Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
710/14.5TYVNG-AW.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
MAPA DE RATEIO
PAGAMENTO DAS DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20251028710/14.5TYVNG-AW.P1
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Pelo pagamento das dívidas da massa insolvente devem, em primeiro lugar, responder os rendimentos da própria massa e na ausência ou insuficiência desses rendimentos responderá, proporcionalmente, o produto da alienação de cada bem móvel ou imóvel.
II - Se esses bens forem objeto de garantias reais, aquela imputação não poderá exceder 10% do produto da alienação de cada um desses bens.
III – Não permitindo este limite o pagamento integral das dívidas da massa, pode o mesmo ser ultrapassado, tal como o possibilita o art. 172º, nº 2, “in fine” do CIRE, desde que o administrador da insolvência demonstre a indispensabilidade do alargamento da contribuição dos bens onerados para se alcançar a satisfação dessas dívidas, sempre evitando contabilizações arbitrárias ou que não respeitem o princípio da igualdade de tratamento dos credores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 710/14.5TYVNG-AW.P1

Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Apelação (em separado)

Recorrente: AA

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Maria da Luz Teles Meneses de Seabra e João Diogo Rodrigues

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Em 26.10.2023 o credor AA, tendo sido notificado do Mapa de Rateio e Distribuição de Verbas, apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, bem como da Apreciação da Proposta em causa, veio expor e requerer o seguinte:

“1. Compulsados o Mapa de Proposta de Rateio Final, bem como, o Mapa de Graduação de Créditos (afetação por fração) juntos aos autos pelo Ex.mo Senhor AI verifica-se que considerou o mesmo vários Credores Devedores à Massa, por insuficiência da caução prestada;

2. Como sucedeu com o aqui Reclamante (Credor 24, 25, 27), nos termos das escrituras que foram realizadas, tendo por referência as frações U/CU; AF/GL; BE/DA – cfr. Fls. 2 do Mapa de Proposta de Rateio Final e fls. 2 do Mapa de Graduação de Créditos (afetação por fração);

3. Concluindo-se, assim, nos termos daquele Mapa ser o aqui Reclamante devedor das quantias referentes aos Créditos elencados sob os ns.º 24, 25 e 27, nos montantes de €: 5.660,90, €: 4.953,28 e €: 5.719,63, respetivamente. O que perfaz o total de €: 16.333,81.

Posto isto,

4. Mais sucede que, resulta daquele Mapa que:

- quanto às frações U/CU – o preço de venda foi de €: 80.000,00, tendo sido entregue a quantia de €: 8.000,00, a título de caução;

- quanto às frações AF/GL – o preço de venda foi de €: 70.000,00, tendo sido entregue a quantia de €: 7.000,00, a título de caução; e,

- quanto às frações BE/DA – o preço de venda foi de €: 80.830,00, tendo sido entregue a quantia de €: 8.083,00, a título de caução;

5. Não obstante, apresenta-se o Ex.mo Senhor “a cobrar” as quantias de €: 5.660,90, €: 4.953,28 e €: 5.719,63, respetivamente,

6. Porquanto, na afetação do total das despesas por imóvel imputa àquelas frações os montantes de €: 13.660,90, €: 11.953,28 e €: 13.802,63, respetivamente.

7. O que, na verdade, não se coaduna com a observância do disposto no artigo 172.º, n.º 2 do CIRE.

8. Afigurando-se, assim, com o devido respeito, incorreta a imputação rateada das custas da massa nos termos que ressaltam do mapa de fls. …, que teve apenas em consideração a proporção com que cada verba contribuiu, através da sua venda, para o produto final da liquidação, desconsiderando-se, contudo, a diferente natureza dos créditos reconhecidos.

9. De facto, o art. 172.º, n.º 2, do CIRE, estabelece que “As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objeto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.”

10. Ora, no caso, os créditos do aqui Reclamante beneficiam de garantia real sobre as frações autónomas em causa, pelo que, a contribuição do produto da venda de tais bens imóveis para o pagamento das dívidas da massa não deverá ultrapassar 10% do produto da venda, ou seja, os valores caução que foram prestados, aquando da celebração das respetivas escrituras.

11. Vindo, ora, o Sr. Administrador da Insolvência a considerar a imputação dos valores de €: 13.660,90, €: 11.953,28 e €: 13.802,63, respetivamente, sem que, contudo, tivesse esclarecido que tal era indispensável para a satisfação integral das dívidas da massa insolvente, e em que medida.

12. Pelo contrário, da análise do mapa de rateio resulta claro que há outros bens sem garantias sobre eles constituídas – cfr. Fls. 3 do aludido Mapa de Proposta de Rateio Final -, e cujo produto da venda poderá dar satisfação às dívidas da massa, estando efetivamente a ser prejudicados credores garantidos em benefício de credores sem qualquer garantia, o que demonstra o não respeito pelo critério instituído pelo referido art. 172.º, n.º 2, do CIRE.

13. Daí que seja nosso entendimento que a contribuição do produto da venda das frações autónomas, designadas pelas letras U/CU, AF/GL, e, BE/DA, para as despesas da massa não possa ultrapassar os referidos 10%,

14. Pelo que, deve ser esse o valor a considerar no mapa de rateio, logo, tendo já depositados os valores correspondentes, nada mais tem o aqui Reclamante a depositar, devendo o mapa de rateio ser reformulado em conformidade

De modo que,

15. Importa ao aqui Credor Reclamante, requerer a rectificação do Mapa de Rateio, de forma a que o mesmo proceda ao cumprimento do estatuído no n.º 2 do art.º 172.º do CIRE.”

O Sr. Administrador Judicial, tendo sido notificado do requerimento apresentado pelo credor AA, veio expor o seguinte em 6.11.2023:

“Com o devido respeito por opinião diversa, na opinião do signatário, não assiste qualquer razão ou suporte legal ao ali requerido,

vejamos:

O requerente, BB, foi notificado para proceder ao pagamento do montante em dívida à massa decorrente da afectação proporcional das despesas da massa às fr.s de cujos créditos era detentor, frações essas lhe foram adjudicadas com base nos créditos garantidos com direito de retenção reconhecido na sentença de verificação e graduação de créditos de 17/06/2005, transitada em julgada.

Valor devedor à Massa, por insuficiência da caução prestada:

Nº OrdemCredorValor
24Ap. J – BB; “A..., Lda.”5.660,90€
25Ap. L – BB;4.953,28€
27Ap. N – CC5.719,63€
Total16.333,81€

Como resulta do Mapa de Rateio as DESPESAS DA MASSA (despesas + custas + RV), foram imputadas proporcionalmente a todas as verbas liquidadas, ou seja, a cada um dos imóveis apreendidos e liquidados, o que foi feito na proporção do valor de liquidação respectivo.

O requerente veio defender que somente é responsável por 10% do produto dos bens especificamente em causa (ou seja, sobre os bens que lhe foram adjudicados e que detém direito de retenção reconhecido pela sentença de verificação e graduação de créditos) e que tal montante foi prestado aquando da escritura de venda das respectivas frações, baseando o douto aduzido no requerimento no disposto do art. 172º/2 do CIRE.

172º, nº 2 - As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

Para melhor clareza/interpretação da Proposta de Mapa de Rateio, optamos por juntar com esta um mapa anexo com o resumo da graduação de créditos e sua afectação por credor garantido/bem imóvel.

As despesas da massa (despesas + custas + RV) foram, no seu todo, distribuídas proporcionalmente por todos os bens (imóveis), cfr. 171º nº 1 do CIRE que manda que “antes de se proceder ao pagamento dos créditos sobre insolvência”, os créditos verificados e graduados na sentença de 17/06/2005, transitada em julgado, se “deduz da massa insolvente” (do produto total obtido com a liquidação = são os rendimentos da massa) o montante “necessários à satisfação das dívidas desta” ou seja, o total das despesas da massa. Dito de outro modo, os rendimentos da massa são prioritariamente imputados às dívidas da massa, sem qualquer limite, e só depois destas satisfeitas, aos credores, com respeito pela graduação de créditos estabelecida na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado.

Assim, estamos em crer que, provavelmente, o requerente não terá tido em devida conta os efeitos decorrentes da sentença de verificação e graduação de créditos, no seu todo, e não terá analisado mapa anexo bem como a distribuição proporcional das despesas imputada aos bens (dívidas da massa), distribuição proporcional esta que está devidamente reflectida na referida na Proposta de Mapa de Rateio, tal como igualmente disposto no art. 172º nº 2 do CIRE, 1ª parte, “As dívidas da massa insolvente são imputadas, …, na devida proporção, ao produto de cada bem imóvel” (no caso só liquidamos bens imóveis).

Registe-se que os credores detentores de garantia real que optaram pela adjudicação dos bens beneficiaram do “regime da dispensa do depósito do preço”, ou seja, de proceder ao remanescente do depósito do preço, nos termos do preceituado nos artigos 17° e 165.° do CIRE e 815, n° 1do CPC, salvo se a quantia prestada em caução, para os fins previstos no artigo 164° n° 4 do CIRE, for insuficiente para garantir o pagamento das dividas da massa insolvente, constituindo as escrituras título executivo nos termos do art. 703°, n° 1b), do CPC.

Na opinião do signatário, a consideração restrita de parte da 2ª parte da norma art. 172º nº 2 do CIRE, “(…) porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais,” sem mais, não atende à totalidade do disposto na norma, já que não foi tida em conta a injunção ali prevista (…) salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente …”.

Ora, cada bem imóvel tem de cumprir em si a afectação proporcional das despesas da massa, que é o que decorre do disposto na parte retro do art. 172 nº 2 “(…) salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente”, ou seja, cada imóvel, inclusive os onerados com garantia real, tem de cobrir, sem limite de valor, as correspondentes despesas da liquidação.

Veja-se o vertido no Ac. TRG de 10/07/2023 - http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/5c46610070b1829e802589fe00485347? OpenDocument

Sumário:

1. Sendo o aqui recorrente adjudicatário e credor garantido, goza da faculdade processual do art 815º do CPC, por força da remissão operada pelo artº 165º do CIRE, que lhe confere a dispensa de depósito do preço.

2. A dispensa do depósito do preço não abrange as quantias que sejam necessárias à salvaguarda do pagamento das dívidas da massa insolvente, que saem precípuas do produto do bem. Se é certo que, nos termos do artº 172º, nº2, do CIRE, a imputação das dívidas da massa não excederá 10% do produto do bem onerado com garantia real, logo a parte final do preceito ressalva “salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

3. A imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – pode ocorrer sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida.

O pagamento aos credores correspondentes, é feito com respeito pela prioridade que lhes coube pela graduação de créditos, sendo que relativamente aos créditos que não fiquem integralmente pagos pelo bem imóvel em causa, e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns, para concurso no rateio final; 174º nº 1, 175º e 176º do CIRE.

O direito de retenção confere apenas ao respectivo credor, particular consumidor, o direito de ser pago com preferência sobre o produto líquido da venda, ou seja após afetação das sua comparticipação nas despesas da massa, tal-qualmente ficou exarado na sentença de verificação e graduação de créditos de 17/06/2005, transitada em julgado.

Considerando, ainda o disposto no art.174/1, 1ª parte, do CIRE, “Sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 172º, liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, …”, resulta que os bens objecto garantia real respondem, sem qualquer limite e em 1ª linha, pela totalidade das despesas da liquidação que lhe sejam imputáveis, isto é, no presente nosso caso, o valor das despesas proporcionais imputadas por imóvel.

Ora, em consequência do retro exposto, não se verificou nenhuma desconsideração relativamente à natureza dos créditos reconhecidos, como alegou o requerente.

Os bens com direito de retenção reconhecido e graduado na sentença, concorrem unicamente no produto líquido da liquidação do imóvel respetivo (após despesas da massa imputadas) e o montante restante de crédito, i.é., o saldo remanescente não satisfeito à custa dos bens onerados, integra os créditos comuns.

Todavia, no caso presente, o credor requerente BB ”(…) renunciou, sem reservas, à totalidade do crédito restante, bem como a qualquer direito patrimonial ou não patrimonial que ainda possa deter na sua esfera jurídica, em relação à massa insolvente …, assim como sobre a insolvência.” cfr. consta das escrituras de venda dos bens, pelo que nenhum crédito foi considerado para concurso nos comuns.

Diga-se, ainda, que, efectuar o rateio é dividir proporcionalmente o produto da liquidação da massa insolvente (com a dedução das despesas da massa) entre os credores reconhecidos – nos termos do art. 173º do CIRE. Porém, “o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado”. Ora, tudo foi devidamente respeitado na Proposta de Mapa de Rateio.

A Proposta de Mapa de Rateio inclui todo o pormenor dos rateios parciais decorrentes das adjudicações aos credores detentores de garantias reais, direitos de retenção e hipotecas, que beneficiaram do "regime de dispensa de depósito do preço” cfr. retro mencionado, com total respeito pela graduação de créditos estabelecida na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, pelo que, com o devido respeito, também por esta via não se verificou nenhuma desconsideração relativamente à natureza dos créditos reconhecidos.

A Proposta de Mapa de Rateio cumpre, assim, o disposto nos art.s 172º e 174º a 177º do CIRE, ou seja a sequência estabelecida que o legislador impõe na hierarquia na ordem de pagamentos a realizar através do produto da liquidação dos bens que integram a massa insolvente, determinando que em primeiro lugar são liquidadas as dívidas da massa, sem qualquer limite de valor, seguindo-se os créditos garantidos, privilegiados, comuns e último lugar os créditos subordinados, por esta ordem, com respeito do princípio da igualdade entre os credores da mesma classe,

Por fim, cumpre-nos registar que a Proposta de Mapa de Rateio e o Mapa ali anexo foram devidamente analisados e ponderados pelo Exmo Sr. Contador do Tribunal com quem colaboramos densamente com vista ao Rateio e que agradecemos.

Termos em que o signatário emite pronúncia e requer a V. Exa indeferimento total do requerido no requerimento em análise.”

Requer ainda, fixação de prazo para o Sr. AA proceder ao pagamento do valor em falta de 16.333,81 €.

Em 17.11.2023 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“Requerimento refª 46915343 de 24.10. e 46944171 de 26.10. e 46975429 de 30.10. e 47024873 de 06.11.2023:

Ao MºPº com vista.”

Em 21.11.2023 o Min. Público fez a seguinte promoção:

“Reclamações de 24/10/2023, 26/10/2023 e 30/10/2023 e pronúncia do liquidatário de 06/11/2023:

P. que os autos sejam remetidos ao Sr. Escrivão contador para se pronunciar.”

Em 30.1.2024, o Sr. Escrivão Contador pronunciou-se nos seguintes termos sobre as reclamações apresentadas:

“ (…)

- Reclamações de 26.10.2023 e 30.10.2023: Conforme referido pelo Sr. LJ no seu reqtº. De 06.11.2023, o Mapa de Rateio apresentado nos autos foi elaborado em colaboração com o Contador deste Tribunal, pelo que subscrevemos na íntegra os argumentos apresentados pelo Sr. AI no reqtº. mencionado, nomeadamente, no que à interpretação do nº 2 do artº. 172º do CIRE diz respeito, mais concretamente à 2ª parte deste nº. 2 "(…) porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente…”.

Ou seja, desde que seja indispensável à satisfação integral das dividas da massa insolvente e na respetiva proporção, poder-se-á exceder os 10% do produto de bens objeto de garantias reais, o que sucede no caso dos autos.

Acresce que nos presentes autos, ficou consignado nas escrituras de compra e venda dos imóveis em causa, que “(…) Porém, se a quantia (a caução €,00) … for insuficiente para pagamento das dívidas da Massa Insolvente, a presente escritura constitui título executivo, nos termos do artigo 703, nº 1, al. b) do CPC, relativamente ao valor diferencial que se venha a apurar nas contas finais do já identificado processo de insolvência, cuja responsabilidade o terceiro outorgante, AA, declara aqui assumir, sem reservas, não podendo deduzir qualquer oposição à massa insolvente …”

Pelo acima exposto, entende o Contador não assistir razão ao reclamante.”

Em 19.2.2024 o Min. Público emitiu a seguinte promoção:

“Reclamação de 24/10/2023: P. se proceda conforme sugerido pelo Sr. Escrivão.

Reclamações de 26/10/2023 e 06/11/2023: Acompanho a posição do Ex.mo Administrador e do Sr. Escrivão, porque conforme ao que determina o art.º 172º, nº 2, do CIRE, pelo que p. o seu indeferimento.”

Em 22.2.2024 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“Requerimento refª 46915343 de 24.10.2023 – reclamação apresentada pela B..., Lda.:

Concordando com a posição do Sr. Contador de 30.01.2024, uma vez que a verba n.º 4 do 1º aditamento da apreensão de bens de 07.01.1999 se encontra ainda a aguardar a liquidação, por ora, o crédito em causa entrará no rateio dos créditos comuns, sendo tal considerado em rateio futuro.

Notifique.

D.N.

Notifique o Sr. Liquidatário para em 10 dias informar sobre o estado da liquidação da verba supra referida.

Requerimento refª 46944171 de 26.10. e 46975429 de 30.10.2023 – reclamações de AA e A..., Lda. e do A.I. de 06.11.2023:

Subscrevendo a posição, quer do A.I., quer do Sr. Contador de 30.01.2024, sendo também a posição do MºPº de 19.02.2024, o mapa de rateio encontra-se elaborado de acordo com o disposto no artº 172º, nº 2 do CIRE, pelo que, indefere-se às reclamações apresentadas.

Notifique.

D.N.”

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o credor AA, vindo a ser proferida, em 4.7.2024, decisão singular pelo Tribunal da Relação do Porto, na qual se declarou nulo o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, sem ser por simples adesão a posições tomadas por outros intervenientes processuais, proceda à especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Em 23.11.2024 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“De forma a dar cumprimento ao ordenado no recurso do apenso AV, está em causa a interpretação do disposto no artº 172º, n.º 2, do CIRE, no qual o legislador estabeleceu regras sucessivas (e aplicativamente sucedâneas) quanto à metodologia a seguir para determinar o modo de pagamento das dívidas da massa.

Encontrando-se o administrador da insolvência legalmente vinculado ao cumprimento destas regras (e dispondo ele da informação sobre o ativo e o passivo da massa insolvente), deverá demonstrar em que medida se torna indispensável ultrapassar o limite dos 10%, evitando-se contabilizações arbitrárias ou que não respeitem o princípio da igualdade (relativa) de tratamento dos credores, bem como, esclarecer sobre a imputação dos valores €13.660,90, 11.953,98 e 13.802,63 ao credor AA.

Notifique o Sr. Liquidatário.

Prazo: 10 dias.”

Em 19.12.2024 o Sr. Administrador Judicial veio informar nos seguintes termos:

“1. Com referência à imputação de Despesas da Massa aos bens vendidos/adjudicados aos credores com base nos créditos garantidos com direito de retenção reconhecido pela sentença de verificação e graduação de créditos de 17/06/2005, transitada em julgado, o signatário já se pronunciou nos autos por via do requerimento de 06/11/2023, para onde remetemos por economia e que ora se complementa.

2. Os valores - 13.660,90€, 11.953,98€ e 13802.63€ em causa - correspondem aos valores imputados de despesas da Massa aos bens adjudicados ao credor “AA”, resultando de tal imputação que o credor, tendo depositado 10% do valor da aquisição de cada um dos bens imóveis adjudicados, regista uma dívida por imóvel à Massa, derivada da insuficiência de caução prestada, do que foi pedido o reembolso, cfr. quadro infra:

Valor devedor à Massa, por insuficiência da caução prestada:

OrdemCredorImóvel

Frações

Caução prestada 10% 164/4 CireValor imputado

Despesas da Massa

Valor a reembolsar à Massa
24Ap, J BB; A... Lda.U + CU8.000,00€13.660,90€5.660,90€
25Ap. L BBAF + GL7.000,00€11 923,28 €4 953,28 €
27Ap .N CCBE’+DA8 083,00 €13 802,63 €5 719,63 €

3. Valores estes a recuperar pela Massa, sendo devidos pelo credor enquanto beneficiário do regime de dispensa de depósito do preço (art 615º do CIRE) dada a insuficiência da caução prestada (art. 164º/4 do CIRE), tal como ficou devidamente consagrado/outorgado nas escrituras de vendas dos imóveis respectivos.

4. O Mapa de Rateio junto aos autos em 06/10/2023 demonstra, por bem imóvel liquidado, a respectiva imputação do total das DESPESAS DA MASSA, proporcionalmente a todas as verbas liquidadas, ou seja, a cada um dos imóveis apreendidos e liquidados com respeito pelo valor de liquidação respectiva.

5. Registe-se que os credores detentores de garantia real que optaram pela adjudicação dos bens beneficiaram do “regime da dispensa do depósito do preço”, ou seja, de proceder ao remanescente do depósito do preço, nos termos do preceituado nos artigos 17° e 165.° do CIRE e 815, n° 1do CPC, salvo se a quantia prestada em caução, para os fins previstos no artigo 164° n° 4 do CIRE, for insuficiente para garantir o pagamento das dividas da massa insolvente, constituindo as escrituras título executivo nos termos do art. 703°, n° 1.b), do CPC.

6. O art. 172º/2 do Cire dispõe:

“As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

7. Por sua vez estas disposições do art. 172º do CIRE e soluções nele consagradas estavam antecedentemente dispersas pelos art.s 208º, 211º e 179º/2 do CPEREF, no que aqui interessa, vejamos o:

Art. 208 do CPEREF:

“As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real.

8. No Rateio efectuado e que consta dos autos, o total das Despesas da massa foi, no seu todo, distribuído proporcionalmente por todos os bens (imóveis), cuja imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – pode ocorrer sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida.

Por fim, cumpre-nos registar, desde já, que o Mapa de Rateio vai ser novamente rectificado, em resultado das liquidação adicional de bem imóvel, cfr. Prestação de contas complementar em curso de aprovação, bem como da subsequente contagem de custas e honorários complementares.

Anexa: Mapa de Imputação de Despesas por imóvel liquidado.

Termos em que responde ao solicitado e requer a V.Exa a junção aos autos.”

Em 8.5.2025 o Sr. Administrador Judicial veio apresentar nova proposta de rateio final onde concluiu nos seguintes termos:

“Mantendo-se a totalidade dos pressupostos e regras de afectação de despesas da Massa pelos credores que beneficiaram do regime de dispensa do depósito do preço por efeitos da garantias reais de direito de retenção reconhecidos, o reclamante/recorrente BB, Ap.AV, tem de liquidar à massa o montante dívida à Massa de 9.951,26 €.

Os restantes credores afectados pela correção das imputações de despesas são credores da Massa, aos quais, com a homologação da proposta de Rateio e respectivo trânsito em julgado, será devolvido o montante que consta do quadro 2 supra.

Termos em que requer a V.Exa a notificação do reclamante/recorrente BB para proceder à transferência do montante dívida de 9.951,26 €, para a conta da Massa - IBAN é  ....”

Em 13.5.2025, o credor AA, tendo tomado conhecimento desta nova proposta, veio pronunciar-se, reiterando tudo o que anteriormente vertera no seu requerimento de 26.10.2023 e acrescentando o seguinte:

“É que, não obstante o valor ora “apurado” pelo Ex.mo Senhor Administrador de Insolvência ser inferior ao montante anteriormente apurado no Mapa de 06/10/2023, certo é que assim tão só resulta por ter sido acrescentado o valor da venda de uma outra verba.

Mantendo, no entanto, o Ex.mo Senhor Administrador de Insolvência, a afetação do total de despesas por imóvel em montante superior aos 10%, determinados pelo n.º 2, do art.º 172.º do CIRE.

Como seja, ora,

- €: 11.320,63 (em vez dos anteriores €: 13.660,90), tendo por referência as frações U+CU,

- €: 9.905,55 (em vez dos anteriores €: 11.953,28, tendo por referências as frações AF+GL, e

- €: 11.438,08 (em vez dos anteriores €: 13.802,63), tendo por referências as frações BE+DA, respetivamente.

O que, na verdade, não se coaduna com a observância do disposto no artigo 172.º, n.º 2 do CIRE, na medida em que, os créditos do aqui Reclamante beneficiam de garantia real sobre as frações autónomas em causa, pelo que, a contribuição do produto da venda de tais bens imóveis para o pagamento das dívidas da massa não deverá ultrapassar 10% do produto da venda, ou seja, os valores caução que foram prestados, aquando da celebração das respetivas escrituras.

Pelo que, deve ser esse o valor a considerar no mapa de rateio, logo, tendo já depositados os valores correspondentes, nada mais tem o aqui Reclamante a depositar, devendo o mapa de rateio ser reformulado em conformidade.”

Em 5.6.2025 o Min. Público emitiu a seguinte promoção:

“Requerimentos de 13/05/2025 e 27/05/2025:

O credor AA veio aos autos, na sequência da junção do Mapa de Distribuição e Rateio de 08/05/2025, dele reclamar com os fundamentos que constam do seu requerimento de 26/10/2023, considerando que o Mapa não obedece ao disposto no art.º 172º nº 2 do CIRE porque excede a percentagem de 10% a imputar às dívidas da massa, requerendo por isso a sua reformulação em conformidade.

O Ex.mo Administrador, no seu requerimento de 27/05/2025, refuta os argumentos avançados pelo referido credor, mantendo que o credor AA tem de repor à massa a quantia de € 9.951,26, face à insuficiência da caução prestada.

A questão havia sido já suscitada aquando da junção da proposta de rateio de 06/10/2023, que mereceu o despacho 22/02/2024, o qual foi objeto de recurso pelo credor AA, dando origem ao Apenso AV, no qual foi proferida decisão sumária a 04/07/2024, que declarou nulo o referido despacho, ordenando a sua substituição por outro que, sem ser por simples adesão a posições tomadas por outros intervenientes processuais, proceda à especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Salvo lapso de que me penitencio, tal decisão sumária não foi ainda cumprida.

Sobre o tema, o Ministério Público mantém a posição defendida na resposta ao recurso acima mencionado, que deu entrada nestes autos a 27/03/2024, que sintetiza:

- Sendo o credor AA adjudicatário e credor garantido, goza da faculdade processual do art 815º do CPC, por força da remissão operada pelo artº 165º do CIRE, que lhe confere a dispensa de depósito do preço.

- A dispensa do depósito do preço não abrange as quantias que sejam necessárias à salvaguarda do pagamento das dívidas da massa insolvente, que saem precípuas do produto do bem.

Se é certo que, nos termos do artº 172º, nº2, do CIRE, a imputação das dívidas da massa não excederá 10% do produto do bem onerado com garantia real, logo a parte final do preceito ressalva “salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

- A imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – pode ocorrer sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida.

- O pagamento aos credores correspondentes, é feito com respeito pela prioridade que lhes coube pela graduação de créditos, sendo que relativamente aos créditos que não fiquem integralmente pagos pelo bem imóvel em causa, e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respetivos incluídos entre os créditos comuns, para concurso no rateio final; 174º nº 1, 175º e 176º do CIRE.

- O direito de retenção confere apenas ao respetivo credor, particular consumidor, o direito de ser pago com preferência sobre o produto líquido da venda, ou seja, após afetação da sua comparticipação nas despesas da massa, como ficou exarado na sentença de verificação e graduação de créditos de 17/06/2005, transitada em julgado.

- Considerando, ainda o disposto no art.174/1, 1ª parte, do CIRE, “Sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 172º, liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, …”, resulta que os bens objeto garantia real respondem, sem qualquer limite e em 1ª linha, pela totalidade das despesas da liquidação que lhe sejam imputáveis, isto é, no presente nosso caso, o valor das despesas proporcionais imputadas por imóvel.

- Os bens com direito de retenção reconhecido e graduado na sentença, concorrem unicamente no produto líquido da liquidação do imóvel respetivo (após despesas da massa imputadas) e o montante restante de crédito, i.é., o saldo remanescente não satisfeito à custa dos bens onerados, integra os créditos comuns.

- Todavia, no caso presente, o credor BB “(…) renunciou, sem reservas, à totalidade do crédito restante, bem como a qualquer direito patrimonial ou não patrimonial que ainda possa deter na sua esfera jurídica, em relação à massa insolvente …, assim como sobre a insolvência.” cfr. consta das escrituras de venda dos bens, pelo que nenhum crédito foi considerado para concurso nos comuns.

- Acresce, neste caso, ficou consignado nas escrituras de compra e venda dos imóveis em causa, que “(…) Porém, se a quantia (a caução €,00) … for insuficiente para pagamento das dívidas da Massa Insolvente, a presente escritura constitui título executivo, nos termos do artigo 703, nº 1, al. b) do CPC, relativamente ao valor diferencial que se venha a apurar nas contas finais do já identificado processo de insolvência, cuja responsabilidade o terceiro outorgante, AA, declara aqui assumir, sem reservas, não podendo deduzir qualquer oposição à massa insolvente …”

Pelo exposto, p. se dê cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação do Porto (Apenso AV) e se indefira o requerido pelo credor AA.”

Em 6.7.2025 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“Na sequência do ordenado no douto Acordão proferido no apenso AV, passa-se a decidir em conformidade.

No Mapa de Rateio de 06.10.2023 (ref. 36869720), os credores identificados sob os nºs 24, 25 e 27 foram notificados para liquidarem à Massa os valores ali apurados relativos ao valor da insuficiência da caução prestada (art.s 164º/4 e 172º/2, 2º parte, do CIRE), na aquisição das frações que lhes foram adjudicadas, atento o direito de retenção reconhecido na sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 17.06.2005, já transitada em julgado que lhes assistia, da seguinte forma:

Credores devedores à Massa, por insuficiência da caução prestada:

24 Ap.J - A... LDA. - 5.660,90€

25 Ap.L - BB – 4.953,28 €

27 Ap.N - CC – 5.719,63 €

Em 26/10/2023 (ref. 37089998), o credor BB, adquirente final das frações U+CU, AF+GL e BE+DA, apresentou Reclamação pugnando pela rectificação do Mapa de Rateio, alegando em síntese que, considerava que o valor prestado de caução, no valor de 10% do preço, é o limite do valor que lhes é exigido quanto à imputação das despesas da liquidação e custas.

Em 06.11.2023 (ref. 37171720), o Sr. Liquidatário veio responder dizendo que não assiste razão ao credor, fundamentando que, como resulta do mapa de rateio junto em 06.10.2023, as despesas da massa foram imputadas proporcionalmente a todas as verbas liquidadas, ou seja, a cada um dos imóveis apreendidos e liquidados, na proporção do valor da liquidação respetivo. As frações em causa foram adjudicadas com direito de retenção reconhecido por sentença de verificação e graduação de créditos preferida em 17.06.2005, direito que não foi desconsiderado, como alegou o credor, concluindo pela fixação de prazo para o credor proceder ao pagamento do valor global em falta no montante de 16.333,81€.

Em 30.01.2024 (ref. 456447346), o Sr. Contador pronunciou-se, subscrevendo na íntegra os argumentos apresentados pelo liquidatário, ou seja, desde que seja indispensável à satisfação integral das dividas da massa insolvente e na respetiva proporção, poder-se-á exceder os 10% do produto de bens objeto de garantias reais, o que sucede no caso dos autos. Acresce que nos presentes autos, ficou consignado nas escrituras de compra e venda dos imóveis em causa, que “(…) Porém, se a quantia (a caução €,00) … for insuficiente para pagamento das dívidas da Massa Insolvente, a presente escritura constitui título executivo, nos termos do artigo 703, nº 1, al. b) do CPC, relativamente ao valor diferencial que se venha a apurar nas contas finais do já identificado processo de insolvência, cuja responsabilidade o terceiro outorgante, AA, declara aqui assumir, sem reservas, não podendo deduzir qualquer oposição à massa insolvente …”, ali se concluindo “(…) não existir razão ao reclamante”.

Com vista nos autos, em 19/02/2024 o Mº.Pº. pronunciou-se no sentido de acompanhar a posição do Sr. Liquidatário Judicial e do Sr. Contador, porque conforme ao que determina o art. 172º, nº 2, do CIRE, e o seu indeferimento.

Em 22.02.2024 foi proferido despacho “Subscrevendo a posição, quer do A.I., quer do Sr. Contador de 30.01.2024, sendo também a posição do MºPº de 19.02.2024, o mapa de rateio encontra-se elaborado de acordo com o disposto no artº 172º, nº 2 do CIRE, pelo que, indefere-se às reclamações apresentadas. Notifique.”

Tal despacho foi objeto de recurso (apenso AV), tendo sido proferido Acordão em 04.07.2024, decidindo julgar procedente o recurso declarando-se nulo o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, sem ser por simples adesão a posições tomadas por outros intervenientes processuais, proceda à especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Entretanto, tendo em conta que houve lugar a liquidação complementar do terreno de ..., da prestação de contas complementar e custas associadas liquidadas, em 08.05.2025 (ref. 52230324 e 52233269) foi junto aos autos nova PROPOSTA DE RATEIO, da qual resulta nova afectação de despesas da Massa, a qual alterou a afectação dos montantes por insuficiência de caução, o que, segundo o quadro anexo, o montante imputado ao reclamante BB, se traduz, agora num montante inferior, ou seja, numa dívida à Massa de 9.951,26 €, entendendo o Sr. Liquidatário que se mantêm a totalidade dos pressupostos e regras de afectação de despesas da Massa pelos credores que beneficiaram do regime de dispensa do depósito do preço por efeitos da garantias reais de direito de retenção reconhecidos.

Em resposta, veio o credor BB em 13.05.2025 (ref. 52286245) dizer que, não obstante o valor ora “apurado” ser inferior ao montante anteriormente apurado no Mapa de 06/10/2023, certo é que assim tão só resulta por ter sido acrescentado o valor da venda de uma outra verba, mantendo, a afetação do total de despesas por imóvel em montante superior aos 10%, determinados pelo n.º 2, do art.º 172.º do CIRE.

Notificado o Sr. Liquidatário para se pronunciar, veio em 27.05.2025 (ref. 52438138) reiterar a sua posição, concluindo que “ Mantendo-se a totalidade dos pressupostos e regras de afectação de despesas da Massa pelos credores que beneficiaram do regime de dispensa do depósito do preço (art. 165º do CIRE) por efeitos da garantias reais de direito de retenção reconhecidos, o reclamante/recorrente BB, Ap. AV, tem de liquidar à Massa o montante dívida à Massa de 9.951,26 € reportado ao diferencial apurado por insuficiência de caução (montante decorrente do MAPA DE RATEIO FINAL de 08.05.2025 (refª citius 42405731). O credor/reclamante deverá proceder ao pagamento do diferencial apurado por via de transferência Bancária para a conta da Massa - IBAN é ....”.

Com vista nos autos, o MºPº promoveu o indeferimento do requerido pelo credor DD.

Posto isto, cumpre apreciar e decidir.

Resulta dos autos que:

- Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 17.06.2005, já transitada em julgado foi reconhecido às frações adjudicadas U/CU, AF/GL, BE/DA, o direito de retenção.

- o reclamante BB, tem de liquidar à Massa o montante dívida à Massa de 16.333,81€, agora actualizado para 9.951,26€ reportado ao diferencial apurado por insuficiência de caução (montante decorrente do MAPA DE RATEIO FINAL de 08.05.2025 (refª citius 42405731).

Vejamos.

O credor AA veio aos autos, na sequência da junção do Mapa de Distribuição e Rateio de 06.10.2023, agora actualizado em 08/05/2025, dele reclamar com os fundamentos que constam dos seus requerimentos de 26/10/2023 e 13.05.2025, considerando que o Mapa não obedece ao disposto no art.º 172º nº 2 do CIRE porque excede a percentagem de 10% a imputar às dívidas da massa, requerendo por isso a sua reformulação em conformidade.

O Sr. Liquidatário Judicial, nos seus requerimentos de 06.11.2023 e de 27/05/2025, rejeita os argumentos avançados pelo referido credor, mantendo a sua posição no sentido de que o credor AA tem de repor à massa, neste momento, a quantia de €9.951,26, face à insuficiência da caução prestada.

Como resulta dos autos e acima se fez referência, a questão já havia sido suscitada aquando da junção da proposta de rateio de 06/10/2023, que mereceu o despacho 22/02/2024, o qual foi objeto de recurso pelo credor AA, dando origem ao Apenso AV, no qual foi proferia decisão sumária a 04/07/2024, que declarou nulo o referido despacho, ordenando a sua substituição por outro que, sem ser por simples adesão a posições tomadas por outros intervenientes processuais, proceda à especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Uma vez que ainda não foi decidida tal questão, proceder-se-à em conformidade, agora, também conjuntamente com os requerimentos de 08.05.2025 e 13.05.2025.

A questão a apreciar é saber em que medida o credor BB pode ser chamado a contribuir para o pagamento das dividas da massa insolvente, em montante superior ao previsto no artº 172º, n.º 2 do CIRE, sendo credor garantido.

Ora, tudo passa, a nosso ver, pela interpretação daquele preceito legal.

Dispõe o artº 172º do CIRE que:

«1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.

2 - As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

3 - O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.

4 - Intentada ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens que já se encontrem liquidados e lavrado o competente termo de protesto, é mantida em depósito e excluída dos pagamentos aos credores da massa insolvente ou da insolvência, enquanto persistirem os efeitos do protesto, quantia igual à do produto da venda, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, à do valor constante do inventário; é aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 180.º, com as devidas adaptações.»

O art.º 172.º, n.º 2 trata do pagamento das dividas da massa insolvente e estabelece que essas dividas são imputadas nos rendimentos da massa e, se necessário, ao produto da venda dos bens, tanto móveis como imóveis.

Porém, estabelece regras para determinar o modo de pagamento das dividas da massa insolvente:

- em 1º lugar devem responder os rendimentos da própria massa;

- na ausência/insuficiência destes, responderá proporcionalmente, o produto da alienação de cada bem móvel/imóvel;

- se esses bens forem objecto de garantias reais, aquela imputação não poderá exceder 10% do produto da alienação de cada um desses bens.

Esta é a regra, pode, no entanto acontecer (como é o caso), que a observância desse limite não permita o pagamento integral das dividas da massa, caso em que, dado que os credores da insolvência não poderão ser pagos sem que esteja garantido o pagamento das dívidas da massa insolvente, torna-se indispensável que aquele limite de 10% seja ultrapassado – esta é uma excepção à regra - o limite de 10% não se aplica quando for necessário satisfazer integralmente as dividas da massa insolvente ou quando não prejudicar o pagamento integral dos créditos garantidos.

O A.I está legalmente vinculado ao cumprimento destas regras, pelo que, dispondo da informação sobre o activo e o passivo da massa insolvente, deverá demonstrar em que medida se torna indispensável ultrapassar o limite dos 10% com respeito pelo princípio da igualdade de tratamento dos credores.

É o que sucede no caso em apreço, uma vez que se verificou a insuficiência da caução prestada no âmbito da adjudicação e imóveis ao abrigo do benefício da dispensa do depósito do preço previsto no artº 165º do CIRE.

Os valores apurados quer no novo mapa de rateio final, quer no 1º mapa, cumprem integralmente os efeitos decorrentes da sentença de verificação e graduação de créditos, bem como a distribuição proporcional das despesas imputada a cada um dos imoveis liquidados, bem como cumpre o disposto no artº 172º, n.º 2 do CIRE na parte que refere que as dividas da massa são imputadas na devida proporção ao produto de cada bem imóvel.

Não esquecer que os credores detentores de garantia real que optaram pela adjudicação dos bens, beneficiaram do “regime da dispensa do depósito do preço”, ou seja, da dispensa de proceder ao remanescente do depósito do preço, nos termos do preceituado nos artºs. 165.° do CIRE e 815, n° 1 do CPC, salvo se a quantia prestada em caução, para os fins previstos no artigo 164° n° 4 do CIRE, for insuficiente para garantir o pagamento das dividas da massa insolvente, constituindo as escrituras título executivo nos termos do art. 703°, n° 1b), do CPC.

Sendo o credor reclamante BB, um credor garantido, goza da faculdade processual do artº 825º do CPC, por força da remissão operada pelo artº 165º do CIRE, que lhe confere a dispensa do depósito do preço, porém, tal não abrange as quantias que sejam necessárias à salvaguarda do pagamento das dividas da massa, que saem precípuas do produto do bem.

Se é certo que, nos termos do artº 172º, nº2, do CIRE, a imputação das dívidas da massa não excederá 10% do produto do bem onerado com garantia real, logo a parte final do preceito ressalva “salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos, pelo que, a imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – pode ocorrer sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida e o pagamento aos credores correspondentes, é feito com respeito pela prioridade que lhes coube pela graduação de créditos, sendo que relativamente aos créditos que não fiquem integralmente pagos pelo bem imóvel em causa, e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respetivos incluídos entre os créditos comuns, para concurso no rateio final; 174º nº 1, 175º e 176º do CIRE.

O direito de retenção confere apenas ao respetivo credor, particular consumidor, o direito de ser pago com preferência sobre o produto líquido da venda, ou seja, após afetação da sua comparticipação nas despesas da massa, como resulta da sentença de verificação e graduação de créditos de 17/06/2005, já transitada em julgado.

Acresce que, no caso presente, o credor BB “(…) renunciou, sem reservas, à totalidade do crédito restante, bem como a qualquer direito patrimonial ou não patrimonial que ainda possa deter na sua esfera jurídica, em relação à massa insolvente …, assim como sobre a insolvência.” cfr. consta das escrituras de venda dos bens, pelo que, nenhum crédito foi considerado para concurso nos comuns.

Deve ainda ter-se em conta, o que consta das escrituras de vendas quanto à questão da caução prestada e do diferencial que viesse a ser apurado por insuficiência da caução: “(…) Que do indicado preço e para os fins consignados no art. 164º, nº 4 do Cire, a … adquirente paga nesta data a quantia de … (10% do preço), encontrando-se a dita … adquirente dispensada de proceder ao depósito do remanescente do preço, atento o ínsito no artº 165 do CIRE. “(…)

Porém, se a quantia … (caução acima referida, prestada no valor dos 10%) for insuficiente para o pagamento das dívidas da Massa Insolvente, a presente escritura constitui título executivo, nos termos do art. 703º, nº 1, al. b) do CPC, relativamente ao diferencial que se venha a apurar nas contas finais do identificado processo de insolvência, cuja responsabilidade …, AA, declara assumir, sem reservas, não podendo deduzir qualquer oposição à Massa insolvente, o que é aceite pelo representante da dita Massa insolvente.”

Atento o supra descrito, parece-nos, s.m.o., que não restam dúvidas sobre a responsabilidade pela insuficiência da caução prestada nas escrituras, no valor de 10% do preço, pelo que não pode deixar de ser exigido ao credor/reclamante o pagamento do valor em falta, ora actualizado no MAPA DE RATEIO FINAL de 08/05/2025, caso contrário, não fariam qualquer sentido as cláusulas insertas na escritura.

A Proposta de Mapa de Rateio final apresentada (idêntica à anteriormente apresentada mas retificada nos valores) cumpre, em nosso entendimento, o disposto nos art.s 172º e 174º a 177º do CIRE, ou seja, cumpre a sequência estabelecida que o legislador impõe na hierarquia na ordem de pagamentos a realizar através do produto da liquidação dos bens que integram a massa insolvente, determinando que em primeiro lugar são liquidadas as dívidas da massa, sem qualquer limite de valor, seguindo-se os créditos garantidos, privilegiados, comuns e último lugar os créditos subordinados, por esta ordem, com respeito do principio da igualdade entre os credores da mesma classe, resultando os montantes em causa da imputação proporcional a cada um dos imóveis liquidados das despesas da massa, na proporção do valor de liquidação respectivo.

Portanto, a regra prevista no artº 172º, n.º 2 do CIRE é - imputação ao produto da venda de bens com garantias reais não podem exceder 10% do seu valor, porém, o citado preceito prevê também a excepção – o limite do 10% não se aplica quando for necessário para satisfazer integralmente as dividas da massa insolvente ou quando não prejudicar o pagamento integral dos créditos garantidos, caso em que, o liquidatário terá de demonstrar tal necessidade, o que, atento todo o exposto ficou mais que demonstrada a necessidade, in casu, de ultrapassar o limite dos 10%. (vd. Acs. RG de 07.10.2021 e 10.07.2023)

Deste modo e pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo credor AA quer em 26.10.2013, quer em 13.05.2025, devendo proceder em conformidade com o mapa de rateio final de 08.05.2025 (refª citius 42405731).

Notifique.”[1]

Inconformado com o decidido, interpôs recurso o credor AA que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso da circunstância do ora Apelante, não se conformar com o douto Despacho de 06/07/2025, sob a Ref.ª 473547903 (e sua retificação de 07/07/2025, sob a Ref.ª 473881263), que incidiu sobre a “nova proposta de rateiro” de 08/05/2025 (Ref.ª 52230324 e 52233269), bem assim, sobre os seus requerimentos de 26/10/2025, sob a Ref.ª 37089998 e de 13/05/2025, sob a Ref.ª 52286245.

Isto porque,

B. Com o devido e merecido respeito, sempre se entende que o Dign.º Tribunal “a quo” ao ter considerado indeferida a reclamação apresentada pelo aqui Recorrente, incorreu em erro de julgamento/de direito.

Com efeito,

C. Compulsados o Mapa de Proposta de Rateio Final, bem como, o Mapa de Graduação de Créditos (afetação por fração) juntos aos autos pelo Ex.mo Senhor AI, a 08/05/2025, verifica-se que considerou o mesmo vários Credores Devedores à Massa, por insuficiência da caução prestada, como sucedeu com o aqui Reclamante (Credor 24, 25, 27), nos termos das escrituras que foram realizadas, tendo por referência as frações U/CU; AF/GL; BE/DA;

D. Concluindo-se, assim, nos termos daquele Mapa ser o aqui Reclamante devedor das quantias referentes aos Créditos elencados sob os ns.º 24, 25 e 27, nos montantes de €: 3.320,63, €: 2.905,55 e €: 3.355,08, respetivamente.

O que perfaz o total de €: 9.581,26.

E. Mais sucede que, conforme resulta daquele Mapa, que:

- quanto às frações U/CU – o preço de venda foi de €: 80.000,00, tendo sido entregue a quantia de €: 8.000,00, a título de caução;

- quanto às frações AF/GL – o preço de venda foi de €: 70.000,00, tendo sido entregue a quantia de €: 7.000,00, a título de caução; e,

- quanto às frações BE/DA – o preço de venda foi de €: 80.830,00, tendo sido entregue a quantia de €: 8.083,00, a título de caução;

F. Não obstante, apresenta-se o Ex.mo Senhor “a cobrar” aquelas quantias, respetivamente, porquanto, na afetação do total das despesas por imóvel imputa àquelas frações os montantes de €: 11.320,63, €: 9.905,55 e €:11.43808, respetivamente.

G. O que, na verdade, salvo o devido respeito, por não se coadunar com a observância do disposto no artigo 172.º, n.º 2 do CIRE, motivou que o aqui Reclamante apresentasse reclamação daquele Mapa de Rateio, porquanto, se entendeu que se afigurava incorreta a imputação rateada das custas da massa nos termos que ressaltam do mapa de fls. …, que teve apenas em consideração a proporção com que cada verba contribuiu, através da sua venda, para o produto final da liquidação, desconsiderando-se, contudo, a diferente natureza dos créditos reconhecidos.

H. Malogradamente, veio tal reclamação a ser indeferida, em clara violação do disposto no art. 172.º, n.º 2, do CIRE, o qual estabelece que “As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objeto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.”

I. É que, no caso, os créditos do aqui Reclamante beneficiam de garantia real sobre as frações autónomas em causa, pelo que, a contribuição do produto da venda de tais bens imóveis para o pagamento das dívidas da massa não deverá ultrapassar 10% do produto da venda, ou seja, os valores caução que foram prestados, aquando da celebração das respetivas escrituras.

J. Vindo, ora, o Sr. Administrador da Insolvência a considerar a imputação daqueles valores, respetivamente, sem que, contudo, tivesse esclarecido que tal era indispensável para a satisfação integral das dívidas da massa insolvente, e em que medida.

K. É que, na situação em apreço nos autos, os rendimentos da massa não se esgotaram naqueles créditos garantidos, pois que, há outros bens, sem garantia, que poderiam cobrir as custas processuais, sem afetar o crédito do aqui Recorrente.

L. Não se mostrando justificado nos autos, porque não cumprido, com primazia, o pagamento das custas com tais bens não onerados, a favor de qualquer Credor garantido.

M. Pelo contrário, da análise do mapa de rateio resulta claro que há outros bens sem garantias sobre eles constituídas, e cujo produto da venda poderá dar satisfação às dívidas da massa, estando efetivamente a ser prejudicados credores garantidos em benefício de credores sem qualquer garantia, o que demonstra o não respeito pelo critério instituído pelo referido art. 172.º, n.º 2, do CIRE.

N. Daí que, no modesto entendimento do aqui Reclamante, a contribuição do produto da venda das frações autónomas, designadas pelas letras U/CU, AF/GL, e, BE/DA, para as despesas da massa não poderia ultrapassar os referidos 10%.

O. Pelo que, devendo ser esse o valor a considerar no mapa de rateio, logo, tendo o aqui Recorrente depositado já os valores correspondentes, nada mais teria mais o aqui Recorrente a depositar,

P. Ao não ter assim considerado o Dign.º Tribunal “a quo”, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) a interpretação que porventura imponha ao credor com garantia real, que assegurou o pagamento dos 10% das custas da massa insolvente, a imposição de entrega de um cêntimo que fosse, a mais.

Q. Com se disse e se sublinha, o crédito do Credor aqui Recorrente, é um crédito que beneficia de uma garantia real sobre os bens supra identificados, além de que, do mapa de rateio resulta claro que há outros bens sem garantias sobre eles constituídas, e cujo produto da venda poderá dar satisfação às dívidas da massa, estando efetivamente a ser prejudicados credores garantidos em benefício de credores sem qualquer garantia, o que demonstra o não respeito pelo critério instituído pelo referido art. 172.º, n.º 2, do CIRE.

R. Daí que, salvo o devido respeito, seja nosso entendimento que a contribuição do produto da venda das verbas supra identificadas, para as despesas da massa, não possa ultrapassar os referidos 10%, pelo que deve ser esse o valor a considerar no mapa de rateio sub judice, devendo o mapa de rateio ser reformulado em conformidade.

Em suma,

S. Por tudo quanto ficou exposto, entende o aqui Apelante que o douto despacho, ora recorrido, padece de erro na aplicação do disposto no art.º 172.º, n.º 2 do CIRE, disposição esta que se mostra violada, e cuja interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP),

T. Ao ter considerado “justificado” o critério de cálculo apresentado pelo Ex.mo Senhor Administrador de Insolvência, quando, a imputação rateada das custas da massa nos termos que ressaltam do mapa de fls., teve apenas em consideração a proporção com que cada verba contribuiu, através da sua venda, para o produto final da liquidação, desconsiderando-se, contudo, a diferente natureza dos créditos reconhecidos, porquanto, importava, em primeiro lugar, retirar da venda dos bens não onerados as custas, que saem precípuas, antes de, imputar tais custas, nos bens garantidos.

Pretende assim a revogação da decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se na elaboração do mapa de rateio foi devidamente observado o disposto no art. 172º, nº 2 do CIRE.


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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório, para o qual se remete.

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Passemos à apreciação de mérito.

1. Nas suas alegações de recurso, o credor/recorrente BB, pronunciando-se relativamente ao mapa de rateio elaborado pelo Sr. Liquidatário em que se concluiu ser devedor da importância de 9.951,26€, sustenta que neste não se observou o disposto no art. 172º, nº 2 do CIRE.

Vejamos.

Dispõe-se o seguinte neste art. 172º, que tem a epígrafe «pagamento das dívidas da massa»:

«1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.

2 - As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objeto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.

3 - O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
4 - Intentada ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens que já se encontrem liquidados e lavrado o competente termo de protesto, é mantida em depósito e excluída dos pagamentos aos credores da massa insolvente ou da insolvência, enquanto persistirem os efeitos do protesto, quantia igual à do produto da venda, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, à do valor constante do inventário; é aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 180.º, com as devidas adaptações.»
Deste artigo decorrem as regras de prioridade e a metodologia a que deve obedecer o pagamento das dívidas da massa insolvente, articulando-se o seu nº 1 com o art. 46º, nº 1 do CIRE[2], ao determinar que o administrador da insolvência deve deduzir da massa insolvente os meios necessários ao pagamento das dívidas da massa antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência.
Além de outras qualificadas como tal neste Código, são as seguintes as dívidas da massa insolvente, conforme enumeração do art. 51º do CIRE:
«1- (…)
a) As custas do processo de insolvência;
b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
 d) As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;

e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h) As dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
 j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º

2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respetivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.»
2. No art. 172º, nº 2 do CIRE o legislador estabeleceu regras sucessivas (e aplicativamente sucedâneas) quanto à metodologia a seguir para determinar o modo de pagamento das dívidas da massa.
Sobre estas regras escreveu-se o seguinte no Acórdão do STJ de 9.7.2024 (p. 170/09.2 TBEPS-NA.G1.S1, relatora MARIA OLINDA GARCIA, disponível in www.dgsi.pt.):
“Assim, em primeiro lugar devem responder os rendimentos da própria massa (por exemplo, rendas de imóveis ou receitas da exploração de um estabelecimento comercial). Na ausência ou insuficiência destes rendimentos, responderá, proporcionalmente, o produto da alienação de cada bem móvel ou imóvel (o que, necessariamente, representará uma compressão do produto disponível para pagar aos credores da insolvência).
Todavia, se esses bens forem objeto de garantias reais, aquela imputação não poderá exceder 10% do produto da alienação de cada um desses bens (o que se sintoniza com a posição privilegiada dos credores que têm créditos garantidos por tais bens).[3]
Poderá, porém, acontecer que a observância desse limite não permita o pagamento integral das dívidas da massa. Nesta hipótese, dado que os credores da insolvência não poderão ser pagos sem que se encontre garantido o pagamento das dívidas da massa, torna-se indispensável que aquele limite de 10% seja ultrapassado.
Existe, assim, uma regra e uma exceção a essa regra, quando está em causa a imputação das dívidas da massa ao produto de bens que são objeto de garantias reais. Porém, enquanto que a aplicação dessa regra (10%) depende apenas da constatação da ausência ou insuficiência de rendimentos da própria massa, a exceção (valor superior a 10%) implica o preenchimento de um conceito indeterminado, ou seja, a “indispensabilidade” do alargamento da contribuição dos bens onerados para se alcançar a satisfação das dívidas da massa.
Encontrando-se o administrador da insolvência legalmente vinculado ao cumprimento destas regras (e dispondo ele da informação sobre o ativo e o passivo da massa insolvente), deverá demonstrar em que medida se torna indispensável ultrapassar o limite dos 10%, evitando-se contabilizações arbitrárias ou que não respeitem o princípio da igualdade (relativa) de tratamento dos credores.”
De referir ainda sobre esta matéria o Ac. Rel. Porto de 16.11.2015 (p. 372/14.0TBOAZ-G.P1, relator MANUEL FERNANDES, disponível em www.dgsi.pt), onde no seu sumário se consignou o seguinte:
“No âmbito do processo de insolvência, os credores garantidos podem adquirir os bens integrados na massa insolvente sendo-lhes, nesse caso, aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo (artº 165º do CIRE).
Tais credores, pese embora possam ser dispensados de proceder ao depósito do preço pelo qual o bem lhe foi adjudicado (artº 815º, nº1, do CPC), poderão ter que realizar um depósito para satisfação das dívidas da massa insolvente (artº 55º do CIRE) correspondente a 10% daquele valor nos termos do artigo 172º, nº1 e 2 do CIRE, normativo que traduz e concretiza a regra da precipuidade das custas do processo e despesas de liquidação.
Todavia, tal valor pode ser superior se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sendo que, esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel.
A operação de rateio final, sendo feita pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta (artº 182º, nº1, do CIRE) deve ser feita pela ponderação e articulação de três fatores, a saber: a) o produto da liquidação não distribuído; b) as custas do processo; e a c) graduação dos créditos.”
3. Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o credor BB, na sequência do Mapa de Rateio de 8.5.2025 veio dele reclamar, repetindo os fundamentos do seu anterior requerimento de 26.10.2023, no que sustentou que o Mapa não obedece ao disposto no art. 172º, nº 2 do CIRE, isto porque excede a percentagem de 10% a imputar às dívidas da massa, estando em causa, como aqui está, o produto de bens imóveis objeto de garantias reais.
Acontece que o Sr. Administrador refuta tal argumentário, ao afirmar a insuficiência da caução prestada e ao pugnar, em consequência, pela reposição à massa da quantia de 9.951,26€.

A decisão da questão colocada pelo presente recurso prende-se com a circunstância de a possibilidade da imputação exceder 10% do produto dos bens objeto de garantias reais se cingir a situações em que tal se mostre indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente.

Esta indispensabilidade, justificativa do excesso daquele limite de 10%, remete-nos para um conceito indeterminado, que, como já atrás se disse, não pode ser verificada de forma arbitrária, até porque assim se poderão potenciar situações que afrontem o princípio de igualdade de tratamento dos credores.

Em processo de insolvência os credores garantidos podem adquirir bens integrados na massa insolvente, sendo-lhes, nesse caso, aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo – cfr. art. 165º do CIRE.

Estes credores garantidos, embora possam ser dispensados de proceder ao depósito do preço pelo qual o bem lhes foi adjudicado – art. 815.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil -, poderão ter que realizar um depósito para satisfação das dívidas da massa insolvente em montante correspondente aos 10% referidos no art. 172º, nº 2 do CIRE, norma que também concretiza a regra da precipuidade das custas do processo e das despesas de liquidação.

Tal montante, em linha com o que já se referiu anteriormente, só poderá exceder aqueles 10% se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sucedendo que esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel.

Todavia, no caso dos autos, os rendimentos da massa não se esgotaram no produto dos bens objeto de garantias reais, até porque existem outros bens, sem garantia, que poderiam cobrir as dívidas da massa insolvente, designadamente no que toca às custas processuais, sem afetar o crédito do aqui recorrente.

De qualquer modo, certo é que o recorrente contribuiu com os 10% a que se reporta o art. 172º, nº 2 do CIRE para a satisfação das dívidas da massa insolvente e, a nosso ver, tal como sustenta o recorrente, cremos não existir fundamento para que aquela percentagem seja ultrapassada.

Com efeito, a ultrapassagem deste limite de 10%, fundada na sua indispensabilidade para a integral satisfação das dívidas da massa insolvente, não pode ser arbitrária, nem assentar em puros critérios de conveniência aritmética.[4]

Estando nós perante uma situação em que o crédito do ora recorrente goza de uma garantia real sobre as frações identificadas a regra seria a de que a contribuição da venda de tais bens para o pagamento das dívidas da massa insolvente não deveria ultrapassar os 10% do produto dessa venda.

Todavia, “in casu” essa percentagem foi excedida, sem que o Sr. Administrador da Insolvência tivesse esclarecido que tal era indispensável para a satisfação integral dessas dívidas e em que medida.

Aliás do mapa de rateio resulta que existem outros bens que não têm garantias constituídas sobre eles e com cujo produto da venda se poderá dar satisfação às dívidas da massa, donde flui que o ora recorrente, enquanto credor garantido, está a ser prejudicado face a credores sem qualquer garantia.

Por isso, não tendo o Sr. Administrador da Insolvência, no presente caso, justificado o porquê da indispensabilidade da ultrapassagem dos referidos 10% com vista à satisfação das dívidas da massa, há que concluir no sentido de não ter sido observado o disposto no art. 172º, nº 2 do CIRE.

O que imporá a reformulação do mapa de rateio, com a consideração neste apenas daquele valor de 10% do produto da venda das verbas acima identificadas, objeto de garantias reais.

O recurso interposto obterá assim procedência.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo credor AA e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, devendo o depósito, relativo à imputação ao pagamento das dívidas da massa insolvente, circunscrever-se a 10% do valor dos bens sobre os quais existem garantias reais.

Custas a cargo da massa insolvente.


Porto, 28.10.2025
Rodrigues Pires
Maria da Luz Seabra
João Diogo Rodrigues
_________________
[1] Este despacho foi objeto de retificação, na sua parte decisória, por despacho proferido do dia seguinte com a seguinte redação: “No último § do despacho que antecede foi cometido um lapso de escrita. Assim, onde se lê “Deste modo e pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo credor AA quer em 26.10.2013, quer em 13.05.2025, devendo proceder em conformidade com o mapa de rateio final de 08.05.2025 (refª citius 42405731)”, Deve passar a ler-se “Deste modo e pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada pelo credor AA quer em 26.10.2013, quer em 13.05.2025. Cumpra a 2ª parte do despacho proferido em 03.06.2025. Notifique.”
[2] Estatui-se o seguinte neste preceito: “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.”
[3] Cfr. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” (2ª ed.), págs. 680/681.
[4] Cfr. o já referido Ac. STJ de 9.7.2024.