Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
688/21.9GBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PRESSUPOSTOS
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
MEDIDA DA PENA
CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO
CONFISSÃO
INEXISTÊNCIA
EFEITO
Nº do Documento: RP20230927688/21.9GBVFR.P1
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A aplicação da suspensão provisória do processo e da injunção que dela resulta é indissociável do facto criminoso que lhe deu origem.
II- Na suspensão provisória do processo prescinde-se da certeza da existência do facto criminoso e do seu cometimento pelo arguido, mas a presunção de inocência mantém-se, nem sequer há acusação, quanto menos pronúncia ou condenação, transitada ou não em julgado.
III- Não sendo dissociável a suspensão provisória do processo do facto criminoso (indiciado) que lhe deu origem, a sua valoração contra o arguido em sede de medida da pena não é admissível, por força do princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, n.º 2 da Constituição.
IV- O facto de o arguido não ter confessado os factos, negando a maioria ou apresentando versão diversa da que resultou provada, constitui circunstância inócua para a medida da pena.

[Sumário da responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 688/21.9GBVFR.P1
Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Moreira Ramos
2º Adjunto: Liliana Páris Dias
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 688/21.9GBVFR do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 2, foi julgado o arguido AA, tendo sido proferida sentença em 20-03-2023, depositada nesse mesmo dia, que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz o montante total de € 660,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 1 ano.
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Não se conformando com esta sentença, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«A. À vista ou perante a prova dada como assente, verifica-se que o M. Juiz “a quo” tinha prova suficiente para absolver o arguido, que se requer, ou tomar uma decisão mais branda e justa para o arguido, relevando concomitantemente os factos e a condição pessoal, social e mesmo profissional do mesmo.
B. Entende o recorrente que o juiz “a quo” violou o artº 410º, nº 2, al.s a) e c) do CPP.
C. A pena aplicada ao arguido é injusta, por inexistência de fundamento grave, uma vez que encontrava-se estacionado, parado e sem qualquer circulação rodoviária.
D. Pelo que, face às circunstâncias dadas como provadas na douta sentença e evidenciadas nas presentes das motivações, o arguido deverá ver a sua sentença alterada para a absolvição, ou se os factos tiverem outra interpretação jurídica quanto ao direito aplicável, sempre o arguido não poderá ser condenado por disposição superior a 60 dias de multa, à razão diária de 6 € (seis euros) e por proibição de conduzir veículos motorizados pelo período superior a 04 meses.
O que se requer.
E. A sentença recorrida violou, por conseguinte, as disposições dos art.s 410º, nº 2, al. a) do CPP e os artºs 70º e 71º do CP.
NESTES TERMOS, por estas razões e outras do douto suprimento de direito, deverá ser concedido provimento ao recurso, com revogação da sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente ou, se tal entendimento não proceder, com substituição por outra que determine uma pena máxima de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por período não superior a 04 meses.
Deste modo far-se-á JUSTIÇA.»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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Nesta instância o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso obter provimento.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
As questões a apreciar e decidir são:
- Vícios da decisão - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.
- Absolvição do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
- Medida das penas, principal e acessória – redução das penas aplicadas.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação de facto (transcrição):
«FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
a). No dia 10 de Outubro de 2021, pelas 21:30 horas, na Rua ..., ..., Santa Maria da Feira, o arguido conduziu o ciclomotor com matrícula ..-EF-.., com uma taxa de álcool no sangue, de pelo menos 2,18 gramas/litro, correspondente à TAS de 2,50 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível.
b). O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.
c). Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a referida condução do veículo e que lhe iria provocar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 gramas/litro, com a consequente falta de reflexos necessários para o exercício da condução rodoviária e quis conduzir nas referidas circunstâncias.
d). Mais sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
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Mais se provou e com relevância para a determinação da sanção aplicável:
e). À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.
f). Mas já havia beneficiado da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo no âmbito do inquérito n.º 35/19.0GCVFR, do DIAP de Santa Maria da Feira, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ficando vinculado às injunções de entregar ao Estado a quantia de € 500 e de proibição de conduzir por três meses, perdurando a suspensão, por seis meses, entre 25 de Fevereiro e 25 de Agosto de 2019, findando os autos pelo cumprimento.
g). O arguido revelou reduzida autocrítica para com os factos praticados, repudiando inverosimilhantemente ter-se despistado na data em questão, aduzindo que se encontrava parado e que foi pontapeado por um indivíduo que não conseguiu reconhecer, atirando-o para o chão, juntamente com o seu veículo, subtraindo-lhe também o sujeito as chaves do ciclomotor, versão que se teve por patentemente inverdadeira.
h). Mais afirmou o arguido que, tendo conduzido até ao referido local, sabendo que tinha ingerido previamente bebidas alcoólicas, não teve consciência do estado etilizado em que se encontrava, sustentando estar capaz para exercer o acto de condução, alegação que, em conjugação com o anterior comprometimento com a prática de crime idêntico, pelo qual beneficiou da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, transmitiu a manifesta desconsideração da gravidade da adopção de condutas similares e, sobretudo, a total ineficácia da reacção não penal de que anteriormente beneficiou.
i). O arguido tem o 3.º ano de escolaridade e encontra-se reformado desde os sessenta e seis anos de idade, beneficiando de uma pensão de, aproximadamente, € 350.
j). Vive com a sua mulher, a qual se encontra também reformada, auferindo uma pensão de cerca de € 340 mensais.
k). O casal tem três filhos, já autonomizados.
l). O agregado familiar reside em casa própria, actualmente propriedade das filhas, por via da partilha em vida que o arguido já realizou.
m). O arguido é dono do referido veículo ciclomotor, o qual utiliza nas suas deslocações, sendo ainda proprietário de um tractor, que utiliza nos trabalhos nos seus campos.
n). O arguido é respeitado na localidade onde vive.
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Não existem factos não provados.
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Motivação da matéria de facto:
A decisão teve por base a prova produzida em audiência, nomeadamente:
As declarações do arguido, o qual, reconhecendo que conduziu até ao local, após a ingestão de bebidas alcoólicas, ou seja, confirmando os factos objectivos pertinentes, narrou uma sequência dos eventos manifestamente estapafúrdia e patentemente apócrifa.
Com efeito, o arguido relatou como, tendo conduzido até ao local em causa, parou por se sentir indisposto e para urinar e, após recuperar, quando tentou reiniciar a marcha, o seu veículo não funcionou, pelo que encostou-se ao mesmo a descansar, momento em que passou por ele um indivíduo, que não conseguiu identificar, sujeito que, com uma patada, o atirou para o chão, juntamente com o seu ciclomotor, sendo que, acto contínuo, o mesmo, dele se acercou, enquanto ainda no chão, e retirou-lhe a chave do veículo, abandonando o local.
Ora, a reprodução da versão do arguido tem o fito de colocar em evidência a sua manifesta inveracidade intrínseca. Na verdade, para além do modo como foram prestadas tais declarações, com sucessivas hesitações e alterações da versão (a título de exemplo, a primeira versão foi que a paragem havia sido motivada por indisposição, alterando-se para uma avaria não concretamente descrita no veículo – paragem súbita?!), a mesma suscitou recorrentes perplexidades, tais como, a título de exemplo, o motivo pelo qual teria ficado parado, em plena via pública, à noite (com o inerente perigo de embaraço do trânsito e até de ser causa de acidente), encostado ao ciclomotor, ficando por perceber se aguardava o restabelecimento da suposta indisposição ou que o veículo, subitamente e sem que nada para tanto fizesse, começasse a funcionar novamente, percebendo-se por esta manifesta inverosimilhança da versão, a sua inelutável inveracidade, sendo ainda mais inacreditável não só a pretensa investida que sofrera, sem que o arguido conseguisse indicar um qualquer motivo – fora atingido por um pontapé (quase golpe de karaté), que o atiraria para o chão, juntamente com o veículo e, apesar da proximidade que chegou a estar do putativo autor destes factos, inclusivamente, quando ele se abeirara para lhe retirar a chave da viatura, o arguido, supostamente, não tinha sido capaz de o reconhecer, o que, uma vez mais, não pode deixar de significar que tais factos simplesmente não aconteceram, sendo apenas uma canhestra tentativa de o arguido sustentar a sua versão de que não teria sido interveniente em qualquer despiste, justificando os danos que o ciclomotor viria a patentear, assim como as lesões físicas que o próprio sofreu (ainda que, também aqui, se tenha revelado patentemente inconsistente a explicação, já que a dinâmica descrita pelo arguido se teve por claramente irreal e contrária às leis da física, afirmando o arguido que, estando encostado ao veículo e precipitando-se para o chão, de costas, desamparado, bateu com a cabeça no guiador!).
Para além do mais, resultou inequívoco do depoimento da testemunha BB, à data dos factos em funções no Posto Territorial ... da Guarda Nacional Republicana, desde logo, que a sua deslocação ao local foi suscitada por uma comunicação de despiste, com indicação que já se encontrariam no local os bombeiros, comunicação esta que terá provindo de alerta dos populares que logo acercaram ao local do acidente e que o depoente ainda encontrou (populares que indicaram o arguido como condutor). Acresce que, o depoente relatou também de forma espontânea e vívida os vestígios que encontrou no local e que inquestionavelmente apontavam para a existência de, pelo menos, um despiste, descrevendo que existiam sinais no muro que ladeava a via da fricção do ciclomotor, tendo igualmente percepcionado os correspondentes riscos no veículo, bem como os estragos num arbusto, compatíveis com o arrastamento do veículo. Ademais, o depoente asseverou que, apesar da hora, se tratava de um local com boa visibilidade e adequada iluminação pública (cfr. fotografia de folhas 12), pelo que, dizemos nós, nenhuma razão existiria para que o arguido não tivesse logrado ver a cara do seu putativo agressor. Mais relatou a testemunha a assistência que era prestada ao arguido pelos Bombeiros e que teria motivado a impossibilidade de realização do teste de alcoolemia através do ar expirado, tendo esclarecido que, ainda assim, da conversa que manteve com o arguido era notória a sua afectação etílica, não só pelo odor que o mesmo exalava, mas também pela articulação (ou falta dela) do discurso, peremptoriamente repudiando que o arguido tivesse, em algum momento, comunicado que não estaria a conduzir ou que teria sido alvo de um abalroamento ou pontapeamento.
Foi ainda considerado o teor do auto de notícia de folhas 4 a 6, da participação de acidente de folhas 10 a 12 e do relatório da prova pericial de toxicologia, junto a folhas 9.
Concluindo.
Da conjugação de tal prova, resultou inequívoco que o arguido não só conduzia o descrito veículo, como também que, por via da afectação etílica, perdeu o controlo do mesmo e despistou-se, afigurando-se que a versão trazida apenas tinha por escopo a negação do evidente, certo que olvidou o arguido que tal repúdio era manifestamente inócuo, já que não se encontrava sequer acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Por outro lado, diga-se apenas que quanto à invocada falta de consciência por banda do arguido de que era portador de uma taxa de alcoolemia de valor idêntico ao por si patenteado, ou seja, superior ao limite tolerado por lei penal, se considerou tal versão como absolutamente contrária às mais elementares regras da normalidade e da experiência comum.
Efectivamente, não se crê como minimamente plausível e verosímil que uma pessoa que apresenta uma taxa de 2,18 g/l de álcool no sangue – saliente-se, quase o dobro do limite a partir do qual a conduta é criminalmente relevante – possa não saber que não se encontra em condições para conduzir por ser portador de uma taxa superior ao limite a partir do qual a conduta é criminalmente relevante, tanto mais quando considerado o facto conhecido da grande quantidade (e/ou qualidade de elevada concentração etílica) de substâncias etílicas que é necessário ingerir para apresentar uma taxa desta grandeza, ingestão que o arguido bem conhecia e, como tal, não poderia deixar de saber também que a sua conduta constituía o imputado crime, afirmação em nada contrariada pelos conhecidos efeitos de desinibição e excesso de confiança que a embriaguez provocam.
Assim sendo, no que concerne ao elemento subjectivo a convicção do tribunal alicerçou-se em juízos de experiência comum em conjugação com a globalidade da prova produzida.
No que respeita às condições socioeconómicas, familiares e morais do arguido foram atendidas as suas próprias declarações e o teor do depoimento das testemunhas CC e DD, amigos de longa data, quanto ao perfil moral e reputação social.
Por fim, foi atendido ao teor do certificado do registo criminal junto a folhas 57 e a pesquisa da base de dados da suspensão provisória junta a folhas 17.
*.»

2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Vícios da decisão: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.
Invocou o recorrente no seu recurso que a decisão recorrida padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.
De acordo com o artigo 410º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão.
Comecemos pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada.
Este vício não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, em que se afirma que teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Mas parece ser precisamente nesta confusão que o recorrente incorre, pois embora invoque o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que pretende e acaba por fazer é referir que existe falta de prova ou errada apreciação da prova produzida para fundamentar a decisão recorrida, concluindo pela absolvição ou pela redução das penas aplicadas.
Da leitura da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa.
Deste modo, no caso em apreço, do texto da decisão recorrida não resulta o vício da previsão do artigo 410.º, 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
Vejamos então o vício do erro notório na apreciação da prova.
Este vício, previsto no artigo. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum.
Da simples leitura da decisão, não descobrimos nos factos provados que tenha resultado provado algum facto que não possa ter acontecido ou que a prova tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados.
Entende o recorrente que se verifica um erro notório na apreciação da prova, designadamente porque o tribunal deveria considerar mais favoravelmente ao arguido as declarações do próprio arguido e das duas testemunhas abonatórias arroladas, sendo que o arguido deixou claro que estava estacionado no ciclomotor que além de
estar avariado, o mesmo começou a sentir-se mal, tendo ali permanecido, imóvel, até à atuação policial e dos bombeiros.
Mas a verdade é que, lendo o texto da motivação de facto, o que vemos é uma fundamentação lógica explicando o modo como se chegou à convicção a que se chegou quanto aos factos provados, sem que algum erro se lhe possa apontar.
O tribunal enunciou os meios de prova que serviram para a formação a sua convicção e procedeu à análise crítica dos mesmos, em especial das declarações prestadas pelo arguido, tendo desconsiderado estas parcialmente e explicado de modo razoável porque o fez.
Bem vistas as coisas, o que o recorrente pretende é impor a diferente convicção a que chegou à do tribunal, substituindo-se a este na decisão. Mas não tem razão, não se vislumbra erro notório na apreciação da prova ou violação do disposto no artigo 127º do CPP.
O que sucede é que o recorrente incorre novamente, como já havia feito em relação ao vício da alínea a) deste artigo, em confusão entre os vícios da decisão e o erro de julgamento a que diz respeito o artigo 412º do CPP, ou seja, à chamada ‘impugnação ampla da matéria de facto’, pois se é certo que por um lado o recorrente invoca expressamente o vício do erro notório na motivação de recurso, a verdade é que o que resulta da leitura da motivação de recurso do arguido é que este pretende impugnar a matéria de facto nos termos da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
Só que se pretendia impugnar a matéria de facto nos termos do artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, certo é que não cumpriu com os ónus impostos por esta norma, o que impede a apreciação do erro de julgamento nos termos da impugnação ampla da matéria de facto.
Concluindo, no caso dos autos, do texto da decisão recorrida não resulta nenhum dos vícios da previsão do artigo 410.º, 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal invocados pelo recorrente, nem tão pouco vislumbramos qualquer outro vício previsto neste artigo, o que aqui se declara.
2.3.2-Absolvição do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada pela primeira instância e sendo da sua alteração que dependia o sucesso da pretensão do recorrente de absolvição do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a conclusão a retirar é a de que falece esta pretensão.
Com efeito, o arguido conduziu um ciclomotor na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas, tendo apresentado uma TAS de 2.18 g/l, mais se encontrando presente o elemento subjetivo do ilícito na matéria de facto provada, pelo que resulta o cometimento pelo arguido, tal como se considerou na decisão recorrida, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
2.3.3-Determinação da medida da pena principal aplicada.
Passemos então à apreciação da determinação da medida da pena principal aplicada nos presentes autos - 110 dias de multa, à taxa diária de 6€ -, pena essa com a qual o recorrente não concorda quanto ao número de dias de multa, entendendo que deveria ter sido fixada em 60 dias de multa, à taxa diária de 6 €.
Argumenta o recorrente que «não foi devidamente apreciada e decidida a condição social, profissional e escolar do arguido quanto à aplicação da pena objetiva sentenciada, a qual é desproporcionada em relação aos factos apurados em sede de julgamento e não totalmente considerados pela Mer. Juiz “a quo”.»
Vejamos então, considerando os factos apurados na sentença recorrida.
A moldura penal aplicável ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal cometido pelo recorrente é de pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou pena de multa de 10 até 120 dias.
Tendo em conta a moldura penal, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no presente recurso não é colocada em causa a opção pela pena de multa, a qual de todo o modo sempre diremos que se afigura correta.
Quanto à medida concreta da pena, cabe referir que esta apura-se de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Na decisão recorrida, nesta parte, considerou-se o seguinte:
«Em favor do arguido depõem as seguintes circunstâncias:
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sua aparente inserção social e familiar.
Em desfavor do arguido depõem as seguintes circunstâncias:
- agiu com dolo directo;
- o concreto grau de alcoolemia – 2,18 g/litro de sangue (próximo do dobro do limite a partir do qual a conduta começa a ser criminalmente relevante);
- a hora e o local onde o arguido conduzia;
- à data dos factos já havia beneficiado da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pela prática de idêntico ilícito penal;
- a revelada ausência de consciência crítica;
- as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que, mercê dos insuportáveis níveis de sinistralidade rodoviária, estes crimes sempre provocam na comunidade e, particularmente nesta Comarca, considerada a elevada incidência da prática deste tipo de ilícito penal.
Ponderadas tais as circunstâncias, entendo por adequada a pena de 110 (cento e dez) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em € 6 (seis euros) – (quando vista a deficitária condição socioeconómica do arguido) artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal –, perfazendo o montante global de € 660 (seiscentos e sessenta euros).»

Em primeiro lugar, haverá de se considerar que tem alguma razão o recorrente quando refere que o tribunal não considerou (expressamente) a condição social, profissional e escolar do arguido, mas tais fatores podem considerar-se abrangidos na sintética expressão «a sua aparente inserção social e familiar», utilizada na sentença. Com efeito, tendo o arguido 66 anos de idade, encontrando-se reformado, tendo o 3º ano de escolaridade, vivendo com a mulher em casa própria, trabalhando nos campos e sendo respeitado na localidade onde vive, é de concluir que revela integração social e familiar, como se fez na decisão recorrida.
Depois, haverá de se ter em conta que na decisão recorrida foram valorados em desfavor do arguido em sede de medida de pena as circunstâncias de «à data dos factos já havia beneficiado da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pela prática de idêntico ilícito penal» e «a revelada ausência de consciência crítica.», circunstâncias essas tendo suporte na matéria de facto provada das alíneas f, g e h.
Entramos no campo dos fatores de medida de pena relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto, que o legislador no artigo 72º, n.º 2, al. d) do Código Penal ordenou fossem tidos em conta.
Quanto à conduta anterior ao facto é de ponderar como circunstância relevante desfavorável a existência de comportamentos criminosos, pois que podem indiciar uma culpa mais grave e (ou) exigências acrescidas de prevenção[1].
Mas não basta que se verifique um comportamento criminoso anterior aos factos em juízo, torna-se ainda necessário que tal antecedente criminal esteja estabelecido por condenação transitada em julgado, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, n.º 2 da Constituição: «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, …».
E é por força do princípio da presunção de inocência que um comportamento criminoso constante duma acusação ou pronúncia e até duma sentença desde que ainda não transitada em julgado não pode nunca ser considerado como antecedente criminal para efeitos de valoração desfavorável como fator de medida da pena.
Aliás, mesmo no caso das condenações transitadas em julgado, caso o registo criminal tenha sido cancelado, tenha caducado por força da reabilitação, também elas não podem ser valoradas para efeito de medida de pena[2].
Se parece não haver dúvidas quanto à proibição de valoração contra o arguido de comportamentos criminosos descritos numa acusação ou pronúncia e até duma sentença desde que ainda não transitada em julgado, já quanto a factos que tenham levado à suspensão provisória do processo (artigo 281º do CPP) nem a jurisprudência nem a doutrina são unânimes, entendendo uns que é possível a valoração da suspensão provisória do processo e outros que não[3] [4].
O ponto fulcral que nos parece fornecer a solução do problema é o de que a aplicação da suspensão provisória do processo e da injunção que dela resulta é indissociável do facto criminoso que lhe deu origem.
Com efeito não se afigura possível pensar ou pelo menos compreender adequadamente a injunção sem o facto que lhe deu origem. Não vemos como dar como provado no processo apenas a injunção aplicada, abstraindo do facto criminoso indiciado e depois considerar em sede de medida de pena que o arguido cumpriu a injunção x ou y e por isso demonstrou uma maior culpa ou exigências preventivas maiores.
É por isso, por força da referida indissociabilidade entre a injunção e o facto que a gerou, que na jurisprudência citada a injunção nunca aparece por si só, mas sempre ligada ao facto criminoso que a gerou, como por exemplo: «o arguido já beneficiou da suspensão provisória do processo no âmbito do inquérito …, pela prática de um crime de …». E é assim que também surge no caso dos autos o facto provado (facto f da sentença) relativo à suspensão provisória do processo anterior.
Não é possível relacionar a injunção aplicada ou cumprida com a maior ou menor culpa ou exigência preventiva sem que se saiba qual o facto criminoso que lhe deu origem.
Na suspensão provisória do processo prescinde-se da certeza da existência do facto criminoso e do seu cometimento pelo arguido, mas a presunção de inocência mantém-se, nem sequer há acusação, quanto menos pronúncia ou condenação, transitada ou não em julgado. E o arguido não pode ver valorado contra si um facto que não passou a barreira da presunção de inocência.
Concluindo, nesta parte, diremos que não sendo dissociável a suspensão provisória do processo do facto criminoso (indiciado) que lhe deu origem, a sua valoração contra o arguido em sede de medida da pena não é admissível, por força do princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, n.º 2 da Constituição.
Assim, terá de ser desconsiderado em sede de medida da pena o facto de o arguido ter beneficiado anteriormente aos factos por que agora está a ser julgado da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pela prática de idêntico ilícito penal.
Quanto à conduta posterior ao facto, teve a sentença recorrida em consideração «a revelada ausência de consciência crítica», que como resulta da leitura da sentença -alínea g dos factos provados - mais não foi do que o comportamento processual do arguido ao apresentar uma versão que o tribunal teve por «patentemente inverdadeira».
Mas se assim é, valorou-se contra o arguido o seu comportamento processual, ao apresentar uma versão não verdadeira dos factos.
Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa.
Entre as garantias de defesa encontra-se em posição de destaque a liberdade que o arguido tem de escolher o modo como pretende exercer a sua defesa, desde logo através opção de se remeter ao silêncio, sem que por isso possa ser desfavorecido, ou de prestar declarações, confessando ou negando os factos, ou de apresentar versão diversa dos factos imputados, sem que esse modo de defesa que livremente assumiu possa ser censurado.
Não é o modo de defesa escolhido pelo arguido que está a ser julgado, sob pena de se pôr em causa tal liberdade de escolha e ficarem minadas as garantias de defesa do processo penal.
A prestação de declarações, embora não deixe de constituir um meio de prova, constitui na essência um meio de defesa do arguido, pelo que deve ser garantida a liberdade do seu exercício.
Assim, seguindo na esteira do ensinamento de Eduardo Correia, Figueiredo Dias e Maria João Antunes[5], entendemos que o comportamento processual do arguido (o silêncio, a não confissão, a negação dos factos, a apresentação de versão diversa da que resultou provada, etc…) não deve, por princípio, ser valorado contra si, atenta a posição em que se encontra e a necessidade de acautelar o seu direito de defesa, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo[6], a qual desde já adiantamos não se vislumbra no caso dos autos.
Nas palavras de Eduardo Correia[7]: “A negação do crime corresponde, por seu lado, a um direito do arguido e portanto não pode, necessariamente, considerar-se elemento da agravação da pena. Em processo penal não há, por parte do arguido, um «dever de colaboração com a justiça», nem tão-pouco se poderá falar aqui de dolo ou má fé processual.
E até há quem, como Hans-Heinrich Jescheck, vá mais longe e recuse qualquer tomada de consideração do comportamento processual na individualização da pena porque colide com a máxima processual de que o acusado possui liberdade para articular a sua defesa do modo que deseje[8].
Considerar-se como fator de medida de pena que depõe contra o arguido, nos termos do artigo 71º, n.º 1 e 2, e) do Código Penal, o facto de este se ter remetido ao silêncio, não ter confessado, ter negado os factos ou apresentado versão diversa da que veio a resultar provada, constitui uma compressão injustificada da liberdade de escolha do modo de defesa e, por aí, uma clara violação do direito de defesa do arguido e do processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 61º do Código de Processo Penal e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e 48º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Com efeito, se qualquer uma destas circunstâncias de facto fosse suscetível de como fator de medida de pena, enquanto conduta posterior ao facto, ser valorada contra o arguido, este poderia ficar não só compelido a falar, como a confessar os factos imputados ou, então, se apresentasse uma versão diferente dos factos imputados, a tentar acertar na versão dos factos que o Tribunal viesse a dar como provada, sempre sob pena de o seu constitucionalmente garantido comportamento processual poder vir a ser valorado contra si em sede de determinação da pena.
Ora, como refere Germano Marques da Silva, a propósito do direito ao silêncio do arguido e à não punição da mentira, há que ter a humildade de reconhecer que a verdade judiciária não é necessariamente a verdade histórica[9] [10].
Assim, o facto de o arguido não ter confessado os factos, negando a maioria ou apresentando versão diversa da que resultou provada, constitui circunstância inócua para a medida da pena.
Desconsiderando então os fatores de medida de pena assinalados, vejamos da fixação da medida concreta da pena.
Ponderando, em obediência ao artigo 71º do Código Penal, o grau de ilicitude mediano-elevado, atenta a TAS de 2,18 g/l e o veículo utilizado (um ciclomotor); o grau de conhecimento e a intensidade da vontade do dolo - dolo direto; a ausência de antecedentes criminais; a integração social e familiar, o facto de ser reformado, a idade de 66 anos, a condição económica modesta, o que tudo junto não deixa de revelar uma baixa intensidade quanto às exigências de prevenção especial. Mais tendo em conta que no que se refere à prevenção geral positiva ou de integração, a necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, em especial no campo dos crimes rodoviários e neste nos crimes de condução em estado de embriaguez, tem alguma intensidade, afigura-se ficar assegurada aquela tutela com a imposição ao arguido de uma pena de multa situada no terço intermédio da moldura abstrata, ou seja em 70 dias. Mantém-se a taxa diária em 6€, que foi a fixada em primeira instância e com a qual o recorrente concordou.
Assim, é parcialmente procedente o recurso nesta parte.
2.3.4- Da pena acessória.
A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual o arguido foi condenado, para além da pena principal é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos (art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
No caso dos autos, o Tribunal recorrido fixou a pena acessória em um ano.
Entende o recorrente, tal como em relação à pena principal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos fixada é desajustada, e que deveria ter sido aplicada em período não inferior a 4 meses.
Ponderemos.
A sanção agora em causa tem a natureza de pena acessória, traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
Quanto às suas finalidades, deve assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação, e deve esperar-se desta pena acessória que contribua para a emenda cívica do condutor.
Esta pena acessória tem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente.
Resulta do artigo 69º do Código Penal que a aplicação da pena acessória em causa depende da verificação de dois pressupostos, um de natureza formal e outro de natureza material, sendo que, no caso dos autos, o de natureza formal se mostra preenchido pela condenação da recorrente pelo cometimento do crime previsto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
O pressuposto material verifica-se quando for de considerar no caso que o exercício da condução se revelou especialmente censurável.
E aqui, temos de concluir que o arguido adotou em relação à condução rodoviária apesar do estado de embriaguez que o afetava, com uma taxa de álcool no sangue de 2,18 g/l, muito superior ao mínimo legal e bem acima do limite do ilícito penal, manifestou, nos factos por si praticados, um elevado desrespeito pelas normas, especialmente censurável, pelo que necessário se torna a aplicação de uma pena acessória que, inibindo-o daquele direito, contribua para a interiorização do dever de participar, de forma responsável e, sobretudo, segura, no trânsito rodoviário.
Está, assim, preenchido, também, o pressuposto material de aplicação da sanção acessória, a qual, por isso, não pode deixar de ter lugar.
Para a determinação da medida concreta da pena acessória têm aplicação os critérios estabelecidos no art.71º do Código Penal já acima referidos e que aqui damos por reproduzidos.
Assim, considerando todos os elementos atrás referidos - o grau de ilicitude médio-elevado, atenta a TAS de 2,18 g/l, dolo direto, ser primário, ter já 66 anos de idade, mostrar-se social e familiarmente integrado e estar reformado -, afigura-se que as exigências de prevenção se satisfarão com a fixação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em três meses acima do mínimo legal, ou seja em seis meses, mostrando-se adequada e proporcional, respeitando os artigos 18.º da Constituição da Republica Portuguesa e os artigos 40.º e 71.º, do Código Penal.
Assim, concedendo provimento parcial também nesta parte do recurso, fixar-se-á a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor no período de 6 (seis meses).
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência, alteram parcialmente a sentença recorrida, ficando o arguido condenado na pena de setenta dias de multa à taxa diária de seis euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de seis meses, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
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Sem custas.
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Notifique.

Porto, 27 de setembro de 2023
William Themudo Gilman
Moreira Ramos
Liliana de Páris Dias
___________________
[1] Cfr. neste sentido quanto a condenações anteriores Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 253
[2] Cfr. neste sentido Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 253
[3] Cfr. no sentido da negação da possibilidade de valoração os Acs. TRP de 04-05-2016 proc. 1009/15.5PCMTS.P1 (Artur Oliveira), TRL de -08-11-2022, proc.1078/21.9GAMTA.L1-5 (Jorge Antunes); e na doutrina Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, nota 14 ao artigo 71.º, p. 231).
[4] Cfr. no sentido da possibilidade de valoração os Acs. TRC de 29-01-2020, proc. 250/19.6GASEI.C1 (Luís Teixeira); TRE de 29-03-2016, proc. 499/15.0PAPTM.E1 (Ana Barata Brito); TRG de 8-10-2012 proc. 190/11.7GCVVD.G1 (Fernando Monterroso); TRG de 12-10-2020, proc. 91/19.0GTVRL.G1 (Cândida Martinho); TRG de 07-03-2022, proc. 132/21.1GBTMC.G1 (Anabela Varizo Martins), TRP de 12-07-2023, proc. 78/23.9GCVFR.P1 (João Pedro Pereira Cardoso), com um voto de vencido; e na doutrina, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 253 e Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, p. 669.
[5] Cfr. sobre esta matéria: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume I, 1981, págs. 448-449; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57; e, ainda, Claus Roxin e Bernd Schunemann, Derecho Procesal Penal, Buenos Aires, 2019, pág. 312; bem como o Ac. do STJ de 03-11-2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1.S1 (António Gama); e o Ac. TRP de 17-06-2020, proc. 203/18.1GBOBR.P1 (William Themudo Gilman) e TRP de 13-07-2002, proc. 354/20.2PBVLG.P1 (William Themudo Gilman) , in www.dgsi.pt; e ainda os Ac TRP de 08-06-2022 (Processo n.º 307/21.3PAVNG.P1), TRP de 27-04-2022 (Proc. n.º 1176/20.6T9PNF.P1), TRP de 14-04-2021 (Proc. n.º 301/20.1GBAGD.P1), TRP de 06-05-2020 (Proc. n.º 20/19.1PASJM.P1), TRP de 06-11-2019 (Proc. 842/17.8T9AGD.P1), não publicados em dgsi.pt, mas consultáveis no registo de decisões da plataforma Citius.
[6] Cfr., de novo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57.
[7] Cfr.: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330.
[8] Cfr. Hans-Heinrich Jeschek e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª ed., Granada, 2002, pág. 964.
[9] Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Português, 2ª ed. 2017, pág.317.
[10] Cfr. sobre o direito ao silêncio e à não punição da mentira, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, págs. 449-452.