Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FERNANDO BARROSO CABANELAS | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA DÍVIDAS DA INSOLVÊNCIA DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE CREDOR GARANTIDO ADJUDICATÁRIO IMPUTAÇÃO DAS DÍVIDAS DA MASSA AO PRODUTO DA LIQUIDAÇÃO BENS OBJECTO DE GARANTIAS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 07/10/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Sendo o aqui recorrente adjudicatário e credor garantido, goza da faculdade processual do artº 815º do CPC, por força da remissão operada pelo artº 165º do CIRE, que lhe confere a dispensa de depósito do preço. 2. A dispensa do depósito do preço não abrange as quantias que sejam necessárias à salvaguarda do pagamento das dívidas da massa insolvente, que saem precípuas do produto do bem. Se é certo que, nos termos do artº 172º, nº2, do CIRE, a imputação das dívidas da massa não excederá 10% do produto do bem onerado com garantia real, logo a parte final do preceito ressalva “salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.” 3. A imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – pode ocorrer sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: Por despacho datado de 18/12/2022, sincopadamente infra transcrito, foi decidido: “AA, credor nos presentes autos, expôs e requereu o seguinte: «Foi reconhecido, verificado e graduado um crédito do Exponente sobre a insolvência, garantido por direito de retenção sobre o imóvel designado por "Lote ...5". Por escritura pública de 27 de agosto de 2018, na sequência de requerimento da sua adjudicação, foi-lhe vendido esse imóvel. Previamente, foi-lhe exigido o pagamento da quantia de € 53.025,53, dos quais € 30.916,00 (trinta mil novecentos e dezasseis euros) respeitantes ao valor, provável, das custas da responsabilidade da massa insolvente, conforme cálculo então efetuado pela Secretaria deste Tribunal. Havendo compulsado os presentes autos, via Citius, constatou haver Vossa Excelência proferido, no passado dia 24 de janeiro, o Despacho (Referência ...93), de cuja análise concluiu que o valor das custas contadas, da responsabilidade da massa insolvente, é de € 16.328,00 (dezasseis mil trezentos e vinte e oito euros). Constata-se, pois, que, para o assinalado fim, o Exponente pagou a mais € 14.588,00 (catorze mil quinhentos e oitenta e oito euros) - (30916,00 - 16328,00). O Exponente desconhece se em outras vendas de bens da massa insolvente, porventura realizadas, foi, também, exigida, previamente, alguma quantia, com vista, igualmente, ao pagamento de tais custas prováveis, o que, a ter ocorrido, importará, salvo melhor opinião, o cálculo do valor, proporcional, que, a esse título, seja exigível a cada adquirente, e a devolução do excesso que se verifique, eventualmente. Como quer que tenha sido, deverá o Exponente ser reembolsado, pelo menos, daquele montante de € 14588,00 (catorze mil quinhentos e oitenta e oito euros). Nestes termos, REQUER a Vossa Excelência se digne ordenar a que: a) seja esclarecido pelo Senhor Administrador da Insolvência se a algum outro adquirente de bens da massa insolvente, para além do Exponente/Requerente, foi também exigida alguma quantia para pagamento do valor, provável, das custas da responsabilidade da massa insolvente e, em caso afirmativo, seja calculado o montante, proporcional, exigível a cada um e reembolsado o que tiver sido pago em excesso; b) no caso de tal não haver sucedido, lhe seja feito o reembolso da quantia de € 14.588,00 (catorze mil quinhentos e oitenta e oito euros), por si entregue, em excesso, para pagamento das custas, prováveis, da responsabilidade da massa insolvente, provisoriamente calculadas pela Secretaria deste Tribunal em € 30916,00, definitivamente contadas no montante de € 16328,00». (…) A questão decidenda é a de saber se o Credor AA tem de depositar, além dos já depositados 53.025,53 €uros, mais a quantia de 145.767,76 €uros para perfazer a quantia de 198.793,29 €uros que, na proporção do valor da aquisição do Lote ...5, lhe cabe no total de 583.107,24 €uros que a tanto ascendem as dívidas da massa; ou se, ao contrário, tem a haver a quantia de 14.588,00 €uros pagos a mais para custas da Massa fixadas em 16.328,00 €uros – fs. 1330 e 1345 v.º * Temos, para tal decidir, a seguinte factualidade:A – factos julgados assentes pela Relação de Guimarães, no Acórdão de 13.10.2016, processo 170/09...., confirmatório do despacho de dispensa de depósito do preço: 1 - Por sentença já transitada em julgado e proferida na ação de processo comum que constitui o apenso designado pelas letras" AE " do processo de insolvência acima identificado, foi a mesma ação julgada procedente e, em consequência: a) - Foi reconhecido e verificado o crédito do recorrido sobre a insolvência, crédito esse do montante de € 897.836,20; b) - Foi reconhecido e declarado que o recorrido goza do direito de retenção, nos termos do disposto no art° 755°, n° 1, alínea f), do Código Civil, sobre o seguinte bem imóvel: prédio urbano destinado a habitação, sito no lugar ..., União das Freguesias ..., ... e ..., composto por casa de ... e por logradouro, inscrito na matriz urbana da União das citadas Freguesias sob o artigo ...86 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...89, da freguesia ...; c) - Foi ordenado que o crédito do recorrido seja pago pelo produto da venda do imóvel anteriormente identificado, após graduação do mesmo crédito em lugar anterior ao crédito hipotecário de que é titular a " C, ... ", crédito esse garantido pela hipoteca incidente sobre o dito imóvel e registada pela AP. ...8/31. 2 - O imóvel antecedentemente identificado, figura na descrição do ativo da insolvente como "lote n° ...5 "; 3 - Em 11 de fevereiro de 2016, o Sr. Administrador da Insolvência comunicou ao Tribunal que o citado imóvel se encontrava por liquidar e que estava a diligenciar pela venda mediante negociação particular, mais comunicando que, tendo sido publicado anúncio para venda, não surgiu qualquer interessado; 4 - Por requerimento apresentado no Tribunal em 27 de abril de 2016, o recorrido requereu a adjudicação do imóvel antecedentemente identificado, pelo preço de € 323.000,00; 5 - No aludido requerimento foi requerido pelo recorrido que, em virtude de o crédito garantido de que é titular ainda não se achar graduado, fosse dispensado de proceder ao pagamento ou ao depósito do preço, como decorre do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art° 815°, do Cód. Proc. Civil, com observância do disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado art° da lei processual civil. 6 - Por requerimento apresentado no imediato dia 28 de abril, o recorrido reiterou o pedido de adjudicação do identificado imóvel, elevando o preço oferecido para a quantia de € 500.000,00; 7 – Notificada a Comissão de Credores, pronunciou-se apenas a C, no sentido de que o proponente deveria depositar à ordem da massa insolvente 10% do valor da proposta, ficando dispensado do depósito do remanescente. 8 - Por requerimento apresentado no Tribunal no dia 2 de maio de 2016, o Senhor Administrador da Insolvência requereu que o apelado fosse notificado para depositar à ordem da massa insolvente a quantia de € 100.000,00, correspondente a 20% do valor da proposta apresentada; 9 - Tal foi indeferido pelo despacho recorrido. B: 9 – O credor AA depositou a favor da massa a quantia de 53.025,53 €uros que o Sr. Administrador lhe exigiu, antes de outorgar a escritura de venda do Lote ...5 a seu favor – afirmado pelo credor a fs. 1345 v.º e aceite pelo AI a fs. 1353, aquando da apresentação do mapa de fs. 1352 v.º 10 – Conforme mapa de rateio final e liquidação de fs. 1341 e 1352 v.º as despesas da massa insolvente ascendem ao total de 583.107,24 €uros, sendo 543.999,02 de despesas, 22.780,22 de honorários do Administrador e 16.328,00 de custas judiciais. 11 - As imputações das despesas à venda de cada um dos bens apreendidos para a Massa resulta do cálculo aritmético constante do quadro junto a fs. 1352. (…). (…) Os factos e o Direito Sendo certo que - as receitas da Massa ascendem a 1.466.616,96 €uros, - as dívidas da Massa ascendem a 583.107,24 €uros, - o Lote ...5 foi adquirido pelo Credor AA por 500.000,00 €uros, - ele que é titular de crédito no valor de 897.836,20 €uros, garantido por direito de retenção sobre tal Lote ...5, - daquele preço depositou o credor AA, apenas, a quantia de 53.025,53 €uros com vista à satisfação de encargos da Massa, - àqueles 500.000,00 €uros corresponde, na proporção de 34,09% das despesas da Massa, a quantia de 198.793,29 €uros, terá ele depositar a diferença entre o devido – 198.783,29 €uros – e o já depositado – 53.025,53 €uros – ou seja, os reclamados 145.767,76 €uros. Decisão Vistos aqueles factos e o disposto nos art. 165.º do CIRE, 541.º e 815.º do CPC, por um lado, a ressalva constante do n.º 1 do 174.º e os comandos ínsitos nos n.ºs 1 e 2 do art. 172.º do CIRE, por outro, a) - indefiro o requerido pelo Credor AA. b) – mando se notifique este Credor para, em vinte dias, proceder ao depósito a favor da Massa Insolvente da quantia de cento e quarenta e cinco mil e setecentos e sessenta e sete €uros e setenta e seis cêntimos (145.767,76 €). Custas do incidente pelo requerente AA, por vencido, com a taxa de justiça fixada em duas UC – art. 527.º CPC e Tabela II-A a que se refere o art. 7.º do RCP. Valor do incidente: 145.767,76 €uros – artº 296º e 297º, 1, do CPC. Notifique.” Inconformado com o referido despacho, o credor AA apelou, formulando as seguintes conclusões: 1ª Nos termos do disposto no artigo 174º, 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o pagamento dos créditos titulados por credores garantidos “é imediatamente feito logo que os bens objeto da garantia sejam vendidos “. 2ª Conforme se prescreve nos artigos 172º, 2, e 174º, 1, do CIRE, esse pagamento é feito com o produto arrecadado com a venda dos bens objeto da garantia, e depois de deduzidas as despesas com a venda e sem prejuízo da eventual imputação desse produto, na devida proporção, à satisfação do excedente de dívidas da massa que não possa ser pago pelos respetivos rendimentos. 3ª Sendo os rendimentos da massa insolvente insuficientes para o pagamento integral das dívidas da massa, são os bens ou direitos integrantes desta vendidos, para com o respetivo produto serem pagas as dívidas que à custa daqueles não foram satisfeitas. 4ª O nº 2 do artigo 172º do CIRE contém um regime mais favorável aos credores com garantia real, limitando a 10% a imputação ao produto da venda dos bens objeto da garantia, quando chamado a satisfazer o excedente de dívidas da massa insolvente que não possa ser pago pelos respetivos rendimentos, sem prejuízo “da medida do indispensável à satisfação integral” dessas dívidas “ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos”. 5ª Ainda que por mera hipótese houvesse o recorrente, credor garantido, adquirente do bem objeto do seu direito de retenção, de depositar alguma quantia, destinada, como lhe vem exigido, a contribuir para o pagamento das dívidas da massa insolvente, sempre haveria o seu cálculo de obedecer ao estabelecido no nº 2 do artigo 172º do CIRE, limitando-se a 10% do produto da venda do bem, só respondendo em percentagem superior, se verificada, e demonstrada, a necessidade de dar “satisfação integral às dívidas da massa ou do que não” prejudicasse “a satisfação integral dos créditos garantidos”. 6ª Não tem fundamento legal a exigência feita ao recorrente, de depósito de uma qualquer quantia, calculada sobre o valor por que lhe foi adjudicado o bem objeto do seu direito de retenção; 7ª Pois não resulta do disposto nos artigos 165º, 172º, 1 e 2, e 174º, 1, do CIRE, e dos artigos 541º e 815º do CPC nenhuma obrigação para o recorrente, de depósito da quantia que lhe vem exigida para pagamento das dívidas da massa insolvente. 8ª O Despacho recorrido faz, assim, errada interpretação dessas normas. 9ª Como tal, deve ser revogado; 10ª Devendo, nestes termos, bem como em todos os mais, de direito, aplicáveis, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, ser proferida decisão que julgue em conformidade com o alegado – o que corresponde à exata interpretação do preceituado nos artigos 165º, 172º, 1 e 2, e 174º, 1, do CIRE – o que se fará em obediência à LEI e por imperativo da JUSTIÇA. Não foram apresentadas contra-alegações. Os autos foram aos vistos das excelentíssimas adjuntas. ********** II – Questões a decidir:Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso. As questões a decidir são, assim, apurar se o Credor AA tem de depositar, além dos já depositados €53.025,53, mais a quantia de €145.767,76 para perfazer a quantia de €198.793,29 que, na proporção do valor da aquisição do Lote ...5, lhe cabe no total de €583.107,24 que a tanto ascendem as dívidas da massa; ou se, ao contrário, tem a haver a quantia de €14.588,00 pagos a mais para custas da massa fixadas em €16.328,00. ********* III – Fundamentação: A. Fundamentos de facto: Os factos com relevância para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório deste acórdão. ********** B. Fundamentos de direito. O recorrente insurge-se contra a interpretação feita pelo tribunal recorrido sobre os artigos 165º, 172º, nº1, e 2, e 174º, nº 1 do CIRE, e que fundamentou a decisão que lhe impôs o depósito de €145.767,76 a favor da massa insolvente. Importa assim conhecer do mérito do recurso, tendo presente o disposto no artº 9-A do CPC e ainda que há que não confundir questões com argumentos, razões ou motivos explanados pelas partes em defesa da sua posição, razão pela qual não há que dar uma resposta individualizada a todas as alíneas das conclusões de recurso. O artº 46º do CIRE estatui que “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.” O artº 51º do mesmo diploma concretiza-nos o que se entende por dívidas da massa insolvente: “Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artº 93. (…).” Como referido no processo do TRL nº 27727/16.2T8LSB-J.L1, com o mesmo relator, e citando o ponto 21 do preâmbulo do DL nº 53/2004, de 18 de março, distinguem-se com precisão as «dívidas da insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhes sejam equiparados (que passam a ser designados como «créditos sobre a insolvência», e os respetivos titulares como «credores da insolvência»), das «dívidas ou encargos da massa insolvente» (correlativas aos «créditos sobre a massa», detidos pelos «credores da massa»), que são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo. Sendo o aqui recorrente adjudicatário e credor garantido, goza da faculdade processual do artº 815º do CPC, por força da remissão operada pelo artº 165º do CIRE, que lhe confere a dispensa de depósito do preço. Mas, como bem assinala o despacho recorrido, citando diversa jurisprudência e doutrina, a dispensa do depósito do preço não abrange as quantias que sejam necessárias à salvaguarda do pagamento das dívidas da massa insolvente, que saem precípuas do produto do bem. Se é certo que, nos termos do artº 172º, nº2, do CIRE, a imputação das dívidas da massa não excederá 10% do produto do bem onerado com garantia real, logo a parte final do preceito ressalva “salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.” E o advérbio salvo faz aqui toda a diferença. Em anotação ao artº 172º do CIRE, Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, referem que: “É também coerente a determinação da primeira parte do nº 2, ao imputar prioritariamente às dívidas da massa os rendimentos que ela própria gera ou, se se preferir, ao afetar prevalentemente os rendimentos gerados à satisfação dos vínculos que se qualificam como dívidas da massa, tenham ou não estas qualquer nexo com os rendimentos considerados. (…) Sucederá muitas vezes – porventura, as mais delas, atendendo ao âmbito das dívidas da massa – que os rendimentos não são suficientes para honrar os compromissos prioritários da massa insolvente. Nesse caso, são os próprios bens, móveis e imóveis, que têm de os suportar, o que justifica a regra seguinte, que se fixa na primeira parte do nº 2. Compreende-se, no entanto, a tutela particular conferida, por princípio, aos credores garantidos, exatamente por serem eles, de entre todos os titulares de créditos sobre a insolvência, os que, até à concorrência do valor dos bens objeto da garantia, são pagos em primeiro lugar. Daí que a vinculação dos bens livres às dívidas da massa assuma, em regra, uma dimensão bem mais significativa do que sucede com relação aos bens onerados. Mas não se pode esquecer a injunção final do nº 2, que condescende com a imputação das dívidas da massa a bens objeto de garantias – e, consequentemente, ao produto da respetiva liquidação – sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável à satisfação integral das mesmas, e na respetiva medida. Estas regras devem ser sempre tidas em conta nos pagamentos a efetuar nos termos dos artigos seguintes e nos rateios parciais a que houver lugar em consonância com o artº 178º.” E jurisprudencialmente, a acrescer à vasta enumeração constante do despacho recorrido, salientamos ainda o AcRP de 16/11/2015, processo 372/14.0TBOAZ-G.P1, disponível em www.dgsi.pt, onde foi deliberado que “No âmbito do processo de insolvência, os credores garantidos podem adquirir os bens integrados na massa insolvente sendo-lhes, nesse caso, aplicável o disposto para o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo (artº 165º do CIRE). Tais credores, pese embora possam ser dispensados de proceder ao depósito do preço pelo qual o bem lhe foi adjudicado (artº 815º, nº1, do CPC), poderão ter que realizar um depósito para satisfação das dívidas da massa insolvente (artº 55º do CIRE) correspondente a 10% daquele valor nos termos do artigo 172º, nº1 e 2 do CIRE, normativo que traduz e concretiza a regra da precipuidade das custas do processo e despesas de liquidação. Todavia, tal valor pode ser superior se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sendo que, esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel. A operação de rateio final, sendo feita pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta (artº 182º, nº1, do CIRE) deve ser feita pela ponderação e articulação de três fatores, a saber: a) o produto da liquidação não distribuído; b) as custas do processo; e a c) graduação dos créditos.” E no acórdão desta Relação de Guimarães de 7/10/2021, processo 1/08...., deliberou-se que “Já as dívidas da massa insolvente encontram-se enunciadas a título exemplificativo, no artº 51º do CIRE e correspondem, grosso modo, a dívidas que se constituíram após a declaração da insolvência do devedor e o respetivo pagamento apenas se encontra submetido ao regime da pontualidade previsto no artº 172º, nº3, do CIRE, cumprindo ao administrador da insolvência pagá-las mal se vençam com os rendimentos provenientes da massa insolvente e, na insuficiência destes, com o produto da venda dos bens que integram a massa insolvente, incluindo, derradeiramente, os bens onerados com garantia real, posto que a massa insolvente destina-se em primeiro lugar, à satisfação dos credores da massa insolvente e, apenas em segundo lugar, à satisfação dos credores da insolvência.” Tendo o credor recorrente adquirido um lote por €500.000,00, proporcionalmente correspondentes a 34,09% das despesas da massa (percentagem equivalente a €198.793,29), e tendo depositado apenas €53.025,53 para satisfação dos encargos da massa, mostra-se correta a decisão que determinou o depósito dos €145.767,76 em falta. Não é assim correta a posição defendida pelo recorrente pois, como supra demonstrado, esse limite de 10% pode ser ultrapassado se for indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, sendo que, esse valor, na hipótese de os rendimentos da massa não serem suficientes para o pagamento daquelas dívidas, é sempre determinado, para efeitos de imputação às referidas dívidas, na devida proporção ao produto da venda de cada bem móvel ou imóvel. O que o tribunal recorrido, corretamente, fez, sem prejuízo do que em sede de rateio final venha a ser apurado. Há, assim, que considerar totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando o despacho recorrido. ********** V – Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando o despacho recorrido. Custas pelo recorrente. Notifique. Guimarães, 10 de julho de 2023. Relator: Fernando Barroso Cabanelas. 1ª Adjunta: Maria João Marques Pinto de Matos. 2ª Adjunta: Rosália Cunha. |