamento ao abrigo desta cobertura em caso de Perda Total. Artigo 2.º Indemnizações A indemnização total a liquidar é a que resultar do produto da indemnização diária pelo número de dias de efectiva privação de uso, contados após o início da reparação, o desaparecimento do veículo ou a data do acidente, no caso de o veículo ficar impedido de circular. 2.5.- Cláusula dos Salvados Declara-se que em caso de sinistro de que resultem danos na viatura segura, se o valor da respectiva reparação for superior à diferença entre o valor da própria viatura e dos salvados, a Seguradora, efectuará o pagamento da indemnização sem que fique na posse dos salvados, liquidando, nesse caso, essa diferença, ou seja o valor do automóvel à data do acidente, deduzido do valor dos salvados. 5.- Danos no Veículo Seguro Garantia do Valor de Substituição em Novo: A ………… poderá garantir em caso de Perda Total, o valor de substituição em novo do veículo no dia do sinistro, incluindo os custos do respectivo registo, com mera dedução da franquia fixada nas Condições Particulares, se este ocorrer durante os primeiros 2 anos, contados a partir da sua primeira matrícula. 5.2.- Cálculo do Valor da Indemnização em Caso de Perda Total Garantia do Valor de Substituição em Novo: A …………. poderá garantir em caso de Perda Total, o valor de substituição em novo do veículo no dia do sinistro, incluindo os custos do respectivo registo, com mera dedução da franquia fixada nas Condições Particulares, se este ocorrer durante os primeiros 2 anos, contados a partir da sua primeira matrícula. Valor Venal: A ……….. indemnizará em caso de Perda Total do veículo, pelo Capital Seguro no início de cada anuidade, independentemente da data em que aquele ocorra. A este valor será deduzida a Franquia contratualmente aplicável e, se for caso, o valor do salvado. 5.3.- Informação Contratual A ……….. informará o Segurado com, pelo menos, 30 dias de antecedência, em relação ao vencimento anual de cada Apólice, do valor a considerar para efeitos de indemnização em caso de Perda Total, para o próximo período contratual. 6.3.- Considera-se perda total a perda económica ou efectiva do veículo seguro: - Perda Total Económica: A danificação total e efectiva do veículo seguro em consequência de risco coberto e em condições tais que o custo da sua reparação, ainda que tecnicamente viável, deduzido do valor dos salvados seja superior ao capital seguro do veículo antes do acidente. 3.–Em 6 de Janeiro de 2019, ocorreu um sinistro do qual resultarem prejuízos na parte traseira do aludido veículo na zona central e esquerda. 4.–Em 11 de Janeiro de 2019, a Ré procedeu à realização de peritagem, na oficina Auto E.... C....., tendo apurado que o aludido veículo tinha 250.410 Km e que o custo da reparação sido orçamentada em 2.408,79 €, acrescida de IVA. 5.–A Ré autorizou a reparação, contudo o Autor não acedeu à reparação e continuou a circular com o veículo, tendo percorrido mais cerca de 5.000 km. 6.–Em 6 de Março de 2019, o veículo sofreu um novo acidente, no qual resultaram prejuízos na parte frontal (pára-choques, faróis, suporte fechadura, travessa de pára-choques, guarnição guarda-lamas, friso guarda lamas, revestimento cava da roda frente esquerda e direita, abas capot, dobradiça esquerda e direita capot, pintura, chapa e mecânica, airbag joelho, radiador e componentes), tendo este ficado impossibilitado de circular. 7.–O Autor participou o respectivo sinistro à Ré e esta reconheceu que o mesmo se encontrava coberto no âmbito do acordo aludido no ponto 1. 8.–A Ré procedeu à realização de peritagem, tendo apurado que o veículo tinha 255.445 Km à data do sinistro e que a estimativa da reparação sem desmontagem ascendia a 11.628,24 €. 9.–A Ré comunicou ao Autor de que se verificava a perda total do veículo, tendo-lhe proposto a entrega do montante de 7.267,00 €, conservando o Autor o salvado, o que o Autor recusou. 10.–O Autor usava o indicado veículo no seu dia a dia, na sua vida pessoal e profissional. 11.–O valor do capital seguro durante o semestre de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2019 era de 11.155,00 €, circunstância, esta, que foi comunicada por parte da Ré ao Autor, por missiva datada de 21 de Novembro de 2018. 12.–O valor venal do veículo, à data do sinistro [6 de Março de 2019] era de 11.155,00 € e a proposta mais elevada para a aquisição do salvado foi de 3.888,00 €. ** B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I)–DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS A sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos: - inexiste controvérsia, fáctica e jurídica, quanto: 1)-À celebração de um contrato de seguro automóvel ; 2)-Ao reconhecimento da responsabilidade por parte da Ré no âmbito dos sinistros em apreço, em ordem e função das coberturas facultativas acordadas ; - está em causa as coberturas e capitais assumidos pela Ré, normativamente facultativas, no que concerne aos danos próprios decorrente do uso do veículo ; - importa considerar o prescrito no DL nº. 214/97, de 16/08, nomeadamente: a.-O artº. 2º (alteração automática do valor seguro) ; b.-O artº. 4º (tabela de desvalorização para determinação do valor da indemnização em caso de perda total) ; o que reconduz à ideia de:
– Valor do veículo seguro ; – Valor da reparação ; – Valor do respectivo salvado, estamos perante uma situação de perda total económica (cláusula 6.3) ; - ou seja, ainda que a reparação seja tecnicamente viável, o valor desta é superior ao capital seguro do veículo antes da ocorrência do sinistro ; - o que implica a improcedência do pedido formulado em a), pois a pretendida reparação excede o risco coberto por parte da seguradora ; - por outro lado, atento o convencionado entre as partes – cláusula 1.8, artigo 1º -, exclui-se a eventual indemnização por privação do uso, correspondente ao petitório formulado sob a alínea b) ; - efectivamente, no âmbito das coberturas facultativas acordadas, exclui-se expressamente qualquer pagamento referente á privação do uso no caso de perda total ; - relativamente aos pedidos subsidiários, deve ser julgado improcedente o enunciado sob a alínea a), pois, inexiste qualquer convenção entre as partes que implique o fornecimento, por parte da Ré ao Autor, de um veículo com as características e antiguidade que o veículo segurado tinha à data do sinistro (06/03/2019) ; - nem é acionável a cláusula 5.2., pois não se logrou demonstrar que os sinistros em causa ocorreram durante os primeiros dois anos contados da primeira matrícula do veículo ; - no que concerne ao petitório sob a alínea b) subsidiária, atenta a aludida perda total e o convencionado entre as partes (a cláusula 5.2.), a obrigação assumida pela seguradora é reconduzível ao pagamento do risco coberto e verificado ; - ou seja, ao pagamento do montante de 7.267,00 €, corresponde, por mero cálculo aritmético, ao valor segurado (11.155,00 €), com dedução do valor do salvado (3.888,00 €) ; - relativamente ao 1º sinistro, a Ré não só assumiu a responsabilidade, como ainda autorizou a reparação, ao que o Autor não acedeu ; - pelo que, tendo ainda por referência o artº. 570º, do Cód. Civil, e considerando que o sinistro de 06/03/2019 reconduziu à perda total do veículo seguro, inexiste fundamento normativo para uma análise atomística de cada um dos sinistros ; - ou seja, para que o valor da indemnização do sinistro ocorrido em Janeiro de 2019 deva necessariamente acrescer à obrigação de pagamento fixada ; - pois esta, corresponde e reporta-se ao valor integral segurado assumido no período semestral em apreço ; - ou seja, a perda total, e correlativa indemnização, enquanto significante do valor total segurado, no semestre em apreço, engloba o custo da reparação do primeiro sinistro. - Da inaplicabilidade do ressarcimento dos danos sofridos por aplicação da indemnização prevista no nº. 3, do artº. 41º, do DL nº. 291/2007, de 21/08 Referencia o Recorrente entender a sentença recorrida não ser devido o pagamento do custo total da reparação da sua viatura “em virtude de se verificar a situação de perda total prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto”. Todavia, aduz, a mesma sentença não toma na devida conta o facto da situação de perda total prevista naquele normativo “apenas ser atendível como limite à reconstituição da situação natural na fase pré-judicial”, pois, acrescenta, transitado o litígio para a fase judicial, “a reconstituição natural do statu quo ante apenas pode ser recusada se for excessivamente onerosa para o devedor, impendendo sobre este o ónus da prova daquela onerosidade excessiva”. Assim, consigna, tal excessiva onerosidade não foi invocada pela Ré na contestação, pois limitou-se a “alegar que o custo da reparação é superior ao valor venal da viatura sinistrada (cf. o art. 15.º da Contestação)”, sendo certo que a diferença entre o “custo da reparação da viatura do Requerente e o valor venal daquela mesma viatura à data do sinistro sub judice era de € 473,00, pelo que, manifestamente, o custo da reparação orçamentado no Doc. 3 junto à petição inicial não era excessivamente oneroso em função do valor venal do veículo”. Conclui, assim, que contrariamente ao entendido na sentença sob recurso, o ressarcimento do Recorrente pelos danos sofridos “não deve ser feito por meio da indemnização prevista no n.º 3 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, mas antes por meio da reparação da viatura sinistrada, reconstituindo-se a situação natural que existia antes do sinistro”. Na resposta apresentada, a Apelada alude à falta de razão do Recorrente, referenciando que é pela conjugação daquelas disposições legais que, em caso do valor da reparação ser superior ao valor venal da viatura, “deve ser este último compensado, uma vez que, desta forma, fica o Recorrente em situação igual àquela que estaria se não tivesse ocorrido o sinistro (uma vez que fica reembolsado do valor do veículo à data do acidente)”. Acrescenta, ainda, que o pagamento do valor venal menos o valor do salvado reconduz-se “ao pagamento do risco coberto e verificado, convencionado entre as Partes (cláusula 5.2. da apólice”. Pelo que, atendendo ao valor do salvado, a ficar na posse do segurado, o valor a pagar pela Ré será “o valor venal do veículo deduzido o valor do salvado, o que totaliza o montante de 7.267,00 €, bastante inferior ao valor estimado das 2 reparações: 14.128,24 €”. Analisemos. Em primeiro lugar e ad limine, não corresponde à verdade que a sentença sob sindicância tenha determinado o montante indemnizatório fixado com base no mecanismo indemnizatório previsto no nº. 3, do artº. 41º, do DL nº. 291/2007, de 21/08. Aliás, tal diploma em nenhum momento é referenciado na decisão prolatada. O DL nº. 291/2007, de 21/08, aprova o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis – cf., o artº. 1º. Conforme se extrai claramente deste diploma, estamos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, enunciando-se no preâmbulo do diploma, para além do mais, que o “vector do aumento da protecção dos lesados de acidentes de viação assegurada pelo sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, adiante designado por sistema SORCA, enforma diversas matérias ao nível de ambos os pilares do sistema (o pilar-seguro obrigatório e o pilar-FGA). Nesta sede releva especialmente a actualização dos capitais mínimos do seguro obrigatório, através de um processo faseado que, atenta a realidade nacional, se pretendeu suave e progressivo, quer seja por um período de transição de cinco anos, quer pelos limites máximos de capital por sinistro”. Assim, o capítulo I estatui acerca do âmbito do seguro obrigatório, o II do contrato de seguro e da prova, o III a propósito da regularização dos sinistros e o IV prevê acerca da garantia da reparação de danos na falta de seguro obrigatório. É no âmbito daquele capítulo III - da regularização dos sinistros – que prescreve o referenciado artº. 41º, nºs. 1, alín. c), 2 e 3, sob a epígrafe perda total, que: “1–Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: (…) c)- Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 2–O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. 3–O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”. Ora, reiteramos, tal normativo e diploma nunca foram mencionados, nem directa nem indirectamente, na sentença recorrida como tendo fundado o ressarcimento indemnizatório fundado. O que, aliás, bem se compreende, pois, conforme resulta de forma concludente do artº. 92º, do mesmo diploma, sob a epígrafe danos próprios, “o regime previsto nos artigos 32.º, 33.º, 35.º a 40.º, 43.º a 46.º e 86.º a 89.º aplica-se aos contratos de seguro automóvel que incluam coberturas facultativas relativas aos danos próprios sofridos pelos veículos seguros, desde que os sinistros tenham ocorrido em virtude de choque, colisão ou capotamento”. O que determina, claramente, a exclusão do artº. 41º dessa aplicabilidade, a qual se limita parcialmente a alguns mecanismos de regularização dos sinistros e à garantia do regime de regularização de sinistros. Ora, e este é o principal equívoco em que o Autor Apelante funda a sua pretensão recursória, ao não atentar devidamente que, in casu, a controvérsia opera não no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mas antes no que concerne à cobertura facultativa de danos próprios, assente fundamentalmente na liberdade contratual de segurado e seguradora. Assim, estando-se no âmbito de cobertura facultativa relativa aos danos próprios sofridos pelo veículo pertença do Autor, urge antes ponderar o regime legal prescrito no DL nº. 214/97, de 16/08, citado na sentença apelada, que veio instituir regras com a finalidade de assegurar uma maior transparência em matéria de sobresseguro nos facultativos contratos de seguro automóvel. Tal diploma, veio, ainda, estabelecer a imposição das empresas seguradoras elaborarem tabelas de desvalorizações periódicas automáticas, para determinação do valor da indemnização devida, mediante normas emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de forma a evitar, conforme se referencia no preâmbulo, a “manutenção do valor seguro, e correspondente reflexo no prémio devido, por falta de iniciativa do segurado no sentido da respectiva actualização, quando é certo que a indemnização a suportar pela seguradora em caso de sinistro tem em conta a desvalorização comercial entretanto sofrida pelo veículo”. Acerca do âmbito de aplicabilidade, estatui o artº. 1º de tal diploma que “o presente diploma institui regras destinadas a assegurar uma maior transparência nos contratos de seguro automóvel que incluam coberturas facultativas relativas aos danos próprios sofridos pelos veículos seguros”, acrescentando o artº. 2º, a propósito alteração automática, que “o valor seguro dos veículos deverá ser automaticamente alterado de acordo com a tabela referida no artigo 4.º, sendo o respectivo prémio ajustado à desvalorização do valor seguro”. O artº. 4º prevê acerca da tabela de desvalorização, aduzindo o artº. 5º, a propósito da estipulação por acordo, que “o disposto nos artigos 2.º e 3.º não impede as partes contratantes de estipularem, por acordo expresso em sede de cláusulas particulares, qualquer outro valor segurável”. Por fim, o artº. 8º estatui a propósito dos deveres de informação contratual, consignando o artº. 10º, no que concerne aos danos parciais, que “a reparação por danos parciais a suportar pelas empresas de seguros deverá ser efectuada com peças novas, até ao limite da indemnização prevista para o caso de perda total”. Assim, no que concerne á vertente do contrato de seguro cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento, incêndio, raio ou explosão, furto ou roubo, cataclismos naturais, queda de aeronaves), outorgado a partir de 28/01 e até 31/12/2013, anualmente renovável, vigora o princípio da liberdade contratual das partes – o artº. 405º, nº. 1, do Cód. Civil -, ainda que condicionado ou balizado pelo prescrito no diploma enunciado. Pelo que, era de acordo com o contratualizado – cf., o ponto 2. provado - que se operava o valor indemnizatório a atribuir, e não propriamente de acordo com as regras gerais invocadas. Ou seja, e conforme se sumariou no Acórdão do STJ de 03/05/2023 – Relator: António Barateiro Martins, Processo nº. 4280/21.0T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt –, “face ao que decorre do DL 214/97 – ou seja, no âmbito dos seguros que confiram coberturas facultativas a danos próprios de veículos automóveis – não é deixada à autonomia privada do tomador do seguro a indicação do valor ou capital que pretende seja considerado seguro, cabendo, isso sim, ao tomador de seguro fornecer ao segurador os elementos que permitam a este a determinação do valor da indemnização em caso de perda total e do capital seguro, tendo em conta as tabelas de desvalorização a que se refere o DL 214/97”. Tal como se referenciou na sentença, ao fazer-se constar que: “Resultou provado que, convencionalmente, o valor venal se reportava ao valor do veículo seguro, sendo que, no semestre em apreço – 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2019 -, o mesmo era de 11.155,00 € (ponto 11 da matéria de facto), valor, este, que foi comunicado previamente à renovação e pagamento do prémio por parte do Autor. Correlativamente, resultou provado que o valor da reparação, sem desmontagem, ascendia a 11.628,24 € e o valor do respectivo salvado a 3.888,00 € (ponto 12 de matéria de facto). Ante tal circunstância, talqualmente defendido por parte da Ré, estamos perante uma situação de perda total económica (cláusula 6.3.), ou seja, ainda que tecnicamente viável a reparação, o valor desta apresenta-se superior ao capital seguro do veículo antes da ocorrência do sinistro. Tal circunstância implica lógica, necessária e normativamente a improcedência do pedido formulado em a), porquanto a pretendida reparação excede o risco coberto por parte da Seguradora”. Ou seja, o ressarcimento ajuizado na sentença sob apelo mostra-se concordante com o contratualizado entre o Autor segurado e a Ré seguradora, no âmbito da sua liberdade contratual, nomeadamente no que concerne às Condições Particulares convencionadas, quer no que concerne ao Cálculo do Valor da Indemnização em Caso de Perda Total, ao Valor Venale ao preenchimento do conceito de Perda Total Económica. Efectivamente, nada surge convencionado no sentido de, perante a ocorrência fáctica ajuizada, tenha a Ré seguradora o dever de proceder à reparação da viatura sinistrada através da reconstituição da situação existente antes do sinistro, antes se prevendo um dever de indemnização, de acordo com parâmetros avaliativos ponderáveis, tendo por subjacente o preenchimento dos conceitos enunciados. Com efeito, nada surge convencionado em sentido contrário, salvo se tal perda total do veículo seguro tivesse ocorrido “durante os primeiros 2 anos, contados a partir da sua primeira matrícula” – cláusula 5.2. -, situação em que prevê poder garantir a seguradora “o valor de substituição em novo do veículo no dia do sinistro, incluindo os custos do respectivo registo, com mera dedução da franquia fixa- da nas Condições Particulares, se este ocorrer durante os primeiros 2 anos, contados a partir da sua primeira matrícula”. O que não tem correspondência ou aplicabilidade in casu. Donde, sem ulteriores delongas, no que concerne à presente vertente recursória, não pode deixar de formular-se juízo de improcedência. - Do direito à indemnização pelos danos resultantes de ambos os sinistros. Referencia o Recorrente que mesmo que se considerasse que a responsabilidade da Ré por cada sinistro limita-se “ao valor venal do veículo sinistrado (hipótese que, sem conceder, apenas por cautela de patrocínio se configura), daí sempre resultaria ter o Recorrente direito, para além de conservar o salvado na sua posse, a uma indemnização no valor de € 13.563,79, ou seja: € 2.408,79 (custo da reparação dos danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 + € 11.155,00 (valor venal do veículo sinistrado à data do sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019)”, e não ao valor de 7.267,00 € arbitrado na sentença. Efectivamente, tendo ocorrido dois sinistros no âmbito da vigência do contrato de seguro outorgado – em 06/01/2019 e 06/03/2019 -, ambos reconhecidos pela seguradora como cobertos pelo outorgado contrato de seguro, “os danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 não chegaram a ser reparados nem o Recorrente recebeu por conta deles qualquer indemnização”. Acrescenta que “se é certo que os danos resultantes do sinistro ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 não chegaram a ser reparados em virtude de o Recorrente não ter levado a viatura sinistrada à oficina indicada na ordem de reparação, daí não decorre uma renúncia ou qualquer outra causa de extinção do direito à reparação daqueles mesmos danos, pelo que tem o Recorrente direito à reparação dos danos decorrentes de ambos os sinistros ocorridos em 6 de Janeiro de 2019 e 6 de Março de 2019, ou, em alternativa, a receber uma indemnização correspondente ao valor efectivo actual das reparações daqueles mesmos danos”. Na resposta apresentada, referencia a Apelada que a solução encontrada na sentença recorrida, em conformidade com a matéria de facto provada, traduzida na atribuição da quantia de 7.267,00 € como valor venal da viatura, à data do acidente, deduzido o valor do salvado, “é a solução justa e equitativa”. Com efeito, de acordo com a factualidade provada, na sequência do primeiro sinistro, ocorrido em 06/01/2019, a Apelada “assumiu a responsabilidade e autorizou a reparação da viatura, à qual o Recorrente não acedeu na altura, por iniciativa exclusivamente sua”, antes tendo continuado a circular com o veículo por mais 5.000 km, até ocorrer o segundo sinistro. Assim, entende ter feito tudo o que estava ao seu alcance, sendo que a “tomada de decisão de não reparação da viatura foi por conta e exclusiva do Recorrente”. Na decisão sob apelo, neste segmento, consignou-se o seguinte: “Resta tão só a apreciação do pedido subsidiário formulado sob a alínea b): Hic et nunc, ante a supra aludida perda total e o convencionado entre as Partes (cláusula 5.2., [a Ré] indemnizará em caso de Perda Total do veículo, pelo Capital Seguro no início de cada anuidade, independentemente da data em que aquele ocorra. A este valor será deduzida a Franquia contratualmente aplicável e, se for caso, o valor do salvado), verifica-se que a obrigação assumida por parte da Seguradora, por referência, além do mais, aos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, é reconduzível ao pagamento do risco coberto e verificado, ou seja, ao pagamento do montante de 7.267,00 € correspondente, por mero cálculo aritmético, ao valor segurado (11.155,00 €) com dedução do valor do salvado apurado (3.888,00 €). Aqui, refira-se, quanto ao primeiro sinistro, que a Ré não só assumiu a respectiva responsabilidade, mas outrossim autorizou a reparação, ao que o Autor não acedeu. Nessa exacta medida, por referência, além do mais, ao artigo 570.º do Código Civil, e considerando que o sinistro ocorrido em 6 de Março de 2019 se reconduziu a perda total do veículo seguro, considera-se inexistir razão suficiente ou normativa para uma análise atomística de cada um dos sinistros, ou seja, para o valor da indemnização do sinistro ocorrido em Janeiro de 2019 acrescer à obrigação de pagamento supra aludida, que se reporta, repita-se, ao valor integral segurado assumido no período semestral em apreço. De outro modo, mobilizando-se uma ideia comezinha: a perda total e correlativa indemnização, enquanto significante do valor total segurado, no semestre em apreço, engloba o custo da reparação do primeiro sinistro”. Ora, atenta a factualidade dada como provada, quer no que concerne ao âmbito da cobertura facultativa por danos próprios acordada – factos 1. e 2. -, quer no que concerne à perda total económica sofrida pelo veículo seguro – factos 2., 8., 11. e 12. -, quer, ainda, ao comportamento do segurado Autor após a ocorrência do primeiro embate e autorização concedida pela Ré para a reparação do veículo – factos 3. a 5. -, entendemos que a solução não pode ser outra. Na realidade, tal como enunciado na sentença apelada, incorrendo a seguradora em responsabilidade indemnizatória, na situação de perda total do veículo, pelo valor do capital seguro no início de cada anuidade, e originando o segundo dos sinistros tal situação de perda total económica do veículo seguro, inexiste sequer razão para um tratamento separado dos dois sinistros mediados por tão curto espaço de tempo. Efectivamente, correspondendo a obrigação da Ré seguradora ao pagamento do risco coberto e verificado decorrente daquela perda total, que esgotou o valor total segurado naquele período, injustifica-se qualquer solução que implique um aditar do valor correspondente, por adição, ao custo efectivo da reparação dos danos decorrentes de ambos os sinistros, tal como reivindica o Autor Apelante na alínea b) do seu pedido subsidiário. Solução que, conforme vimos, sempre resultaria prejudicada por notório excesso do risco coberto e verificado, correspondente ao valor integral segurado para o período em equação. Ademais, não pode igualmente olvidar-se o comportamento do Autor após o primeiro embate, apenas a si imputável, ao não aceder à reparação, sem que qualquer razão justificativa tenha sido apurada, mas antes tendo continuado a circular com o veículo, durante mais 5.000 km, até vir a ocorrer o segundo embate. Comportamento que, livremente assumido, não o legitima, no contexto fáctico posteriormente ocorrido, a reivindicar, com pertinência normativa, um acrescer dos montantes ressarcitórios indicados. Donde, de forma evidente, improcedem, igualmente neste segmento, as conclusões recursórias. - Do direito à indemnização pelo dano de privação de uso de veículo automóvel No prosseguimento do seu excurso recursório, sustenta, ainda, o Apelante constituir o dano de privação de uso de veículo automóvel um dano patrimonial indemnizável, nos termos dos artigos 483º. 562º e 566º, todos do Cód. Civil. Referencia, ainda, que o contrato de seguro celebrado com a Ré “consiste de um conjunto de cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que o Recorrente se limitou a aceitar, encontrando-se sujeito ao regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG)”, e que, “ex vi das disposições conjugadas dos artigos 12.º e 15.º do RJCCG, são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e são nulas as cláusulas contratuais gerais proibidas por aquele diploma, nulidade essa que é invocável nos termos gerais (art. 24.º do RJCCG), ou seja, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286.º do CC)”. Precisando, referencia que “ex vi do disposto na alínea b) do art. 18.º do supra citado Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que «Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros»”. E que, o dano de privação de uso de veículo automóvel que vem suportando tem como causa o sinistro em apreciação, ou seja, “um facto com natureza manifestamente extracontratual”, pelo que, “subsumindo-se aquele dano à previsão da alínea b) do art. 18.º do RJCCG, são nulas todas e quaisquer cláusulas do contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida por meio das quais se afaste a responsabilidade desta pela indemnização do dano de privação de uso de veículo automóvel (v.g. o art. 1.º da cláusula 1.8 daquele contrato), nulidade essa que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos”. Donde, considera violadas as normas dos artigos 12º, 15º, 18º, alín. b) e 21º, alín. a), todos do DL nº. 446/85, de 25/10, “já que, nos termos daquela que é a correcta interpretação e conjugação daquelas normas, é nula a limitação de responsabilidade prevista no art. 1.º da cláusula 1.8. do contrato de seguro sub judice”. Em sede contra-alegacional, a Recorrida limita-se a afirmar não ser devido contratualmente o valor da privação do uso na situação de perda total, “como está convencionado na apólice de seguro na cláusula 1.8, artigo 1º”. Acerca da presente pretensão, consignou-se na sentença apelada que: “Correlativa e identicamente, sem necessidade de maiores considerandos, ante a convenção entre as partes (cláusula 1.8, artigo 1.º), exclui-se a eventual indemnização por privação de uso, que o Autor formula sob a alínea b) do(s) pedido(s) principal (principais), porquanto no âmbito das coberturas facultativas acordadas, exclui-se expressamente que não há lugar a qualquer pagamento referente a privação de uso em caso de Perda Total. A latere, refira-se que facticamente não se vislumbra que a Ré pudesse vir a ser responsabilizada no pagamento de tal indemnização por violação de deveres acessórios de conduta ou até por violação de deveres de informação a que se encontra adstrita, que, como supra referido, foram observados [note-se, aqui, que a Ré disponibilizou o montante indemnizatório, contudo o Autor recusou-o]”. Apreciemos. O regime das Cláusulas Contratuais Gerais, previsto pelo DL nº. 446/85, de 25/10, tem o seu âmbito de aplicação definido no artº. 1º, ao prescrever que: “1- As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2- O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. 3- O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo” (sublinhado nosso). Prevendo acerca da nulidade das cláusulas contratuais gerais, e especificamente sobre cláusulas proibidas, referencia o artº. 12º que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”. Acrescenta o artº. 15º, como princípio geral das cláusulas contratuais gerais proibidas, serem “proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”, acrescentando normativo seguinte – 16º - que, na aplicação de tal normativo, “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a)- A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b)-O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”. Prevendo acerca de cláusulas absolutamente proibidas, aduz o artº. 18º, alínea b), revelarem-se com tal absolta proibição “as cláusulas contratuais gerais que: (….); b)-Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros”. Norma que, estipulada no âmbito das relações entre empresários ou entidades equiparadas, é igualmente aplicável no âmbito das relações com os consumidores finais, atento o prescrito no artº. 20º que, ao estipular o âmbito das proibições nesta tipologia de relações, aduz que “nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 17.º, aplicam-se as proibições das secções anteriores e as constantes desta secção”. Referenciemos, igualmente, ainda no âmbito das cláusulas absolutamente proibidas, o prescrito na alínea a), do artº. 21º, no sentido de serem absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que: “a)-Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante”. Por fim, no que concerne à declaração de nulidade, prescreve o artº. 24º que “as nulidades previstas neste diploma são invocáveis nos termos gerais”. Conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 [2], “os contratos de adesão são um modelo de contratação que se explica, em parte, pela contratação em massa, mas que corresponde, também, a exigências de racionalização, de segurança e de confiança dos particulares aderentes”, impondo a lei ao proponente das cláusulas contratuais gerais “um conjunto de deveres destinados a tutelar a parte presumivelmente mais débil da relação contratual, i.e., o mero aderente”. Entre tais deveres, surge com realce “o dever de comunicar (art. 5.º da LCCG) integral, prévia e adequadamente o conteúdo dessas cláusulas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las e o dever de informação relativamente a aspetos carecidos de clarificação (art. 6.º da LCCG)”, constituindo-se ambos como “uma emanação da exigência duma formação de vontade negocial isenta de vícios e do princípio da boa-fé, radicando, ultimamente, no direito dos consumidores à informação assegurado pelo art. 60.º, n.º 1, da CRP”. Por sua vez, referencia Ana Prata [3] que uma das características identificadoras das cláusulas contratuais gerais “é a pré-elaboração, destinando-se o modelo a ser usado num conjunto indefinido de contratos”. E, citando Almeno de Sá [4], referencia ser essencial a sua pré-formulação “para uma generalidade de contratos ou uma generalidade de pessoas”, implicando tal que “a proposta não seja projectada tão-só para a concreta conclusão de um contrato com um sujeito determinado, mas antes para funcionar como base de um uniforme regulamento jurídico, dirigido a diversificados parceiros negociais” [5]. Apreciando o ónus probatório inscrito no transcrito nº. 3, do artº. 1º, referencia a mesma Autora [6] que “a aplicação das regras gerais sobre ónus da prova determina que o aderente tenha de provar a natureza do contrato para que lhe seja aplicado o regime deste diploma”. Todavia, ressalva, “quando os factos levados ao conhecimento do tribunal tornam notória a qualidade de adesão do contrato ou, mesmo, quando são bastantes para presumir que ele é dessa natureza, deve o tribunal dispensar tal prova: na primeira hipótese, porque a lei o determina e, na segunda, porque na função de controlo cometida ao poder judicial creio estar compreendida a necessidade de poupar ao aderente prova muitas vezes difícil de fazer, ao menos sempre que existam (….) elementos suficientes para usar do meio de prova que são as presunções judiciais”. Exposto um primeiro e sumário enquadramento, urge, em primeiro lugar, apreciar se a questão da nulidade da cláusula contratual em equação configura-se, na presente sede recursória, como questão nova ou inovatória. Efectivamente, tal matéria nunca foi objecto de discussão em sede de 1ª instância, pois o Autor nunca a invocou, isto é, nunca factualizou o modo e forma por que considera tal cláusula proibida, que, consequentemente, não figurou como thema decidendum, reflectida no objecto do litígio ou dos fixados temas da prova. Ora, conforme consignámos noutros arestos [7], o presente Tribunal de recurso não deve ser confrontado com questões que não tenham sido apreciadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, em virtude dos recursos se configurarem, na sua delimitação objectiva, como meio de impugnação de decisões judiciais, no desiderato ou intuito da sua reapreciação, com a finalidade da sua revogação ou mera alteração – cf., artº. 635º, do Cód. de Processo Civil. Efectivamente, dispõe este normativo que: “1- Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores. 2- Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre. 3- Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. 4- Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso. 5- Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”. Refere Abrantes Geraldes [8] que a natureza do recurso, “como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas”. Com efeito, acrescenta, “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente seguimos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”. Pelo que, arquitectado assim o sistema, devem os Tribunais Superiores ser apenas confrontados “com questões que as partes discutiram nos momentos próprios”, sendo que, “quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” (sublinhado nosso). E, recorrendo a vários exemplos jurisprudenciais, aduz que “as questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição” [9]. Bem como que “os recursos destinam-se á apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso) [10]. Idêntico entendimento é perfilhado por Rui Pinto [11], ao referenciar que “o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido: tantum devolutum quantum iudicatum”, o que é apelidado de “princípio devolutivo, próprio dos recursos de reponderação”. Pelo que, caso a parte pretenda “colocar pretensões novas deve deduzir acção declarativa própria, desde que não estejam abrangidas pela exceção de caso julgado, limitação que, em princípio, não ocorrerá. De outro modo, a admissão ex novo de questões tolheria a parte contrária do direito a um segundo grau de jurisdição relativamente a elas e os novos atos de instrução atrasariam a decisão de recurso”. E, citando o Acórdão da RC de 08/11/2011 [12], acrescenta que os recursos “são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas vigorando um modelo de recurso de reponderação, i.e., de base romana, em que o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido”. Miguel Teixeira de Sousa [13] refere que “no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”. Mais recentemente, e por todos, referenciou-se no aresto do STJ de 09-03-2017 [14], que “os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas. Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre. Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas. A preclusão do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões não suscitadas perante a Relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio (v.g., nulidade de actos jurídicos; questões de inconstitucionalidade normativa; caducidade em matéria de direitos indisponíveis). Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida” (sublinhado nosso). Ora, revertendo o entendimento exposto ao caso concreto, reafirma-se decorrer claro que a questão da eventual configuração da cláusula em equação como cláusula contratual proibida, estipulada pela predisponente Ré Seguradora, ora equacionada em sede recursória, constitui uma questão nova que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo. Ou seja, tal questão não foi objecto do contraditório, não foi apreciada em termos da sua eventual ocorrência e efeitos daí decorrentes, nem foi objecto de qualquer discussão em 1ª instância. Pelo que, prima facie e logicamente, sendo função da presente Relação apreciar questões já valoradas e ajuizadas em sede de 1ª instância, na denominada função de reponderação, aquela matéria não poderia ser suscitada como fundamento recursório, conducente à sua necessária apreciação ou valoração. Todavia, o juízo parece dever ser diferenciado, estando-se perante matéria jurídica de oficioso conhecimento. Efectivamente, conforme referencia Ana Prata [15], fixando o transcrito artº. 12º o regime da nulidade, este “não abre espaço para dúvidas acerca do respectivo conhecimento oficioso pelo tribunal”, pelo que “o problema da nulidade de uma cláusula não ter sido colocado em 1ª instância não obsta a que ele seja apreciado em recurso, por se tratar de questão de conhecimento oficioso”. Acrescenta, citando aresto do TJUE – Acórdão da 4ª Secção de 04/06/2009, Pannon GSM Zrt. Contra Erzsébet Sustikné GyQrfi (processo C-243/08), in http://curia.europa.eu/ -, que “o artigo 6.°, n." I. da Directiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não vincula o consumidor e que, para o efeito, não é necessário que este impugne previamente e com sucesso essa cláusula. Com efeito, o objectivo prosseguido pelo artigo 6.° da directiva, que é reforçar a protecção dos consumidores, não poderia ser atingido se os consumidores se vissem na obrigação de suscitar eles mesmos a questão do carácter abusivo de uma cláusula contratual. Além disso, só se pode garantir uma protecção efectiva do consumidor se ao órgão jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma cláusula como essa". Donde, tendo por fonte o quadro legal inscrito no artº. 286º do Cód. Civil, ex vi do artº. 24º, da LCCG, impõe-se, nesta sede recursória, o invocado conhecimento. E. delimitando tal conhecimento, urge apurar se a cláusula contratual que figura no artigo 1º - sob a epígrafe Garantias -, do ponto 1.8. – Privação de uso por sinistro -, das Condições Particulares, nomeadamente na parte em que refere inexistir qualquer pagamento por privação de uso do veículo em caso de perda total, se configura como proibida e, como tal, nula. O que pressupõe, desde logo, e que se afigura incontroverso, por decorrer presuntivamente do quadro factual provado, estarmos perante um contrato de adesão, decorrendo a inserção de tal cláusula contratual de um quadro ausente de negociação individual, antes fazendo parte de um pacote prévio existente (Pacote 6 – cf., facto 2.), ao qual o aderente Autor se limitou a aderir ou aceitar. Todavia, antes de avançarmos em concreto para a equacionada questão, impõe-se ajuizar, como 2ª questão, acerca do invocado dano de privação do uso de veículo. Segundo princípio geral largamente aceite em termos jurisprudenciais, é “o lesante, responsável pelo acidente de viação que tem a obrigação de ressarcir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, mediante, em princípio, a restauração natural, salvo se esta não for possível, não reparar integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, o lesante, e por tudo é a este lesante que incumbe o dever de efectuar ou mandar efectuar a reparação do veículo danificado no acidente” [16]. Ora, o alegado dano da privação do uso do veículo já foi qualificado como tendo natureza moral ou não patrimonial, dispondo o n.º 1 do art.º 496º que na fixação da indemnização de tais danos deve apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A posição clássica adoptada na doutrina e na jurisprudência era a de que tais danos, consubstanciados nos incómodos decorrentes de tal privação, não tinham a gravidade exigida pela lei que justificasse a atribuição de uma indemnização [17]. Todavia, já nessa altura tal posição jurisprudencial não era uniforme defendendo, entre outros, o douto Acórdão da RC de 07/06/77 [18] “que a impossibilidade de utilização de automóvel próprio (danificado em acidente de viação) para deslocações de recreio e/ou necessárias à satisfação de necessidades quotidianas pode, por afectar o bem estar do lesado, configurar a existência de dano não patrimonial indemnizável”. Algum tempo depois, e ainda antes da mais recente orientação jurisprudencial, tal posição voltou a ser defendida pelo douto Acórdão da RE de 26/03/80 [19], aí se referindo que “é facto notório que a imobilização forçada de um veículo por acidente e durante tanto tempo, causa danos morais ao seu proprietário. Parece pertinente esta consideração, pois quem tem um carro tem-no para o desfrutar, e se por via dum acidente não o pode usar, isso causa-lhe sem dúvida um prejuízo não patrimonial tanto mais sensível quanto maior for o decurso do tempo durante o qual não pode exercitar o direito de utilizar como bem entende aquilo que é seu”. No campo doutrinário, defende Américo Marcelino [20] que “uma coisa são os incómodos ou os transtornos provenientes da privação do carro e que, em boa verdade, não têm valor suficiente para integrarem o conceito de dano moral, tal como o art.º 496º o configura. E outra coisa é o desvalor que, sem dúvida, tal privação representa. Como desvalor que é, imerecido para o possuidor do carro, representa um dano para ele”. Ajuizando acerca de tal dano, qualifica-o como “material, patrimonial, consistente na privação da faculdade de poder fruir o carro que comprou. Como o direito de propriedade compreende os direitos de uso e fruição da coisa – art.º 1305º do Código Civil – e destas faculdades ficou privado o dono do carro, afectado ficou o seu direito de propriedade do veículo, diminuído que ficou, embora parcialmente, quer em quantidade, quer em duração. Ora isto, como componente do direito de propriedade, não pode deixar de ter um preço. Saber a sua medida, maior ou menor, já será outra questão, a resolver, eventualmente, ao abrigo da equidade – art.º 566º, n.º 3, do Código Civil”. Ora, a posição que defende serem tais danos não indemnizáveis afigura-se-nos completamente ultrapassada e desactualizada. Com efeito, conforme defendido no douto Acórdão desta Relação de 04/06/98 [21], na esteira dos arestos já referenciados, “nos tempos que correm, em que a possibilidade de usar automóvel faz parte daquilo a que vulgarmente se chama de qualidade de vida, já não se pode defender em termos de razoabilidade que os incómodos derivados da privação do veículo constituem dano não tutelado pelo direito. O Direito tem destinatários concretos, integrados numa determinada realidade, e não se compadece com uma visão abstracta da vida”. Refere-se, ainda, que a privação do uso e fruição do veículo consubstancia uma restrição ao direito de propriedade, inadmissível de acordo com o mencionado no art.º 1305 do Código Civil. E, não existiria nenhum motivo para entender “que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre um automóvel, não se contém na previsão do art.º 483, nº1 do Código Civil, que estabelece um princípio geral”. Conclui, referindo que tais simples incómodos resultantes da privação do veículo são indemnizáveis, devendo tal dano ser qualificado como não patrimonial, merecedor da tutela do direito indemnizável nos termos do nº3 do artº 496. Não cremos, todavia, que a qualificação de tal dano com natureza não patrimonial seja a melhor a mais adequada solução, antes se erigindo um mais adequado e pertinente enquadramento. Assim, A.S. Abrantes Geraldes [22], em obra que seguiremos de perto, refere que “o principal obstáculo à admissão do direito de indemnização decorrente da simples privação do uso advém da sua integração na categoria do dano concreto e na sua compatibilização com a teoria da diferença como critério quantificador”, pelo que, em regra, “aquela privação comporta um prejuízo efectivo na esfera jurídica do lesado correspondente à perda temporária dos poderes de fruição”, sendo indiscutível, com base nas regras da experiência, que é a “privação do uso de um bem que não tenha sido prontamente substituído por outro com semelhantes utilidades ou que não tenha sido colmatada com a atribuição imediata de um quantitativo destinado a suprir a sua falta” que “determina na esfera do lesado uma lacuna que jamais poderá ser «naturalmente» reconstituída” [23]. Deste modo, surge como inquestionável que a privação do uso do veículo, inibindo o dono de exercer sobre o mesmo os inerentes poderes, constitui uma efectiva perda, sendo que o sistema legal, conforme já vimos, confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação. Todavia, quando esta faculdade não tenha sido utilizada, ou o responsável lesante não tenha procedido á devida substituição do veículo, então a única via de reparação ou reintegração possível do lesado é através da atribuição de um equivalente pecuniário, vulgo, através da competente indemnização. Assim, constata-se “que a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma «fatia» dos poderes inerentes ao proprietário. Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização (...). É incontornável a percepção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada” [24]. Pelo que, a situação de “desequilíbrio de natureza material correspondente á diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem”, apenas se torna ressarcível “mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo á equidade para alcançar a ajustada quantificação” [25] [26] [27]. Todavia, in casu, o contrato de seguro em equação celebrado entre Autor e Ré seguradora, relativo à cobertura facultativa de danos próprios, apesar de ter previsto o ressarcimento por privação de uso, aparentemente no valor diário indemnizatório de 50,00 €, previu como excepção da assunção de tal responsabilidade, ou cláusula excludente, a situação em que ocorra perda total do veículo, caso em que não há lugar a qualquer pagamento ao abrigo desta cobertura. Afiramos, então, acerca da natureza alegadamente proibida da enunciada cláusula contratual. Entende Ana Prata [28], acerca do princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, previsto no artº. 15º, da LCCG, que a boa-fé ali prevista é a objectiva. Citando Sousa Ribeiro – A boa fé como norma de validade, in Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, pág. 259 a 267 -, aduz, em análise ao instituto da boa-fé ali referenciado, que esta "faz a ponte entre" o que designa por "critério de valoração" e critério de intervenção, isto é, a rígida predeterminação unilateral dos termos do contrato justifica restrições à liberdade da sua conformação, de modo a que os interesses desprovidos de tutela autónoma não sejam seriamente lesados. O acatamento dessas restrições corresponde ao correcto exercitar, neste contexto, da liberdade contratual. As exigências da boa fé referem-se aqui, sem mais, ao conteúdo do contrato, e daí a fixação de limites que podem operar por si sós, à margem de quaisquer factores suplementares. O que está em causa, nesta particular valência da boa fé, é a salvaguarda de uma composição de interesses que não seja excessivamente desequilibrada. [... J O controlo do conteúdo constitui-se, assim, como um puro juízo sobre a razoabilidade dos termos contratuais, ponderando a sua repercussão nos interesses das partes. Juízo que tem um padrão de referência exclusivamente normativa, dada pela posição que caberia ao aderente se a cláusula não existisse. [ ... ] Divergências para além do razoável, que importem, em benefício do predisponente, uma desvirtuação significativa do equilíbrio dos efeitos contratuais, não são admitidas. [ ... ] O controlo do conteúdo mais não é, assim, do que a verificação do modo como esse contraente respeitou, na redacção das cláusulas, o especial dever, que a boa fé lhe impõe, de considerar os interesses dos parceiros contratuais. E, para emitir esse juízo, basta atentar no teor objectivo dos termos contratuais e na forma com ele se projectam na posição do aderente. [ ... ] Não que [ ... ] factores atinentes ao comportamento relacional não relevem, nesta matéria, para efeito de aplicação da boa fé. [ ... ] É patente, nesta construção, que valoração do conteúdo do contrato, à luz dos ditames da boa fé, e identificação e qualificação de um desequilíbrio relevante são uma e a mesma operação. [ ... ] As duas referências interpenetram-se e fundem-se num único parâmetro de valoração: o desequilíbrio normativamente relevante é o que se coloca em contraste com a boa fé. [...] A materialidade da regulação jurídica, apontada como um dos vectores essenciais da boa fé, permite [ ... ]-os , na valoração da existência e na qualificação dos desequilíbrios, de uma perspectiva puramente formal, de uma contabilização mecanicista de direitos e deveres que, de cada um dos lados, se dispõem. Se seguíssemos tal perspectiva, estaria, por exemplo, vedado considerar abusivas as cláusulas bilaterais ou recíprocas, isto é, aquelas que, em abstracto, operam a favor e a cargo de ambas as partes, nos mesmos exactos termos. Mas o que conta, à luz do princípio da boa fé «para além da aparente simetria dos efeitos jurídicos» é «a efectiva incidência da cláusula nos interesses reais das partes»" (sublinhado nosso). A consagração legal deste princípio ou critério legal, explicitando-o, faz, assim, “todo o sentido, pois não seria de elementar bom senso que a lei supusesse que poderia, ainda que a título exemplificativo, prever todas as cláusulas que os operadores económicos vão introduzindo no mercado - até porque a evolução técnica e tecnológica altera a conformação (e a própria existência) dos bens e serviços prestados (…)”. A mesma Autora [29], apreciando a cláusula absolutamente proibida inscrita na alínea b), do artº. 18º (invocada pelo Apelante), entende-a como “esclarecedora de que os danos patrimoniais que se fundem em responsabilidade obrigacional, sejam pessoais sejam materiais, são sempre indemnizáveis no quadro contratual que é objecto deste diploma”, podendo aquela legal consagração ter várias justificações, entre as quais referencia “a hipótese em que, o quadro de um contrato, o predisponente afaste a sua responsabilidade perante a contraparte por danos que possa causar-lhe em domínios estranhos ao contrato”, o acolhimento do entendimento de alguns autores, “segundo o qual danos sofridos em bens do credor, em consequência do cumprimento defeituoso ou de não cumprimento de deveres secundários, só são ressarcíveis no quadro da responsabilidade extraobrigacional”, ou, ainda, que o mesmo preceito “tenha em vista contratos de seguro de responsabilidade por danos provocados a terceiros”. Relativamente á segunda cláusula absolutamente proibida invocada pelo aderente Autor – que limite ou de qualquer modo altere obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante -, estatuída na alínea a), do artº. 21º, aduz a mesma Autora [30] que apesar da falta de clareza do texto legal, supõe-se que o termo “contratação“ queira “significar o período preliminar à conclusão do negócio, pois parece não fazer sentido, seja em que contrato for, que uma convenção incluída num negócio altere obrigações dele constantes”. Assim, esta norma, tal como a seguinte, “pode constituir uma reafirmação da necessidade de o aderente ter conhecimento do conteúdo contratual que aceita no momento da conclusão do contrato”, procurando assim tais proibições assegurar “que os bens ou serviços pretendidos pelo consumidor final sejam, de facto, os que ele vai alcançar através do funcionamento do contrato” – Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, Almedina, 1986, pág. 50-51. Aqui chegados, indaga-se: como aferir acerca da reivindicada nulidade, por absolutamente proibida, da cláusula em equação ? Vejamos o entendimento jurisprudencial. Referenciou-se no douto Acórdão do STJ de 15/04/2015 – Relator: Pires da Rosa, Processo nº. 235/11.0TBFUN.C1.S1, in www.dgsi.pt -, por apelo ao entendimento de Pedro Romano Martinez - Scientia Iuridica, Tomo LV, n.º 306 – Abril-Junho, 2006, pág. 241 -, que para aferição do conteúdo do contrato de seguro “torna-se necessário, em primeiro lugar, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. Com efeito, há uma tipificação aberta das modalidades de seguros da qual se depreende uma prévia determinação do risco que se quis garantir, do risco coberto. De facto, há que distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas outras que delimitam o objecto do contrato, delimitando o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro” (sublinhado nosso). No douto Acórdão do mesmo STJ de 07/12/2016 – Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1776/11.5TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt -, apreciando a validade do âmbito das exclusões que a seguradora fez incluir num contrato de seguro de responsabilidade civil do industrial de construção civil, referenciou que o importante é aferir “se as exclusões que a seguradora fez incluir no contrato de seguro, limitando a responsabilidade por ela própria assumida de pagar as indemnizações devidas a terceiros, devem considerar-se violadoras designadamente do disposto na alínea b) do artigo 18.º Decreto-Lei n.º 446/85 em conjugação com os artigos 15.º e 16.º do mesmo diploma”. Acrescenta, citando Ana Prata, na obra a que fizemos vária referência, que o enunciado artº. 18º, no que respeita a terceiros, parece à primeira vista não assumir relevância, pois "o credor da indemnização, terceiro em relação ao contrato, parece que não pode ser afetado nesse seu direito por uma cláusula do mesmo". Todavia, logo acrescenta, por apelo à mesma Autora, que “o alcance desse preceito, no que respeita a terceiros, releva em contratos, como é o caso de contratos de seguro de responsabilidade civil, em que a seguradora assume perante a contraparte a obrigação de pagamento dos danos provocados a terceiro”. Assim, a “limitação de responsabilidade perante terceiros decorre da responsabilidade contratualmente assumida pelo segurado; com efeito, a seguradora não terá de indemnizar o terceiro dos danos que sofreu que não estejam cobertos pelo contrato de seguro”, pelo que o que importa “ponderar é se o predisponente, que assumiu perante o contratante, responsabilidade indemnizatória perante terceiros, pode introduzir limitações contratuais à responsabilização assumida com tal amplitude que afinal o risco que importava assegurar deixa de ser garantido. E é com esta perspetiva que se impõe analisar as mencionadas cláusulas do contrato, pois não podem ser introduzidas limitações, como se refere no parecer junto do Prof. Menezes Leitão, que levem a que não se atinja " o objetivo que preside à celebração de um seguro de responsabilidade civil do industrial de construção, o qual é precisamente a sua proteção em caso de danos causados a terceiros pela sua atividade de construção"”. Com efeito, enfatiza, “a boa fé deve ser ponderada em função da " confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis" (artigo 16.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85)”. Donde entender-se que “ por violação do princípio da boa fé e dever de informação constante dos artigos 5.º, 6.º 15.º e 16.º em conjugação com o artigo 18.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, devem considerar-se proibidas as referidas cláusulas de exclusão de responsabilidade que, por se reconduzirem às causas mais comuns de danos resultantes da construção, determinam que a seguradora fique, na prática, livre de assumir as responsabilidades indemnizatórias a que se obrigara perante os segurados. Dito de uma forma mais singela: a exceção não pode ter um conteúdo tão amplo que limite desproporcionadamente o âmbito da regra e, por assim ser, desrespeitam o princípio da boa fé as aludidas cláusulas exoneratórias da responsabilidade extracontratual na medida em que, pela sua amplitude, retiram praticamente utilidade ao seguro contratado, "esvaziam de conteúdo útil o objeto e finalidade do contrato". Neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 14-11-2016 (rel. Salreta Pereira), revista n.º 6A3618” (sublinhado nosso). Por sua vez, no douto aresto do mesmo STJ de 24/01/2018 – Relatora: Graça Amaral, Processo nº. 534/15.2T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt – procurou-se averiguar se uma cláusula inserta em contrato de seguro de responsabilidade civil com duas coberturas relativo a uma máquina hidráulica de perfuração, devia ou não ser considerada absolutamente proibida e, como tal, nula, nos termos da apreciada alínea b), do artº. 18º, e artº. 12º, ambos do DL nº. 446/85, de 25/10. Referenciando reportar-se aquele artº. 18º “às estipulações, que sendo exoneratórias e limitativas da responsabilidade, têm directa projecção na obrigação de indemnização”, acrescentou, na citação de António Pinto Monteiro, tratar-se de “cláusulas destinadas a excluir ou limitar a responsabilidade do autor do facto danoso (circunscrever a responsabilidade a determinados parâmetros), que de outro modo seria responsabilizado pelo não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora das obrigações a que se achava adstrito. Contudo, na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais nas apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do citado artigo 18.º, das que visam a delimitação do objecto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas. Nessa distinção importa antes de mais atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. E, assim, apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objecto do contrato. Reportando à situação dos autos, há que ter presente que na avaliação a fazer quanto à natureza proibida da cláusula de exclusão de responsabilidade sob apreciação não pode deixar de se ter em linha de conta a circunstância de a mesma estar inserida num contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a Ré Seguradora assumiu perante a Ré segurada a obrigação de pagamento dos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) causados a Terceiros pela actividade/actuação da máquina hidráulica, actividade que se traduz em trabalhos de perfuração do solo”. Assim, evidenciou-se que através da cláusula em equação, “a Ré Seguradora fez introduzir uma limitação à responsabilidade assumida com o seguro que produziria o efeito de, praticamente, esvaziar a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar, isto é, a limitação dos danos operada pela cláusula em referência impossibilita a obtenção do objectivo visado com a celebração do seguro, que se cingia, precisamente, aos danos causados a terceiros pela actividade da máquina hidráulica. E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis”, uma vez que por efeito da referida cláusula estariam excluídos da cobertura dos riscos do contrato de seguro firmado os danos decorrentes das vibrações produzidas com a actividade da máquina (em que se traduzem, afinal, as causas mais comuns dos danos produzidos com a laboração da máquina), cabe concluir que a mesma desrespeita esse princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil do objecto e finalidade do mesmo. Por conseguinte, a referida cláusula de exclusão não pode deixar de ser entendida como desproporcional, consubstanciando um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido e, nessa medida, violadora do princípio da boa-fé, que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. artigos 227.º, 239.º e 762.º, n.º2, todos do Código Civil. Consequentemente, em conjugação com o disposto nos artigos 15.º e 18.º, alíneas b), do DL 446/85, de 25-10, há que a considerar proibida e, como tal, nula (artigo 12.º, do mesmo diploma legal) (sublinhado nosso, ignorando-se as notas de rodapé). No douto Acórdão, ainda do STJ, de 16/06/2020 – Relator: Ricardo Costa, Processo nº. 6791/18.5T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt -, citando-se o antecedente aresto, e perfilhando o entendimento aí exposto, referenciou-se serem “censuradas as cláusulas que excluam a cobertura do seguro se o conteúdo for contrário à natureza da obrigação legal do seguro (v. art. 1º do RJCS), sob pena de incumprimento do dever de cobrir os riscos abrangidos pelo contrato uma vez frustrados o interesse do segurado e a teleologia do contrato de seguro. Ora, na situação sub judice, é de entender que a referida cláusula exoneratória, interpretada como fez o acórdão recorrido, introduz uma limitação de responsabilidade, é verdade, mas essa não esvazia nem compromete a garantia de protecção do risco que ao contrato cabia assegurar, uma vez que restringe de forma racional e equilibrada assim como residual a obtenção do objectivo visado com a celebração do seguro mas sem, com isso, retirar de todo a utilidade e a finalidade com que as partes o convencionaram. Assim, não se encontra razão para lhe ser aplicado o art. 18º, b), nem sequer, já agora, o art. 15º-16º (relativos à boa fé negocial), do DL 446/85” (sublinhado nosso). (Constate-se que, certamente por lapso de redacção, afigura-se-nos que o ponto III do sumário não corresponde, antes infirma, o teor do decidido no aresto). Por fim, mencionemos, ainda, o douto Acórdão do STJ de 09/07/2020 – Relatora: Graça Amaral, Processo nº. 3015/06.1TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se avaliou acerca da natureza proibida e, como tal, nula, de cláusula de contrato de seguro de responsabilidade civil, através do qual a seguradora assumiu a responsabilidade do pagamento de danos causados a terceiros, em consequência de trabalhos de construção civil. Reiterou-se, então, sumariando-se, que “na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais e Particulares nas apólices dos contratos de seguro cabe destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do art. 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10, das que visam a fixação do objecto de contrato, configurando-se estas plenamente válidas. II- Nessa distinção importa atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice e apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objecto do contrato” (sublinhado nosso). Na situação concreta, entendeu-se, relativamente à cláusula em equação – cláusula 2ª, que dispunha que «Podem ficar cobertos, mas só mediante expressa Condição Particular e pagamento de sobreprémio correspondente, os danos: ...c) emergentes de execução de escavações, demolição de edifícios e/ou estruturas e da abertura de valas; d) causados aos prédio e/ou terrenos contíguos ao local da obra e às construções, materiais e bens nele existentes» -, no sentido de que “ainda que as escavações configurem uma parte assinalável dos trabalhos a serem realizados na actividade de construção (a construção de um prédio pressupõe a abertura de fundações e, para esse efeito, terão de ser feitas escavações no terreno podendo com isso causar danos a terceiros, designadamente em prédios contíguos), o ramo da construção abarca um largo número de outras actividades passíveis de causarem danos a terceiros (podendo mesmo afirma-se que os danos decorrentes das escavações, ainda que passíveis de se configurarem de maior vulto, não serão propriamente as causas mais comuns dos danos produzidos pela actividade). Assim, a não inclusão desse risco no objecto do contrato de seguro não permite considerar que impossibilite a obtenção do objectivo visado com a celebração do seguro”. Ou seja, “numa perspectiva de ponderação da boa fé neste domínio (que deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis” - cfr. artigo 16.º, alínea a), do DL 446/85, de 25-1) não podemos concluir que a referida cláusula delimitativa do âmbito da cobertura do risco desrespeite esse princípio fulcral de lisura contratual uma vez que, como constitui entendimento pacífico no processo, estando em causa um seguro facultativo, as partes não se encontravam obrigadas a contratualizar um conjunto tipificado de coberturas, podendo livremente delimitar o âmbito de coberturas da responsabilidade transmitida, isto é, encontra-se consagrada uma grande margem de autonomia às partes para definirem em concreto quais os riscos cobertos e quais os riscos excluídos”. Com efeito, “através da celebração do contrato seguro a entidade seguradora obriga-se, mediante o pagamento de determinada quantia (prémio enquanto contrapartida da cobertura acordada) a garantir um determinado risco (situação coberta), sendo que a cobertura varia consoante o tipo de contrato de seguro e as cláusulas contidas no mesmo (que usualmente constam das condições particulares. Note-se que neste tipo de contratos a liberdade negocial do segurado circunscreve-se à delimitação das Condições Particulares pois que, querendo firmar o contrato, é obrigado a aceitar o clausulado que, nesse sentido, lhe é imposto – artigo 1.º, do DL 446/85, de 25-10). Num quadro de seguro facultativo de danos (que não colide com a natureza de seguro de responsabilidade civil em que a seguradora se obrigou a indemnizar terceiros dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados em consequência de trabalhos de construção civil) mostra-se legitimo que as partes, na sua autonomia na definição concreta dos riscos cobertos, ponderando os respectivos custos/benefícios, aceitem livremente circunscrever o âmbito do objecto do contrato deixando a possibilidade de a cobertura do mesmo ser alargada mediante um pagamento adicional ao prémio inicial. Por conseguinte, a referida cláusula 2.ª não pode ser entendida como desproporcional ou de atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido e, nessa medida, não é violadora do princípio da boa-fé” (sublinhado nosso). Exposto o entendimento doutrinário e jurisprudencial, é tempo de retirar conclusões, que se podem enunciar nos seguintes termos: - o princípio geral de boa-fé estatuído no artº. 15º, da LCCG, que macula de proibidas as cláusulas contratuais gerais que o contrariem, visa o conteúdo do contrato, procurando salvaguardar uma composição dos interesses das partes contratantes que não seja excessivamente desequilibrada e visa depurar ou garantir um juízo de razoabilidade dos termos contratuais convencionados ; - o que se revela com maior acuidade em virtude se, estando-se perante contratos de adesão, nos quais o predisponente assume uma primazia negocial decorrente da imposição de um conteúdo pré-contratualmente definido, esta rígida ou estática predeterminação unilateral justifica a existência de restrições ou limitações à liberdade de conformação contratual ; - desta forma, urge salvaguardar que a favor do predisponente sejam estabelecidas cláusulas desvirtuadoras do equilíbrio contratual, violadoras de um equilíbrio que a boa-fé, atendendo aos interesses das partes outorgantes, pretende tutelar ou acautelar ; - nessa avaliação, assume carácter essencial a aferição ou projecção dos efeitos objectivos do acordado na esfera dos interesses do aderente, de forma a evitar aquele desequilíbrio normativo, contratante com as exigências da boa-fé ; - no âmbito do contrato de seguro, de forma a aferir acerca da absoluta proibição das cláusulas inscritas na alín. b), do artº. 18º, da LCCG, urge atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos pela apólice, de forma a proceder-se à nítida distinção entre as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz daquele normativo e aquelas que apenas delimitam o objecto do contrato, ou seja, balizam ou circunscrevem o âmbito do risco coberto pelo contrato, de plena validade ; - assim, na tutela daquele princípio geral de boa-fé, devem considerar-se como proibidas as cláusulas excludentes ou limitadoras de responsabilidade, insertas em contratos de adesão, que, devido à sua amplitude, acabem por retirar utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil e justificativo da outorga e finalidade contratual ; - ou seja, as cláusulas limitadoras ou excludentes de responsabilidade não podem configurar-se como desproporcionais, violadoras do equilíbrio procurado entre as partes contratantes na assumpção do vínculo contratual, pois, caso tal ocorra, traduzem-se como violadoras do princípio da boa-fé, urgindo, nos termos dos artigos 15.º e 18.º, alíneas b), do DL 446/85, de 25-10, considerá-las proibidas e, como tal, nulas (artigo 12.º, do mesmo diploma legal) ; - Todavia, no caso dessas mesmas cláusulas apenas introduzirem uma limitação de responsabilidade, sem lograrem comprometer ou esvaziar a garantia do risco coberto pela apólice ou a utilidade e finalidade pretendidas com a sua outorga, mas apenas restringindo, de forma equilibrada e entendível a finalidade visada com a contratualização do seguro, inexiste legal justificação para as rotular como violadoras da boa-fé, maculando-as como proibidas e, consequentemente, nulas ; - com acrescida acuidade, estando em causa um seguro facultativo, é maior a liberdade das partes em contratualizarem, ou não, determinando conjunto tipificado de coberturas, em virtude de possuírem maior autonomia ou disponibilidade no balizar ou circunscrever do âmbito de cobertura da responsabilidade transmitida, prevendo em concreto quais os riscos que pretendem, e que não pretendem, ser objecto de transmissão ; - ou seja, nesta tipologia de seguros, é perfeitamente legítimo que as partes contratualizem, no âmbito da sua liberdade e autonomia contratual, qual o concreto âmbito dos riscos cobertos, ao que não será alheio um juízo ponderativo do custo/benefício, tendo em atenção os concretos riscos decorrentes da actividade em causa e o valor a despender no pagamento do prémio. Na transposição de tal entendimento para a situação sub judice, temos então que: - a cláusula em causa, sob a qual incide a invocação de nulidade, por ser absolutamente proibida, foi estabelecida no contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré seguradora, no âmbito da cobertura facultativa de danos próprios ; - assim e apesar da previsão do ressarcimento por privação do uso de veículo, no segmento ora questionado foi prevista como excepção da assunção de tal responsabilidade, ou cláusula excludente, a situação em que ocorra perda total do veículo, caso em que não há lugar a qualquer pagamento ao abrigo desta cobertura ; - inserindo-se tal cláusula no âmbito das condições particulares da apólice contratualizada ; - ora na consideração do objecto do seguro contratualizado relativamente a tal cobertura facultativa de danos próprios, bem como à totalidade dos riscos cobertos por tal apólice, naquele específico segmento, estamos perante uma cláusula meramente delimitadora do objecto contratado, balizando e circunscrevendo o âmbito do risco coberto pelo contrato outorgado ; - o que determina a sua plena e evidente validade ; - e não perante uma cláusula proibida, nos termos da alínea b), do artº. 18º, e artº. 15º, ambos do DL nº. 446/85, de 25-10, pois não resulta que a sua inserção no subscrito contrato de adesão afecte, minimamente que seja, a utilidade do seguro contratado, ou que, de alguma forma, tenha a potencialidade de esvaziar ou mitigar o seu conteúdo útil e a razão da sua contratualização ; - com efeito, tal cláusula, por excludente da responsabilidade relativamente àquela cobertura e no circunstancialismo muito próprio e limitado – ocorrência de perda total do veículo seguro -, mostra-se proporcional e respeitadora do pretendido equilíbrio contratual entre as partes (tomador e seguradora) - e, acrescente-se, mesmo compreensiva, pois, existindo perda total do veículo seguro, e estando previsto o mecanismo indemnizatório/ressarcitório, aquela exclusão parece ter um sentido racional ; - donde, não pode a mesma ser pertinentemente rotulada como violadora do princípio da boa-fé, consequentemente proibida e, como tal, nula – cf., os artigos 12º, 15.º e 18.º, alínea b), do DL 446/85, de 25-10 ; - solução que se justifica com maior acuidade, ainda, pela circunstância de estarmos perante previsão contratual inserta em cobertura facultativa, campo no qual as partes contratantes gozam de maior autonomia e liberdade no circunscrever ou balizar do âmbito de cobertura da responsabilidade transmitida (riscos cobertos), decidindo o que (não) pretendem que seja objecto de transmissão. Ao aduzido cumpre, adrede, indicar outros três argumentos: - por um lado, mesmo a equacionar-se aquela cláusula como absolutamente proibida, nunca o seu legal enquadramento resultaria da tipificação de proibição contida na citada alínea b), do artº. 18º. Com efeito, esta alude a exclusão ou limitação da responsabilidade “por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros”, sendo que os danos ora equacionados operam na decorrência e âmbito da própria cobertura facultativa de próprios acordada no contrato de seguro, não tendo, assim, fonte extracontratual ; - por outro lado, atenta a factualidade em consideração, não se vislumbra como pode estar em equação a proibição de tal cláusula com base no previsto na mencionada alínea a), do artº. 21º, do mesmo DL 446/85. Com efeito, procurando salvaguardar este normativo que a contratação corresponda efectivamente ao conteúdo contratual pretendido pelo aderente, e que este aceita no momento da conclusão do contrato, nada referenciou o Autor facticiamente quanto a uma alegada desconformidade entre o pretendido e o consignado na cobertura facultativa, nem que a predisponente seguradora tenha incumprido, ab initio ou posteriormente, o inicialmente convencionado, introduzindo alterações ao âmbito de cobertura de riscos a que se tinha vinculado ; - por fim, por tudo o que já aludimos, a alegação do Recorrente Autor no sentido de que a limitação de responsabilidade inscrita no artigo 1º, da cláusula 1.8, do contrato de seguro, apenas teria eficácia numa fase pré-judicial da composição do litígio, surge inconsequente e incompreensível. Na realidade, aquela cláusula foi efectivamente convencionada, fazendo parte de um aludido Pacote de coberturas (Pacote 6 – DP Mais sem franquia), no qual se inseria, para além da responsabilidade civil de subscrição obrigatória, a responsabilidade facultativa decorrente de danos próprios, inserindo nesta a cláusula ora em controvérsia. Donde, limitar a sua aludida eficácia à fase pré-judicial da composição do litígio, é solução carente de qualquer pertinência. Por todo o exposto, também neste segmento recursório, falecem as conclusões da apelação, resultando prejudicado o conhecimento do quantum da pretendida indemnização pelo dano de privação do uso do veículo segurado. O que determina juízo de total improcedência da presente apelação, com consequente confirmação da sentença sob sindicância. ------ Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo decaído na pretensão recursória, as custas do presente recurso ficam a cargo do Recorrente/Autor. *** IV.–DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: I)–julgar totalmente improcedente o recurso, relativamente à apelação em que figura como Recorrente/Apelante/Autor ANTÓNIO …………….., e como Recorrida/Apelada/Ré COMPANHIA de SEGUROS ………………….., S.A. e, consequentemente, decide-se: – confirmar a sentença apelada. Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo no recurso interposto, é o Recorrente/Apelante/Autor responsável pelo pagamento das custas devidas. ----------- Lisboa, 13 de Julho de 2023 Arlindo Crua – Relator Orlando Nascimento – 1º Adjunto Higina Orvalho Castelo – 2ª Adjunta (assinado electronicamente pelo Relator e 2ª Adjunta) [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2]Relatora: Maria do Rosário Morgado, Processo nº. 857/08.7TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt . [3]Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 152 e 153. [4]Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. 2ª Edição Revista e Aumentada, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 214 e 215. [5]Referencia-se no douto Acórdão do STJ de 29/10/2009 – Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 2157/06.8TVLSB.S1, in www.dgsi.pt – que as cláusulas contratuais gerais caracterizam-se pela “pré-formulação, generalidade e imodificabilidade”. [6]Ob. cit., pág. 178 e 179. [7]Por todos, cf., o Acórdão de 23/09/2021 – Processo nº. 5334/17.2T8FNC.L1, desta mesma Secção e Relação, prolatado pelo mesmo Relator -, que seguiremos de perto. [8]Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 109 e 110. [9]Citando o Acórdão do STJ de 01/10/2002, in CJSTJ, Tomo 3, pág. 65. [10]Mencionando o Ac. do STJ de 29/04/1998, in BMJ, nº. 476, pág. 401 ; ainda, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anot., Vol. III, Tomo I, 2ª Edição, pág. 8. [11]Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 265. [12]Relator: Henriques Antunes, Processo nº. 39/10.8TBMDA.C1. [13]Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 395. [14]Processo nº. 582/05.0TASTR.E1.S1 – 3.ª Secção, in www.dgsi.pt . [15]Ob. cit., pág. 309 a 313. [16]Assim o douto Acórdão do STJ de 05/07/94, in CJSTJ, Ano II, Tomo 3, pág. 46. [17]Defendendo o presente entendimento, constitui-se como lapidar o Ac. do STJ de 12/10/73 – in BMJ, n.º 230, págs. 107 e segs. -, logo seguido de perto, entre outros, pelo AC. da RC de 21/06/78 – in CJ, 3º volume, pág. 1036. [18]In BMJ, nº 271, pág. 281. [19]In CJ, Tomo II, pág. 96. [20]Acidentes de viação e responsabilidade civil, Petrony, 1995, págs. 236 e 237. [21]In CJ, Ano XIII, Tomo 3, págs. 124 e 125. [22]Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001, págs. 8 a 10. [23]Acerca das soluções defendidas na nossa jurisprudência, e já supra esquematizadas, idem, págs. 22 a 24. [24]Abrantes Geraldes, ob. cit, pág. 39. [25]Idem, pág. 47. [26]Acerca da indemnização do dano de privação do uso, cf., o douto Acórdão do STJ de 16/10/2003, Doc. nº SJ200310160027562, Relator: Ferreira de Almeida, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [27]Jurisprudencialmente, cf., o douto Acórdão da RC de 20/03/2007 – Processo nº 226/04.8 TBFND, Relator: Cardoso de Albuquerque, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf - onde se sumariou que “o uso de uma viatura automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui um dano patrimonial que mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo ou na falta de alegação e prova da impossibilidade de utilizar outro durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade ou ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso”. [28]Ob. cit., pág. 326 a 328 [29]Idem, pág. 367 e 368. [30]Ibidem, pág. 477 e 478. |