Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | ||
Descritores: | ACEITAÇÃO DA HERANÇA ACEITAÇÃO TÁCITA PARTICIPAÇÃO DO ÓBITO REPÚDIO DA HERANÇA | ||
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Nº do Documento: | RP202312072558/07.4TVPRT-D.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A participação do óbito junto da Autoridade Tributária, efetuada pela única herdeira legitimária sucessível do de cujus, é insuficiente para daí (e só daí) se inferir a vontade da requerida de aceitação da herança deixada por óbito de seu pai, por forma a considerar-se integrar tal ato uma aceitação tácita da herança. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo – Apelação n.º 2558/07.4TVPRT-D.P1 Tribunal a quo – Juízo de Execução do Porto - Juiz 3 Recorrente(s) – AA Recorrido(a/s) – BB e CC *** Sumário……………………………… ……………………………… ……………………………… *** Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: Apelante/requerida: AA Apelados/requerentes: BB e CC Os exequentes/requerentes intentaram em 11-05-2023, por apenso ao processo de execução ordinária n.º 2558/07.4TVPRT, incidente de habilitação de herdeiros de DD, peticionando se julgasse habilitada como única herdeira do falecido DD a sua filha AA. Cumprido o disposto no art.º 352.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a requerida AA apresentou em 22-06-2023 requerimento invocando ter repudiado a herança conforme escritura pública de repúdio da herança por si outorgada em 21-06-2023, cuja certidão juntou. Em sede de contraditório, os exequentes/requerentes pronunciaram-se no sentido de que a escritura de repúdio de herança de 21/06/2023 deverá ser julgada nula e sem qualquer efeito jurídico, dado que a requerida AA havia aceite expressamente a herança por morte de seu pai, DD, pelo conjunto de factos praticados, designadamente, nos documentos que entregou na Autoridade Tributária e Aduaneira e em que se identificou como beneficiária da herança, concluindo pela procedência do incidente. Foi proferida sentença que julgou procedente o incidente de habilitação de herdeiros, considerando habilitada como única herdeira do falecido DD, a fim com ela prosseguir os seus termos a ação principal, a requerida AA. * Inconformada com a sentença, a requerida/apelante AA interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:1. A sentença recorrida avaliou mal a prova produzida. 2. É sabido que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (artº 2031º do CC), sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (artº 3032º, nº 1 do CC). 3. Contudo, os titulares de vocação sucessória não têm necessariamente que aceitar o chamamento, tal como o fez a Recorrente através do repúdio efectuado. 4. O instituto da aceitação da herança prende-se quer com uma postura íntima do sucessível para com a personalidade e relações com o "de cujus" e também, com mais frequência, com o conjunto de direitos e obrigações inerentes à herança; 5. A aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser expressa ou tácita, é irrevogável e, sendo expressa não está sujeita à forma exigida para a alienação da herança; 6. Apesar de a recorrente ter apresentado o Modelo 1 do imposto de selo nas finanças, os actos de administração não implicam aceitação tácita (nº 3 do artigo 2056º). 7. Pois, a declaração de óbito prestada pelo herdeiro no processo de liquidação do imposto de sucessões e doações, e apresentação da respectiva relação de bens, tratam-se apenas de cumprimento de obrigações fiscais. (cf. os Acórdãos deste STJ de 12 de Janeiro de 1975 - BMJ 248-434 e de 20 de Março de 2001 - 01 A455). 8. Assim, e em face de tudo o exposto, deverá a sentença recorrido, ser revogado e substituído por outro que: - Não considere AA habilitada Não foi apresentada resposta às alegações de recurso. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: Face às conclusões das alegações de recurso, a única questão a apreciar consiste em saber se ocorreu ou não aceitação tácita da herança pela requerida, em data anterior à outorga pela mesma da escritura de repúdio. III. Apreciação dos fundamentos do recurso: Afigura-se-nos algo útil fazer o enquadramento do presente incidente de habilitação face ao processo de execução e demais apensos deste, sabido que é que o incidente da instância habilitação, previsto e regulado nos arts. 351.º a 355.º do Cód. Proc. Civil, constitui o meio processual “(…) adequado a modificar a instância quanto às pessoas, substituindo-se alguma das partes na relação substantiva em litígio [artigo 262.º al. a) do CPCivil] (pelo que) apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição (…)”[1]. Da consulta do processo de execução e apensos resulta o seguinte: 1. O presente incidente de habilitação constitui um apenso do processo de execução ordinária instaurado pelos exequentes BB e CC contra as executadas EE, FF e GG. 2. O falecido DD havia sido citado, no âmbito do processo de execução, para – por ser um dos herdeiros do falecido HH, ex-cônjuge da executada GG, falecido no estado de divorciado –, nessa qualidade de co-herdeiro do falecido ex-cônjuge da executada GG, requerer, querendo, a separação de meações dos bens comuns do dissolvido casal, dada a efetivação, no processo de execução, de uma penhora sobre o imóvel descrito na CRPredial de Matosinhos, freguesia ..., sob o n.º ..., com registo de aquisição efetuado pela AP. ... de 1995/03/15 a favor do referido HH, casado no regime de comunhão geral com a referida executada GG. 3. Em janeiro de 2009 foi intentado, por apenso ao processo de execução, por parte dos herdeiros do falecido HH, entre os quais o falecido DD, inventário para separação de meações do dissolvido casal constituído pela executada GG e pelo ex-cônjuge desta, HH, no qual foi proferida, em 10-05-2016, decisão que julgou extinta tal instância de inventário pelo decurso do prazo de deserção e ordenou o consequente levantamento do efeito suspensivo da execução apensa. Do exposto resulta que, por força da pretendida habilitação, a aqui requerida sucederia na posição processual do falecido (que não é a de executado, mas apenas de herdeiro do ex-cônjuge da executada GG), sendo que, no que concerne ao inventário no qual o mesmo era um dos requerentes, tal instância já se encontra extinta por deserção. Não obstante, atenta a instauração do apenso de habilitação dos sucessores do referido DD (um dos herdeiros de HH, falecido no estado de divorciado da executada GG), cumpre apreciar o recurso interposto da sentença proferida no referido incidente, na qual se consideraram – com base na prova documental junta aos autos, não impugnada – provados os seguintes factos: 1. No dia 22 de Dezembro de 2022, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, a requerida participou o óbito[2], apresentou a relação de bens em que constam 6 verbas, todos veículos automóveis e se identificou como beneficiária da transmissão. 2. No dia 21-6-2023, a requerida declarou numa escritura de repúdio de herança o seguinte: “…Que não tendo aceite a herança, nem tácita nem expressamente, por esta escritura, repudia a herança por morte de seu pai, DD, para todos os efeitos de direito”. Afigura-se-nos ser ainda de ter em consideração que resulta documentalmente provado no processo (assento de nascimento da requerida junto em 26-05-2023 – Ref. Citius 35758923) que a requerida AA, nascida no dia .../.../1990, é filha de DD e de II. Com fundamento nestes factos o tribunal a quo considerou que «(…) pese embora tenha sido o repúdio alegado e provado pela requerida, tal demonstração não obsta ao reconhecimento da habilitação pois, previamente a esta escritura, a requerida praticou actos que consubstanciaram uma aceitação tácita, uma vez que aquela comportou-se como herdeira, tendo cumprido com a participação do óbito junto da Autoridade Tributária e Aduaneira. (…)» e, face a tal, julgou procedente o incidente de habilitação de herdeiros, considerando habilitada como única herdeira do falecido a requerida AA, a fim de com ela prosseguir os seus termos a ação principal. Dispõe o art. 2056.º do Cód. Civil sobre as formas de aceitação da herança, nos seguintes termos: 1. A aceitação pode ser expressa ou tácita. 2. A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir. 3. Os atos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança. Conforme é referido no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 02-02-2015, processo n.º 102048/12.7YIPRT.P1[3], «(…) No nosso ordenamento jurídico, a aquisição da herança só tem lugar aquando da aceitação, que funciona como “conditio sine qua non”– artigo 2050.º, n.º 1, do CCivil. (…) A aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser feita expressa ou tacitamente, é irrevogável e, na modalidade de expressa, não está sujeita à forma exigida para a alienação da herança (artigos 2056.º e 2063.º “a contrario” e ainda 2061.º do Código Civil). A distinção tem a ver com a natureza directa ou indirecta da declaração. Por este critério, o Prof. Manuel de Andrade explicava ser "expressa a declaração que se destina unicamente ou em primeira linha a exteriorizar certa vontade negocial (declaração directa ou imediata); e tácita a que se destina unicamente ou em via principal a outro fim, mas "a latere" permite concluir com bastante segurança uma dada vontade negocial (declaração indirecta ou mediata)". E continua: “Na declaração tácita o comportamento declarativo não aparece como visando directamente - como que de modo frontal - a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma. Apenas dele se infere que o declarante, em via mediata, oblíqua, lateral, quis também exteriorizar uma tal vontade-ou pelo menos teve consciência disso. Costuma falar-se, a este propósito, em procedimento concludente, em factos concludentes (facta concludentia: facta ex quibus voluntas concludi potest), acrescentando-se que tais factos devem ser inequívocos”.[22] O artigo 2056.º, nº 2 do Código Civil define a aceitação expressa. Já para a aceitação tácita deixa ao intérprete a integração do conceito, ao contrário do Código Civil de 1867 (“É tácita, quando o herdeiro pratica algum facto de que necessariamente se deduz a intenção de aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-la senão na qualidade de herdeiro”-nº 2 do artigo 2027.º) do Anteprojecto das Sucessões, que segue na mesma linha (nº 3 do artigo 29º - BMJ 54-33) e do Projecto do Código Civil (nº 3 do artigo 2056.º). Assim, deve considerar-se aceitação tácita da herança aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, mas excluem-se desse contexto os actos de administração praticados pelo sucessível (artigo 2056.º, n.º 3), na medida em que estes apenas podem traduzir o cuidado em acautelar os bens da herança, sem significarem a defesa de um direito próprio. (…)». No caso em apreciação, a decisão recorrida considerou que os atos praticados pela requerida descritos em 1. dos factos provados “consubstanciaram uma aceitação tácita, uma vez que aquela comportou-se como herdeira, tendo cumprido com a participação do óbito junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.” Entrando diretamente na questão colocada à apreciação deste tribunal ad quem, dir-se-á que – diferentemente do que foi o entendimento do tribunal a quo – , consideramos que dos factos provados sob o n.º 1 apenas resulta que a requerida participou o óbito de seu pai, DD, à autoridade tributária, cumprindo uma obrigação legal – a obrigação de participação do óbito no caso de existência de bens transmissíveis incumbe ao cabeça de casal da herança, havendo prazo para o cumprimento de tal obrigação (art. 26.º do Cód. Imposto de Selo). Está aqui em causa, apenas e tão só, a prática de um ato de administração que corresponde, inclusive, ao cumprimento de uma obrigação legal, pelo que da prática desse ato não se retira um comportamento concludente e inequívoco de aceitação da herança pela requerida. Ou seja, dito de outro modo: a participação do óbito junto da Autoridade Tributária efetuada pela requerida é insuficiente para daí (e só daí) se inferir a vontade da requerida de aceitação da herança deixada por óbito de seu pai. No sentido de que constitui jurisprudência unânime do STJ considerar que a celebração da escritura de habilitação de herdeiros e participação às Finanças da ocorrência da morte, são atos insuficientes, como atos inequívocos, de aceitação tácita da herança, vd. Ac. do STJ de 30-05-2023, processo 28471/17.9T8LSB.L1.S1[4]. Em conformidade, não resultando da factualidade provada ter existido aceitação tácita da herança em data prévia ao repúdio da herança efetuado pela requerida na escritura pública outorgada em 21-06-2023, há que apreciar os efeitos de tal repúdio no incidente de habilitação intentado pelos exequentes. Por sucessores da parte falecida – art. 371.º, n.º 1, do Código do Processo Civil – deve entender-se todos os que, segundo o direito substantivo, sucederam ao falecido na titularidade do direito ou das obrigações objeto da ação. São sucessores da parte falecida, desde logo, os herdeiros legitimários do de cujus que aceitem a herança, já que é por efeito da aceitação que se adquirem o domínio e posse dos bens da herança – art. 2050.º do Código Civil. Mas podem os herdeiros legais – ou sucessíveis – não suceder efetivamente ao de cujus falecido: é o que sucede, precisamente, no caso de repúdio da herança por parte do herdeiro sucessível. O repúdio da herança tem como efeito considerarem-se os repudiantes como não chamados à sucessão, tudo se passando como se não tivessem figurado no quadro dos sucessíveis – art. 2062.º do Código Civil. Dispõe o art. 2062.º do Código Civil que os efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão. O repúdio tem que observar a forma legal: art. 2063.º e art. 2126.º do Código Civil: se da herança fizerem parte bens imóveis, tem que ser por escritura pública; se da herança fazem parte apenas bens móveis, basta documento particular. Resultando dos factos provados que o repúdio foi efetuado por escritura pública, não existe inobservância da forma legalmente exigida para a validade do repúdio por parte da requerida AA (a forma observada – escritura pública – é superior à necessidade de titulação em documento particular), em consequência do qual se considera a repudiante como não chamada à sucessão, tudo se passando como se não tivesse figurado no quadro dos sucessíveis, com a consequente improcedência do incidente de habilitação. Procede, assim, o recurso interposto. IV. Dispositivo: Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente o incidente de habilitação da requerida AA como sucessora do falecido DD. Custas do recurso a cargo dos apelados, nos termos do artigo 527.º Cód. Proc. Notifique. Porto, 7 de dezembro de 2023. Ana Luísa Loureiro Ana Vieira Isabel Peixoto Pereira _________________ [1] Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 02-02-2015, processo n.º 102048/12.7YIPRT.P1 – http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/. [2] De DD, como resulta da cópia da participação de Imposto de Selo n.º ... instaurada por óbito de DD, junta pelos requerentes com o requerimento de 17-08-2023 (Ref. Citius 36451429). [3] Ver nota 1. [4] Acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/. |