Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
203/18.1GBOBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
AUSÊNCIA DE CONFISSÃO
PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RP20200617203/18.1GBOBR.P1
Data do Acordão: 06/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em relação ao anúncio da prática de um crime que possa configurar um crime de ameaça, não sendo a declaração explícita, a mesma tem de ser interpretada atendendo às palavras proferidas, considerando a vontade presumível do declarante manifestada nessas palavras, e atendendo ao sentido que qualquer destinatário retiraria daquelas palavras, colocado que estivesse na posição do real destinatário.
II - Tendo em conta que na situação descrita nos autos, o arguido, após um desentendimento e discussão anterior, empunhando uma arma que retirou do carro, dirigiu ao ofendido, em tom grave e sério, a expressão “hoje estás de pé, amanhã estás deitado”, deve concluir-se que anunciou ao ofendido que, no futuro, o mataria.
III - O comportamento processual do arguido não deve, por princípio, ser valorado contra si, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo; assim, a circunstância de o arguido não ter confessado os factos provados ou não ter revelado arrependimento ou juízo crítico em relação à sua conduta é inócua para a escolha e determinação da medida da pena.
IV - Não pode olvidar-se o altíssimo valor que, no quadro das penas de substituição, deve ser atribuído à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, e que faz dela, porventura, a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão, em que uma censura reintegradora prevalece sobre uma censura estigmatizante e criminógena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 203/18.1GBOBR.P1
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Acordam em conferência na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No processo comum nº 203/18.1GBOBR, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro - Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida sentença que o condenou pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, substituída por prestação de duzentas e quarenta horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal.
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Não se conformando com esta sentença, o arguido interpôs recurso, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«1ª
B… foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravada (na pessoa de C…), previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 08 (oito) meses de prisão, substituída por prestação de 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal;

É desta decisão condenatória que se discorda, nomeadamente em relação: a) à prova produzida e aos factos dados como provados;
b) à não consideração da prova pericial (exame à arma) - apenas tido em conta para a identificação da data e para identificação da arma apreendida
c) à qualificação jurídica dos factos;
d) à decisão condenatória e à escolha e aplicação de pena;

Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a forma como o Tribunal a quo julgou a matéria de facto, nem com, tendo em conta as declarações prestadas mormente pela Testemunha C…, os factos que deu como provados, pelo que entendemos ter havido insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada, e erro notório na apreciação da prova (Cfr. art. 410, n.º 2, a) e c) do CPP).

As declarações desta testemunha, C…, permite-nos perceber que o arguido NÃO apontou a arma a ninguém, não causou qualquer medo ou inquietação à testemunha (nem às restantes), que a testemunha havia já manifestado o propósito de desistir da queixa (e não percebe porque tal desistência não foi admitida) e se pudesse "desistir hoje" fá-lo-ia seguramente, bem como, as palavras proferidas foram-no ao telefone e não no local identificado como o da prática dos factos.

Assim, o recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 2, 3, 4, 6, 7 da matéria de facto dada como provada.

Impunham, e impõem, decisão diversa da recorrida, nomeadamente, as seguintes provas:
a) as declarações da Testemunha C…,
b) O exame à arma, exame n.º …/2018, realizado em 05/11/2018

A impugnação do recorrente funda-se, essencialmente, nas passagens relativas ao depoimento desta testemunha supra referida, C…, que se identificam assim:
20191125102555_3911551_2870480.wma
20191125105412_3911551_2870480.wma
e cuja transcrição se faz nas Alegações precedentes.

Ora, e salvo o devido respeito por melhor opinião, tendo em conta o depoimento supra indicado, bem como o exame que a GNR fez à arma, não poderia ter o Tribunal de 1ª Instância condenado o arguido, ora Recorrente, mas sim, tê-lo absolvido; Pois, o depoimento atrás transcrito deveria ter sido considerado para dar como não provados os pontos 3, 4, 6, 7 da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, e o exame à arma, deveria ter sido considerado para prova do ponto 2 dos factos dados como provados, e em consequência, impunha-se que a decisão final da causa fosse a absolvição do ora recorrente.

Com efeito, quanto ao ponto 2 da matéria dada como provada na sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo não considera as conclusões do exame feito à arma apreendida, bastando-se com a identificação da dita arma.
10ª
Mas, a consideração das supra indicadas conclusões seria um suporte importante para a formação da convicção do tribunal, ao abrigo do art. 127º do CPP, pois, salvo melhor opinião, o estado da arma (que não seria, de todo, desconhecido do arguido) relevaria para, nomeadamente, a apreciação da culpa do arguido!
11ª
Ainda quanto ao ponto 2 da matéria dada como provada na sentença recorrida, decorre claramente das declarações da Testemunha C… que o arguido não "voltou munido da arma", pois o arguido, efectivamente, jamais se afastou do carro com a arma na mão! Sempre que se afastou do carro foi sem a arma, a qual só foi por si mostrada (nas palavras da testemunha) junto ao carro.
12ª
Quanto ao ponto 3 dos factos provados, e que ora se impugna: é dito por várias vezes pela testemunha C… que as palavras: "hoje estás de pé, amanhã estás deitado" foram ditas ao telefone, na conversa telefónica ocorrida antes de o arguido se ter deslocado à residência dos pais da testemunha D…, onde a testemunha C… estaria a almoçar. Pelo que não poderia este facto ter sido dado como provado.
13ª
O mesmo se diga em relação ao ponto 4 da matéria dada como provada: tais palavras terão sido proferidas ao telefone, e não quando o arguido mostrava ou empunhava a arma. Não houve qualquer tom sério e ameaçador, e a própria testemunha disse (assim como as restantes), e repetiu até à exaustão, que não teve medo nem sentiu qualquer intranquilidade, e que já tinha (tal como os restantes) "bebido um copito"...!
14ª
Como consequência das valorações anteriores feitas à luz do depoimento da testemunha C…, também os pontos 6 e 7 deveriam ter sido dados como não provados.
15ª
SEM CONCEDER, e por dever de patrocínio, e agora quanto à qualificação jurídica dos alegados factos pelos quais foi acusado,
16ª
Não restará qualquer resquício de dúvidas, após audição da prova gravada, e nomeadamente das declarações da testemunha C… (na pessoa da qual entendeu o Meritíssimo Juiz de 1ª instância ter sido praticado um crime de ameaça agravada), que as palavras proferidas foram-no telefonicamente, apesar de a acusação e a própria sentença consideraram que teriam sido ditas na residência dos pais de C….
17ª
O MP montou a tese da prática do crime de ameaça agravada, conjugando o empunhar da arma com o proferir das palavras "hoje estás em pé, amanhã estás deitado", porém,
18ª
Sabendo-se que as ditas palavras não foram proferidas senão telefonicamente, e que no momento em que mostrou ou empunhou a arma não dirigiu a dita ao C… (nem a ninguém, aliás), será que é certo considerar que o arguido praticou algum crime de ameaça?
19ª
Ao empunhar uma arma, estaria em causa um mal futuro? Ou estaria, antes pelo contrário, em causa um mal eminente, que poderia acontecer com o premir do gatilho da arma em causa?
20ª
"(...) Como refere Taipa de Carvalho (ln Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 343), são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial e tem de ser futuro. A ocorrência desse mal futuro terá ainda de depender da vontade do agente, o que se analisará de acordo com a perspectiva do homem comum, tendo no entanto em conta as características individuais da pessoa ameaçada.
A acção de ameaçar pode revestir a forma oral, escrita ou gestual, ponto é que o mal ameaçado configure em si mesmo um facto ilícito típico.
É ainda necessário que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.(...)
É fundamental que a promessa de causar o mal se revista de um aspecto sério, que o agente demonstre estar realmente resolvido a praticar o facto. Assim, desde que estejamos perante uma ameaça idónea a provocar o medo, mesmo que em concreto o não tenha provocado, verifica-se o crime.
Neste sentido, pode legitimamente concluir-se que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado(...).
Como se referiu, o tipo de ilícito objectivo exige que a ameaça consista num mal, futuro, e que dependa da vontade do agente.
Tem-se realçado a necessidade de que o mal integrador da ameaça, não pode ter um carácter iminente e contemporâneo desta, mas antes constituir o anúncio intimador de uma acção futura.(...)
A temporalidade futura do mal anunciado significa, nas palavras de Américo Taipa de Carvalho in Ob. cit. pág. 343 “o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que neste caso, estar-se-á diante uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência”. (…) “Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa”.
Ainda, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, pág. 601), “O tipo objectivo consiste na comunicação de uma mensagem a um destinatário com significado da prática futura de um mal ao destinatário ou a um terceiro”.(...)
No crime de ameaça, o agente promete vir a cometer um crime num tempo que não aquele em que faz o anúncio. Ao invés, mal iminente é aquele que está em vias de, ou prestes a, ser infligido. – neste sentido, entre muitos, Acs. RP de 20/11/2013, Proc. nº 117/12/9GAPVZ.P; de 29/4/2015 Proc nº 738/12.0GDVFR.P1 e de 27/11/2016 Proc. nº 532/14.3GBILH.P1. disponíveis em www.dgsi.pt -."In www.dgsi.pt - Ac. TRP de 23/11/2016 (processo n.º 571/14.4GBOAZ.P1)
21ª
No mesmo sentido, vide o AC. do TRP de 25-09-2019 (processo n.º 25/17.7GDOAZ.P1) in www.dgsi.pt, bem como o AC. do TRP de 25/11/2015, in www.dgsi.pt - processo n.º 848/13.6TAVRF.P1 onde se diz:
"No crime de ameaça [Art. 153.º do Cód. Penal], o mal ameaçado tem de ser futuro: se o mal objecto da ameaça é iminente estar-se-á perante uma tentativa de execução do respectivo mal."
22ª
Pelo que, e salvo o devido respeito por melhor opinião, nos autos em apreço não se verificou a característica temporal do mal anunciado visando um momento futuro, não configurando a actuação do arguido um anúncio de um mal a praticar noutro momento posterior, antes se esgotando naquele momento com a execução da conduta tipificadora do crime de homicídio na forma tentada, conduta essa que, não tendo sido tida em conta para dedução de acusação, tem o procedimento criminal extinto, o que conduziria (caso a matéria de facto não tivesse sido incorrectamente julgada, e FOI) à revogação da decisão condenatória, por errada qualificação jurídica dos factos.
23ª
AINDA SEM PRESCINDIR OU DE ALGUMA FORMA CONCEDER, a concluir-se pela condenação do arguido, não podemos deixar de considerar que a escolha e a medida da pena terão sido excessivas.
24ª
Discordamos veementemente do tribunal a quo quando este considera que só a pena de prisão "será adequada para assegurar a estabilização da validade das normas violadas, o restabelecimento da paz jurídica e da confiança no direito"!
25ª
Se, como entende o tribunal de 1ª instância, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe só o mal necessário (DIAS, Jorge de Figueiredo, 2007, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora), então, necessariamente teria de ser outra a pena aplicada ao arguido!
26ª
Pelo exposto considera o Recorrente terem sido violados, salvo melhor opinião, as normas dos artigos 40º e 70º do CP, tendo por justa e adequada a aplicação ao recorrente de uma pena igual ao mínimo legal (pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, cfr. art. 153º, n.º 1 e 155º n.º 1 a) do CP) aplicando-se, salvo melhor opinião, uma pena não privativa da liberdade, ou no máximo, o que não se concede, a suspensão da execução da pena de prisão efectiva.
27ª
Violou, assim, o Tribunal Recorrido, entre outras, as normas dos artigos 153º,n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a) do Código penal, bem como as normas dos artigos 40º, n.º 1 e 2, 50º, 58º n.º 1, 70º e 71º todos do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que absolva o arguido da prática de um crime de ameaça agravada, assim se fazendo JUSTIÇA!»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se no sentido de ser julgado improcedente o recurso e mantida a decisão recorrida.
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Nesta sede a Exma. Procuradora-geral Adjunta, no seu parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
O arguido respondeu ao parecer, mantendo a posição que assumira no recurso.
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Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- A existência, na sentença recorrida, dos vícios do artigo 410º, n.º 2, al. a) e c) do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.
- Do preenchimento dos elementos típicos do crime de ameaça agravado.
- Da escolha e determinação da medida da pena.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto, que é a seguinte (transcrição):
«*
Com relevo para a boa decisão da causam, resultaram os seguintes factos provados:
1) No dia 20/05/2018, entre as 14H00 e as 16H55, o arguido B… dirigiu-se à residência dos pais de D…, onde se encontrava C…, sita na Rua …, em …, Concelho de Oliveira do Bairro, onde iniciou uma discussão com este por questões relacionadas com trabalhos feitos e com um fio;
2) Na sequência da sobredita discussão, o arguido dirigiu-se ao veículo de marca Skoda, modelo …, com a matricula ..-..-HC, com o qual se tinha feito transportar à residência, e voltou munido de uma arma de ar comprimido, de marca Marksman, modelo …, calibre 4.5mm;
3) Munido da dita arma, o arguido empunhou-a e disse a C… “Hoje estás de pé, amanhã estás deitado”;
4) As acimas mencionadas palavras proferidas pelo arguido conjugadas, nomeadamente com o tom sério e ameaçador com que as mesmas foram proferidas, acrescido da atitude de exibir a arma, assim anunciando a sua intenção de atentar contra a vida deste, constituíram meio adequado a provocar neste intranquilidade e medo de que o arguido viesse efectivamente a concretizar tal intenção;
5) Ademais o arguido já foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de homicídio qualificado, facto conhecido por C…;
6) Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu livremente e com perfeita consciência de que o seu comportamento era adequado a provocar em C… medo e inquietação, sendo que tal era, aliás, sua intenção, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
7) Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
8) Os queixoso C… e D… manifestaram no processo vontade em desistir da queixa apresentada;
9) O arguido foi já condenado:
a. No âmbito do processo comum colectivo n.º 460/91, que correu termos no Tribunal de Círculo de Anadia, por decisão transitada em julgado, pela prática, em 30/04/1991, de um crime de homicídio qualificado, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, tendo-lhe sido perdoados 02 (dois) anos. Pena extinta, pelo cumprimento;
b. No âmbito do processo especial sumário n.º 118/05.3GTVIS, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, por sentença transitada em julgado em 04/05/2005, pela prática, em 12/04/2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 4,50 € (quatro euros e cinquenta cêntimos). Pena extinta pelo pagamento;
c. No âmbito do processo comum singular n.º 7/07.7GTGRD, que correu termos no Tribunal Judicial de Celorico da Beira, por decisão transitada em julgado em 19/05/2008, pela prática, em 07/01/2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena 03 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 01 (um) ano, sujeita à frequência de programas, e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 03 meses, a qual foi já declarada extinta;
d. No âmbito do processo especial sumário n.º 202/10.1GAOBR, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, por sentença transitada em julgado em 08/11/2010, pela prática, em 16/09/2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena 04 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 08 (oito) meses; Penas extintas por cumprimento em 18/08/2012 e 08/08/2011, respectivamente;
e. No âmbito do processo comum singular n.º 198/07.7TAOBR, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, por sentença transitada em julgado em 09/12/2010, pela prática, em 2007, de um crime de maus tratos ou sobrecarga de menores, na pena de 02 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de entregar à E… a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), no prazo de 06 (seis) meses após o trânsito em julgado. Pena extinta por cumprimento a 09/12/2012;
f. No âmbito do processo especial sumário n.º 1199/12.9GBAGD, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – J2, por sentença transitada em julgado em 07/01/2013, pela prática, em 15/11/2015, de um crime de furto simples, na pena de 06 (meses) de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho comunitário. Pena extinta por cumprimento a 18/09/2013;
g. No âmbito do processo comum singular n.º 517/13.7T3AGD, que correu termos no Juízo Local Criminal de Águeda, por sentença transitada em julgado em 29/09/2014, pela prática, em 08/11/2013, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado, na pena de 06 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Pena extinta por cumprimento a 29/09/2015.
» No que concerne à situação económica e social do arguido, mais se provou que:
10) O arguido é o mais velho de seis irmãos e oriundo de uma família marcada por carências económicas;
11) Enquanto frequentava a escola, o arguido, antes e depois do dia de aulas, acompanhava o pai nos trabalhos de corte de madeira;
12) Após conclusão do 6.º ano de escolaridade, abandonou os estudos aos doze anos de idade por imposição do pai, passando a trabalhar como madeireiro na empresa familiar de corte e comércio de madeiras;
13) O arguido, quando foi preso para cumprimento da pena de dezasseis anos de prisão, era casado e pai de uma filha bebé, sendo visto como uma pessoa trabalhadora, detentora de uma imagem social integrada;
14) Durante o período no qual esteve preso, de Abril de 1991 a Outubro de 1998, o arguido contou com o apoio da família, verificando-se boa integração sociofamiliar após a libertação;
15) O arguido intensificou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas o que interferiu na manutenção de actividade laboral regular;
16) O arguido cumpriu programa de desintoxicação alcoólica;
17) O seu agregado familiar é composto por si, pela sua mulher e pela filha de ambos de vinte e nove anos de idade;
18) O casal vive em casa própria;
19) Actualmente, o arguido trabalha na empresa “F…, S.A.”, contratado a termo certo;
20) Aí, exerce as funções de operador de máquinas, no horário das 08H00 às 17H00, com pausa para almoço das 12H30 às 13H30;
21) O arguido aufere 600,00 € (seiscentos euros) mensais;
22) A mulher do arguido trabalha num restaurante;
23) A filha do arguido dedica-se à venda de roupas na internet e utiliza os rendimentos obtidos em proveito próprio, não contribuindo para as despesas do agregado familiar;
24) O arguido e a sua mulher declararam, em sede de tributação de I.R.S., ter auferido no ano de 2015 os rendimentos de 2.437,35 € e de 4.699,36 €;
25) O arguido e a sua mulher declararam, em sede de tributação de I.R.S., ter auferido no ano de 2016 o rendimento de 2.512,53 €;
26) O arguido figura como proprietário do veículo automóvel, da marca Mazda, com a matrícula ..-..-NL do ano de 1999, e do veículo automóvel, da marca Seat, modelo …, com a matrícula ..-..-FO do ano de 1995.
27) O arguido, a sua mulher e a filha de ambos consentiram na implementação na habitação de meios de fiscalização electrónica de controlo à distância.
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Com relevo para a boa decisão da causa, resultaram os seguintes factos não provados:
A. No descrito em 1), o dia 25/05/2018 e as horas exactas das 16H55;
B. No descrito em 1), residência de C…;
C. No descrito em 1), a discussão por questões não concretamente apuradas;
D. No descrito em 2), a residência fosse a de C…;
E. No descrito em 3), o arguido direccionou-a na direcção de C… e D…;
F. No descrito em 3), o arguido disse a D…;
G. No descrito em 3), o arguido disse a C… e D… “Tu precisas é disto” e “estão na minha lista negra”;
H. No descrito em 3), Hoje estão de pé, amanhã estão deitados;
I. No descrito em 4), e apontar a arma, contra a vida de D… e a provocar a este intranquilidade;
J. O conhecimento da condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado agravou o medo e receio de C… e de D… de que este concretizasse os seus intentos;
K. No descrito em 6), a provocar no queixoso D…;
L. No descrito em 6), conforme efectivamente provocou medo.
As demais alegações revelaram matéria de direito e conclusões.
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2.3.- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
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2.3.3.- Preenchimento dos elementos típicos do crime de ameaça agravado.
O recorrente foi condenado pelo cometimento de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, substituída por prestação de duzentas e quarenta horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal.
Entendeu o Tribunal recorrido, para concluir pelo preenchimento dos elementos do tipo de ilícito de ameaça que, além do mais, o arguido ao, empunhando uma arma que retirou do carro, dirigir ao ofendido, em tom grave e sério, a expressão “hoje estás de pé, amanhã estás deitado”, fez um anúncio ao ofendido que no futuro, o mataria.
Por seu lado, o recorrente entende que não se verifica a característica temporal do mal anunciado visando um momento futuro, não configurando a atuação do arguido um anúncio de um mal a praticar noutro momento posterior, antes se esgotando naquele momento com a execução da conduta tipificadora do crime de homicídio na forma tentada.
Homicídio na forma tentada?
Não nos parece.
A expressão dirigida anuncia, em termos literais, o dia seguinte, «amanhã».
E do contexto da situação retira-se que o anúncio é para o futuro, ficando longe da execução imediata. Como bem se refere na decisão recorrida, «O teor da mensagem provado, associado à exibição de uma arma que retirou do seu carro no contexto de uma discussão, dirigido a alguém transmite a ideia ao destinatário de que, quando menos esperar, sujeitar-se-á à ação direta do interlocutor. Neste contexto, somos de considerar que a expressão proferida e todo o contexto envolvente demonstra que o arguido fez um anúncio a C… de lhe fazer um mal no futuro e contra a sua vida. No futuro, o mataria.»
Afastada definitivamente a ideia do crime de homicídio na forma tentada, vejamos, então, o crime de ameaça.
Dispõe o artigo 153.º, n.º1, do Código Penal:
«Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido (…).»

Por sua vez, prevê o artigo 155.º, n.º1, alínea a):
«1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou
(…)
o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º e 154.º-C, com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos dos n.º 1 do artigo 154.º e do artigo 154.º-A, e com pena de prisão de 1 a 8 anos, no caso do artigo 154.º-B.
(…).»
O bem jurídico protegido pelo artigo 153º do Código Penal é a liberdade de decisão e de ação.
São três as características essenciais do conceito ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente[1].
O crime de ameaça tem como elementos constitutivos[2]:
- Que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime do catálogo (crime contra a vida, a integridade física, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor);
- Que a ameaça seja adequada a provocar ao ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto;
O preenchimento do tipo basta-se com a mera suscetibilidade de a ameaça afetar a liberdade pessoal do ameaçado, não sendo necessário que o ameaçado sinta medo ou inquietação ou fique prejudicado na sua liberdade de determinação.
O mal ameaçado tem que ser futuro, não iminente, e dependente da vontade do agente.
Consideremos os factos dos autos e vejamos se o comportamento do arguido deve ser interpretado como o anúncio da prática de um crime contra a integridade física ou vida.
Como é do conhecimento comum, há muitas maneiras de se fazer tal anúncio, umas mais explícitas, como por exemplo, em caso de declarações orais, dizer «um dia destes vou aí e bato-te (ou mato-te)», outras serão apenas implícitas, veladas, feitas subtilmente, como por exemplo, dizer a alguém que «ficaria muito bem com os dois olhos negros (ou num caixão)».
Não sendo a declaração explícita, a mesma tem de ser interpretada, atendendo-se às palavras proferidas, considerando-se a vontade presumível do declarante, manifestada nessas palavras, e atendendo-se ao sentido que qualquer destinatário retiraria daquelas palavras, colocado que estivesse na posição do real destinatário[3].
Ora, tendo em conta que na situação descrita nos autos, após um desentendimento e discussão anterior, o arguido, empunhando uma arma que retirou do carro, dirigiu ao ofendido, em tom grave e sério, a expressão “hoje estás de pé, amanhã estás deitado”, fez um anúncio ao ofendido que no futuro, o mataria.
Não vemos que se possa interpretar de outra maneira que não a de o arguido estar a anunciar a prática de um crime contra a vida do ofendido (homicídio).
O sentido das palavras proferidas, tendo em conta o teor das mesmas e as circunstâncias apuradas nos factos provados, afigura-se ser inequívoco para qualquer destinatário normal.
Mas além de serem a tradução de tal propósito, também são idóneas a causar receio e perturbação na pessoa visada.
Assim, mostra-se preenchido o tipo objetivo do ilícito de ameaça agravado.
Por outro lado, tendo resultado provado que o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com perfeita consciência de que o seu comportamento era adequado a provocar no ofendido medo e inquietação, sendo que tal era, aliás, sua intenção, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, mostra-se também preenchido o elemento subjetivo do tipo.
Concluindo, comete o crime de ameaça agravado p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, aquele que, de forma livre, voluntária e consciente, com perfeita consciência de que o seu comportamento é adequado a provocar no destinatário medo e inquietação, e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, empunha uma arma que retirou do carro e se dirige a outra pessoa dizendo-lhe, em tom grave e sério: “hoje estás de pé, amanhã estás deitado”.
Pelo exposto, não merece censura o enquadramento jurídico efetuado pela primeira instância ao considerar que o arguido cometeu um crime de ameaça agravado.
2.3.4.- Da escolha e determinação da medida da pena.
O Tribunal recorrido fixou a pena em oito meses de prisão, substituída por prestação de duzentas e quarenta horas de trabalho a favor da comunidade.
Entende o recorrente que a pena aplicada é excessiva, tendo sido violadas as normas dos artigos 40º e 70º do Código Penal, tendo por justa e adequada a aplicação ao recorrente de uma pena igual ao mínimo legal, devendo optar-se por uma pena não privativa da liberdade, ou no máximo pela suspensão da execução da pena de prisão.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa ter em conta o disposto no artigo 40º, nº 1 do Código Penal, ou seja, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E ainda que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Como é sabido, a determinação da pena desdobra-se em três operações distintas: a determinação da moldura da pena; a determinação concreta da pena; e a escolha da pena, sendo esta operação eventual.
A moldura penal aplicável ao crime cometido pelo recorrente é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
Vista a moldura penal, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização. São estas necessidades que justificam a opção pela pena privativa ou pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição.
Na decisão recorrida optou-se pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, por se ter entendido serem significativas as exigências de prevenção geral, dado o bem jurídico violado ser de natureza pessoal e elevadas as exigências de prevenção especial, à circunstância de o arguido ter vários antecedentes criminais provados, tendo sido aplicada pena de multa, pena de prisão suspensa e efetiva, sem que o arguido tenha deixado de voltar a delinquir.
Cremos que bem, pois, desde logo, face aos antecedentes criminais do arguido, não se afigura que a pena de multa possa satisfazer adequadamente as finalidades da punição, tendo assim sido respeitado o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal.
E quanto à medida da pena fixada, 8 meses de prisão, cabe referir que a pena concreta resulta da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada –e da necessidade de reintegração social do agente.
A pena que responda adequadamente às exigências de prevenção geral e especial colocadas pelos factos cometidos e não exceda a medida da culpa é uma pena justa, adequada e proporcionada.
A medida da prisão a fixar em concreto, dentro da moldura abstrata prevista, determina-se de acordo com o disposto no artigo 71º, ou seja:
“em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele...”
Justificou o Tribunal ocorrido a sua opção na determinação da medida concreta da pena, considerando as exigências de prevenção geral positiva acentuadas, a culpa significativa, o dolo direto, os antecedentes criminais, a não assunção da autoria dos factos que se dão como provados, a manifestação de desistência de queixa por parte das pessoas lesadas, demonstrando apaziguamento.
Destes fatores, a «não assunção da autoria dos factos que se dão como provados» não deveria ter sido considerada, porquanto entendemos, na esteira de Figueiredo Dias[4], que o comportamento processual do arguido não deve, por princípio, ser valorado contra si, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo. Assim, o facto de o arguido não ter confessado os factos ou não ter expressado arrependimento ou juízo crítico em relação à sua conduta trata-se de facto inócuo para a medida da pena.
Não obstante este reparo e vistos os demais fatores considerados e que são relevantes, entendemos que, para cumprir as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial de ressocialização, a pena encontrada pelo Tribunal recorrido – 8 meses de prisão -, situada no terço inferior da moldura abstrata, não se afigura excessiva ou desadequada, devendo por isso manter-se.
Finalmente, parece questionar o recorrente a pena de substituição aplicada - pena de prestação de trabalho a favor da comunidade -, pois pretende que lhe deve ser aplicada a pena substitutiva de suspensão da pena de prisão.
Na escolha da pena de substituição, ponderou o Tribunal recorrido que se afigura insuficiente a pena de multa de substituição para garantir as finalidades de punição, maxime, as finalidades de prevenção especial, porquanto, não obstante condenações em pena prisão efetiva, o arguido não deixou de delinquir de forma especialmente censurável. E afastou também a suspensão da execução da pena de prisão, por entender também insuficiente, já que não tem moldado o seu comportamento de acordo com o direito, persistindo numa atitude ilícita.
Afastadas aquelas penas de substituição, entendeu-se na decisão recorrida que a prestação de trabalho a favor da comunidade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, porque com esta pena o arguido vai sentir o carácter punitivo desta pena, uma vez que vai ser privado do seu tempo livre, mas sem privar o arguido da liberdade de se manter integrado no seu meio social.
Julga-se perfeitamente adequada a pena de substituição escolhida, pois afigura-se ser a que melhor ou, talvez mesmo, a única que, no caso, responde às finalidades da punição. É preciso, por um lado, não esquecer as condenações anteriores que o arguido já sofreu e a insistência no cometimento de ilícitos, e, por outro, as potencialidades desta pena na reintegração social e no restabelecimento da paz social.
Com efeito, não se pode olvidar o altíssimo valor que, como refere Figueiredo Dias[5], no quadro das penas de substituição, deve ser atribuído à pena de PTFC; e que faz dela, porventura, a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão.
Nela, o condenado perde uma parte substancial dos tempos livres, sem ser privado da liberdade e mantendo as suas ligações familiares, profissionais e económicas, ao mesmo tempo que é chamado a contribuir com uma prestação ativa e voluntária a favor da comunidade[6].
Passada a fase de censura ou reprovação entramos na fase da ressocialização do condenado em que se procura evitar os efeitos estigmatizantes da sujeição do arguido à audiência e à pena, cabendo agora centrar a reprovação mais no crime do que na pessoa do seu autor. O objetivo a atingir é, por oposição a uma censura estigmatizante e criminógena, o de uma censura reintegradora[7].
Esta censura reintegradora obtém-se através dum processo em que depois dum primeiro momento no qual, através da condenação, se transmite ao arguido e à sociedade a reprovação comunitária sobre o ato cometido se seguem os gestos de reconciliação e de reaceitação do condenado na comunidade dos cidadãos cumpridores das leis[8]. E que melhor meio haverá para atingir tal resultado do que colocar o condenado a trabalhar no seio de entidades com funções de solidariedade de relevância comunitária, como é o caso das Entidades Beneficiárias do Trabalho (EBT’s) previstas no art.º 2º do DL 375/97 de 24 de dezembro. A prestação de serviços de auxílio ao próximo e/ou à comunidade na companhia de outros que já o fazem nessas entidades pode e espera-se que ajude o condenado a querer mudar as suas atitudes e comportamentos, no sentido de no futuro se abster da prática de atos criminosos.
O legislador, reconhecendo a enorme relevância e potencialidade deste instrumento de política criminal para a reintegração social dos delinquentes, tem vindo insistentemente a alargar o campo de aplicação do trabalho a favor da comunidade como pena de substituição da pena de prisão. Assim, se até à revisão do Código Penal de 1995 a PTFC só tinha aplicação para penas até 3 meses de prisão, a partir de 1995 passou a abranger penas até 1 ano de prisão e desde 2007 até 2 anos de prisão, entrando já no campo da média criminalidade[9].
Aliás, desta elevada importância da PTFC dá testemunho a redação do artigo 58º, n.º 1 do Código Penal, com a utilização do advérbio sempre: «Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição
No artigo 50º, n.º 1 do Código Penal, a propósito da suspensão da execução da pena não consta tal expressão «sempre que», sendo notória a diferença de redacção[11].
No Código Penal de 1982, nos termos do artigo 60º, n.º 1, constava a expressão «pode», o tribunal podia condenar o agente à prestação de trabalho a favor da comunidade. É demonstrativa da intenção do legislador a alteração de redação de «pode condenar» para «substitui sempre que concluir…» que se constata entre 1982 e 1995.
É certo que o elemento literal de interpretação é só mais um dos dados que ajudam o intérprete da lei, mas a assinalada diferença sistemática resultante do teor da redação dos artigos 58º e 50º do Código Penal, com a inclusão no artigo 58º da expressão «sempre que», a que acresce o elemento histórico extraído das assinaladas diferenças entre as versões de 1982 e 1995 do Código Penal e da alteração de 2007, se não significa uma preferência absoluta pela PTFC em relação à pena suspensa, não deixará de assinalar o grande relevo que o legislador, no seguimento da escola penal portuguesa, quis conferir a tal pena de substituição.
Embora se trate apenas de um argumento secundário relativamente à preferência do trabalho a favor da comunidade sobre a pena suspensa, é preciso não esquecer que a própria PTFC contém, além do que se já disse quanto ao seu conteúdo positivo e que constitui a sua faceta mais marcante, um elemento dissuasor de natureza negativa, a ameaça, em tudo semelhante à da pena suspensa, de revogação da pena comunitária e cumprimento da pena principal se o condenado, v.g., cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela ser alcançadas – artigo 59º, n.º 2 do Código Penal. Acresce que, nos termos do artigo 58º, n.º 6 do Código Penal, o tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respetiva reintegração na sociedade.
Resumindo, da evolução legislativa do instituto da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com alterações de redação insistindo na sua aplicação, nomeadamente através da utilização da expressão «sempre que», com o sucessivo alargamento como pena de substituição até aos atuais dois anos de prisão, concluímos que o legislador, no seguimento do entendimento da escola penal portuguesa, quis atribuir a tal pena um papel primordial no campo das penas de substituição, conferindo-lhe uma preferência, embora não absoluta, em relação às demais penas de substituição da pena de prisão até dois anos.
Tudo visto, cremos que num número assinalável, senão mesmo na esmagadora maioria dos casos de aplicação de penas de prisão até dois anos, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade estará em melhor posição do que a pena de prisão suspensa para satisfazer a finalidade de reintegrar o delinquente na sociedade.
E da posição de relevo que, no quadro das penas de substituição, a doutrina e o legislador, como vimos, entenderam dever ser atribuído à pena de trabalho a favor da comunidade não deve o aplicador do direito afastar-se, dela devendo fazer o máximo uso, desde que, claro está, se verifiquem os pressupostos da sua aplicação.
Não vemos, no caso dos autos, por que razão afastar o trabalho a favor da comunidade e optar pela pena suspensa, qual a vantagem da ameaça da pena suspensa sobre a censura reintegradora positiva da prestação ativa e voluntária a favor da comunidade.
No caso dos autos, tendo em conta o crime cometido, o modo como foi executado, e os antecedentes criminais, a pena de substituição, decididamente em melhor posição, senão mesmo a única, como se considerou na decisão recorrida, para satisfazer a finalidade de reintegrar o arguido na sociedade é a de trabalho a favor da comunidade.
Verificados que estão os seus pressupostos: a) consentimento do arguido; b) determinação de uma de prisão de medida concreta não superior a 2 anos; c) a adequação e suficiência da PTFC às finalidades da punição, ou seja, à proteção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade; como sucede no caso dos autos, e sendo o trabalho a favor da comunidade a pena de substituição que está em melhor posição para satisfazer a finalidade de reintegrar o arguido na sociedade, caberá, então, confirmar a decisão tomada na sentença recorrida: a sua aplicação.
Concluindo, é de negar total provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
*
2.3.5 Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar - artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Tendo em conta a complexidade mediana do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça.
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Notifique.
(Elaborado e revisto pelo relator – art. 94º n.º 2, do CPP)

Porto, 17 de Junho de 2020
William Themudo Gilman
Liliana Páris Dias
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[1] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999, T II, p. 342-343.
[2] Cfr., entre outros, os acórdãos: TRC de 5.06.2013 (Vasques Osório), TRC de 28-09-2011 (Olga Maurício), TRL de 09-05-2017 (Jorge Gonçalves), in dgsi.pt.
[3] Cfr. o Ac. TRC de 28-09-2011 (Olga Maurício), in dgsi.pt.
[4] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 255.
[5] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 372.
[6] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 372.
[7] Cfr. John Braithwaite, Crime, Shame and Reintegration, Cambridge University Press, 1989, reprinted 1999, p. 4., e William Themudo Gilman, Uma pena de trabalho a favor da comunidade – breves notas, Revista Jurídica da Universidade Portucalense, 2003.
[8] Que é o processo inverso do da estigmatização. Os conceitos correspondentes são os de de-labeling e status-return ceremonies; cf. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, Criminologia – O homem delinquente e a sociedade criminógena, Coimbra, reimpressão, 1991
[9] Sobre a correspondência das penas de curta, média e longa duração às categorias criminológicas de pequena criminalidade, média e grande criminalidade, conferir Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 106-107.
[10] Sublinhado e negrito nossos.
[11] Artigo 50.º, n.º 1:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»