Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
274/15.2T9SJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: PROCESSO PENAL
CRIME
ARGUIDO
CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
AUSÊNCIA
PENA
RELEVÂNCIA
Nº do Documento: RP20240529274/15.2T9SJM.P1
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO INTERPOSTO CONJUNTAMENTE PELOS ARGUIDOS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ausência de qualquer ato objetivo ou conduta do arguido demonstrativos de arrependimento é circunstância sem qualquer relevo para a medida da pena.
II - Considerar como circunstância agravante da pena a ausência de arrependimento, arrependimento esse que por via de regra só ocorrerá através da confissão dos factos, é impor ao arguido um peso que ele não deve suportar.
III - A regra do «ou confessas ou agravamos a pena» em que acaba por descambar tal consideração da ausência de arrependimento como circunstância agravante da pena é insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso.
IV - É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai.
V - Na verdade, essa ideia do ‘dever de arrependimento’, cujo cumprimento só seria razoavelmente de esperar de um herói moral, de um santo ou do mártir, mais parece tratar-se de uma crença de natureza mística ou religiosa na necessidade de um ato de arrependimento, contrição ou confissão para se concretizar o ‘salvamento social’ da pessoa agente de um crime.
VI - Ora, o direito penal é feito para as pessoas comuns, com as suas forças e fraquezas de todos os dias, não para heróis, santos ou mártires.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 274/15.2T9SJM.P1

Sumário
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Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Carla Oliveira
2ª Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 274/15.2T9SJM.P1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 2, após julgamento foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em julgar a acusação procedente e, consequentemente, em:
a) Condenar o arguido AA, com os demais sinais dos autos, pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de insolvência dolosa, agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período, mas subordinada ao dever de (o arguido) proceder ao pagamento da quantia de € 117.500 (cento e dezassete mil e quinhentos euros) ao Estado, à ordem dos presentes autos, em 2 (duas) prestações, anuais e sucessivas, a primeira no valor de € 50 000 e a segunda no valor de € 67.500, vencendo-se a primeira na data em que se completar um ano sobre o trânsito em julgado da presente condenação e a outra no mesmo dia e mês do ano subsequente - devendo o arguido juntar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, após o vencimento de cada uma das prestações anuais, documento comprativo da realização do respetivo pagamento.
b) Condenar a arguida BB pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de insolvência dolosa, agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período, mas subordinada ao dever de (a arguida) proceder ao pagamento da quantia de € 117.500 (cento e dezassete mil e quinhentos euros) ao Estado, à ordem dos presentes autos, em 2 (duas) prestações, anuais e sucessivas, a primeira no valor de € 50 000 e a segunda no valor de € 67.500, vencendo-se a primeira na data em que se completar um ano sobre o trânsito em julgado da presente condenação e a outra no mesmo dia e mês do ano subsequente - devendo a arguida juntar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, após o vencimento de cada uma das prestações anuais, documento comprovativo da realização do respetivo pagamento.
c) Absolver a arguida CC da acusação pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de insolvência dolosa agravada p. e p. pelos arts. 12.º, n.º 1, 26.º, 227.º, n.º 1, als. a) e b) e 229.º-A, do Código Penal.
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Não se conformando com esta decisão, os arguidos AA e BB recorreram em peça conjunta para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte:
«a. O presente recurso incide sobre o Acórdão proferido em 7 de setembro de 2023, com a Ref.ª CITIUS n.º 128884278, onde se decidiu condenar os Arguidos ora Recorrentes pela prática, em coautoria, de 1 crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao dever de procederem, cada um deles, ao pagamento da quantia de € 117.500,00, perfazendo um total de € 235.000,00.
b. Os Arguidos consideram, por um lado, que o Tribunal recorrido considerou provados factos que deveriam ter sido considerados não provados, e considerou ainda como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados, o que deverá conduzir à absolvição de ambos os Arguidos, conforme as conclusões seguintes.
c. Em primeiro lugar, os Arguidos consideram que o Tribunal a quo andou mal ao considerar provado o facto n.º 14: “14. Não obstante os arguidos se terem comprometido a efetuar o pagamento imediato da mercadoria logo que a mesma fosse entregue pela sua fornecedora, não o fizeram.”.
d. Efetivamente, os Arguidos consideram existir elementos probatórios nos autos que comprovam que o pagamento à sociedade A... era feito a 60 dias e não a pronto.
e. Estes elementos de prova são os seguintes:
(i) as notas de encomenda elaboradas pela B... e dirigidas à A..., que consubstanciam o documento n.º 19 junto com a contestação, onde se menciona que o pagamento seria feito à A... 60 dias após a entrega da totalidade da encomenda;
(ii) as notas de encomenda emitidas pela B... à C..., onde também se estabelece um prazo de pagamento a 60 dias após a entrega (cfr. documento n.º 14 junto com a contestação);
(iii) a carta de cancelamento da encomenda enviada pela B... à A..., em virtude da ultrapassagem do prazo de entrega e dos problemas de qualidade dos sapatos fabricados pela A..., que corresponde ao documento n.º 18 junto com a contestação;
(iv) as declarações do Arguido, prestadas na sessão de julgamento de 29 de junho de 2023, do minuto 16:17 ao minuto 17:30 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128183118, tendo o seu depoimento tido início pelas 12 horas e 13 minutos e termo pelas 12 horas e 46 minutos), onde este explica com clareza e fluidez que a B... fizera uma única encomenda à A..., que só seria paga após a entrega de todo o calçado encomendado;
(v) as declarações do Arguido, prestadas na sessão de julgamento de 29 de junho de 2023, do minuto 10:33 ao minuto 10:42 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128187373, tendo o seu depoimento tido início pelas 14 horas e 07 minutos e termo pelas 14 horas e 24 minutos), onde este confirma que o prazo de pagamento à A... não era a pronto, mas sim a 60 dias;
(vi) o depoimento do representante legal da A..., DD, prestado na sessão de julgamento de 22 de junho de 2023, do minuto 14:58 ao minuto 15:25 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128044482, tendo o seu depoimento tido início pelas 10 horas e 38 minutos e termo pelas 11 horas e 21 minutos), onde este evidencia confusão e pouca credibilidade no que respeita ao prazo de pagamento pela encomenda, falando no prazo de 3, 4 ou 5 dias após a entrega, mas admitindo que o pagamento poderia, afinal, demorar já uma ou mesmo duas semanas;
(vii) o depoimento de DD, prestado na sessão de julgamento de 22 de junho de 2023, do minuto 34:00 ao minuto 34:26 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128044482, tendo o seu depoimento tido início pelas 10 horas e 38 minutos e termo pelas 11 horas e 21 minutos), onde este admite que o pagamento do preço acordado dependia da entrega no prazo contratualmente estipulado, conjugado com o facto considerado provado n.º 61 pelo Tribunal a quo, onde se considerou demonstrado que o calçado produzido pela B... tinha defeitos, concluiu-se que a entrega do calçado pela A... à B... não ocorreu de acordo com os termos contratados; os documentos n.ºs 15 e 16 juntos com a contestação, que atestam a má qualidade do calçado produzido pela A.... f. Todos estes elementos de prova deveriam ter levado o Tribunal a quo a concluir no sentido de não se terem os Arguidos comprometido, com e perante a A..., a efetuar o pagamento da mercadoria logo que esta lhes fosse entregue, devendo, por essa razão e em conformidade ser o facto provado n.º 14 considerado como não provado, o que expressamente se requer seja declarado por V. Exas., com as devidas consequências legais.
g. Passando o facto n.º 14 a integrar a matéria de facto considerada não provada, e reconhecendo-se que os Arguidos não faltaram ao pagamento, à A..., nos termos previamente acordados com esta empresa, ter-se-á de concluir não serem os Arguidos devedores do montante de € 56.575,60 à A....
h. Por outro lado, o Tribunal recorrido, ao decidir que o calçado faturado pela A... à B... não correspondia ao exibido nos documentos n.ºs 15 e 16 juntos com a contestação, fazendo consignar no Acórdão a quo que “não é certo que o calçado objeto daqueles controlos de qualidade”, violou o princípio in dubio pro reo, previsto no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, violação que aqui se deixa expressamente arguida, para os devidos efeitos legais.
i. Efetivamente, o Tribunal a quo deveria ter decidido a dúvida a favor dos Arguidos, considerando que o calçado defeituoso detalhado nos documentos n.ºs 15 e 16 juntos com a contestação correspondia à encomenda objeto dos presentes autos.
j. Os Arguidos consideram também que o facto provado n.º 16 (“16. Não obstante a empresa C..., Unipessoal, Lda. ter fabricado o calçado e tê-lo entregue à B... Sociedade Unipessoal, Lda. em julho de 2014, os arguidos AA e BB não pagaram aquele montante, como se tinham comprometido a fazer, nem qualquer quantia por conta do mesmo.”) foi incorretamente julgado pelo Tribunal a quo, devendo integrar a matéria de facto não provada.
k. Efetivamente, os Arguidos consideram existir elementos probatórios nos autos que comprovam que os Arguidos, pelo contrário, não faltaram ao pagamento à C..., como se tinham comprometido a fazer.
l. Estes elementos de prova são os seguintes:
(i) as condições contratuais constantes das notas de encomenda juntas pelos Arguidos como documento n.º 14 da contestação, onde eram previstas penalizações em caso de atrasos na entrega do calçado e a possibilidade de cancelamento da encomenda, o que veio efetivamente a suceder, à luz, inclusivamente, do facto provado n.º 59; e (ii) as declarações do Arguido prestadas na sessão de julgamento de 29 de junho de 2023, do minuto 18:07 ao minuto 19:10 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128183118, tendo o seu depoimento tido início pelas 12 horas e 13 minutos e termo pelas 12 horas e 46 minutos), onde o Arguido explica com clareza e lógica de raciocínio os atrasos, por parte da C..., no fornecimento do calçado nos termos previamente acordados.
m. Demonstrando estes elementos de prova que os Arguidos não faltaram ao pagamento combinado realizar à C..., e mesmo, ao invés disso, que foi a C... que não cumpriu com as suas obrigações contratuais, o facto provado n.º 16 deverá passar a integrar o segmento da factualidade não provada, o que expressamente se requer seja determinado por V. Exa., com as devidas consequências legais.
n. Passando a considerar-se como não provado que os Arguidos tenham faltado às suas obrigações contratuais perante a C..., aliada à emissão, por esta empresa, de nota de crédito no montante de € 33.130,68 (cfr. facto provado n.º 60), não será possível considerar serem os Arguidos devedores à C... do valor total de € 75.506,25.
o. Em terceiro lugar, os Arguidos consideram que o Tribunal a quo andou mal ao considerar não provados os factos n.ºs «vi.» (“vi. A D..., através de EE e FF, encomendou ainda à B... a produção de várias coleções e várias linhas de calçado de verão, que foram integralmente realizadas.”) e «vii.» (“vii. A elaboração dessas coleções e linhas, compreendendo o design dos sapatos e a encomenda de 24000 pares, inteiramente suportada pela B... e pelos arguidos AA e BB, redundou num custo de € 227.500,00 (faturas da B... de fls. 1290 e 1291, doc. 4 da contestação)”.
p. Pelo contrário, os Arguidos consideram existir elementos probatórios nos autos que comprovam que, para além do fabrico de calçado encomendado pela D... à B..., a B... desenvolveu ainda coleções e linhas de calçado de Verão para a D....
q. Estes elementos de prova são os seguintes:
(i) o depoimento prestado pela testemunha FF, na sessão de audiência de julgamento de 22 de junho de 2023, do minuto 01:12:14 ao minuto 01:14:00 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128064840, tendo o seu depoimento tido início pelas 14 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 05 minutos), onde este revela que, na   verdade, quando integrou a sociedade D..., já os termos do negócio com a B... tinham sido acordados, não tendo, deste modo, conhecimento pessoal para explicar em que termos teria sido acordado com os Arguidos um desenvolvimento de coleção e onde remete para algo que lhe teria sido contado por um sócio, o que não pode ser valorado por configurar depoimento indireto, nos termos do art. 129.º, n.º 1 do Código de Processo Penal;
(ii) o depoimento prestado pela testemunha FF, na mesma sessão de audiência de julgamento de 22 de junho de 2023, do minuto 01:25:52 ao minuto 01:29:08 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS n.º 128064840, tendo o seu depoimento tido início pelas 14 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 05 minutos), onde se constata a enorme renitência – e mesmo recusa – desta testemunha em abordar o tema do desenvolvimento das coleções pelo Arguido, o que, no entender dos Arguidos, deveria ter levado o Tribunal a quo a desconsiderar o seu depoimento e a recusar-lhe credibilidade;
(iii) as declarações do Arguido prestadas na sessão de julgamento de 29 de junho de 2023, do minuto 12:00 ao minuto 13:54 (cfr. Ata com a Ref.ª CITIUS 128183118, tendo o seu depoimento tido início pelas 12 horas e 13 minutos e termo pelas 12 horas e 46 minutos), onde o Arguido explica os termos do negócio de desenvolvimento das coleções de Verão, referindo que as mesmas não estavam incluídas no preço inicial. r. Estes elementos de prova, no entender dos Arguidos, impõem que os factos não provados n.ºs «vi.» (“vi. A D..., através de EE e FF, encomendou ainda à B... a produção de várias coleções e várias linhas de calçado de verão, que foram integralmente realizadas.”) e «vii.» (“vii. A elaboração dessas coleções e linhas, compreendendo o design dos sapatos e a encomenda de 24000 pares, inteiramente suportada pela B... e pelos arguidos AA e BB, redundou num custo de € 227.500,00 (faturas da B... de fls. 1290 e 1291, doc. 4 da contestação)” passem a integrar a factualidade dada como provada, o que expressamente se requer a V. Exas., com as devidas consequências legais.
s. Reconhecendo-se que os Arguidos prestaram serviços de desenvolvimento de coleções à D... no valor de € 227.500,00, este montante terá de ser subtraído ao montante em dívida contabilizado em € 391.540,18, concluindo-se, no limite, pela existência de uma dívida de € 164.040,18.
 t. Como consequência do que vem sustentando – isto é, considerando que, nem a A..., nem a C... são credoras dos Arguidos e, em segundo lugar, que a dívida em relação à D... – a existir – é substancialmente inferior ao crédito que lhe foi reconhecido no âmbito do processo de insolvência, os factos dados como provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52 terão de passar a integrar a matéria de facto considerada não provada, o que expressamente se requer seja declarado por V. Exas., com as devidas consequências legais.
u. E isto porque, não sendo certos os direitos de crédito (nem o seu respetivo montante) das empresas A..., C... e D... sobre os Arguidos, a tese de que estes últimos teriam levado a cabo atos de diminuição do ativo patrimonial da B..., em proveito próprio, com o propósito direto de prejudicar os seus credores (que não existiam), vertida nos factos provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52, não pode proceder.
v. Isto é: não tendo a B... as dívidas acima referidas para com as referidas três empresas, viola as mais elementares regras da lógica que as atuações descritas nos factos dados como provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52 permitam revelar o dolo específico dos Arguidos de prejudicar os credores.
w. Passando a factualidade dada como provada n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52 a integrar a matéria de facto considerada não provada, não será possível afirmar a verificação do elemento subjetivo específico de dolo direto de prejudicar os credores, pelo que deverão os Arguidos ser absolvidos da prática do crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.º 1, al. a e 229.º-A, ambos do CP, o que expressamente se requer seja declarado por V. Exas, com as devidas consequências legais.
x. Finalmente, os Arguidos consideram que o Tribunal a quo andou mal ao considerar provados os factos n.ºs 48 (“48. O não pagamento no processo de insolvência das dívidas que a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. tinha para com os seus trabalhadores GG, HH, II e JJ, nos valores referidos no ponto 46.º, relativos a créditos laborais, e ainda de outras dívidas dos demais credores, deveu-se ao facto dos arguidos AA e BB, como gerentes efetivos da mesma sociedade, de comum acordo e em conjugação de esforços, recorrendo também à arguida CC enquanto gerente de direito, terem retirado da forma acima descrita (nos pontos 21, 22, 23, 24, 25, 39 e 43) dinheiro da sociedade, em proveito próprio.”) e 50 (“50. Os arguidos AA e BB sabiam que, com as suas condutas descritas, os créditos de natureza laboral que os trabalhadores tinham sobre a empresa B... Sociedade Unipessoal, Lda. ficariam, como ficaram, por pagar, por inexistência de bens e dinheiro da massa insolvente.”).
y. Efetivamente, os Arguidos consideram inexistir nos autos elementos de prova que permitam concluir que estes sabiam determinar os montantes em dívida em caso de cessação de contrato de trabalho dos trabalhadores da B....
z. Na verdade, conforme referiu o próprio Tribunal a quo no Acórdão de que ora se recorre (cfr. páginas 43 e 44), as testemunhas HH e II, antigos trabalhadores da B..., afirmaram não ter ficado com salários em atraso.
aa. Por outro lado, o Tribunal a quo, ao ter concluído, sem factualidade que o suportasse, que os Arguidos sabiam que os créditos laborais não se cingiriam aos montantes correspondentes aos salários, violou novamente o princípio in dubio pro reo, previsto no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, violação que aqui se deixa expressamente arguida, para os devidos efeitos legais,
bb. Sendo que a correta aplicação deste princípio deveria ter levado o Tribunal a quo a concluir no sentido da inexistência, nos autos, de elementos probatórios que permitissem concluir que os Arguidos sabiam que os trabalhadores da B... ainda tinham direitos de crédito sobre esta empresa, pese embora lhes tivessem sido pagos os respetivos salários.
cc. Inexistindo prova nos autos que permita imputar aos Arguidos a frustração de pagamento de créditos a trabalhadores sequer a título de negligência, os factos provados n.ºs 48 e 50 deverão passar a integrar a factualidade dada como não provada, o que expressamente se requer seja declarado por V. Exas., com as devidas consequências legais, que sempre incluirão a não agravação do ilícito penal em causa, afastando-se a aplicação do disposto no art. 229.º-A do CP.
dd. Subsidiariamente, a circunstância de os Arguidos não serem devedores, nem da A..., nem da C..., por um lado, e de a dívida à D... ser muito inferior àquela que foi dada como provada pelo Ilustre Tribunal a quo, ainda que não seja considerado por V. Exas. como suficiente a conduzir à inexistência de dolo direto específico dos Arguidos de prejudicar os credores, sempre deporá no sentido de uma diminuição acentuada da culpa dos Arguidos, que terá de ser correspondentemente refletida na medida da pena.
ee. Esta circunstância, aliada à ausência total de antecedentes criminais em relação a ambos os Arguidos, à sua plena inserção profissional, social e familiar e ao facto de terem decorrido praticamente 10 anos desde a data da prática dos factos, deverá levar a que a medida da pena de prisão não deverá ultrapassar os 12 (doze) meses, o que se requer seja declarado por V. Exas., com as devidas consequências legais, ao abrigo do art. 71.º do CP.
ff. Acresce que – e convocando-se aqui novamente a circunstância de os Arguidos não serem devedores, nem da A..., nem da C..., por um lado, e de a dívida à D... ser muito inferior àquela que foi dada como provada pelo Ilustre Tribunal a quo – considera-se excessivo e desproporcional a condenação dos Arguidos, a título de condição de suspensão da execução da pena de prisão, no pagamento de € 235.000,00 ao Estado, quantia que não respeita o princípio da proporcionalidade, plasmado no art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, cuja violação aqui se deixa expressamente arguida, com as devidas consequências legais.
gg. Nestes termos, requer-se a V. Exas. seja revogada a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão (que se requer seja reduzida para 1 ano) à condição de pagamento de € 235.000,00 ao Estado.
hh. Caso assim não se entenda, requer-se a V. Exas. seja o valor do mencionado pagamento ao Estado reduzido a um montante proporcional, que não afete as condições de subsistência dos Arguidos, em obediência ao mencionado art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER-SE:
a) Seja determinada a revogação do Acórdão a quo e sejam os Arguidos absolvidos da prática do crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.ºs 1, al. a) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do Código Penal.
Caso assim não se entenda:
b) Sejam os Arguidos condenados pela prática de um crime de insolvência dolosa na forma simples, p. e p. pelo art. 227.º, n.ºs 1, al. a) e n.º 3 do Código Penal; e
c) Seja a pena de prisão reduzida para 1 (um) ano, suspensa na sua execução por igual período, não sujeita ao cumprimento de qualquer dever, regra de conduta ou condição, nos termos supra expostos.
Caso ainda assim não se entenda:
d) Seja o montante a pagar ao Estado reduzido a um montante proporcional, que não afete as condições de subsistência dos Arguidos, em obediência ao disposto no art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.»
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O Ministério Público na sua resposta concluiu que não merece censura o acórdão recorrido, devendo-se manter as condenações dos arguidos nos exatos termos aí previstos, negando-se provimento aos recursos.
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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção do acórdão condenatório.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo.
- Absolvição do crime imputado.
- Determinação da medida da pena: redução da medida da pena principal; alteração das condições da suspensão da execução da pena.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação de facto, que é a seguinte (transcrição):
«2 - Fundamentação
2.1 – De Facto
Instruída e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão desta, os seguintes factos:
1. A sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., com o NUIPC ..., foi constituída em 20 de maio de 2009, com o capital social de € 5.000,00, tendo como sócia a arguida CC, titular de uma quota de € 5.000,00, com sede na Rua ..., n.º ..., 2.º B, em ....
2. Em 4 de setembro de 2009 a sede da referida sociedade passou a ser na Rua ... n.º ..., r/c, ..., ....
3. A sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda. tinha como objeto social a comercialização e agenciação de artigos de calçado, têxteis, puericultura e vinhos e, na prática, angariava clientes que tinham interesse em comprar calçado, procurava empresas por sua vez interessadas em fabricar calçado, desenhava muitas das vezes os modelos pretendidos, contratando aos seus fornecedores a produção e o fornecimento de calçado, em contrapartida do correspondente preço, vendendo posteriormente aos seus clientes o calçado por estes encomendado, produzido pelos seus fornecedores, e recebendo dos clientes o respetivo preço.
4. A sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda. tinha como gerente registada na Conservatória do Registo Comercial a arguida CC, a qual assinava, nessa qualidade, documentação da mesma, incluindo relativa a pagamentos e saídas de dinheiro.
5. Eram gerentes de facto da referida sociedade os arguidos AA e BB, casados entre si, sendo esta filha da referida CC.
6. Com efeito, os arguidos AA e BB, sempre no nome, interesse e em representação da sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., geriam no dia-a-dia a vida e os negócios desta, contratando trabalhadores, dando-lhes instruções, angariando clientes, recebendo destes o valor das vendas que lhes efetuavam, contratando fornecedores, dando-lhes indicações concretas sobre as qualidades e características dos produtos a fabricar, pagando-lhes o preço dos produtos pelos mesmos produzidos, cumprindo as obrigações fiscais da sociedade. A arguida CC sabia que os coarguidos desempenhavam tais funções, e estava de acordo com isso, prestando-lhes inclusivamente, por vezes, colaboração.
7. Os arguidos AA e BB apresentavam-se como administradores da sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. perante os que se relacionavam com esta no exercício da sua atividade comercial, tendo até o arguido AA anunciado na página pessoal que detinha na rede social Linkedin, que era CEO (Chief Executive Officer) da empresa B....
8. No período compreendido entre 2009 e 2013 a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. registou valores no volume de negócios, que variaram entre € 33.025,79 no ano de 2009 e € 141.359,98 no ano de 2010. No balancete de 2014, o volume de negócios registado ascendeu a € 1.024.312,71, dos quais € 759.363,79 correspondem a venda de mercadorias e € 264.948,92 a prestações de serviços.
  9. Entre 2009 e 2013, a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. registou prejuízos nos anos de 2009 e 2011, de € 3.368,98 e € 10.547,83, respetivamente, apresentando nos anos de 2010, 2012 e 2013 lucros de € 176,65, € 7.340,27 e € 611,38, respetivamente.
10. Nos anos de 2011 e 2012, a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. encontrava-se, contabilisticamente, numa situação de falência técnica, mas no ano de 2013 deixou de estar nessa situação, apresentando o capital próprio valor positivo de € 3.211,49, sendo, assim, o ativo superior ao passivo neste montante.
11. Por volta de março/abril de 2014, a sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., através dos arguidos AA e BB, acordou com a cliente D..., LLC (anterior sociedade E... Inc., que em abril de 2014 alterou a denominação para D..., LLC) o fornecimento de diferentes modelos de calçado, referentes à época de Outono/Inverno de 2014. Interveio, nomeadamente, em tal negócio, em representação da D..., LLC o seu administrador FF.
12. Para cumprir a encomenda recebida, os arguidos AA e BB em nome, no interesse e em representação da empresa B... Sociedade Unipessoal, Lda., encomendaram a vários fornecedores o calçado pretendido pela sua cliente.
13. Assim, encomendaram designadamente à empresa A..., Lda., com que contactaram através do respetivo sócio-gerente DD, calçado que se destinava ao cliente americano, fabricado e entregue à sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda., tendo aquela sociedade emitido em 07.07.2014 as facturas n.ºs ... e ... e em 21.07.2014 a fatura n.º ..., nos valores de respectivamente € 11.346,00, € 990,40 e € 44.239,29, num total global de € 56.575,60 (cinquenta e seis mil, quinhentos e setenta e cinco euros e sessenta cêntimos), respeitante a 1996 pares de sapatos por si produzidos.
14. Não obstante os arguidos se terem comprometido a efetuar o pagamento imediato da mercadoria logo que a mesma fosse entregue pela sua fornecedora, não o fizeram.
15. Também para satisfazer a mesma encomenda da referida cliente norte-americana, os arguidos AA e BB contrataram ainda com a empresa C..., Unipessoal, Lda., através do seu sócio gerente KK, o fornecimento de calçado, no montante de € 75.506,25 (setenta e cinco mil, quinhentos e seis euros e vinte e cinco cêntimos).
16. Não obstante a empresa C..., Unipessoal, Lda. ter fabricado o calçado e tê-lo entregue à B... Sociedade Unipessoal, Lda. em julho de 2014, os arguidos AA e BB não pagaram aquele montante, como se tinham comprometido a fazer, nem qualquer quantia por conta do mesmo.
17. Todavia, na sequência dos contactos comerciais estabelecidos pelos arguidos AA e BB, a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. recebeu na conta bancária com o n.º ..., por si titulada no Banco 1... (conta essa posteriormente renumerada no Banco 2... com o n.º ...), o valor de € 644.641,68 (seiscentos e quarenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos), proveniente do cliente “D... LLC”, através de três transferências bancárias nos valores de € 351.018,56, € 150.348,56 e € 143.274,56, creditadas na conta da sociedade em 6 de maio de 2014, 14 de maio de 2014 e 26 de junho de 2014, respetivamente.7
18. No entanto, a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. apenas remeteu à D... LLC parte das mercadorias, no valor de € 253.101,50 (duzentos e cinquenta e três mil cento e um euros e cinquenta cêntimos), não tendo entregue as restantes, no valor de € 391.540,18 (trezentos e noventa e um mil quinhentos e quarenta euros e dezoito cêntimos).
19. No dia 18 de junho de 2014 a arguida CC, na qualidade de gerente de direito, em nome e em representação da sociedade B... Lda., mediante acordo com os restantes arguidos, emitiu o cheque n.º ..., no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) sacado sobre a conta n.º ..., titulada por aquela sociedade no Banco 1..., cheque esse emitido à sua ordem e que depois depositou na conta de que, a arguida CC, era única titular no ex-Banco 3... com o n.º ..., renumerada no Banco 2... com o número ... e que foi descontado no dia 19 de junho de 2014.8
20. Na contabilidade ficou registado que tal emissão se destinou a pagar anteriores empréstimos efetuados pela arguida CC à sociedade, nomeadamente em 2013.
21. Os arguidos AA e BB, de comum acordo e em conjugação de esforços entre si, decidiram, recorrendo a CC, retirar da sociedade B... dinheiro recebido da sociedade D... LLC, em proveito próprio, com prejuízo dos credores da sociedade.
22. Assim, no dia 18 de junho de 2014, a arguida CC, como gerente, em nome e em representação da sociedade B... Sociedade Unipessoal Lda., na sequência de solicitação dos restantes arguidos, emitiu o cheque n.º ..., no valor de € 247.000,00 (duzentos e quarenta e sete mil euros), sacado sobre a conta n.º ..., titulada por aquela sociedade no Banco 1..., a favor do arguido AA, cheque que este depositou na conta por si titulada no Banco 1..., com o número ..., (posteriormente renumerada no Banco 2..., com o número ...), dessa forma retirando os arguidos AA e BB da conta da sociedade o mencionado valor em dinheiro, pertencente à mesma, com prejuízo para ela e para os seus credores.9
23. Também entre os dias 01 de maio e 31 de dezembro de 2014, da conta n.º ..., titulada pela sociedade B... Sociedade Unipessoal Lda. no Banco 1..., os arguidos AA e BB, de comum acordo e em conjugação de esforços, recorrendo também a CC, fizeram levantamentos de cheques no valor total de € 24.273,78 (vinte e quatro mil, duzentos e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos), assim como realizaram levantamentos ATM no montante global de € 27.997,56 (vinte e sete mil, novecentos e noventa e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), tudo dinheiro pertencente à sociedade, o que fizeram com prejuízo para esta e para os seus credores.
24. Ainda entre os dias 01 de maio e 31 de dezembro de 2014, da conta n.º ..., titulada pela sociedade B... Unipessoal Lda. no Banco 1..., os arguidos AA e BB, de comum acordo e em conjugação de esforços, efetuaram compras de bens e serviços, num total de € 71.381,46 (setenta e um mil, trezentos e oitenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), muitas delas em restaurantes e hotéis, várias em proveito próprio, com prejuízo da sociedade e dos seus credores.
25. Para a conta com o número ..., titulada pelo arguido AA no Banco 4..., no período compreendido entre os meses de junho e dezembro de 2014, os arguidos AA e BB, com possível recurso à arguida CC, de comum acordo e em conjugação de esforços, transferiram da supramencionada conta titulada pela B..., Sociedade Unipessoal Lda. do Banco 1... a quantia global de € 31.304,88 (trinta e um mil, trezentos e quatro euros e oitenta e oito cêntimos).
26. Por seu turno, da conta com o número ..., por si titulada no Banco 1..., em 31 de julho de 2014 o arguido AA transferiu a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) para a conta bancária também por si titulada no Banco 4..., com o número ....
27. Dessa mesma conta com o número ..., por si titulada no Banco 1..., entre outubro e dezembro de 2014, o arguido AA transferiu para contas bancárias tituladas pela arguida BB a quantia de € 123.502,87 (cento e vinte e três mil, quinhentos e dois euros e oitenta e sete cêntimos).
28. O arguido transferiu da sua dita conta nos dias 1 e 8 de outubro de 2014 e em 18 de dezembro de 2014 as quantias de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), € 4500,00 (quatro mil e quinhentos euros) e € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros) para a conta da arguida BB com o IBAN  ... do Banco 5..., em proveito de ambos os arguidos.15
29. Entre os dias 01 de janeiro e 31 de dezembro de 2014, na conta bancária n.º ..., titulada pela arguida BB no Banco 2..., foi creditado o valor total de € 59.109,27 (cinquenta e nove mil, cento e nove euros e vinte e sete cêntimos), proveniente de contas bancárias tituladas pelo arguido AA e foram efetuados depósitos no valor global de € 19.670,00 (dezanove mil, seiscentos e setenta euros), dos quais € 14.670,00 (catorze mil, seiscentos e setenta euros) em numerário.16
30. Por outro lado, desta conta, a arguida BB efetuou, em seu proveito e do arguido AA, levantamentos em dinheiro no valor global de € 18.334,02 (dezoito mil, trezentos e trinta e quatro euros e dois cêntimos) e efetuou transferências para outras contas no valor global de € 14.285,90 (catorze mil, duzentos e oitenta e cinco euros e noventa cêntimos).17
31. Por seu turno, desta conta, a arguida BB efetuou, em seu proveito e do arguido AA, compras de bens e serviços no valor global de € 21.946,50 (vinte e um mil, novecentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos).18
32. Também na conta bancária n.º ... (com o IBAN  ...) titulada pela arguida BB na Banco 6..., entre os dias 1 de Junho e 31 de Dezembro de 2014, foram creditadas transferências provenientes de contas bancárias tituladas pelo arguido AA, no valor de € 7.193,60 (sete mil, cento e noventa e três euros e sessenta cêntimos) e da própria arguida BB, no valor de € 5.674,80 (cinco mil, seiscentos e setenta e quatro euros e oitenta cêntimos).
33. Dessa conta, no dia 10 de novembro de 2014, a arguida BB efetuou um levantamento de € 3.000,00 (três mil euros), em proveito seu e do coarguido AA.
34. Da mesma conta com o número ..., por si titulada no Banco 1..., o arguido AA transferiu para a conta da B... Sociedade Unipessoal Lda. no Banco 1..., entre 01 de junho e 31 de dezembro de 2014, a quantia de € 39.601,29.20
35. Por seu turno, dessa mesma conta ..., por si titulada no Banco 1..., no mesmo período, o arguido AA efetuou levantamentos em ATM e caixa do Banco, da quantia global de € 16.110,00 (dezasseis mil, cento e dez euros), tendo sido registados débitos em conta no valor de € 6.900,00 (seis mil, novecentos euros).
36. Ainda, nesse mesmo período, o arguido AA da mesma conta efetuou compras de bens e serviços, no valor de € 3.453,62 (três mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e sessenta e dois cêntimos).21
37. Em 4 de Agosto de 2014 foi descontado na conta n.º ... titulada pelo arguido AA no Banco 4... o cheque n.º ..., no valor de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), emitido em 1 de Agosto de 2014, pelo arguido, dessa conta, à ordem de F..., e que foi depositado na conta n.º ... titulada no Banco 4... pela sociedade “F..., S.A.”, que tem como atividade a importação e comercialização de G..., bem como a prestação da respetiva assistência técnica e atividades auxiliares de serviços financeiros.22
38. Entre Junho e Dezembro de 2014, a conta n.º ... titulada pelo arguido AA no Banco 4... registou pagamento de empréstimos no valor de € 1.718,73 (mil setecentos e dezoito euros e setenta e três cêntimos), levantamentos no valor de € 5.870,95 (cinco mil, oitocentos e setenta euros e noventa e cinco cêntimos), transferências no valor de € 5.994,37 (cinco mil, novecentos e noventa e quatro euros e trinta e sete cêntimos) e compra de bens e serviços no valor de € 20.758,81 (vinte mil, setecentos e cinquenta e oito euros e oitenta e um cêntimo).23
39. No dia 25 de Junho de 2014 o arguido AA constituiu outra empresa, denominada H..., Unipessoal, Lda., com o NUIPC ..., de que o próprio era sócio e gerente, com a mesma atividade da sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda., para onde os arguidos AA e BB, de comum acordo e em conjugação de esforços, transferiram uma viatura automóvel e vários equipamentos da B... com o intuito de continuar a exercer a mesma atividade da B... na H....
40. Esta nova sociedade, que iniciou a atividade em 9 de julho de 2014, tinha o capital social no valor de € 1.000,00, constituído por uma quota única de € 1000,00, tinha sede na Avenida ..., Santa Maria da Feira e como objeto social o comércio por grosso de calçado e o comércio por grosso de têxteis.
41. No dia 29 de dezembro de 2014 a sede desta sociedade passou a ser na Rua ... (Rio de Janeiro), ..., freguesia de Santa Maria da Feira, ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira.
42. No dia 12 de novembro de 2018 a sede sofreu nova alteração, passando a ser na Praça ..., n.º ..., 6.º andar, escritório ..., ..., em ....
43. No ano de 2014, através da fatura n.º..., contabilizada no mês de Julho, a sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., através dos arguidos AA e BB, alienou à sociedade “H... Unipessoal, Lda.”, pelo valor de € 9.351,01 (nove mil, trezentos e cinquenta e um euros e um cêntimo) c/IVA (€ 6.852,55 s/IVA) bens que havia adquirido pelo valor de € 20.424,49 (vinte mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), apresentando os mesmos valor líquido de € 2.024,85 (dois mil e vinte e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), designadamente um aspirador AAM ..., cadeira Realiza, cadeirões, caixilho, computador Canon ..., computador Sony ..., computador Toshiba, consola, costado para o espelho, destruidora Fellowes, máquina de café expresso, meia consola, mesa de reuniões, móvel arquivo, móvel entrada, poltronas, portátil Acer ..., prateleiras várias, puf, romanetes, Seat ..., secretária e tampo vidro/cristal secretária.
44. Em novembro de 2014 a sociedade A..., Lda. requereu a insolvência da sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda., o que originou o processo n.º 978/15.0T8OAZ, que correu termos na Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis, Instância Central, 2.ª Secção de Comércio. J2.
45. Nesse processo, a aludida sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 27 de março de 2015, transitada em julgado em 20 de abril de 2015.
46. Nesse mesmo processo, foram reclamados e reconhecidos vários créditos sobre a “B... Sociedade Unipessoal, Lda.”, designadamente:
a) O da sua trabalhadora GG, de natureza laboral, no valor de € 3.009,21 (três mil e nove euros e vinte e um cêntimo;
b) O da sua trabalhadora HH, de natureza laboral, no valor de € 2.634,75 (dois mil, seiscentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos);
c) O do seu trabalhador II, de natureza laboral, no valor de € 2.206,39 (dois mil, duzentos e seis euros e trinta e nove cêntimos);
d) O da sua trabalhadora JJ, de natureza laboral, no valor de € 2.983,50 (dois mil, novecentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos);
e) O do Instituto da Segurança Social, relativo a contribuições/cotizações, no valor de € 1.136,42 (mil, cento e trinta e seis euros e quarenta e dois cêntimos);
f) O da sociedade C..., Unipessoal, Lda., no valor de € 75.506,25 (setenta e cinco mil, quinhentos e seis euros e vinte e cinco cêntimos), respeitante a fornecimento de calçado, acrescido de juros legais no valor de € 2.529,72;
g) O da Fazenda Nacional, relativo a IRS, no valor de € 89,71 (oitenta e nove euros e setenta e um cêntimo);
h) O da sociedade I..., Lda., no valor de € 508,48 (quinhentos e oito euros e quarenta e oito cêntimos), i) O da sociedade D..., LLC, no valor de € 392.003,00 (trezentos e noventa e dois mil e três euros), acrescido de juros no valor de € 25.617,67;
j) O da sociedade A..., Lda., no valor de € 56.575,60 (cinquenta e seis mil, quinhentos e setenta e cinco euros e sessenta cêntimos), acrescido de juros no valor de € 2352,85;
l) O da sociedade J..., Unip. Lda., no valor de € 141,70 (cento e quarenta e um euros e setenta cêntimos);
m) O da empresa K..., no valor de € 3.183,15 (três mil, cento e oitenta e três euros e quinze cêntimos);
n) O da L... GMBH-Sucursal em Portugal, no valor de € 30.098,73 (trinta mil e noventa e oito euros e setenta e três cêntimos).
47. Por decisão de 02 de junho de 2015 o referido processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, não tendo os credores da sociedade insolvente acima elencados (ponto 46.º), aí recebido os valores em dinheiro de que eram credores em relação à B... Sociedade Unipessoal, Lda., apesar dos respetivos créditos terem sido aí reconhecidos.
48. O não pagamento no processo de insolvência das dívidas que a sociedade B... Sociedade Unipessoal, Lda. tinha para com os seus trabalhadores GG, HH, II e JJ, nos valores referidos no ponto 46.º, relativos a créditos laborais, e ainda de outras dívida dos demais credores, deveu-se ao facto dos arguidos AA e BB, como gerentes efetivos da mesma sociedade, de comum acordo e em conjugação de esforços, recorrendo também à arguida CC enquanto gerente de direito, terem retirado da forma acima descrita (nos pontos 21, 22, 23, 24, 25, 39 e 43) dinheiro da sociedade, em proveito próprio.
49. Os arguido AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços entre si, socorrendo-se ainda de CC, atuando esta como gerente de direito, em nome e em representação da sociedade B... Sociedade Unipessoal Lda., enquanto os referidos AA e BB atuavam como gerentes efetivos da mesma sociedade, bem sabendo que retiravam dinheiro da conta bancária da sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., pertencente a esta, para várias contas bancárias de que os arguidos eram titulares em nome pessoal, que registavam na contabilidade da empresa factos e operações falsas, que utilizavam dinheiro da empresa B... para gastos pessoais, sabendo que dessa forma descapitalizavam a B... Sociedade Unipessoal Lda., e que faziam das várias formas descritas desaparecer o dinheiro e os bens desta empresa, sabendo ainda que, com as suas referidas condutas, prejudicavam, como era sua intenção, os respetivos credores, que ficavam com os créditos que tinham sobre a empresa por pagar e que causariam a insolvência da empresa, bem com a sua declaração judicial, o que conseguiram.
50. Os arguidos AA e BB sabiam ainda que, com as suas condutas descritas, os créditos de natureza laboral que os trabalhadores tinham sobre a empresa B... Sociedade Unipessoal, Lda. ficariam, como ficaram, por pagar, por inexistência de bens e dinheiro da massa insolvente.
51. Os arguidos AA e BB, como gerentes efetivos da mesma sociedade, agiram com o propósito concretizado de prejudicar os credores da empresa B... Sociedade Unipessoal Lda. - acima mencionados (no ponto 46.º).
52. Os arguidos AA e BB sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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53. Representantes da sociedade D... abordaram, em 2014, o arguido AA para que a B... fornecesse àquela sapatos, quer para a própria marca (D...), quer para as marcas ... e ..., representadas por aquela sociedade D... – abordagem que veio a culminar no acordo de fornecimento celebrado no ponto 11.
54. A D... já tinha negociado, para a época anterior, um fornecimento de calçado pela B..., que esta realizou, tendo o negócio corrido em termos satisfatórios para ambas as partes.
55. A sociedade D... tinha conhecimento que a B... não tinha estrutura produtiva, nem capacidade de produção própria, assumindo, no ciclo produtivo, trabalho intermédio entre a D... e as empresas que iriam produzir o calçado a fornecer.
56. Por isso, a D... sabia que a B... teria que contratar o fabrico dos sapatos a terceiros, tendo os próprios arguidos AA e BB acompanhado representantes da D... a fábricas.
57. A D... solicitou à B... alterações de dimensões, características e detalhes dos sapatos a fornecer por esta, para a época de outono/inverno, fazendo com que a B... tivesse de comunicar as alterações às fábricas.
58. A sociedade B... fez contratos para o fabrico de calçado, amostras de calçado ou compra de material para serem produzidas amostras às empresas M..., Lda., N..., Unipessoal, Lda., O..., Lda., P..., Q..., Lda. e R..., Lda., não tendo nenhuma destas empresas reclamado créditos no processo de insolvência da sociedade B....
59. A sociedade C... Unipessoal, Lda. registou atrasos recorrentes na entrega do calçado que lhe foi encomendado pela B....
60. A sociedade C... Unipessoal, Lda. emitiu uma nota de crédito a favor da B..., relativa ao calçado entregue, referido nos pontos 15 e 16, no montante de € 33.130,68.24
61. A A... produziu calçado encomendado pela B... que, em verificações de controlo de qualidade feitas por esta, em 22/07/2014 e 31/07/2014, apresentava defeitos, levando esta sociedade a remeter àquela as mensagens de correio eletrónico que se mostram juntas a fls. 1302 a 1362, de 23/07/2014 e 06/08/2014, que aqui se dão por reproduzidas. Entre os defeitos indicados pela B... constam os seguintes: - pele de sapatos partida, forro engelhado, torto e com cola visível; - sapatos com unidades de tamanho e alturas diferentes; - costuras tortas; -pregas na pele; atacadores sujos e manchados. A B... comunicou, nessas mensagens, entre o mais, que considerava tais situações inaceitáveis.
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62. O arguido AA é natural de ..., concelho do Porto, sendo o mais novo de três irmãos, proveniente de uma família estruturada, de mediana condição socioeconómica, (pai piloto civil e mãe doméstica), organizada no seu funcionamento interno.
63. Estudou no Porto, num colégio privado até ao 5º ano, depois frequentou uma escola pública, onde concluiu o 3º ciclo, vindo a concluir o 12º ano no ensino privado, no Porto. Ingressou no ensino superior, também no Porto, onde frequentou durante 3 anos o curso de Gestão. Todavia, não concluiu a licenciatura.
64. Conheceu, nessa altura BB (coarguida), atual cônjuge, a qual era estudante universitária na cidade do Porto.
65. Em 1995, iniciou a sua atividade profissional como empregado fabril em empresa de calçado (S...), na freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, empresa essa pertença do sogro, que posteriormente (por volta de 1999/2000) abriu falência.
66. Geriu com a esposa (BB) a empresa B..., Sociedade Unipessoal, Lda., no setor do calçado.
67. Em 10/05/1997, casou com BB, tendo o casal duas filhas em comum, com 23 e 19 anos de idades, ambos estudantes.
68. O casal reside em apartamento próprio, adquirido através de recurso a empréstimo bancário, de tipologia 3, situado no centro da cidade de São João da Madeira, com boas condições de habitabilidade e conforto.
69. Em termos financeiros, o arguido aufere um vencimento mensal de 1000€ e o cônjuge aproximadamente 1200€ mensais. Pagam uma prestação mensal do empréstimo à habitação no valor de 300€, tendo uma média de 200€ mensais de despesas fixas relacionadas com a habitação.
70. A atividade profissional absorve muito tempo da vida do casal. Todavia, sempre teve uma boa relação familiar e social, mantém um grupo restrito de amigos para socializar, jantando em casa destes, visitando a mãe e os sogros.
71. No seio familiar, o arguido é considerado pessoa responsável, emocionalmente equilibrada, embora recatado na partilha pessoal.
72. Não é a primeira vez que o arguido se vê confrontado com o sistema de administração da justiça penal.
73. O presente processo transporta o arguido para um sentimento de ansiedade e preocupação, atendendo à incerteza do seu desfecho.
74. O arguido é capaz de reconhecer comportamentos fora do normativo, compreendendo, nessa circunstância, o papel regulador das instâncias judiciais.
75. Relativamente a factos da natureza dos que são objeto dos presentes autos, o arguido reconhece, em abstrato, a ilicitude dos mesmos, contudo coloca-se numa postura de afastamento quanto a estes.
76. Não tem antecedentes criminais registados.
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77. O processo educativo da arguida BB desenvolveu-se num enquadramento familiar sem especiais dificuldades materiais, tendo sempre usufruído de boas condições a este nível. Tem uma irmã mais nova.
78. Viveu com os pais, ambos empresários na área do calçado, e com a irmã, até aos 15 anos.
79. Em idade considerada normal, ingressou no sistema de ensino, prosseguindo os estudos até ao ensino superior. O seu percurso académico foi ajustado, sem reprovações / retenções. No ensino secundário frequentou o Colégio ..., onde permanecia durante a semana, indo a casa aos fins de semana. Frequentou o curso superior ..., tendo ficado a residir na cidade Porto, onde partilhava habitação com outros estudantes. Contudo, não terminou a licenciatura, para iniciar o seu percurso profissional.
80. Iniciou a sua trajetória profissional em várias empresas, sempre por conta de outrem, tendo trabalhado na empresa do pai durante 2 anos, antes do encerramento desta, devido a dificuldades financeiras e dívidas.
81. Em 2008 desenvolveu em conjunto com o cônjuge (coarguido), na empresa B..., Sociedade Unipessoal, Lda., empresa que mantiveram até 2015. O encerramento desta empresa na sequência do pedido de insolvência da mesma, em ação instaurada pela empresa “A...”.
82. Por volta dos seus 22 anos, a arguida iniciou relacionamento amoroso com AA, também arguido no presente processo, enquanto frequentavam o ensino superior na cidade do Porto.
83. Contraíram matrimónio, em 10/05/1997, tendo no decurso do mesmo nascido duas filhas de 19 e 23 anos, ambas estudantes no ensino superior.
84. O relacionamento entre o casal é equilibrado e reciprocamente apoiante.
85. Na altura dos factos, e como atualmente, a arguida BB reside com o cônjuge (coarguido). Retiram proventos económicos dos salários mensais de ambos.
86. Despendem, em média, o valor de 450€, para propinas e alimentação das filhas.
87. A habitação do agregado está inserida em meio residencial não conectado com focos delinquenciais relevantes.
88. Presentemente, a arguida labora na empresa do marido, de venda de peles e solas, onde tem a função de administradora/administrativa.
89. No meio social, a imagem da arguida e família é associada a conduta adequada e de acordo com o normativo, parecendo não desenvolverem nesse local especiais relações de amizade e/ou interação com pessoas aí residentes.
90. Encara o presente processo de forma preocupada e apreensiva. A situação jurídico-penal teve um impacto significativo na vida pessoal e profissional da arguida, encontrando-se desgastada emocionalmente e fisicamente.
91. A arguida reconhece, em abstrato, a ilicitude de factos da natureza daqueles que são objeto dos presentes autos, bem como danos consequentes e implicações para eventuais vítimas.
92. Não tem antecedentes criminais registados.
93. Os arguidos AA e BB auferiram, para efeitos de IRS, os seguintes rendimentos: - no ano de 2013, o rendimento global de € 8617,31, com retenções na fonte de € 777, sendo o rendimento coletável de € 731,31; - no ano de 2014, o rendimento global de € 29.041,56, com retenções na fonte de € 5446, sendo o rendimento coletável de € 24.397,56; - no ano de 2015, o rendimento global € 29.353,16, com retenções na fonte de € 4.081, sendo o rendimento coletável de € 21.145,16.
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94. A arguida CC é natural de .... É a terceira de uma fratria de sete.
95. É oriunda de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica, composto pelo progenitor, trabalhador agrícola, a progenitora, doméstica, e os irmãos, vivendo o agregado familiar em habitação arrendada.
96. O ambiente familiar era funcional e afetivo, tendo sido incutidos à arguida valores sociais e morais adequados, de um modelo educativo de responsabilização, proteção e valorização pelo trabalho.
97. Ingressou no 1.º ano de escolaridade, um ano mais tarde do que legalmente estipulado, tendo um percurso escolar regular até à frequência da 4.ª classe. Por imposição dos progenitores, abandonou os estudos e iniciou atividade laboral, a fim de contribuir economicamente para o agregado, tendo ingressado no mercado de trabalho como aprendiz numa fábrica de confeções têxteis, tendo-se mantido nessa área durante alguns anos.
98. Aos 22 anos, contraiu matrimónio com LL, que faleceu no passado dia 01-06-2022, tendo desta união duas descendentes, BB e MM.
99. O casal passou a residir numa habitação arrendada e, posteriormente em habitação própria. Contemporaneamente, o cônjuge da arguida abriu uma fábrica de calçado na Zona Industrial ..., passando a arguida a trabalhar com o seu cônjuge na referida fábrica.
100. O casal manteve a fábrica operacional durante aproximadamente 40 anos, tendo a mesma encerrado por problemas financeiros (alegadamente, por falta de pagamento por parte de clientes). Após o encerramento, o casal vendeu património, adquirido ao longo dos anos, para liquidar dívidas, tendo a arguida ficado desempregada, até reunir condições suficientes para obter a reforma (com 48 anos de descontos).
101. A arguida era sócia e gerente de direito da empresa B... Sociedade Unipessoal, Lda., mantendo-se a empresa operacional até 2015, altura em que foi encerrada (na sequência de insolvência requerida).
102. À data dos factos em causa nestes autos, a arguida integrava o agregado familiar composto pelo cônjuge, LL, de 76 anos, reformado, e a filha mais nova do casal, MM, de 45 anos, comercial na área do calçado.
103. Entre agosto de 2021 e maio de 2022, o cônjuge, com dificuldades a nível motor e princípios de demência, esteve residir num Lar em ... até ao seu falecimento.
104. Atualmente, a arguida mantém coabitação com a filha MM, sendo a ambiência intrafamiliar considerada equilibrada em termos afetivos e relacionais. Beneficia do apoio das suas filhas.
105. A habitação em que reside, há cerca de 20 anos, encontra-se localizada em zona residencial próxima do centro de ..., sem conexão a problemáticas sociais e de marginalidade, tratando-se de uma moradia isolada com boas condições de habitabilidade.
106. A arguida recebe aproximadamente 600 euros mensais de reforma, aguardando a atribuição da pensão de viuvez por parte da Segurança Social, tendo como despesas fixas as inerentes à casa de habitação.
107. No meio social envolvente, a arguida goza de uma boa imagem social, sendo considerada pessoa de bom trato, não gerando conflitos com outros elementos da comunidade, imagem extensível aos restantes elementos do seu agregado.
108. A presente situação jurídico-penal não é o seu primeiro confronto com o sistema da administração da Justiça Penal.
109. Perante factos da mesma natureza dos que estão em causa nos autos, a arguida evidencia capacidade para, em abstrato, reconhecer a sua ilicitude.
110. Manifesta constrangimento por se ver envolvida num processo judicial.
111. Não tem antecedentes criminais registados.
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112. A arguida CC e o marido LL auferiram, para efeitos de IRS, os seguintes rendimentos: - no ano de 2013, o rendimento global de € 21.263,90, sendo o rendimento coletável de € 13.055,90; - no ano de 2014, o rendimento global de € 21.263,89, sendo o rendimento coletável de € 13.055,89.
113. A arguida CC auferiu, para efeitos de IRS, no ano de 2015, o rendimento global de € 8.939,67, sendo o rendimento coletável de € 4.835,67.
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Da discussão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para decisão da causa, tendo designadamente resultados não provados os seguintes:
i. A arguida CC era responsável por tudo o que se passava na sociedade B..., e assinava toda a documentação da mesma.
ii. A arguida CC era também gerente de facto da sociedade B..., estando inteirada de toda a atuação dos arguidos AA e BB, em nome, no interesse e representação da dita sociedade, agindo estes sempre com o acordo daquela.
iii. Os arguidos AA e BB apresentavam-se, a todos os que lidavam com a sociedade B... no exercício da sua atividade comercial, como donos e gerentes (de direito) desta última.
iv. Os arguidos AA e BB angariaram o cliente D... LLC numa feira realizada nos Estados Unidos.
v. A D... estava constantemente a alterar as instruções que havia dado à B... a propósito das dimensões, características e detalhes dos sapatos.
vi. A D..., através de EE e FF, encomendou ainda à B... a produção de várias coleções e várias linhas de calçado de verão, que foram integralmente realizadas.
vii. A elaboração dessas coleções e linhas, compreendendo o design dos sapatos e a encomenda de 24000 pares, inteiramente suportada pela B... e pelos arguidos AA e BB, redundou num custo de € 227.500,00 (faturas da B... de fls. 1290 e 1291, doc. 4 da contestação),
viii. A D..., através de EE e FF, transmitiu à B... que esse montante seria pago a esta última.
ix. Para além do preço pela conceção dos sapatos e pelo fabrico de cerca de 24000 pares, a B... iria depois vender esses sapatos à D... com uma margem de lucro de cerca de 20%.
x. A B... entregou à D... mercadoria (calçado) no valor de € 278.611,92.
xi. A B... celebrou contratos para o fabrico de calçado com a empresa T....
xii. A apresentação de produtos defeituosos pela A... foi a causa de atrasos na entrega da B... à D....
xiii. O cheque o cheque n.º ..., no valor de € 24.000,00, referido no ponto 19 da factualidade provada não se destinava a pagar empréstimos de CC, tendo-se tratado de uma forma de retirar dinheiro à sociedade em prejuízo desta e dos seus credores.
xiv. Todas as despesas dos funcionários da D... que vieram a Portugal foram integralmente suportadas pela B... e pelos arguidos.
xv. Os arguidos levaram esses representantes a conhecer o Algarve, viagem que foi custeada na totalidade pela B....
xvi. A criação da marca ... precedeu a realização do primeiro negócio com a D....
xvii. Os arguidos AA e BB pagaram todos os salários aos trabalhadores GG, HH, II e JJ e ainda os auxiliaram com os processos de obtenção do subsídio de desemprego, tendo sido confiado ao advogado da B... da altura a adoção dos procedimentos legais no que toca à cessação dos respetivos contratos de trabalho.
xviii. A arguida CC decidiu, de comum acordo com os demais arguidos, retirar dinheiro da sociedade B... em proveito próprio dos três e com prejuízo dos credores.
xix. Os arguidos gastaram, em proveito dos três, pelo menos na sua integralidade, as quantias referidas nos pontos 22, 23,25, 30 e 33 da factualidade provada
xx. Os arguidos transferiram trabalhadores da sociedade B... para a sociedade H....
xxi. A arguida CC agiu conscientemente, mancomunada com os demais arguidos, sabendo que prejudicava os credores da sociedade B... e que causaria a insolvência da empresa.
xxii. A arguida CC sabia que os créditos que os trabalhadores tinham a título de salários sobre a B... ficariam por pagar por inexistência de bens e dinheiro
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Motivação:
No ordenamento processual penal vigente, são admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei (art. 125º do Código de Processo Penal).
A prova, por outro lado, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art. 127º do Código de Processo Penal).
A livre apreciação da prova comporta duas vertentes: por um lado, quem decide deverá fazê-lo de acordo com a sua íntima convicção em face do rol de provas apresentadas no processo, em especial na audiência de julgamento; por outro lado, essa convicção, objetivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência, não está sujeita, salvo em contados casos especialmente previstos, a critérios legais predeterminados do valor a atribuir às provas.25
A convicção do(s) juiz(es) há de ser “uma convicção pessoal – até porque nela desempenha papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros”.26
A livre apreciação da prova pelo julgador deve ser vista em consonância com os princípios da oralidade e da imediação.
Oralidade, no sentido de “forma oral de atingir a decisão”. Imediação no sentido da “relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base a sua decisão”.27
«Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos, perícias e outras provas constituídas, também, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram».28
A propósito da livre valoração da prova, é usual trazer à liça a questão da valoração das declarações incriminatórias de coarguido relativamente a outro/s coarguido/s.
Sufraga-se, nesta matéria, o entendimento de que as «declarações de coarguido são valoráveis ao abrigo do art. 127.º do CPP.
Na verdade, não existe nenhuma restrição legal, no sentido de proibir a prova obtida através das declarações de coarguido, pelo que é admissível ao abrigo do art. 125.º do CPP, para além de não ser proibida, por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no art. 126.º do CPP, sendo certo que a tal entendimento não obsta o facto de estar impedido de depor como testemunha (art. 133.º, n.º 1, al. a), do CPP), já que tal norma visa a proteção do próprio arguido, por poder prejudicar o seu direito de defesa, caso estivesse obrigado a falar com a verdade.
As declarações do coarguido estão sujeitas ao artigo 127.º do CPP e, como tal, poderão por si só formar a convicção do tribunal no sentido da condenação de outro coarguido. É certo que o crivo na apreciação da força probatória deverá ser apertado, mas se, atendendo ao modo como depôs e sua razão de ciência, o tribunal ficar convencido de determinada factualidade, nada impede que a dê como provada (ou não provada) apenas com base nas declarações do coarguido.
(…)
Saliente-se que é constitucional a valoração de declarações de um coarguido em desfavor de outro, que se remeteu ao silêncio (Ac. do TC n.º 133/2010 de 18 de Maio de 2010, DR-II série, n.º 96)».29
No entanto, tal valoração do tribunal apenas poderá ser feita quando o arguido que incrimine outro coarguido se não recuse a responder às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo Tribunal, quer pelo M. Público, quer por Advogado do Assistente, quer por Defensores (art. 345º, n.º 4 do Código de Processo Penal, aditado pela Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto).
Para as declarações incriminatórias do coarguido poderem valer contra o outro coarguido, em julgamento, este deve ter a “efetiva possibilidade de o poder contraditar em
audiência, de exercer um contraditório pela prova, e não apenas um contraditório sobre a prova.
A ausência de respostas às perguntas do tribunal e/ou a solicitação do MP e da defesa, neutraliza em absoluto quaisquer efeitos da declaração incriminatória do coarguido.
Do que se trata, então, é de retirar valor probatório a declarações subtraídas ao contraditório”.30
Prosseguindo, o princípio da livre apreciação da prova encontra um desvio na prova pericial.
A prova pericial, que tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos - art. 151º do Código de Processo Penal.
Dispõe o art. 163.º do Código de Processo Penal que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos.
A prova pericial é, portanto, de apreciação vinculada.31
Se discordar do relatório pericial, o tribunal está obrigado a fundamentar a sua posição «de forma verificável, expondo as suas razões que se devem reconduzir ao estrito plano científico no âmbito do qual a perícia foi solicitada. A discordância não pode afastar-se daquilo que são os “standards” científicos específicos”.32
Lançando agora o olhar sobre a prova documental, é de referir que, ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria.
De todo o modo, a impugnação de um documento particular, ainda que não seja estabelecida a sua veracidade, não afasta a possibilidade da sua valoração pelo tribunal, sendo um meio de prova passível de ser livremente apreciado (art. 127º do Código de Processo Penal).33
Dizendo o mesmo, por outras palavras, estes documentos estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova.
Prosseguindo, acrescenta-se ainda que, para além da prova direta, a lei admite a comummente denominada prova indireta ou indiciária.
Com efeito, «a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adoção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial.
Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não forem proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC).
As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)».
Feitas estas referências genéricas de cariz normativo, debrucemo-nos sobre a situação dos autos.
A convicção do tribunal resultou da consideração, à luz de regras de experiência comum, das declarações do arguido AA prestadas em julgamento, mas unicamente quanto à factualidade atinente ao próprio, uma vez que aquele, a certa altura, perante as perguntas e pedidos de esclarecimento formulados pelo juiz presidente, optou por não prestar mais declarações.
De todo o modo, as declarações do arguido AA não podem ser, e por isso não são valoradas em prejuízo das coarguidas, uma vez que aquele optou, a certa altura, por não continuar a prestar declarações.
De todo o modo, a factualidade que o tribunal coletivo dê como provada, na medida em que contenda com mais do que um dos arguidos, deve ser válida e coerente para todos os envolvidos.
Consideraram-se, conjugadamente com tais declarações e com meios de prova infra referidos, o relatório elaborado Setor de Perícia Financeira e Contabilística (SPFC) da Polícia Judiciária (PJ), junto aos autos a fls. 670 a 721 (sendo que fls. 692 a 721 são mapas anexos ao relatório propriamente dito), elaborado pela Especialista NN, a qual em audiência reiterou o respetivo teor, tendo prestado os esclarecimentos que lhe foram solicitados pelos diferentes sujeitos processuais.
Mais se ponderam, conjugadamente, os depoimentos das testemunhas:
- FF, que era um dos donos da empresa D..., LLC, empresa com sede nos EUA, que se referiu às relações comerciais daquela empresa (e E...) com a B... e respetivos intervenientes, bem às incidências fácticas relacionadas com a sua execução e desenvolvimentos subsequentes, incluindo no âmbito financeiro;
- DD, sócio-gerente da sociedade A..., Lda., tendo-se referido ao negócio celebrado com a empresa B... para a fabricação de calçado e seus intervenientes, bem como às incidências fácticas relativas à sua execução e desenvolvimentos subsequentes, incluindo atuações dos seus intervenientes;
- KK, que era sócio-gerente da sociedade C..., Unipessoal, Lda., tendo-se referido ao negócio celebrado com a empresa B... para a fabricação de calçado, bem como às incidências fácticas relativas à sua execução e desenvolvimentos subsequentes, incluindo às atuações dos seus intervenientes;
- OO, contabilista certificado da sociedade B... até à declaração de insolvência e ainda da sociedade H...; disse que, embora assinasse a contabilidade da B..., a mesma não era, ao tempo dos factos, por si elaborada, mas por uma colaboradora; não mostrou estar cabalmente inteirado dos assuntos, disse por exemplo estar convencido de que havia conciliação bancária entre os movimentos bancários e a contabilidade, com congruência entre aqueles e os lançamentos contabilísticos, mas ressuma do seu depoimento de que não tinha ciência certa; e tanto não tinha que o seu afirmado convencimento era realmente infundado, tendo em conta o com o que expressamente consta do relatório do SPFC da PJ junto aos autos (veja-se, nomeadamente, o que aí se diz a fls. 689 e 690 a respeito da empresa U..., tendo-se presente o disposto no art. 63º-C da Lei Geral Tributária, que obrigava a que os pagamentos fossem feitos por conta bancária da empresa, devendo os pagamentos então superiores a € 1000 ser feitos por meio que permita a identificação do destinatário; referiu-se, ainda, ao papel e atuações dos arguidos na sociedade B...; não mostrou estar inteirado da transferência de € 247 000 para a conta do arguido AA, nada adiantando de substancial a tal respeito;
- PP, Administrador de Insolvência no processo de insolvência da sociedade B..., que se referiu, que basicamente remeteu para as peças que elaborou para aquele processo, não tendo revelado ter muito presente a situação em apreço;
- HH, II, QQ e RR, trabalhadores ou colaboradores da empresa B..., tendo-se referido às relações de cariz laboral estabelecidas na B... e atuações dos arguidos no seio da sociedade, tendo-se referido os dois primeiros ao pagamento dos salários, tendo a primeira dito, nomeadamente, que na sequência da insolvência, lhe foi feito pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial (FGS).
Ponderaram-se, conjugadamente com os demais meios de prova, sempre à luz de regras de experiência, os seguintes:
- fls. 4 a 24, Certidão do processo de Insolvência da sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda., com o n.º 978/15.0T9OAZ, instaurada pela A..., Lda.; essa certidão, que está na génese dos presentes autos, foi extraída daqueles autos a requerimento do M. Público, por suspeitas de crime; na ação de insolvência, a B... deduziu contestação, aceitando expressamente, entre o mais, que a requerente A... lhe forneceu produtos no valor de € 56.575,60, os das faturas juntas aos autos, que deveriam ser pagas a pronto, mas nada lhe pagou; alegou, ainda, que não tinha possibilidades de pagar tal montante à requerente; foi declarada a insolvência pelo tribunal, em 27/03/2015, com fundamento, na qualidade de credor do requerente, de “falta de pagamento do crédito e desconhecimento de ativo suscetível de o solver”;
- Fls. 36 a 37, documentos com dados da DGCI, relativos à sociedade B..., pessoa que era gerente de direito e técnico de contas daquela;
- Fls. 50 a 345, declarações de IES (Informações Empresariais Simplificadas) e anexos, relativos à sociedade B..., relativos aos anos de 2009 a 2013, juntas a fls. 50 a 345;
A este respeito é pertinente salientar o seguinte: na declaração do IES apresentada no ano de 2013, a fls. 283, no quadro das Contas a Receber e a Pagar, conta 23, relativa ao Pessoal, não há indicação de qualquer montante a pagar. Ou seja, não havia dívidas a pagar ao pessoal. E, como tal, a empresa B... nada devia aos arguidos AA e BB (cfr. informação da Segurança Social a fls. 726, 733 e 734). Não houve no julgamento qualquer referência a dívidas da sociedade B... por saldar aos arguidos AA e BB, mormente relativas a créditos laborais; naturalmente, se estes arguidos fossem credores da B... razão a omitir nas contas desta empresa:
- Fls. 373 a 387, cópias do processo de insolvência do processo n.º 978/15.0T8OAZ, nomeadamente da assembleia de credores, relatório do Administrador de Insolvência a que alude o art. 155º do CIRE, relação de créditos elaborada nos termos do art. 129º do CIRE e inventário elaborado nos termos do art. 153º do CIRE e, ainda, sentença declaração de insolvência; foi prestada a informação, ainda, pelo Juízo do Comércio de que não foi aberto o incidente de qualificação da insolvência;
- Fls. 389 a 418, cópias do processo n.º 335/14.5T8VFR, ação declarativa, com processo comum, instaurada pela D... LLC contra a B... e contra o aqui arguido AA, nomeadamente petição inicial, documentos e sentença, já transitada em julgado;
- Fls. 458 a 505 e fls. 524 a 665, balancetes gerais e Financeiros e extratos de conta de conferência, diários e outros documentos contabilísticos da sociedade B..., relativa aos anos de 2014 e 2015 e, a fls. 506, auto de receção das pastas de arquivo da contabilidade, pelo arguido AA, das pastas de contabilidade daquela sociedade, em 02/08/2016;
- Fls. 658 a 660, fichas de identificação civil dos arguidos;
 - Fls. 726 a 734 e 737 a 743, informações do Instituto da Segurança Social dos colaboradores da sociedade B... e H..., e fls. 745 a 749, fichas de identificação civil de trabalhadores;
- Fls. 786 e 787, fichas de registo automóvel dos veículos de matrícula ..-JA-.. e ..-OZ-.., tendo o primeiro dos veículos sido vendido pela B... à H..., com registo da aquisição em 29/10/2014;
- Fls. 906 a 908, certidões de nascimento dos arguidos;
- Fls. 910 e 911, certidão permanente da sociedade H..., Unipessoal, Lda., e fls. 914 a 919, informações da ATA sobre essa sociedade, nomeadamente declaração de início de atividade para efeitos fiscais, em 09/07/2014 (cfr. também certidão permanente junta a fls. 450 a 452)
- Fls. 926 a 927, informação do Banco 4..., com cópia de cheque, no montante de € 28 000, passado pelo arguido AA à V...;
- Fls. 929 a 932, informação da Banco 6..., com cópia do contrato de abertura de conta e prestação de serviços, por parte da arguida BB, e ficha de assinatura;
- Fls. 943 a 949, informação do Banco 4..., com cópia da ficha de assinaturas;
- Fls. 950 a 967, informação Banco 2... sobre contas bancárias e documentos bancários;
- Fls. 969 a 971, certidão permanente da sociedade B..., Sociedade Unipessoal, Lda. (cfr. fls. 26 a 29);
- Fls. 993 a 1003, certidão permanente da sociedade V..., SA, que tem por objeto a importação e comercialização de G..., bem como a prestação da respetiva assistência técnica;
- Fls. 1055 a 1077, certidão extraída do inquérito n.º 443/15.5T9SJM, incluindo queixa criminal e acusação;
- Fls. 1259 a 1367, documentos juntos pelos arguidos AA e BB com a contestação, incluindo, designadamente, cópia do acórdão proferido no processo n.º 443/15.5T9SJM, faturas da B... às sociedades E... e D..., faturas de outras empresa passadas à B..., nota de crédito da C..., carta da B... à C... Unipessoal, Lda., ordens de encomenda, mails dirigidas à A..., fotos de calçado com indicação de falhas de qualidade e carta de cancelamento de encomendas;
- Ref. elet. 1449573 de 28/04/2023 (acórdão do TRP, que absolveu os arguidos da prática de um crime de burla, proferido no processo n.º 443/15.5T9SJM);
- Ref. elet. citius 14743404, de 22/06/2023 (documento remetido pela testemunha FF, aludido no seu depoimento testemunha, o qual foi determinado juntar aos autos, embora, melhor compulsados os autos, já se mostrasse nestes, nomeadamente a fls. 4, com tradução a fls. 18, ambos do Apenso;
- Declarações de IRS e correspondentes liquidações, dos arguidos AA e BB, com as refs. .... ... e ..., de 28/06/2023;
- Declarações de IRS e correspondentes liquidações, da arguida CC, relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015, juntas eletronicamente aos autos com a ref. elet. ... de 04/07/2023;
- Apenso, de fls. 1 a 174, composto por cópias de documentos extraídas do processo criminal n.º 443/15.5T9SJM (cfr. fls. 508 a 516 dos autos deste processo n.º 274/15.2T9SJM; nesse apenso constam, nomeadamente, e-mails e respetivas traduções, enviadas de e para os arguidos e a B..., incluindo da testemunha KK, e ainda documentação das contas bancárias (para listagem dos documentos, cfr. fls. 508).
Passemos, então, à análise crítica da prova.
Uma nota prévia para dizer que na factualidade provada e não provada se procurou evitar a factualidade meramente conclusiva, assim como as asserções de índole jurídica ou normativa.
Dito isto, no tocante às incidências relacionadas com a constituição, NUIPC, capital social, objeto social, sedes, titulares de quotas sociais e titulares dos órgão de gerência inscritos no registo comercial, entre o mais, das sociedades B..., H... e F..., baseou-se o tribunal coletivo nos documentos juntos aos autos, nomeadamente as certidões permanentes daquelas sociedades, juntas a fls. 910 e 911, 969 a 971 e 982 a 988, declaração de início de atividade de fls. 914 a 919 e, ancilarmente, na certidão do processo de insolvência de fls. 374 e segs., nas informações do ISS de fls. 726 a 734 e fls. 737 a 743 e, ainda, nos assentos de nascimento de fls. 906 a 908..
Quanto à atividade comercial desenvolvida na prática pela sociedade B..., ao tempo dos factos em causa nestes autos, resulta das declarações do arguido AA e dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência, nomeadamente de FF, DD e KK, concatenadas com os documentos juntos aos autos, incluindo os referidos no parágrafo anterior atinentes a tal sociedade, mas não só, vejam-se, por exemplo, fls. 2 a 32 do Apenso, fls. 400 a 410 e mesmo documentos juntos com a contestação dos arguidos que foi admitidas nos autos.
Decorre, sem controvérsia, dos depoimentos testemunhais que sociedade B..., como aliás alegam os arguidos AA e BB na contestação, negociando em calçado, não dispunha de estrutura de fabricação própria, vendia por grosso aos seus clientes, encomendando o calçado a empresas dedicadas à respetiva fabricação, envolvendo-se também no desenvolvimento dos modelos.
Quanto gerência de facto da sociedade B..., resulta dos depoimentos testemunhais de FF, DD e KK, legais representantes de sociedades que se relacionaram comercialmente com aquela empresa, de HH, JJ, II, QQ e RR, trabalhadores ou colaboradores da empresa, bem como até de OO, técnico de contas responsável pela contabilidade, que eram os arguidos AA e BB, ambos, que dirigiam o funcionamento empresa, o desenvolvimento da sua atividade e o cumprimento das suas obrigações
O arguido AA confessou a assunção de tais funções, dando relevo à sua atuação por comparação com o da esposa, e apartando da gestão da empresa a sua sogra, a arguida CC.
A documentação coligida nos autos aponta igualmente no sentido de que a sociedade B... era gerida, de facto, pelos arguidos AA e BB, sendo a atividade desta assegurada por ambos (veja-se fls. 1 a 20 do Apenso, em que por exemplo a fls. 7 e 8, com tradução a fls. 23 e 24, a arguida SS envia um mail para D... comunicando, no seguimento de reunião, as condições de pagamento das encomendas; veja-se, ainda, por exemplo, ainda o mail de fls. 1302 e segs., doc. 15 da  contestação, em que mail remetido ao legal representante da A... é enviado, para conhecimento, a ambos os arguidos).
Em consonância, ambos os arguidos AA e BB constavam inscritos na segurança social como colaboradores da B... (fls. 733 e 734). E eram, como são, casados entre si, sendo a arguida BB filha da sócia única, e gerente de direito, da B...,
Abrindo um parêntesis, e a título de curiosidade, verifica-se que os referidos arguidos, AA e BB, requereram abertura de instrução sustentando não haver indícios nos autos de serem gestores de facto da B.... Na contestação apresentada, na fase de julgamento, não refutaram diretamente exercerem a gestão de facto da empresa. Aliás, a alegação inculca até o contrário (vejam-se, por exemplo, pontos 7, parte final, 13º, 22º, 23º, 34º, 43º,44º da contestação).
Retomando o que se dizia, resulta dos suprarreferidos depoimentos testemunhais, colimados com os documentos, que os arguidos AA e BB atuavam, se assumiam e apresentavam como os administradores da sociedade B..., ou seja, como as pessoas com poderes de gestão e direção. Aliás, o arguido AA anunciou em rede social, mais vocacionada para o mundo laboral e empresarial, o Linkedin, que tinha a qualidade de CEO da empresa (cfr. fls. 409 e 410).
Administradores, não no sentido de representantes legais, até porque a B... era uma sociedade unipessoal por quotas. Administradores, portanto, no sentido de pessoas responsáveis pela gestão.
O facto de os arguidos AA e BB se assumirem e apresentarem como administradores não significa que invocassem a qualidade de representantes legais, ou seja, de gerentes (de direito) da B....
É sintomático, a este respeito, que os colaboradores da B... vissem os arguidos AA e BB como seus “patrões”, o que não é desligável das funções que assumiam, perante os colaboradores e demais pessoas.
Diversamente, dos depoimentos das indicadas testemunhas DD, KK, FF, HH, JJ, II, QQ e RR e OO,  devidamente concatenadas com as declarações do arguido AA, ressuma que a arguida CC não teve intervenção pessoal nos negócios celebrados com as empresas A... e C..., Unipessoal, Lda. e na respetiva execução. Aliás, do depoimento da testemunha KK resulta que CC não estava inteirada do negócio celebrado com a C... e respetivas contingências. A testemunha FF não referiu, em momento algum, a atuação ou intervenção da arguida CC. Dos depoimentos testemunhais dos trabalhadores e do contabilista da B..., resulta que a referida CC se deslocava esporadicamente à empresa, para visitar a filha e para assinar papéis.
A arguida CC, ao tempo dos factos, andava por volta dos 65 anos e era pessoa que não tinha sequer o 4º ano de escolaridade. Era mãe da coarguida BB e sogra do arguido AA, sendo estes que, quotidianamente, dirigiam a empresa B....
Perante o exposto, ficou a dúvida, que tem de ser valorada favoravelmente à arguida, de que a arguida CC tenha atuado de modo deliberado e devidamente consciente, estando conluiado com os demais coarguidos para prejudicar os credores da B....
Note-se que, com exceção da transferência da quantia de €24 000 para a conta bancária da arguida CC, a título de pagamento de empréstimos anteriormente feitos, a que infra aludiremos, não é conhecido qualquer outro movimento financeiro para conta bancária daquela. Ou que a beneficiasse diretamente.
A arguida CC teve atuações indispensáveis à retirada de dinheiro da empresa B... – até por ter poderes de movimentação da conta bancária, nomeadamente em movimentos dependentes de assinatura, como era o caso da emissão de cheques – mas não temos por certo, pela sua idade e baixa formação académica, por não estar inteirada dos assuntos da empresa e pelo facto de os gerentes de facto serem a sua filha e o seu genro, familiares muito chegados, que estivesse ciente do significado, implicações, propósitos e intenções subjacentes aos seus atos (cfr. fls. 967).
Sendo os arguidos AA e BB as pessoas que dirigiam a empresa, não acompanhando a arguida CC a atividade da sociedade, de acordo com regras de experiência e de lógica, conclui-se que atuou a solicitação daqueles seus familiares próximos. Não havendo a certeza de que os mesmos a esclarecessem cabalmente dos propósitos, intenções e motivações das suas atuações.
No que concerne à factualidade atinente à situação fiscal, contabilística e financeira da sociedade B..., nomeadamente a vertida nos pontos 8 a 10 da factualidade provada, ancorou-se o tribunal no relatório elaborado pela DPFC da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, de fls. 670 e segs., devidamente colimado com os documentos fiscais e contabilísticos de tal sociedade, juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 50 a 345 (rectius, declarações IES), de fls. 458 a 505 e de fls. 524 a 655) e ainda com o depoimento da subscritora de tal relatório, Dra. NN, prestado em audiência de julgamento.
Em relação à factualidade atinente aos negócios celebrados entre a B... e a D... (e E... Inc.), nomeadamente o negócio relativo ao fornecimento por aquela de calçado para época de outono/inverno de 2014 (para as diferentes marcas), levaram-se em consideração, basicamente, de modo ponderado as declarações do arguido AA e da testemunha FF, colimados com os documentos dos autos, nomeadamente a fls. 395 verso a fls. 408 e a fls. 2 a 30 do Apenso.
Nesta parte, diga-se, as declarações do arguido AA não são desfavoráveis à coarguida BB. Sendo certo que do depoimento da testemunha FF e dos documentos, no contexto do exercício da gerência da sociedade B..., resulta já a intervenção
Verifica-se, pelos documentos, que em abril ainda se definiam termos do negócio e que nas mesmas interveio a testemunha FF, veja-se designadamente fls. 400 e seg.
A celebração do negócio de compra e venda de calçado relativo à época outono/inverno de 2014 (utiliza-se a palavra época, que o arguido AA disse neste caso melhor se adequar a este concreto negócio) fora precedida, é consensual, de um negócio anterior que correra bem. É também pacífico que a B... não tinha capacidade produtiva própria e contratava a fabricação a outras empresas. Tendo representantes da D... visitado fábricas (veja-se, nomeadamente, fls. 1289 verso).
Convenceu-se, ainda, o tribunal que foram solicitadas à B... alterações ao calçado a fornecer, como decorre de fls. 1289 verso. Mas não resultou demonstrado, de modo suficiente, que os pedidos de alteração fossem uma constante. O referido documento não chega para o demonstrar. E alude uma designação de produto (...) que não é coincidente com as designações dos modelos enviados pela B... à D... (cfr. fls. 5 e fls. 19 do Apenso). Ou seja, não é sequer líquido que respeito aos produtos que chegaram efetivamente a ser remetidos. O demais é volátil e fugaz.
Na contestação, os arguidos alegam a existência de um terceiro negócio, relativo a coleções de verão de 2015.E juntou as faturas, emitidas pela B..., de fls. 1290 e segs., datadas de 28/09/2014, no montante de total de € 227 500.
O arguido AA, nas suas declarações, aludiu a um tal negócio, mas em termos vagos. Não há um único documento nos autos donde se retire que um tal negócio tenha sido aceite pela B.... Sequer que aluda aos respetivos termos.
A testemunha FF rejeita qualquer negócio que justifique a emissão das faturas de fls. 1290 e segs. dizendo que tal emissão não passe de uma manobra para evitar o acerto de contas.
Não resultou, portanto, minimamente demonstrado de que um terceiro contrato tenha sido realmente aceite pela D... e que tenha sido alcançado acordo entre as empresas a tal respeito.
... é, a nosso ver, que a B... e os arguidos AA e BB, como alegado foi na contestação, tenham suportado o custo do desenvolvimento da produção de 24000 pares de sapatos para a coleção do verão de 2015 da D..., quando não forneceram a esta sequer, muito longe disso, a integralidade da mercadoria relativa à encomenda de 2014.
As faturas de fls. 1290 e segs. estariam relacionadas com esse alegado negócio, segundo o arguido AA, na senda do alegado na contestação.
Do depoimento de FF resulta a negação de que assim tenha sido, afirmando antes que a emissão de tais faturas não foi senão uma manobra dos arguidos para obviar ao acerto de contas do negócio relativo ao calçado da época de outono/inverno de 2014.
Prosseguindo, decorre, pacificamente, dos documentos juntos aos autos, dos depoimentos das testemunhas FF, DD e KK, bem como do arguido AA, que a B... solicitou a fabricação do calçado a diversas fábricas, incluindo designadamente às empresas A... e C..., Unipessoal, Lda., tendo estas fabricado e entregue mercadoria nos montantes de € 56.575,60 e de € 75.506.25. Também não oferece dúvida que não foi paga qualquer quantia pela B... a estas sociedades por tais fornecimentos. O arguido AA justificou a ausência de pagamento às empresas C... e A... com o não cumprimento dos prazos de entrega e, no caso desta última, com defeitos, inaceitáveis, no material produzido (cfr. nomeadamente fls. 4 a 24 e fls. 373 a 387, máxime fls. 382, fls. Fls. 1055 a 1077, 1296 a 1367, bem como da documentação junta no Apenso, mormente a fls. 43 a 46).
A respeito dos termos do contrato, convenceu-se o tribunal que foi acordado entre a A... e a B... o pagamento àquela a pronto. E não a 60 dias, como disse o arguido AA nas suas declarações.
Com efeito, tendo em conta as datas das faturas da A..., esta não teria fundamento para pedir o pagamento, como fez, sem que lhe tivesse sido contraposto pela B... que não estavam vencidas. O que seria normal que esta tivesse feito, mas não há referência nos autos que tenha feito. Por outro lado, a diligência da A... de contactar a D..., propondo-lhe a venda do restante calçado fabricado, coaduna-se mais com a situação do vencimento da dívida pela B.... Em consonância, nas faturas da A... consta, nas condições de pagamento, que o mesmo seria a pronto.
Não se ignora que nas notas de encomenda de fls. 1364 e segs. consta, nas condições de pagamento, que este seria a 60 dias, mas a testemunha DD afirmou que essas notas de encomenda não foram executadas pela A... e que respeitarão a encomendas que lhe terão sido dirigidas e ulteriormente canceladas pela B.... Ou seja, não têm relação com o negócio que está aqui em causa. E certo é que tais notas de encomenda, ao contrário do que acontece com as relativas à sociedade C..., Unipessoal, Lda. que foram juntas aos autos, não se mostram assinadas pelo legal representante da A..., ou por quem quer que seja.
Relativamente ao negócio com a sociedade C..., Unipessoal, Lda., o montante do fornecimento feito por esta colhe-se do depoimento de KK, concatenado com os documentos juntos aos autos, nomeadamente 382, bem como, ancilarmente, de fls. 27 verso e fls. 1363 verso, conjugado com os documentos de fls. 43 a 47. Destes últimos, bem como do depoimento de KK e das declarações do arguido AA, resulta que a mercadoria foi fornecida em julho de 2014. Com atraso relativamente à data acordada.
Como já se disse, não foi paga qualquer quantia à sociedade C... pelo calçado referido nos pontos 15 e 16 da factualidade provada. O legal represente da C... aceitou fazer de um desconto de cerca de 45%, tendo emitido a nota de crédito de fls. 1295 verso. Disse ter aceitado essa redução de preço, solicitada pelos arguidos, devido à sufocante situação económica em que se encontrava a empresa A... (cfr. ainda fls. 43 a 47 do Apenso). Não obstante a aceitação do desconto solicitado, não lhe foi paga qualquer quantia.
Relativamente à carta de comunicação do cancelamento de encomendas e documentos de fls. 1296 e segs, não estão documentalmente comprovados o envio, nem tampouco o seu recebimento pela sociedade C.... A testemunha KK não foi perentória quanto ao recebimento e tal carta. Dá-se, todavia, notícia de que as notas de encomendas de fls. 1297 e segs. respeitam a calçado que não chegou a ser fabricado, nem tampouco entregue ou faturado pela C..., Unipessoal, Lda. à B.... Trata-se de encomendas canceladas, cujo preço não se mostra incluído no crédito reconhecido na insolvência da B....
Quanto à mercadoria entregue pela C... não constam dos autos as correspondentes notas de encomenda, logicamente prévias, com a assinatura do referido KK.
Relativamente ao negócio com a sociedade A..., o tribunal convenceu-se da existência de defeitos em calçado por aquela fabricado, o que resulta, para além das declarações do arguido, dos documentos de fls. 1302 e segs., juntos com a contestação – comunicações de correio eletrónico da B... à A..., na sequência da realização de controlos de qualidade, com fotos do calçado, onde são visíveis defeitos no calçado produzido.
Porém, considerando as datas das faturas da A... passadas à B... (fls. 13 e 14 do Apenso), não é certo que o calçado objeto daqueles controlos de qualidade - aludidos nas comunicações de correio eletrónico de fls. 1302 e segs. - tenha sido o que foi faturado pela empresa A.... Ou seja, que os defeitos em causa digam respeito ao calçado fornecido. Cujo preço, a A... entende ser-lhe devido. E que correspondente ao crédito reconhecido na insolvência. Aliás, considerando o depoimento das testemunhas DD e FF, é bem possível que o calçado sujeito àqueles controlos de qualidade seja o que a A... vendeu diretamente à D.... É de registar ainda que aludidos nos mails a B... solicita a retificação dos defeitos. Não se sabe, ao certo, se houve retificação, ou algum tipo de retificação.
Independentemente disso, dos depoimentos dos referidos FF e DD, nomeadamente do primeiro, resulta que a qualidade do calçado produzido pela A... não foi impedimento à sua venda à D..., que o recebeu e aceitou. Aliás, como já aludido, não tendo o B... aceitado pagar as faturas referidas na factualidade provada à A..., esta não entregou àquela restante mercadoria que tinha fabricado, contactou a D... e vendeu-lha diretamente.
Posto isto, no atinente aos movimentos financeiros bancários, nomeadamente realização de transferências bancárias, emissão de cheques, realização de depósitos ou créditos em contas bancárias, levantamentos de fundos de contas bancárias, incluindo em numerário, realização de pagamentos e os demais movimentos e operações bancários e financeiros, referidos nos pontos 17 e 19 a 38, resulta a convicção quanto à factualidade dada como provada do relatório do SPFC da PJ, supra aludido, colimado com os esclarecimentos da subscritora NN, ambos concatenados com as informações e documentos bancários, contabilísticos e fiscais juntos aos autos e com a certidão do processo de insolvência, sendo o conjunto de tais meios de prova clarividentes e conclusivos quanto ao objetivamente dado como provado. Inexistem nos autos outros meios de prova que os ponham em crise ou os tornem duvidosos.
Prosseguindo, a testemunha FF asseverou, ademais, a realização das transferências para a conta bancária da sociedade B.... Ou seja, a empresa D... transferiu para aquela, em 3 movimentos bancários, o montante total de € 644.641,68 (ver ponto 17 da factualidade provada).
Nesta senda, mas por referência ao ponto 18, convenceu-se o tribunal coletivo que a D... não recebeu da B... mercadoria de montante superior a € 253.101,50.
Foi o que asseverou a testemunha FF, e que está em consonância com os documentos de fls. 5 e 19 do Apenso e, ainda, de fls. 382 dos autos. E até com os documentos de fls. 392, 393 e 414.
O arguido AA declarou que a B... entregou à D... calçado em montante superior, perto de € 300000. Disse-o de modo vago, sem especificação ou concretização.
Declarou, ainda, aceitar que a mercadoria entregue poderia ter sido no valor de € 278.611,92 (o valor referido na contestação, art. 15º, tendo sido juntas várias faturas como doc. 2).
Entre as aludidas faturas juntas, doc. 2 da contestação, há 3 que não são referidas no documento de fls. 5 e 19 do Apenso, um mail remetido pela D... à B....
Não se conhece resposta da B..., reclamando ou fazendo reparo à listagem de “reconciliação” das “faturas enviadas”, feita nesse documento de fls. 5 e fls. 19 do Apenso.
Daquelas 3 faturas com os n.ºs ..., ... e ... (rectius, ..., ... e ...), duas delas têm no descritivo “diferença de preço (ajustes solicitados pelo cliente” - “W... (adjustments requested by the client”.
Não consubstanciam, em si mesmas, entregas de mercadorias feitas pela B..., mas poderiam, é certo, ter expressão no valor monetário das mercadorias entregues à D... (e E...).
Independentemente disso, mas agora por referência às três faturas, a emissão das mesmas nada prova quanto aos negócios subjacentes e respetivos termos.
Assim, a emissão de faturas não comprova a entrega da mercadoria, nem a prestação do serviço faturados. Nem é demonstrativo de fundamento para a imputação de acréscimo de preço.
Não se ignora que foram solicitadas pela D... alterações aos sapatos, mas daí não advém necessário aumento de custo, nem que tal aumento tenha sido comunicado e aceite pelo cliente ou que para o mesmo haja fundamento justificado na economia da relação contratual.
Aliás, as comunicações de fls. 3 e 17 do Apenso, aparentemente relacionadas com a faturação dos ajustes solicitados, faturação essa remetida apenas em setembro de 2014, parecem indicar a não aceitação do sobrecusto, pela D..., com invocação de que não foram apresentados comprovativos das despesas e que é omitira referência à quantidade de sapatos e aos modelos.
Nesta decorrência, atemo-nos, por nos semelhar mais seguro, consistente e credível, testemunho de FF, colimado com os suprarreferidos documentos, nomeadamente fls. 5 e 19 e fls. 3 e 17 do Apenso
Não se ignora que o referido FF está sentido com os arguidos, por quem considera ter sido enganado e prejudicado. O que não significa que minta, até porque denotou, neste conspecto, firmeza e objetividade.
Retomando o que atrás foi já aludido, e por referência aos pontos 19 a 38, os movimentos e operações bancários e financeiros dados como provados estão documentados nos autos.
Os arguidos AA e BB de serem marido e mulher eram, ambos, gerentes de facto da sociedade B.... Os movimentos financeiros e bancários estão relacionados com contas bancárias de ambos, pressupondo naturalmente o conhecimento, o acordo e a concertação das atuações de ambos.
Dito isto, detenhamo-nos, sucintamente, os pontos 19 e 20. Está comprovada emissão e depósito do cheque de € 24 0900 em conta bancária da arguida CC. Da contabilidade da sociedade constava a realização precedente de empréstimos à B... (cfr. fls. 687 e 650 a 655). Nada há nos autos que, de modo sustentado, demonstre que tais empréstimos não foram realizados. E, nessa medida, não se pode ter por certo que os arguidos, neste concreto caso, tenham retirado aquela quantia da empresa B..., a coberto de fundamento inverídico, nem que tenham atuado norteados por esse propósito.
Por referência ao ponto 24 da factualidade provada, pela consulta da relação de compras de bens e serviços, junta a fls. 699 e segs, de que são exemplo as feitas em hotéis e restaurantes, nomeadamente região do Algarve, não só mas também em agosto de 2014, bem como repetidas despesas desse género, nomeadamente em restaurantes, em dias não úteis (deve aqui ter-se em atenção as data-valor das “compras”), persuadem, por referência a regras de experiência, que várias, não poucas, despesas foram seguramente efetuadas em proveito pessoal do casal de arguidos, sem relação alguma com a atividade da empresa. As despesas no Algarve, em agosto, não foram seguramente realizadas com representantes da D... – ao contrário na contestação. Como se retira das comunicações de correio eletrónico, em 12 de agosto a testemunha FF denotava agastamento com a demora nos fornecimentos e lamentava-se era de não conseguir falar com o arguido AA, por este não lhe atender as chamadas (cfr. fls. 15 do Apenso). O que não sucederia, seguramente, se os colaboradores acompanhassem os arguidos. Ademais, do depoimento daquele FF, e das declarações do próprio arguido AA, decorre que não houve encontro entres eles em Portugal no mês de agosto de 2014. E ninguém, absolutamente ninguém, referiu deslocação alguma dos arguidos para dar a conhecer o Algarve.
A constituição da sociedade H... e as demais incidências relativas a tal sociedade mostram-se documentadas nos autos. Ressalta-se que não transitaram trabalhadores da B... para aquela, logo após a constituição, com exceção da própria arguida BB, que passou a figurar como trabalhadora da mesma (fls. 726 a 3724 e fls. 737 a 743). A trabalhadora GG só iniciou funções na H... em 2016.
A alienação de ativos da B... à H... resulta documentada nos autos (cfr. fls. 675 e 676, fls. 486 a 490, fls. 786 e fls. 155 do Apenso). O início da atividade resulta ainda de fls. 914 a 919, colimado à luz de regras de experiência comum com fls. 738.
As incidências relativas ao processo de insolvência n.º 978/15.0T8OAZ resultam documentadas nos autos, pelas certidões juntas aos autos, concatenadas com o depoimento do Administrador da Insolvência, PP, na justa medida em que remeteu para os documentos por si elaborados para o processo de insolvência.
No tocante aos créditos dos trabalhadores, pela natureza da relação jurídica de trabalho subordinado daqueles com a empresa B..., os mesmos tinham natureza laboral.
O que não significa, necessariamente, que derivem da falta de pagamento de salários, em sentido estrito
Com efeito, os créditos laborais podem compreender, para além dos salários, e entre o mais, subsídios de férias, de Natal ou alimentação e ainda indemnizações, nomeadamente pela cessação ou incumprimento do contrato de trabalho.
No caso vertente, as testemunhas HH e II afirmaram que, enquanto trabalharam, não tinham salários em atraso. No entanto, a primeira disse que
» poderia, afinal, não lhe ter sido pago alguma quantia salarial, o que relacionou com o processo de insolvência da sociedade B.... O que, diga-se, poderá ter também ser o caso do arguido II, uma vez que estariam, ambos aqueles trabalhadores, em idêntica situação.
Compulsada a relação de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, de fls. 382, verifica-se que os créditos ora em apreço são indicados por referência à qualidade dos trabalhadores dos respetivos titulares e são qualificados como privilegiados. Como legalmente são, efetivamente, os créditos laborais.
Todos os indicados trabalhadores reclamaram créditos, tendo os mesmos sido reconhecidos no processo.
Independentemente disso, o administrador da insolvência já relacionara créditos, em montantes compatíveis com os das remunerações mensais dos trabalhadores.
Donde, apesar dos depoimentos das testemunhas trabalhadores, não é certo, bem pelo contrário, que não houvesse créditos salariais dos trabalhadores.
De todo o modo, houve créditos laborais dos trabalhadores que não puderam ser pagos pelas forças da massa insolvente.
Com efeito, os créditos dos trabalhadores dados como provados, nos aludidos montantes, foram reconhecidos no processo de insolvência.
Porém, o património da insolvente tinha um valor estimado de € 650 (cfr. inventário de fls. 383).
Por isso, como decorre expressamente do depoimento da testemunha HH, foi acionado o Fundo de Garantia Salarial (FGS), que lhe fez o correspondente pagamento devido. Consabidamente, o FGS apenas paga créditos emergentes de contratos de trabalho, sua violação ou cessação, quando os mesmos não possam ser pagos pelo empregador.34
Os arguidos AA, com a idade, formação e experiência de vida que têm, sabiam seguramente, como sabe o comum dos cidadãos, que os créditos laborais não se cingem aos montantes dos salários em dívida, nomeadamente em caso de cessação do contrato de trabalho.
Temos, portanto, por demonstrado que, na sequência da insolvência da B..., ficaram por pagar créditos laborais de trabalhadores sobre a referida sociedade. E, por mero apelo à aritmética, verifica-se que o dinheiro retirado pelos arguidos AA e BB da B..., apenas esse, era suficiente, mais do que suficiente, para assegurar o pagamento de todos os aludidos créditos laborais dos trabalhadores da B.... Até porque os mesmos eram privilegiados. Os únicos reconhecidos como privilegiados.
Mas, como também não podiam deixar de saber a condição financeira e patrimonial em que colocavam a empresa, e a deixaram, sabiam também, de ciência certa, que a deixariam, como deixaram, em estado de insolvência. Incapaz de acautelar os pagamentos à generalidade dos credores e com um ativo reduzidíssimo, que justificou até o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
E, nessa senda, sabiam também que não haveria, como não houve dinheiro suficiente para pagar créditos laborais. Tanto assim, como se disse, que foi acionado o Fundo de Garantia Salarial.
Sendo incontroverso que se não fossem as condutas encetadas pelos arguidos AA e BB, se não fossem as retiradas indevidas de dinheiro da esfera da societária, esta teria dinheiro para pagar os créditos laborais, tanto mais que os mesmos eram privilegiados e os demais comuns.
O registo na contabilidade da sociedade B... de factos e operações falsas, por parte dos arguidos AA e BB, resulta, quanto mais não seja, do vertido a fls. 689 e 690.
Note-se, ainda, que a retirada de dinheiro da empresa B... não só a deixou sem meios financeiros e patrimoniais para pagar os seus compromissos, como seguramente a colocou em situação menos propícia a desenvolver a sua atividade e a desenvolver a sua atividade comercial e a fazer negócios.
Prosseguindo, o propósito e vontade de atuação dos arguidos AA e BB, em conjugação de esforços e intentos, inferem-se, à luz de regras de lógica e de experiência, da factualidade objetiva demonstrada.
Resulta também de regras de lógica e de experiência comum que pessoas adultas, como eram os ditos arguidos, com a sua idade, formação e experiência de vida, não ignoravam, não poderiam ignorar, à luz de regras de experiência, a ilicitude das condutas dadas como provada.
O propósito e intenção dos arguidos AA e BB, casados entre si, de prejudicar os credores retira-se de regras de lógica e de experiência da factualidade objetiva demonstrada, no contexto da situação em apreço, nomeadamente dos movimentos bancários e financeiros realizados entres contas bancárias, dos levantamentos de dinheiro das contas bancárias, da utilização do dinheiro da empresa para pagamento de despesas pessoais e da transmissão de bens da empresa B... para outra empresa com objeto social coincidente, H..., propriedade do arguido AA, para onde passou a arguida BB como trabalhadora. Note-se que a transmissão dos bens foi realizada a título oneroso, mas, a final, a quantia monetária correspondente ao preço não existia disponível para acudir às dívidas da empresa B....
A atuação dos arguidos AA e BB em proveito deles próprios resulta, em termos de regras de experiência, da relação familiar de ambos e das concretas atuações dadas como provadas.
Posto isto, no tocante às condições pessoais dos arguidos e percurso de vida de cada um deles, relevaram, basicamente, os relatórios sociais elaborados pela DGRSP, junto aos autos a fls. 1236 a 1241 e fls. 1245 a 1248, mas articulados com as demais provas constantes dos autos e produzidas em julgamento, nomeadamente as certidões de nascimento e as liquidações e declarações de IRS, tudo sopesado à luz de regras de experiência comum.
Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, atendeu-se ao teor dos CRC, juntos eletronicamente aos autos com as refs. .... citius n.º 14776436, 14776437 e 14776438, todos de 29/06/2023.
A resposta à factualidade dada como não provada justifica-se pelo que supra se deixou expendido, decorrendo, no mais, da incompatibilidade com factualidade dada como provada, da prova de factualidade diversa ou, então, tão-só da ausência de prova bastante e suficiente quanto à mesma.
*
2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo.
Os recorrentes impugnam a matéria de facto, entendendo que foi incorretamente julgada, pois que no seu entendimento a prova produzida em audiência não permitia que se considerasse como provada a matéria constante dos pontos 14 e 16, 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52; 48 e 50, os quais deveriam ser dados como não provados. Por outro lado, entendem que da prova produzida deveriam ter sido dados como provados os factos não provados vi e vii. Como consequência da alteração da matéria de facto deverão ser absolvidos do crime pelo qual foram condenados.
Vejamos.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Os recorrentes cumpriram com estes ónus da impugnação da matéria de facto, indicando as passagens das gravações relativas às declarações do arguido e depoimentos das testemunhas DD, FF, bem como os documentos que entenderam relevantes.
Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.
O nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.     
Os recorrentes argumentam em suma que o Tribunal recorrido fez uma incorreta apreciação da prova e indicaram a sua visão de como as provas acima referidas impõem decisão diversa da recorrida.
Apreciemos.
O facto de os recorrentes terem opinião diversa da do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, a não ser que haja elementos objetivos que imponham um juízo diferente sobre a credibilidade dos depoimentos, e o que verdadeiramente interessa é saber se dos segmentos apontados no recurso e da sua audição,  eventualmente completada pelas demais audições que se entenderam efetuar nesta sede, se impunha que o resultado probatório fosse outro.
Nesta sede, ouviram-se os depoimentos/declarações indicados pelos recorrentes, bem com as declarações do arguido.
Posto isto, avancemos para os factos impugnados pelos recorrentes, considerando as concretas provas que em relação aos mesmos foram indicadas e em que foi cumprido o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, bem como considerando a motivação da matéria de facto da sentença.
Relativamente ao facto nº 14 («Não obstante os arguidos se terem comprometido a efectuar o pagamento imediato da mercadoria logo que a mesma fosse entregue pela sua fornecedora, não o fizeram.»), entendem os recorrentes que existem elementos probatórios nos autos que comprovam que o pagamento à sociedade A... era feito a 60 dias e não a pronto. Tais elementos de prova são as notas de encomenda elaboradas pela B... e dirigidas à A..., as notas de encomenda emitidas pela B... à C..., onde também se estabelece um prazo de pagamento a 60 dias após a entrega, a carta de cancelamento da encomenda enviada pela B... à A..., as declarações do Arguido, o depoimento do representante legal da A..., DD.
Relativamente ao negócio celebrado entre a B... e a A... e ao ponto 14 da matéria de facto o tribunal recorrido fundamenta a sua convicção, além do mais, referindo que «A respeito dos termos do contrato, convenceu-se o tribunal que foi acordado entre a A... e a B... o pagamento àquela a pronto. E não a 60 dias, como disse o arguido AA nas suas declarações. Com efeito, tendo em conta as datas das faturas da A..., esta não teria fundamento para pedir o pagamento, como fez, sem que lhe tivesse sido contraposto pela B... que não estavam vencidas. O que seria normal que esta tivesse feito, mas não há referência nos autos que tenha feito. Por outro lado, a diligência da A... de contactar a D..., propondo-lhe a venda do restante calçado fabricado, coaduna-se mais com a situação do vencimento da dívida pela B.... Em consonância, nas faturas da A... consta, nas condições de pagamento, que o mesmo seria a pronto.
Não se ignora que nas notas de encomenda de fls. 1364 e segs. consta, nas condições de pagamento, que este seria a 60 dias, mas a testemunha DD afirmou que essas notas de encomenda não foram executadas pela A... e que respeitarão a encomendas que lhe terão sido dirigidas e ulteriormente canceladas pela B.... Ou seja, não têm relação com o negócio que está aqui em causa. E certo é que tais notas de encomenda, ao contrário do que acontece com as relativas à sociedade C..., Unipessoal, Lda. que foram juntas aos autos, não se mostram assinadas pelo legal representante da A..., ou por quem quer que seja.»
Contrariamente ao que pretendem os recorrentes, não vemos que a prova por si indicada, tendo em conta a fundamentação da decisão recorrida, imponha solução diversa da tomada na sentença quanto ao prazo de pagamento. O Tribunal recorrido conferiu maior credibilidade nessa matéria ao depoimento da testemunha do que às declarações do arguido. Por outro lado, não vemos que assim não devesse ser, designadamente não descortinamos uma falta de assertividade do depoimento da testemunha DD, que logo aos 4.40 mn das suas declarações afirmou que tinha sido acordado o pronto pagamento, o que veio a reafirmar ao minuto 14.53 mn dizendo que o que tinha sido falado era quando a mercadoria fosse entregue teria de ser feito o pagamento, mas estamos a falar de mais 4 ou 5 dias ou uma semana ou duas. Ao minuto 34.14 mn, é formulada a seguinte pergunta pela mandatária: «Tendo falado sobre a importância do pagamento dos prazos pegando nas palavras do Sr. Juiz percebeu naturalmente que o pagamento do preço total acordado dependeria da entrega no prazo estipulado?», ao que a testemunha DD respondeu (34.23mn): «sim». Não vemos por que razão retirar credibilidade ao depoimento da testemunha quando afirma que o negócio era a pronto pagamento e não a 60 dias. A testemunha explicou que o pronto pagamento era feito contra a entrega da mercadoria ou mais uns 4 ou 5 dias ou uma semana ou duas. E o tribunal junta-lhe o resto da argumentação a sustentar a tese que vingou, pois que além do depoimento da testemunha, referiu ainda a diligência da A... de contatar a D..., sendo que nas faturas da A... consta, nas condições de pagamento, que o mesmo seria a pronto. E quanto às notas de encomenda desvalorizou-as pois que não foram executadas pela A... e que respeitarão a encomendas que lhe terão sido dirigidas e ulteriormente canceladas pela B..., sendo que tais notas de encomenda, ao contrário do que acontece com as relativas à sociedade C..., Unipessoal, Lda. que foram juntas aos autos, não se mostram assinadas pelo legal representante da A..., ou por quem quer que seja. E não se nos afigura, lendo a motivação da decisão de facto que o tribunal tivesse ficado em dúvida nesta parte.
Posto isto, afigura-se que as provas apresentadas pelos recorrentes não impõem resultado diverso quanto à matéria de facto impugnada do ponto 14 da matéria de facto.
Ainda no seguimento dos argumentos relativos a este ponto da matéria de facto, o qual como já referimos deve ser mantido por não haver razão para considerar que a prova apresentada pelos recorrentes imponha decisão diversa, vêm os recorrentes entender que face à motivação do tribunal este terá ficado na dúvida sobre se o calçado objeto dos controlos de qualidade correspondesse ao calçado faturado pela A... à B.... E que a partir daí, face a essa dúvida, o facto de o calçado da A... ter defeitos deveria levar a dar como não provado o facto n.º 14. Não têm razão os recorrentes, desde logo porque quanto à existência do crédito entre as partes, a questão já foi resolvida pela sentença da insolvência, transitada em julgado, com que se iniciaram os presentes autos, situação essa referida na motivação da sentença recorrida. Depois, porque lida a motivação, o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida sobre o ponto 14 da matéria de facto, explicando porquê e referindo quanto à questão dos defeitos, designadamente que não tendo a B... aceitado pagar a fatura à A..., esta não lhe entregou a restante mercadoria que tinha fabricado, vendendo-a diretamente à D... que a aceitou, sendo muito provável que o calçado sujeito àqueles controlos de qualidade seja o que a A... vendeu diretamente à D.... Seja como for, além de os alegados defeitos não terem tido qualquer influência no negócio que se concretizou na parte relativa às prestações da A..., a verdade é que o crédito foi reconhecido judicialmente, como se refere na motivação de facto. A motivação da decisão recorrida poderia ter sido mais explícita nalguns pontos desta matéria. Não foi, mas da sua leitura integral constata-se que o tribunal não teve dúvidas quantos aos factos que considerou provados e não provados.
Relativamente ao facto nº 16 («Não obstante a empresa C..., Unipessoal, Lda. ter fabricado o calçado e tê-lo entregue à B... Sociedade Unipessoal, Lda. em julho de 2014, os arguidos AA e BB não pagaram aquele montante, como se tinham comprometido a fazer, nem qualquer quantia por conta do mesmo.»), entendem os recorrentes que o mesmo deverá passar para a matéria de facto não provada. Argumentam e resumo que o tribunal recorrido considerou igualmente provado (pontos 59 e 60) que a C... Lda registou atrasos na entrega do calçado que emitiu uma nota de crédito a favor da B... relativa ao calçado entregue no montante de 33.130,68€, mas que tal montante não foi descontado ao montante de 75.505, 25 € reclamado pela C... à B..., tendo o Tribunal a quo considerado que a nota de crédito foi apenas emitida pela C... numa situação de desespero, para obter pelo menos parte do pagamento. Invocam ainda a favor da sua tese as condições contratuais constantes das notas de encomendas juntas com a contestação, bem como com as declarações do arguido.
Relativamente ao negócio celebrado entre a B... e a C... e ao ponto 16 da matéria de facto o tribunal recorrido fundamenta a sua convicção, além do mais, referindo que o do fornecimento feito por esta colhe-se do depoimento de KK, concatenado com os documentos juntos aos autos que enumera, nomeadamente a certidão da insolvência e o mapa dos créditos reconhecidos, e que dos documentos bem como do depoimento de KK e das declarações do arguido AA resulta que a mercadoria foi fornecida em julho de 2014, com atraso relativamente à data acordada e que o legal representante da C... aceitou fazer um desconto, tendo emitido a nota de crédito junta aos autos com a contestação, mas que apenas aceitou essa redução de preço, solicitada pelos arguidos, devido à sufocante situação económica em que se encontrava e que não obstante o desconto não lhe foi paga qualquer quantia. Quanto à carta de comunicação do cancelamento de encomendas e documentos juntos com a contestação, refere a decisão recorida que não estão documentalmente comprovados o envio, nem tampouco o seu recebimento pela sociedade C..., sendo que a testemunha KK não foi perentória quanto ao recebimento e tal carta. Mais se considerou na decisão recorrida que as notas de encomendas de fls. 1297 e segs. respeitam a calçado que não chegou a ser fabricado, nem tampouco entregue ou faturado pela C..., Unipessoal, Lda. à B.... Trata-se de encomendas canceladas, cujo preço não se mostra incluído no crédito reconhecido na insolvência da B... e que quanto à mercadoria entregue pela C... não constam dos autos as correspondentes notas de encomenda, logicamente prévias, com a assinatura do referido KK.
Nesta audiência ouviu-se o depoimento de KK, bem como se analisaram os documentos referidos e podemos afirmar que a lógica da decisão recorrida se mostra correta e inatacável com exceção de um ponto que é o referente à nota de encomenda, pois a verdade é que a C... decidiu fazer um desconto no preço nos termos da nota de crédito junta aos autos, desconto esse no montante de 33.130,68 €, conforme resulta do documento junto aos autos e do depoimento da testemunha KK. Ora, nessa parte deveria ter sido considerado que o montante de 33.130,68€ correspondente à nota de crédito deveria ser descontando ao montante de 75.505, 25 €. Assim, com exceção desta parte a prova indicada pelos recorrentes não impõe outra alteração ao ponto 16 da matéria de facto, muito menos a sua remessa direta e para os factos não provados.
Assim, nesta parte procederá parcialmente a impugnação da matéria de facto, passando o ponto 16 da matéria de facto a ter a seguinte redação:
«16. Não obstante a empresa C..., Unipessoal, Lda. ter fabricado o calçado e tê-lo entregue à B... Sociedade Unipessoal, Lda. em julho de 2014, os arguidos AA e BB não pagaram aquele montante de 75.505,25 € ainda que dele deduzida a quantia de 33.130,68€ correspondente a uma nota de crédito emitida pela C..., como se tinham comprometido a fazer, nem qualquer quantia por conta do mesmo.»
Quanto aos pontos vi e vii dos factos não provados que correspondem a outros negócios ou a um terceiro negócio que os arguidos alegaram na contestação relativo a coleções do verão de 2015 e a que corresponderão as faturas datadas de 28/19/2014, no montante total de 227.500€, dizem os recorrentes que o tribunal deveria ter dado tais pontos como provados. Argumentam que o tribunal desacreditou as declarações prestadas pelos arguidos, bem como os documentos juntos pelos arguidos com a contestação, correspondentes a faturas onde se descrevia a prestação de serviços de conceção e desenvolvimento de coleções. E que o tribunal Tribunal a quo valorizou, ao invés disso, o depoimento da testemunha FF, que considerou mais seguro, consistente e credível, apesar de haver reconhecido que o mesmo estaria «sentido» com os Arguidos. No entender dos recorrentes o tribunal deveria ter desconsiderado o depoimento de FF em prol das declarações prestadas pelo Arguido no que ao tema do desenvolvimento das coleções diz respeito.
Não têm razão os recorrentes, o tribunal justificou a sua posição nesta parte de modo que nos parece lógico e razoável. Não vemos que os segmentos das declarações indicados ou os documentos juntos aos autos impunham decisão diversa pelo tribunal de primeira instância. Conforme se refere na decisão recorrida, o arguido AA aludiu a um tal negócio, mas em termos vagos, não há um único documento nos autos donde se retire que um tal negócio tenha sido aceite ou sequer que aluda aos respetivos termos, sendo que a testemunha FF rejeita qualquer negócio que justifique a emissão das faturas de fls. 1290 e segs. dizendo que tal emissão não passe de uma manobra para evitar o acerto de contas. Não resultou, portanto, minimamente demonstrado que um terceiro contrato tenha sido realmente aceite pela D... e que tenha sido alcançado acordo entre as empresas a tal respeito. E o tribunal recorrido considerou ... que a B... e os arguidos AA e BB, como alegado que foi na contestação, tenham suportado o custo do desenvolvimento da produção de 24000 pares de sapatos para a coleção do verão de 2015 da D..., quando não forneceram a esta sequer, muito longe disso, a integralidade da mercadoria relativa à encomenda de 2014. Do depoimento de FF resulta a negação de que assim tenha sido, afirmando antes que a emissão de tais faturas não foi senão uma manobra dos arguidos para obviar ao acerto de contas do negócio relativo ao calçado da época de outono/inverno de 2014.
Tudo visto, quanto a estes pontos não vemos que a prova produzida indicada pelos recorrentes, imponha as alterações à matéria de facto por si propugnadas quanto a estes factos não provados que entendiam dever ser dados como provados.
Relativamente aos factos provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52, entendem os recorrentes que face às alterações de facto por si propugnadas, designadamente a que resulta numa inexistência de dívida à A... e no montante de 75.506, 25€ à C..., bem como no reconhecimento, no limite, de uma dívida à D... no montante máximo de € 164.040,18 os factos dados como provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52 deverão passar a integrar a matéria de facto dada como não provada.
A argumentação dos recorrentes parte do princípio de que a matéria impugnada nos pontos acima apreciados teria sucesso. Assim não sucedeu com exceção da correção ao ponto 16 da matéria de facto que não implica qualquer alteração nos pontos agora ponderados. Conclui-se que os factos dados como provados n.ºs 21, 22, 23, 24, 30, 31, 49, 51 e 52 se devem manter incólumes.
Quanto aos factos provados n.ºs 48 e 50 relativos às dívidas aos trabalhadores, entendem os recorrentes que o tribunal os deveria ter dado como não provados. Em primeiro lugar porque as testemunhas HH e II, conforme admite o Tribunal a quo nas páginas 43 e 44 do Acórdão recorrido, estes trabalhadores afirmaram não ter ficado com salários em atraso, pese embora a declaração de insolvência da B... e depois porque o Tribunal presume em violação do princípio in dubio pro reo que os Arguidos que os créditos laborais não se cingiriam aos montantes correspondentes aos salários.
Não têm razão os recorrentes. Na motivação da decisão de facto refere-se porque se deram como provados tais factos. Quanto aos créditos dos trabalhadores, desde logo porque os créditos não se confundem apenas com salários, pois podem compreender subsídios ou indemnizações, depois porque as testemunhas não terão sido tão assertivas como referem os recorrentes, como resulta do modo como se apreciaram e descreveram os seus depoimentos na motivação. Depois temos a referência quer ao administrador da falência, quer aos créditos reconhecidos aos trabalhadores na insolvência e por estes reclamados. E houve créditos laborais dos trabalhadores não pagos pela insolvência, cujo património insolvente tinha o valor de 650€. Por outro lado, como se disse na motivação, foi acionado o Fundo de Garantia Salarial (FGS) para pagamento à testemunha HH. Finalmente, diz-se na motivação da decisão recorrida que «Os arguidos AA, com a idade, formação e experiência de vida que têm, sabiam seguramente, como sabe o comum dos cidadãos, que os créditos laborais não se cingem aos montantes dos salários em dívida, nomeadamente em caso de cessação do contrato de trabalho.»
Quer dizer que o tribunal recorrido não ficou em dúvida quanto a estes dois pontos, tendo analisado e conjugado os elementos de prova de modo racional de acordo com as regras da experiência e do normal suceder das coisas da vida, não se detetando aqui qualquer erro de julgamento.
Tudo visto, não vemos que a prova produzida, designadamente a indicada pelos recorrentes, imponha, para além do que se referiu relativamente ao ponto 16 da matéria de facto, as alterações à matéria de facto por si propugnadas quanto aos factos que entende deverem ser dados como não provados e aos que entendeu deverem ser dados como provados.
Face à prova ouvida e analisada nesta instância e à motivação da primeira instância, não vemos, excetuando a ressalva atrás referida, razão ou regra da experiência que diga que não se deva concluir como concluiu o tribunal recorrido.
Concluindo, percorrida a matéria de facto impugnada, o Tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, de modo claro, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, a qual, excetuando a ressalva assinalada no ponto 16, corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, pelo que não se violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável.
Também em relação aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo cabe dizer que os mesmos foram respeitados, uma vez que o tribunal, tal como resulta da decisão recorrida, não ficou na dúvida, nem se vislumbra que devesse ter ficado quanto à ocorrência dos factos que resultaram provados.
Concluindo, nesta parte altera-se parcialmente a matéria de facto, passando o ponto 16 da matéria de facto a ter a seguinte redação:
«16. Não obstante a empresa C..., Unipessoal, Lda. ter fabricado o calçado e tê-lo entregue à B... Sociedade Unipessoal, Lda. em julho de 2014, os arguidos AA e BB não pagaram aquele montante de 75.505,25 € ainda que dele deduzida a quantia de 33.130,68€ correspondente a uma nota de crédito emitida pela C..., como se tinham comprometido a fazer, nem qualquer quantia por conta do mesmo.»
No mais a matéria de facto mantém-se tal como fixada pela primeira instância.
2.3.2-Absolvição do crime de insolvência dolosa, agravado, p. e p. pelos arts. 227.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do Código Penal.
Mantendo-se inalterada na sua essência a matéria de facto fixada pela primeira instância e sendo da sua alteração que dependia o sucesso da pretensão dos recorrentes de absolvição do crime de insolvência dolosa, agravado, a conclusão a retirar é a de que falece esta pretensão.
Com efeito e resumindo, dos factos provados constam não só os elementos objetivos do ilícito em causa (os arguidos AA e BB, que exerciam a gestão de facto da sociedade devedora B..., atuando concertadamente, em comunhão de esforços e intentos, fizeram desaparecer a maior parte do património daquela sociedade, designadamente o dinheiro existente em contas bancárias da titularidade da mesma, bem como bens móveis que compunham o respetivo ativo), como também se encontram presentes os elementos subjetivos do ilícito (atuaram de modo livre, deliberado e consciente, com intenção de prejudicar os credores, cientes de que conduziriam esta sociedade à insolvência, como veio a ocorrer, tendo a mesma sido judicialmente declarada, bem como cientes de que os créditos de natureza laboral que os trabalhadores tinham sobre a sociedade B... ficariam, como ficaram, por pagar). Acresce o preenchimento da variante agravada por força da frustração dos créditos de natureza laboral, donde também a pretensão subsidiária dos recorrentes de serem punidos pela variante simples se esfuma.
Assim e tal como se decidiu na decisão recorrida, cada um dos arguidos AA e BB cometeu, em coautoria, de um crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelo art. 227.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e pelo art. 229.º-A, ambos do Código Penal.
2.3.3- Determinação da medida da pena.
Passemos então para a fase de determinação da medida da pena, com a qual os recorrentes não concordam em dois pontos, pretendendo a redução da medida da pena principal e a alteração das condições da suspensão da execução da pena.
Quanto à redução da medida da pena principal entendem os recorrentes que a mesma não deve ultrapassar 12 meses, tendo alegado para tanto e, em resumo, a circunstância de os Arguidos não serem devedores, nem da A..., nem da C..., por um lado, e de a dívida à D... ser muito inferior àquela
que foi dada como provada pelo Ilustre Tribunal a quo, diminuindo a culpa dos Arguidos, que terá de ser correspondentemente refletida na medida da pena; acrescendo a este fator a ausência total de antecedentes criminais em relação a ambos os Arguidos, à sua plena inserção profissional, social e familiar e ao facto de terem decorrido praticamente 10 anos desde a data da prática dos factos.
Relembremos, na decisão recorrida foram aplicadas as seguintes penas:
i. Arguido AA,  2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período, mas subordinada ao dever de proceder ao pagamento da quantia de € 117.500 ao Estado, em 2 prestações, anuais e sucessivas, a primeira no valor de € 50.000 e a segunda no valor de € 67.500, vencendo-se a primeira na data em que se completar um ano sobre o trânsito em julgado da presente condenação e a outra no mesmo dia e mês do ano subsequente - devendo o arguido juntar aos autos, no prazo de 10  dias, após o vencimento de cada uma das prestações anuais, documento comprativo da realização do respetivo pagamento.
ii. Arguida BB 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período, mas subordinada ao dever de proceder ao pagamento da quantia de € 117.500 ao Estado em 2 prestações, anuais e sucessivas, a primeira no valor de € 50.000 e a segunda no valor de € 67.500, vencendo-se a primeira na data em que se completar um ano sobre o trânsito em julgado da presente condenação e a outra no mesmo dia e mês do ano subsequente - devendo a arguida juntar aos autos, no prazo de 10 dias, após o vencimento de cada uma das prestações anuais, documento comprovativo da realização do respetivo pagamento.
A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, operação eventual que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[1] ou posteriormente depois de fixada a pena principal, sendo que até pode ocorrer duas vezes, desde logo na escolha da pena principal (opção pela prisão) e depois na opção pela pena de substituição da principal (opção pela multa de substituição).
Ao crime praticado pelos arguidos corresponde, tal como se referiu na sentença recorrida, a moldura abstrata de pena de pena de prisão de 1 mês e 10 dias a 6 anos e 8 meses ou, alternativamente, com pena de multa de 13 até 800 dias.
Tendo em conta a moldura penal com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no presente recurso não é colocada em causa a opção tomada pela pena de prisão em vez da pena de multa alternativa.
2.3.3.1- Redução da pena principal.
Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2).
Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes).
Escolhida a pena a aplicar é altura de fixar, dentro dos limites das molduras aplicáveis a medida concreta da pena de prisão que se apura de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados.
Na decisão recorrida considerou-se o seguinte:
«Passando à determinação da medida concreta das penas, há a ponderar, em desfavor dos arguidos: as significativas necessidades de prevenção geral associadas ao crime de insolvência dolosa; o elevado grau de ilicitude do crime perpetrado (patente, desde logo, no valor patrimonial feito desaparecer da sociedade devedora, sendo de notar que, para efeitos penais, valor consideravelmente elevado é aquele que ultrapasse 200 UC, ou seja, € 20 400)41; o modo de execução do crime, levado a cabo de modo refletido e temporalmente dilatado; o inerente elevado grau de culpa dos arguidos; a intensidade do dolo, que foi direto; o desiderato, no cometimento do crime, de obterem vantagem patrimonial indevida; o sentimento de desconsideração dos interesses dos credores da sociedade, incluindo trabalhadores; o prejuízo dos credores, incluindo trabalhadores, que viram frustrados, no todo ou em parte, a satisfação dos seus créditos; a ausência de qualquer ato objetivo ou conduta, por parte dos arguidos, demonstrativos de arrependimento ou tendente a minorar o mal do crime.
Por outro lado, consideram-se, em favor dos arguidos: o facto de, contando presentemente o arguido 46 anos de idade e a arguida 51 anos de idade, se mostrarem social, familiar e profissionalmente inseridos, não obstante tal circunstancialismo não ser incomum neste tipo de criminalidade; têm ambos frequência do ensino superior; têm situação financeira estável; o tempo decorrido desde a prática dos factos; a ausência de antecedentes criminais.
Perante o exposto, afigura-se-nos justo impor a cada um dos arguidos a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.»

Em primeiro lugar, haverá de se considerar que quanto à conduta posterior ao facto, teve a sentença recorrida em consideração em desfavor dos arguidos «a ausência de qualquer ato objetivo ou conduta, por parte dos arguidos, demonstrativos de arrependimento ou tendente a minorar o mal do crime.»
Ora, a consideração desta circunstância da falta de demonstração de arrependimento mais não é do que ter em conta em seu desfavor o comportamento processual dos arguidos ao remeterem-se ao silêncio ou ao apresentarem uma versão que o tribunal teve por não verdadeira, pois em princípio só pode demonstrar verdadeiro arrependimento quem confessa os factos provados.
Quanto «ao ato tendente a minorar o mal do crime» a decisão recorrida deverá certamente ter considerado a falta de pagamento de alguma quantia aos lesados.
Seja como for, a referida «ausência de qualquer ato objetivo ou conduta, por parte dos arguidos, demonstrativos de arrependimento ou tendente a minorar o mal do crime» é circunstância sem qualquer relevo para a medida da pena.
Considerar como circunstância agravante da pena a ausência de arrependimento, arrependimento esse que por via de regra só ocorrerá através da confissão dos factos, é impor ao arguido um peso que ele não deve suportar.
A regra do «ou confessas ou agravamos a pena» em que acaba por descambar tal consideração da ausência de arrependimento como circunstância agravante da pena é insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso.
É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai.
E, no entanto, esta ideia do ‘dever de arrependimento’ continua amarrada, enraizada e entrelaçada de forma resistente nalguma jurisprudência, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça dar mostras de caminhar decisivamente no sentido contrário, como se pode ver, entre outros,  no Acórdão de 03.11.2022[2], onde se afirma que:
«O direito ao silêncio não tem só consagração legislativa ordinária sendo uma emanação do princípio do Estado de Direito. A confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis, mas isso não equivale a que se contabilize como agravantes a não confissão e não ter demonstrado arrependimento pela prática dos factos.
Constitui erro na determinação da medida da pena considerar contra o arguido circunstâncias derivadas do exercício de um direito.»   
Na verdade, essa ideia do ‘dever de arrependimento’, cujo cumprimento só seria razoavelmente de esperar de um herói moral[3], de um santo ou do mártir, mais parece tratar-se de uma crença de natureza mística ou religiosa na necessidade de um ato de arrependimento, contrição ou confissão para se concretizar o ‘salvamento social’ da pessoa agente de um crime.
Ora, o direito penal é feito para as pessoas comuns, com as suas forças e fraquezas de todos os dias, não para heróis, santos ou mártires.
Vejamos então que nos diz o direito escrito, o que nos dizem as regras escritas feitas para todos os cidadãos.
Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa.
Entre as garantias de defesa encontra-se em posição de destaque a liberdade que o arguido tem de escolher o modo como pretende exercer a sua defesa, desde logo através opção de se remeter ao silêncio, sem que por isso possa ser desfavorecido, ou de prestar declarações, confessando ou negando os factos, ou de apresentar versão diversa dos factos imputados, sem que esse modo de defesa que livremente assumiu possa ser censurado.
Não é o modo de defesa escolhido pelo arguido que está a ser julgado, sob pena de se pôr em causa tal liberdade de escolha e ficarem minadas as garantias de defesa do processo penal.
A prestação de declarações, embora não deixe de constituir um meio de prova, constitui na essência um meio de defesa do arguido, pelo que deve ser garantida a liberdade do seu exercício.
Assim, seguindo na esteira do ensinamento de Eduardo Correia, Figueiredo Dias e Maria João Antunes[4], entendemos que o comportamento processual do arguido (o silêncio, a não confissão, a negação dos factos, a apresentação de versão diversa da que resultou provada, etc…) não deve, por princípio, ser valorado contra si, atenta a posição em que se encontra e a necessidade de acautelar o seu direito de defesa, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo [5] [6], a qual desde já adiantamos não se vislumbra no caso dos autos.
Nas palavras de Eduardo Correia[7]: “A negação do crime corresponde, por seu lado, a um direito do arguido e portanto não pode, necessariamente, considerar-se elemento da agravação da pena. Em processo penal não há, por parte do arguido, um «dever de colaboração com a justiça», nem tão-pouco se poderá falar aqui de dolo ou má fé processual.
E até há quem, como Hans-Heinrich Jescheck, vá mais longe e recuse qualquer tomada de consideração do comportamento processual na individualização da pena porque colide com a máxima processual de que o acusado possui liberdade para articular a sua defesa do modo que deseje[8].
Considerar-se como fator de medida de pena que depõe contra o arguido, nos termos do artigo 71º, n.º 1 e 2, e) do Código Penal, o facto de este se ter remetido ao silêncio, não ter confessado, não ter demonstrado arrependimento,  ter negado os factos ou apresentado versão diversa da que veio a resultar provada, mesmo convencendo-se o tribunal de que mentiu, constitui uma compressão injustificada da liberdade de escolha do modo de defesa e, por aí, uma clara violação do direito de defesa do arguido e do processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 61º do Código de Processo Penal e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, se qualquer uma destas circunstâncias de facto fosse suscetível de como fator de medida de pena, enquanto conduta posterior ao facto, ser valorada contra o arguido, este poderia ficar não só compelido a falar, como a confessar os factos imputados ou, então, se apresentasse uma versão diferente dos factos imputados, a tentar acertar na versão dos factos que o Tribunal viesse a dar como provada, sempre sob pena de o seu constitucionalmente garantido comportamento processual poder vir a ser valorado contra si em sede de determinação da pena.
Ainda que se considerasse que recai sobre o arguido um dever de verdade, como mero dever moral ou até como verdadeiro dever jurídico, dele não resultariam quaisquer consequências práticas, pois que a lei entende ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou a impô-lo e a mentira do arguido não pode ser valorada contra ele[9]. E a inexigibilidade é um princípio geral de direito[10].
Ora, como refere Germano Marques da Silva, a propósito do direito ao silêncio do arguido e à não punição da mentira, há que ter a humildade de reconhecer que a verdade judiciária não é necessariamente a verdade histórica[11].
Assim, «a ausência de qualquer ato objetivo ou conduta, por parte dos arguidos, demonstrativos de arrependimento ou tendente a minorar o mal do crime» é circunstância inócua para a determinação da pena.
Desconsiderando então essa circunstância, vejamos da fixação da medida concreta da pena para cada um dos arguidos.  
A ilicitude do facto, dentro do tipo de ilícito cometido afigura-se elevada atento o montante feito desaparecer da sociedade devedora, o número de lesados, incluindo trabalhadores da sociedade, o que faz elevar a exigências de prevenção geral no sentido de confiança da generalidade dos cidadãos nas normas que proíbem crimes desta natureza, na área dos crimes de colarinho branco.  O grau de culpa elevado atento o modo de execução do crime e o dolo intenso.
Considerando ainda a idade dos arguidos - arguido de 46 anos de idade e a arguida de 51 anos de idade – a inserção social, familiar e profissional, as suas habilitações e situação financeira estável, bem como o tempo decorrido desde a prática dos factos e a ausência de antecedentes criminais, afigura-se que as exigências de prevenção especial são medianas.
  Tudo visto, realçando a desconsideração do citado fator de pena erroneamente considerado pela primeira instância bem como a redução do montante em dívida a um dos lesados, afigura-se ser de reduzir as penas aplicadas na primeira instância para 2 anos e 5 meses de prisão para cada um dos arguidos, atendendo que em ambos os casos se mostram adequadas, necessárias e suficientes às exigências de prevenção geral e especial do caso dos autos, bem como à culpa dos arguidos.  
2.3.3.3- Alteração das condições da suspensão da execução da pena.
Na decisão recorrida a suspensão por igual período da execução da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos ficou subordinada ao cumprimento do dever de proceder ao pagamento da quantia de € 117 500 ao Estado, em 2 prestações, anuais e sucessivas, a primeira no valor de € 50.000 e a segunda no valor de € 67.500, vencendo-se a primeira na data em que se completar um ano sobre o trânsito em julgado da presente condenação e a outra no mesmo dia e mês do ano subsequente - devendo cada um dos arguidos juntar aos autos, no prazo de 10  dias, após o vencimento de cada uma das prestações anuais, documento comprativo da realização do respetivo pagamento.
Para fundamentar a suspensão e com tais condições considerou o tribunal recorrido o seguinte:
«Considerando a idade dos arguidos, que estão integrados social, profissional e familiarmente, o tempo decorrido desde a prática dos factos e a ausência de antecedentes criminais, reputa-se que a censura dos factos e a ameaça de prisão poderão ainda ser suscetíveis de assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde que seja neutralizada, pelo menos na sua parte mais significativa, a vantagem obtida pelos arguidos da prática criminosa.
Com efeito, no âmbito da criminalidade contra o património, em que os agentes retiraram vantagem financeira assinalável da prática criminosa, como sucedeu no presente caso, o reforço do sentimento da validade da ordem jurídica e a dissuasão de novos comportamentos ilícitos pressupõe a neutralização, de modo eficiente, daquela vantagem, no sua essencialidade, de forma a que os arguidos e os restantes membros da comunidade interiorizem que a atividade delituosa não foi, e não é, compensadora e não lhes trouxe vantagem assinalável.
Não fora a neutralização da essencialidade da vantagem obtida pelos arguidos, estamos em crer que as finalidades da punição, tendo em conta o desvalor do resultado e das condutas por eles perpetradas, só ficariam satisfeitas, no caso presente, através da prisão efetiva.
Deste modo, como se avançará para essa tendencial neutralização, decretar-se-á a suspensão da execução da pena de prisão imposta a cada um dos arguidos, por período igual ao da respetiva pena de prisão (art. 50º do Código Penal).
Essa a solução que resultava da lei vigente ao tempo dos factos criminosos. Mas reputa-se que esse período de suspensão é também o adequado face ao regime da lei vigente (resultante da Lei n.º 94/2017, de 23/08).
O período de suspensão fixado correspondente à pena de prisão imposta, considerando o crime perpetrado e suas consequências, revelam-se necessários para, por um lado, demover os arguidos da prática de novos crimes mediante a ameaça da prisão efetiva e, por outro lado, para promover de modo sustentado e consistente a consciencialização deles para a importância do bem jurídico e para a interiorização do mal cometido.
Não se coloca, portanto, em concreto, a questão da aplicação da lei penal mais favorável ao arguido (art. 2º, n.º 4 do C. Penal).
Porém, e na sendo do que se deixou dito, para que a suspensão das penas atinja as finalidades da punição, em termos de prevenção geral, mas também especial, tendo em vista a reposição da legalidade, ainda que parcial, impor-se-á aos arguidos a obrigação de proceder ao pagamento ao Estado de grande parte da vantagem.
Os arguidos AA e BB, casados entre si, retiraram da conta bancária da sociedade B... a quantia de € 247.000,00, que foi depositada em conta bancária titulada pelo primeiro arguido. Da conta bancária do arguido AA, foi ulteriormente transferida para contas bancárias tituladas pela arguida BB a quantia de € 123 502,87 (pontos 22 e 27 da factualidade provada). Sensivelmente metade daqueloutra quantia.
Os arguidos AA e BB transferiram ainda da conta bancária da B... para conta bancária titulada por aquele a quantia de € 31.304,88. Mas, em contrapartida, o arguido AA transferiu de conta bancária por si titulada para a conta da sociedade B... a quantia de € 39.601,29 (pontos 25 e 34 da factualidade provada)
Donde resulta que, a final, os arguidos retiraram da sociedade, para si próprios, a quantia de € 238.703,59 [(247.000,00+31.304,88) - 39.601,29].
Esta será, sensivelmente, a quantia de que os arguidos de que os arguidos devem ser privados, sob pena de o crime ser compensador e a pena suspensa não assegurar as finalidades da punição.
Note-se, aliás, que não se cingiu a esse montante o dinheiro que os arguidos fizeram desaparecer da sociedade, incluindo em gastos feitos proveito próprio (cfr. pontos 23 e 24 da factualidade provada).
Contudo, a apontada quantia de € 238.703,59 foi diretamente para a esfera de disponibilidade dos arguidos.
Usufruíram de tal quantia, que puderam investir e/ou fazer frutificar. Aliás, os arguidos continuaram e continuam com ligação aos negócios, como se retira da constituição da H... e do vertido no ponto 88 da factualidade provada.
Por uma questão prática, arredondar-se-á aquela quantia por defeito para os € 235 000. E considerar-se-á apenas o montante de capital.
Essa quantia haverá de ser restituída por ambos os arguidos, na proporção de metade cada um (€ 117 500).
Ambos cometeram o crime, como coautores, eram e são casados entre si, fazendo vida em comum e até trabalhavam, e trabalham, um com o outro, tendo ainda o dinheiro retirado da empresa B... sido depositado nas contas de ambos, nos sobreditos termos.
Destarte, a suspensão da pena de prisão fica condicionada ao pagamento ao Estado, por cada um dos arguidos condenados, da quantia de € 117 500, no prazo de 2 anos, à ordem dos presentes autos.
O pagamento, por cada um deles, deverá ser efetuado em duas prestações anuais: uma de € 50 000, decorrido um ano sobre o trânsito em julgado do presente acórdão; a outra de 67 500, completado que seja o segundo ano sobre o respetivo trânsito em julgado (cfr. art. 51º, n.º 1, al. c) do Código Penal). Em ambos os casos à ordem dos presentes autos.
Concede-se a possibilidade de pagamento faseado, como vindo de referir, em prazo que se reputa razoável.
Deverá cada um dos arguidos, no prazo de 10 dias a contar da data de vencimento, demonstrar nos autos a realização de cada pagamento das prestações “vencidas” (art. 50, n.º 2 e 51º do Código Penal).
Para finalizar, cumpre referir que os arguidos condenados não estão abrangidos, quer pela idade que tinham ao tempo da prática dos factos quer também pela pena que concretamente lhes foi imposta (pena de prisão suspensa na respetiva execução, subordinada ao dever de realizar pagamento ao Estado) pelo perdão de penas estabelecido pela Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto (cfr. arts. 1º, 2º, n.º 1, 3º, n.º 2 al. d) e 14º da mencionada lei).
* »
Insurgem-se os recorrentes contra as condições de suspensão da execução da pena fixadas, entendendo que o período de suspensão da execução a pena deve ser reduzido para um ano (o mesmo período para que pretendiam ver reduzida pena de prisão) e que a suspensão não deve ser condicionada ao pagamento de qualquer quantia ou então subsidiariamente a quantia fixada deve ser reduzida porque é desproporcionada violando o disposto no artigo 18º, n.º 2 da Constituição.
Quanto ao período da suspensão, afigura-se adequado reduzi-lo para o mesmo período das penas agora fixadas (2 anos e 5 meses), o qual se mostra justo e adequado às necessidades de prevenção.
Quanto à subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao dever de pagar 117 500 € ao Estado, não vemos como essa quantia, considerando os factos provados, não respeite o princípio da proporcionalidade, plasmado no art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
É que, conforme bem se refere na decisão recorrida, os arguidos retiraram da sociedade, para si próprios, a quantia de € 238.703,59, usufruíram de tal quantia, que puderam investir e/ou fazer frutificar, pois continuaram e continuam com ligação aos negócios, como se retira da constituição da H... e do vertido no ponto 88 da factualidade provada.
Na insolvência dolosa estamos na área do crime de colarinho branco, onde o lucro é a motivação suprema e é aí na subtração dos lucros sujos desse género de crime que se torna necessária uma intervenção clara e decisiva que satisfaça as necessidades de prevenção geral e especial do crime, reforçando a confiança dos cidadãos normalmente fiéis ao direito na validade das normas que proíbem aqueles esquemas e processos de ataque ao património dos outros e de enriquecimento criminoso, bem como ajudando os arguidos a não voltarem a cometer crimes.
Assim, o dever de pagamento das quantias de que se apropriaram imposto a cada um dos arguidos como condição de suspensão da execução da pena de prisão afigura-se justo, adequado e proporcionado, não se afigurando face aos dados recolhidos – pois os arguidos fizeram diretamente suas as quantias que retiraram da empresa e investiram-nas noutros negócios – que seja desproporcionado ou à partida inexigível o dever imposto por falta de condições para pagamento.
Acresce que a jusante a suspensão da execução da pena só poderá ser revogada com culpa do condenado.
Concluindo, nesta parte o acórdão recorrido deverá ser alterado, reduzindo a pena aplicada a cada um dos arguidos para 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa por igual período sujeita ao dever de pagamento tal como fixado na primeira instância.
*
3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:
- Alteram o ponto 16 da matéria de facto tal como referido em 2.3.1.
- Reduzem a pena aplicada a cada um dos arguidos para 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa por igual período sujeita ao dever de pagamento da quantia de € 117.500 ao Estado nos termos fixados na primeira instância.
- No mais, mantêm a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Porto, 29 de maio de 2024
William Themudo Gilman
Carla Oliveira
Maria Dolores da Silva e Sousa
____________
[1] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p.49.
[2] Cfr. AC STJ de 03.11.2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1 (António Gama), in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e47f4c807213cd16802588ef003d009d?OpenDocument
[3] A expressão «herói moral» é de Jorge de Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 2ª edição, Coimbra, 1983, Posfácio da segunda edição, p. 272-273; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 609.
[4] Cfr. sobre esta matéria: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume I, 1981, págs. 448-449; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª ed.,2023, p. 156; e, ainda, Claus Roxin e Bernd Schunemann, Derecho Procesal Penal, Buenos Aires, 2019, pág. 312.
[5] Cfr., de novo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57.
[6] Cfr. neste sentido, na jurisprudência: o Ac. STJ de 03-11-2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1.S1 (António Gama), https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e47f4c807213cd16802588ef003d009d?OpenDocument ;
e os Ac. TRP de 17-06-2020, proc. 203/18.1GBOBR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ac9d871c7a4cc8f0802585c2004a39dc?OpenDocument
TRP de 13-07-2022, proc. 354/20.2PBVLG.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/12643214afbe251680258886005f0417?OpenDocument ,
TRP de 27-09-2023, proc. 688/21.9GBVFR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4d743280a46c7f0880258a59003f8a95?OpenDocument ,
TRP de 28-02-2024, proc. 555/20.3GAVFR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/142895896b05a1be80258afb003c8ffb?OpenDocument ; e ainda os Ac TRP de 08-06-2022 (Processo n.º 307/21.3PAVNG.P1), TRP de 27-04-2022 (Proc. n.º 1176/20.6T9PNF.P1), TRP de 14-04-2021 (Proc. n.º 301/20.1GBAGD.P1), TRP de 06-05-2020 (Proc. n.º 20/19.1PASJM.P1), TRP de 06-11-2019 (Proc. 842/17.8T9AGD.P1), não publicados em dgsi.pt, mas consultáveis no registo de decisões da plataforma Citius.
[7] Cfr.: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330.
[8] Cfr. Hans-Heinrich Jeschek e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª ed., Granada, 2002, pág. 964.
[9] Cfr. sobre o direito ao silêncio e à não punição da mentira, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, págs. 449-452.
[10] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª edição, 1987, p. 59 e nota 19; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra 2007, p. 606, nota 11.
[11] Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 2ª ed. 2017, vol. I pág.317.