Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO DE VIDA EXCLUSÃO DA COBERTURA DECLARAÇÕES INEXACTAS DOENÇA PRÉ-EXISTENTE | ||
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Nº do Documento: | RP2023100961/22.1T8CPV.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O funcionamento de causa de exclusão de cobertura é questão independente da alegação e prova de que o tomador prestou declarações falsas no momento da adesão ao contrato de seguro. Nesta hipótese o contrato de seguro pode ser anulado ou alterado. Na primeira, o contrato de seguro não se aplica porque o risco verificado está fora do seu âmbito de cobertura. II - A exclusão da cobertura do seguro no caso de o sinistro decorrer de doença pré-existente não viola norma imperativa, nem desvirtua a natureza da cobertura do seguro de vida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo número 61/22.1T8CPV.P1 Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Eugénia Maria Marinho Mendes da Cunha Segundo adjunto: António Mendes Coelho Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório: 1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB intentou ação a seguir a forma de processo comum contra A... Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA e Banco 1..., SA pedindo: - a declaração de validade de contrato de seguro celebrado com a primeira; - a condenação dos Réus a reconhecer que, por força do falecimento de BB se extinguiu a obrigação de pagamento do mútuo que a mesma e o Autor haviam celebrado com o banco Réu; - a condenação da primeira Ré no pagamento ao segundo do capital mutuado ainda em dívida à data do óbito; - a condenação do segundo Réu a restituir à Autora todas as quantias que lhe debitou por conta desse mútuo desde o referido óbito, bem como as que ainda lhe viesse a debitar desde a instauração da ação. Para tanto argumenta, em suma, que ele a sua então esposa celebraram com o Banco Réu um contrato de mútuo tendo-lhe sido exigida pelo mutuante a celebração de um seguro ramo vida, o que fizeram no mesmo dia, tendo sido o banco mutuante a apresentar-lhes e preencher toda a documentação necessária que os mutuários se limitaram a assinar, dada a confiança depositada nos funcionários daquele. Argui que nunca lhes foi comunicado ou explicado o teor das cláusulas do contrato de seguro e que os questionários clínicos entregues com vista à sua celebração não foram preenchidos por eles nem com a sua colaboração. Donde, conclui, a recusa do pagamento do capital seguro que a primeira Ré lhe comunicou após a participação do óbito da sua mulher, bem como a anulação do contrato de seguro pela mesma com base na alegada omissão de comunicação de doenças pré existentes à data da celebração do contrato de seguro são infundadas, já que nunca foram questionados sobre tais factos, nem informados sobre as consequências contratualmente previstas para não declaração de doenças pré existentes e ou sobre a exclusão de cobertura também contratualmente prevista. 2. A Ré seguradora contestou, por exceção, alegando a invalidade do contrato de seguro por ter sido celebrado com base em falsas declarações prestadas pela falecida BB a quem imputa a deliberada omissão de doenças de comunicação de doenças pré-existentes que alega terem sido causa da morte. Sustenta que, caso tivesse conhecido as patologias prévias da referida proponente não teria aceitado a celebração do contrato de seguro. Acrescenta que do clausulado do contrato de seguro resulta a exclusão da cobertura de doenças pré-existentes, concluindo que, também por isso, não está obrigada ao pagamento da quantia mutuada ao segundo Réu que ainda estava em dívida à data do sinistro. Impugnou, ainda, os factos alegados pelo Autor relativos ao não preenchimento do questionário clínico pelos proponentes e à não comunicação e explicação das cláusulas contratuais no momento da celebração do contrato de seguro. 3. O Banco Réu contestou alegando que os questionários clínicos foram preenchidos por funcionário bancário na presença dos propoentes e de acordo com as respostas que os mesmos foram dando às perguntas que lhe eram colocadas e que os mesmos foram informados da relevância das informações pedidas e das consequências da eventual falsidade das repostas tendo declarado serem exatas as declarações prestadas, após o que as subscreveram. Mais alega que foi comunicado e explicado aos proponentes o teor das cláusulas do contrato de seguro, nomeadamente as relativas às exclusões aplicáveis o que estes declararam ter sido feito, após o que assinaram tal declaração. Informou ainda quais os valores pagos e em dívida ao banco no âmbito do mútuo. 3. A reboque de despacho em que se entendeu que ocorreria ilegitimidade ativa por não estar nos autos, como associada do Autor, outra herdeira (filha menor) da segurada BB, veio a mesma, representada pelo seu pai, requerer a sua intervenção principal provocada, o que foi admitido. 4. Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador em que se fixou o valor da ação, foi afirmada a validade e regularidade da instância, identificado o objeto do litígio[1], selecionados os temas de prova, admitidos os requerimentos instrutórios e designada data para audiência de julgamento. 5- Após audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente provada e procedente tendo-se ali decidido: “Declara-se válido o contrato de seguro de vida celebrado entre o 1.º autor e a sua esposa BB e a 2.ª ré, para garantia do contrato de mútuo com o n.º ..., que estes celebraram com o 2.º réu; b) Declara-se a nulidade da cláusula 6.ª a das condições especiais do contrato de seguro de vida celebrado entre a 1.ª ré e BB; c) Condena-se a 1.ª ré a pagar ao 2.º réu a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º autor e sua esposa junto do 2.º réu, à data de 09/12/2020, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos autores (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª ré se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor para as transações comerciais, desde o final do prazo legal (22/04/2021), até efetivo e integral pagamento; d) absolve-se o 2.º réu dos pedidos; e) condena-se os autores e a 1.ª ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% e 75%, respetivamente. Registe e notifique. Após trânsito: - notifique a 1.ª ré para, em 10 dias, informar os autos do valor do prémio de seguro que seria pago pela segurada BB, caso o seguro tivesse sido celebrado com a conhecimento, pela 1.ª ré, da condição de saúde desta; - notifique o 2.º réu para informar qual o exato valor em dívida a título de capital, por conta do crédito em apreço nos autos.” II - O recurso: Desta decisão a Ré seguradora interpõe recurso dela recorrendo com base nas seguintes conclusões: “1ª - O contrato de seguro é válido, incluindo a cláusula 6ª das condições gerais, devendo considerar-se excluída a cobertura de morte da pessoa segura falecida, por decorrer de doença pré-existente. 2ª - A cláusula em causa delimita o objeto do contrato; 3ª - Consagra esta exclusão, entre outras. 4ª - Os seguros cobrem riscos incertos, imprevisíveis, e não eventos certos, previsíveis. 5ª - Dispõe o artigo 44º, nº 2 do RJCS que o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data. 6ª - A delimitação do objeto do contrato de seguro não viola nenhuma norma imperativa. 7ª - De todo o modo e sem prescindir, foi a 1.ª R. condenada a pagar ao 2.º R. a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º A. e sua esposa junto do 2.º R., à data de 09/12/2020, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos AA. (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª R. se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB. 8ª – Assentou o decidido pelo Tribunal “a quo” no disposto no art. 26º, nº 4, al. a) do RJCS: Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes: a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente. 9ª - O Tribunal “a quo” interpretou erradamente a norma jurídica em questão, aplicando erradamente o direito aos factos, do que resultou uma condenação indevida. 10ª - O segurador não cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro que seria cobrado se tivesse sabido da preexistência de doença. 11ª - O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido. 12ª - Haverá que, em sede de liquidação em execução de sentença, aferir qual a diferença, em proporção (x/y), entre o prémio pago e o que seria devido e aplicar o resultado, em percentagem, ao capital em dívida, sendo o resultado o limite máximo da responsabilidade da 1.ª R.. 13ª – Trata-se de aplicar uma regra de três simples (como num subseguro)! 14ª – A Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 9º, 280º, nº 1 do CCivil e nos arts. 26º, nº 4, l. al. a) e 44º do RJCS, bem como a cláusula 6ª das condições contratuais gerais.”. 2. Não foram apresentadas contra-alegações. III – Questões a resolver Em face das conclusões da Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1. Aferir se a cláusula 6ª do contrato de seguro objeto dos autos que contempla a exclusão da cobertura do sinistro decorrente de doença pré-existente é nula por violação de norma imperativa; 2. Caso se conclua pela positiva, apurar a forma de cálculo da obrigação de pagamento da seguradora em função da diferença entre o prémio de seguro pago e o prémio que seria devido se aquando da celebração do contrato aquela tivesse conhecido as doenças da tomadora que foram omitidas. IV – Fundamentação: São os seguintes os factos que sustentam a decisão recorrida: Provados: “1. No dia 12/06/2018 AA a sua esposa BB assinaram, em conjunto com o Banco 1..., S.A., um documento intitulado «crédito pessoal – contrato», a que atribuíram o n.º ..., no montante total de € 32.054,34 (trinta e dois mil e cinquenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), pelo prazo de 96 meses. 2. Para beneficiarem da disponibilização daquele montante pelo 2.º réu, este exigiu ao 1.º autor e à sua esposa, um seguro de vida, com cobertura dos riscos de morte e incapacidade absoluta e permanente, que o previsse como beneficiário irrevogável em caso de sinistro. 3. Por esse motivo, o 1.º autor e a sua esposa aderiram à apólice de seguro de grupo do ramo vida/crédito pessoal n.º ..., em que a 1.ª ré figura como seguradora, e a que foi atribuída a apólice individual n.º ..., e emitido o Certificado Individual de Seguro nº ..., cujo tomador de seguro é o Banco 1..., S.A.. 4. Antes da celebração do seguro de vida, foi realizado, junto da dependência do 2.º réu onde o mútuo foi pedido e tratado, um questionário clínico a BB, contendo as seguintes questões: a. «Tem algum antecedente de doença manifestada ou diagnosticada, ou toma ou tomou algum medicamente de forma regular, ou foi hospitalizado ou sujeito a alguma biópsia intervenção cirúrgica (excluindo cesariana, adenoides, apêndice e litíase/pedra da vesícula sem sequelas), está ou esteve de baixa por doença ou acidente (exceto baixa por maternidade/paternidade) por período superior a 15 dias?»; b. «Solicitou ou já lhe foi reconhecida alguma desvalorização de alguma das Tabelas Nacionais de Incapacidade, já sofreu algum tipo de acidente do qual tenha resultado alguma limitação funcional ou sequela física, ou foi sujeito a alguma restrição no âmbito de um seguro de vida, invalidez ou doença?». 5. A essas questões foi respondido «não», através da aposição informática de um visto na quadrícula respetiva por um funcionário do 2.º réu. 6. Caso a pessoa segura tivesse respondido «Sim», seriam, desde logo, gerados procedimentos para resposta a um questionário médico mais detalhado e pedido de elementos clínicos e exames complementares, para análise do risco. 7. A proposta de adesão ao seguro foi assinada pelo 1.º autor e pela sua esposa. 8. Na página 10/11 da proposta do seguro, o 1.º autor e a sua esposa apuseram a sua assinatura por baixo dos seguintes dizeres: «Declaro que respondi ao questionário clínico com todo o rigor e verdade não tendo omitido qualquer facto relevante, pelo que, das mesmas não consta qualquer inexatidão, designadamente por falta de diligência, cuidado ou atenção no preenchimento do questionário clínico. Tomo ainda conhecimento de que o presente questionário faz parte integrante da proposta de adesão acima identificada e que as declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito, exonerando o Segurador da obrigação de pagamento de qualquer indemnização.». 9. O 1.º autor e a sua esposa declararam «São exactas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-lhes sido entregues as respectivas condições gerais de que tomaram integral conhecimento e tendo-lhes sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis, com as quais concordam.». 10. A adesão do 1.º autor e esposa ao seguro de grupo foi aceite pela 1.ª ré, tendo por base os elementos e as declarações constantes da proposta de adesão. 11. O contrato de seguro associado ao empréstimo identificado no facto provado n.º 1 é temporário, tem um prémio único e financiado no montante de € 1.470,53, pago antecipadamente e relativo à totalidade do prazo contratado (8 anos), e iniciou a produção dos seus efeitos em 12/06/2018. 12. O mencionado seguro de vida assegura o pagamento do capital em dívida, calculado de acordo com o respetivo contrato de crédito, mediante a ocorrência de um sinistro por força de um dos riscos cobertos pelo seguro, tendo como capital máximo inicial a quantia de € 31.573,78 (trinta e um mil quinhentos e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos). 13. Os contratos foram aceites nas seguintes condições: a. Morte: aceite sem qualquer agravamento; b. Invalidez Absoluta e Definitiva: aceite sem qualquer agravamento; c. Invalidez Total e Permanente por Acidente: aceite com agravamento de 50% por motivo profissional. 14. No dia 09/12/2020, BB faleceu. 15. Decorre do despacho de arquivamento do processo-crime aberto por óbito de BB que: a. «conjugando os achados necrópsicos, o resultado dos exames complementares efetuados e a informação circunstancial facultada, é de admitir que a morte de BB tenha sido natural, decorrente de um quadro de morte súbita em contexto de epilepsia (SUPED); b. - as lesões traumáticas a nível do lábio e da língua denotam ter sido produzidas em contexto de crise epilética; […] c. a análise toxicológica realizada ao sangue não revelou a presença de etanol; d. as restantes análises toxicológicas revelaram a presença de substâncias medicamentosas (Nordiazepam e levetiracetam) em doses consideradas terapêuticas […]». 16. No dia 21/12/2020, no Cartório Notarial da Dra. CC, o 1.º autor realizou a Habilitação de Herdeiros da herança aberta deixada por óbito da falecida esposa BB, donde resulta que o próprio e a filha comum de ambos DD, são os seus únicos herdeiros. 17. Em janeiro de 2021, encontrava-se em dívida, por força do contrato identificado em 1., a quantia de € 28.180,36 (vinte e oito mil cento e oitenta euros e trinta e seis cêntimos). 18. O 1.º autor procedeu ao pagamento das prestações mensais (atualmente no valor de € 558,54) desde janeiro de 2021 até agosto de 2021, altura em que deixou de as pagar. 19. À data de 28/04/2021, encontravam-se em dívida as seguintes quantias: a. de € 27.027,54 (vinte e sete mil e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de capital vincendo; b. de € 2.796,15 (dois mil setecentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), a título de capital vencido, mas não pago; c. de € 210,82 (duzentos e dez euros e oitenta e dois cêntimos); d. de € 2.139,64 (dois mil cento e trinta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), de juros vencidos; e. de € 147,67 (cento e quarenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), de juros de mora, f. de € 5,90 (cinco euros e noventa cêntimos), de imposto de selo. 20. Os procedimentos instituídos pela 1.ª ré obrigam, desde há muito, à entrega aos proponentes de toda a informação pré-contratual, bem como à explicação do seu conteúdo e prestação de todos os esclarecimentos sobre coberturas, garantias, condições de resgate e redução. 21. Em 22/12/2020 foi participado à 1.ª ré um sinistro por morte da pessoa segura BB. 22. Em 23/12/2020 foi remetida pela 1.ª ré aos herdeiros de BB carta a solicitar a seguinte documentação: a. certificado de óbito onde conste a causa da morte; b. relatório médico ou do médico assistente onde conste a data início, c. tratamentos efetuados e evolução da patologia que levou ao falecimento; ou, em caso de acidente, d. auto de ocorrência passado pelas autoridades competentes; e. - Relatório da autópsia com resultado do exame toxicológico. 23. Em 30/03/2021, a 1.ª ré reiterou o pedido de envio da referida documentação, identificando-a como indispensável à análise do processo de indemnização. 24. Em 05/04/2021 o 1.º autor remeteu à 1.ª ré carta a informar que ainda não dispunha do relatório da autópsia. 25. Em 14/04/2021 a 1.ª ré endereçou aos herdeiros de BB carta a informar que aguardaria mais 90 dias pelo envio da documentação. 26. Em 22/04/2021, foi recebida pela 1.ª ré a notificação de arquivamento do Inquérito nº 230/20.9GACPV, onde se conclui que a morte da pessoa segura se deveu a causas naturais, designadamente, a morte súbita em contexto de epilepsia. 27. Em data não concretamente apurada, a 1.ª ré enviou nova carta aos autores a solicitar: a. certificado de óbito onde conste a causa da morte; b. relatório médico onde conste a data de diagnóstico da epilepsia e início do seu tratamento médico. 28. Em data não concretamente apurada, mas posterior a 21/05/2021, foi recebida pela 1.ª ré a documentação clínica relativa a BB. 29. BB tinha as seguintes patologias: - obesidade (diagnóstico em 13/04/2007); - psoríase (diagnóstico em 13/04/2007); - veias varicosas da perna (diagnóstico em 15/11/2011); - trombose venosa profunda pena esquerda (em 15/11/2011); - tromboflebite superficial perna esquerda (em 19/02/2020); - epilepsia (diagnóstico em 26/03/2015); - suspeita de efeito adverso de um medicamento (04/04/2017), e era acompanhada em consulta hospitalar de neurologia, estando medicada com levetiracetam 150+0+1500. 30. Por cartas datadas de 16/06/2021 e 2ª via enviada em 22/06/2021, a 1.ª voltou a solicitar o relatório da autópsia com resultado do exame toxicológico, apenas tendo sido repetido o envio do despacho de arquivamento do inquérito. 31. Em 05/07/2021 e 18/02/2022, a 1.ª ré comunicou aos autores a recusa do sinistro. 32. A 1.ª ré recusou assumir o pagamento do empréstimo identificado no facto provado n.º 1, devido à omissão da patologia pré-existente por BB. 33. Das condições contratuais aplicáveis ao contrato de seguro, consta que as declarações inexatas, reticentes ou que omitam qualquer facto tornam anulável o pedido de adesão ao contrato de seguro de vida. 34. No artigo 6.º, n.º 1, al. 6) das condições gerais da apólice consta o seguinte: «Não se consideram cobertos por este contrato os sinistros resultantes de: a) doença preexistente, considerando-se como tal toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, suscetível de constatação médica objetiva, e que tenha sido objeto de um diagnóstico ou que, com suficiente grau de evidência, se tenha revelado em data anterior à da adesão ao presente contrato, salvo quando tenha havido comunicação formal ao Segurador, e aceitação por parte deste, nas condições que para o efeito tenham sido estabelecidas. 35. Caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, teria muito provavelmente agravado o prémio pelo risco morte e excluído a incapacidade permanente.”. Não provados: “a) As respostas às questões identificadas no facto provado n.º 4 foram preenchidas de acordo com o que os mutuários, e concretamente BB, disseram ao funcionário do 2.º réu que os interrogou. b) As referidas questões foram respondidas autonomamente e de forma indiferenciada por pessoas da entidade bancária do 2.º réu responsáveis pela celebração do contrato de empréstimo e seguro de vida. c) Pelos funcionários do 2.º réu foi lido e explicado o conteúdo da proposta de adesão do seguro de vida e das condições gerais e especiais da apólice, e bem assim, o teor de cada uma das perguntas do questionário clínico, acrescentando que a pergunta era essencial à validade do seguro que queriam celebrar por a 1.ª ré só assumir o risco do contrato se, com base em declaração deles, ficasse segura de que não preexistia nenhuma doença que fizesse do risco de sinistro uma certeza e não uma incógnita. d) O 1.º autor e sua falecida esposa tiveram acesso prévio à proposta de adesão do seguro de vida, designadamente ao questionário clínico, ou às condições gerais e especiais da apólice do seguro, e concretamente a não cobertura do sinistro resultante de uma doença pré-existente. e) BB assinou a proposta de adesão ao seguro sem a ler, com base na confiança que tinha nos representantes do 2.º réu. f) BB pretendeu ocultar qualquer tipo de informação, designadamente qualquer doença pré-existente, o que fez de forma consciente e intencional. g) BB e o 1.º autor tinham conhecimento de que não poderiam omitir aos réus a preexistência de qualquer doença e das consequências de tal omissão. h) BB não tinha antecedentes médicos. i) Foi entregue às pessoas seguras o certificado individual, com as condições particulares e as condições gerais e especiais do contrato de seguro. j) Caso a 1.ª ré tivesse conhecimento da situação de doenças pré-existentes, nunca teria aceite segurar o risco em causa.” * O tribunal sustentou a decisão recorrida na seguinte fundamentação:“Dentro desta posição jurisprudencial, existe ainda uma corrente no sentido de que o regime do Decreto-Lei n.º 176/95 afasta o regime do Decreto-Lei n.º 446/85, na medida em que com ele seja incompatível, designadamente quanto à definição dos sujeitos do dever de comunicação e informação das cláusulas, porquanto lex specialis derrogat lex generalis. Partilhe-se, ou não, desta variante, a verdade é que é essencial conciliar os dois regimes, já que o RJCS prevê expressamente uma consequência para cada tipo de omissão de informação, entrando, por isso mesmo, em conflito com as cláusulas contratuais gerais que estipulam uma outra consequência para esse incumprimento. E o Tribunal entende que não se trata, sequer, de uma questão de conciliação com o regime das cláusulas contratuais gerais, mas sim uma questão de nulidade da cláusula contratual por contrária a norma imperativa. Com efeito, a cláusula 6.ª do contrato em apreço (que demanda a exclusão da cobertura do seguro em caso de omissão de questão e saúde do segurado) contraria (para o que ora interessa) o disposto no artigo 26.º, n.º 4, al. a) do RJCS, norma que é imperativa por força do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do RJCS e apenas derrogável se para regime mais favorável ao tomador do seguro (imperatividade relativa). Trata-se, pois, de cláusula nula por violação de norma imperativa, conforme dita o artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil, a qual, contudo, não contamina todo o negócio, que será reduzido nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Civil, assim se aproveitando tudo o mais acordado.” (sublinhou-se o trecho decisório objeto de recurso). * A apreciação do recurso convoca as seguintes considerações de direito:Tendo em conta a causa - a celebração de contrato de seguro em que se estriba a pretensão em apreço -, há que ter presente que ao contrato dos autos se aplica o Regime Jurídico do Contrato de Seguro instituído pelo DL 72/2008, adiante apenas designado por RJCS, entrado em vigor desde 01 de Janeiro de 2009 e, como tal, em vigor à data da celebração do contrato de seguro dos autos. As partes não discutem a natureza do referido contrato. Cumprirá, apenas, para um mínimo enquadramento da concreta questão a resolver, lembrar que é contrato de seguro aquele pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração – prémio – diz-se seguradora; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida diz-se segurado, que pode ou não coincidir com o tomador do seguro. Também resulta dilúcido nos autos, e nisso as partes não manifestam desacordo, que o seguro dos autos é um seguro de grupo, que é aquele que é celebrado entre um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum. Pressupõe, assim, o seguro de grupo, a existência de três sujeitos de direito distintos: o segurador, o tomador do seguro e os segurados. Tem dois momentos na sua formação: primeiro é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro; depois ocorrem as adesões dos membros do grupo. É, pois um contrato trilateral entre seguradora, tomador e aderentes em que há um contrato inicial celebrado entre a seguradora e o tomador que define o conteúdo dos contratos posteriormente celebrados com os aderentes sendo que apenas com a adesão destes passa a haver segurados. Feito este breve enquadramento cumpre assinalar que é inquestionável para as partes e decorre com clareza dos autos, a natureza de contrato de adesão do contrato em causa pelo qual o Recorrido e a sua falecida mulher se obrigaram no âmbito de seguros de grupo, sem possibilidade de discutir as condições gerais e as condições especiais da apólice. Decorre claramente da matéria de facto provada que o Recorrido e a sua mulher não tiveram qualquer participação na discussão do clausulado do contrato em questão, nem nele tiveram voz ativa tendo-se limitado a fornecer os seus dados pessoais e a subscrevê-lo. O que terá sucedido, e normalmente sucede, é que aos aderentes foi apresentado um contrato com cláusulas padrão já redigidas sem que ao mesmo fosse possibilitada a participação na sua redação. Trata-se, portanto e inequivocamente, de um contrato de adesão estando como tal sujeito ao regime instituído pelo Dec. Lei 446/85 de 22 de outubro, como é comum, senão uma constante, nos contratos de seguro. Não há, de facto, salvo o devido respeito por opinião contrária, qualquer razão para se excluir a aplicabilidade do regime legal das cláusulas contratuais gerais ao contrato de seguro. Pelo contrário, e como afirmado no Acórdão 1853/18.1T8VCT.G1.S1 do STJ, de 13-10-2022[2], trata-se de contrato em que na esmagadora maioria dos casos o segurado é o contraente mais débil, estando em face do predisponente numa situação de desvantagem quanto ao poder de negociar os termos do contrato[3] e é exatamente com o fito de proteger a liberdade de estipulação, a informação e compreensão das cláusulas por parte daquele que a elas adere que foi criado o regime previsto no DL 446/85. Dispõe o artigo 1º número 1 do DL 446/85, que são cláusulas contratuais gerais aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual, em que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a, respetivamente, subscrever ou aceitar. Tendo o tribunal a quo decidido que a cláusula 6º do referido contrato de seguro não pode considerar-se inaplicável por violação de deveres de informação[4] e não tendo sido posta em causa tal decisão, o que importa apurar é se a referida cláusula é nula por contrariar o disposto no artigo 26º, número 4 do DL 72/2008 de 16 de Abril, que o tribunal considerou norma relativamente imperativa por apenas poder ser derrogada por um regime mais favorável ao tomador do seguro. Preveem os preceitos convocados pelo tribunal recorrido: Artigo 26º, número 4: “Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes: a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente;” Artigo 13º: “São imperativas, podendo ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, as disposições constantes dos artigos 17.º a 26.º, 27º (…)” A cláusula 6ª do contrato de seguro que o tribunal declarou derrogar norma imperativa tem a seguinte redação: “Não se consideram cobertos por este contrato os sinistros resultantes de: a) doença preexistente, considerando-se como tal toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, suscetível de constatação médica objetiva, e que tenha sido objeto de um diagnóstico ou que, com suficiente grau de evidência, se tenha revelado em data anterior à da adesão ao presente contrato, salvo quando tenha havido comunicação formal ao Segurador, e aceitação por parte deste, nas condições que para o efeito tenham sido estabelecidas.” O contrato de seguro é aquele “pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”[5]. Esse facto, o risco coberto, é definido pelo próprio contrato de seguro e nele, o âmbito de cobertura tanto é definido pelas cláusulas que o descrevem como pelas que o excluem. Ou seja, quando num contrato como o dos autos se estabelece que os riscos cobertos são: “a. Morte: aceite sem qualquer agravamento; b. Invalidez Absoluta e Definitiva: aceite sem qualquer agravamento; c. Invalidez Total e Permanente por Acidente: aceite com agravamento de 50% por motivo profissional”, está a definir-se o seu âmbito de cobertura. Da mesma forma que tal é feito quando se afirma que “Não se consideram cobertos por este contrato os sinistros resultantes de: a) doença preexistente (…). Como sumariado no acórdão do STJ 4990/12.2TBCSC.L1.S1 de 10-03-2016: “2. O risco relevante para efeitos do contrato de seguro, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respetivo contrato através da chamada declaração inicial dos riscos cobertos. 3. Na prática negocial, tal delimitação, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vetores complementares, primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base, com o que se configura um tipo abstrato de sinistro coberto pelo seguro.”[6] O DL 446/85 no seu artigo 10º prevê que “[a]s cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”. Do que decorre que o contrato de seguro é regulado pelas suas cláusulas e, supletivamente, pela Lei, nomeadamente pelo DL 72/2008, pelo Código Comercial e pelo Código Civil (artigoº 4º do DL 72/2008. O contrato de seguro é aleatório já que a obrigação principal assumida pela seguradora é incerta e futura[7]. Daí a relevância das disposições contratuais (que já se decidiu nos autos serem aplicáveis), no que tange à definição do risco coberto. Sobre a validade das cláusulas de exclusão ou de limitação do risco afirma Pedro Romano Martinez: “apesar de a exclusão de alguns riscos ser lícita por assentar na liberdade contratual e não contrariar o disposto no regime das cláusula contratuais gerais, em situações limite pode corresponder a uma solução inadmissível por desvirtuar o objeto do contrato; isto é, se a modalidade de seguro ajustada não abrange o respetivo âmbito de risco. Deste modo, na hipótese de, tendo em conta o típico risco coberto naquele contrato de seguro, se inviabilizar essa cobertura por via de várias exclusões e risco, ainda que a respetiva informação tenha sido prestada, conclui-se que o objeto do contrato fica esvaziado, podendo consubstanciar uma situação ilícita.”[8] A decisão recorrida faz decorrer a nulidade da cláusula 6º do contrato de seguro da circunstância de pela mesma se violar norma imperativa. A saber: a que determina que a consequência da verificação de um sinistro cujas consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes é a do segurador cobrir o sinistro apenas na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente. Nos termos do artigo 13º do DL 72/2008 essa norma não pode ser derrogada, salvo para estipulação de um regime mais favorável ao sinistrado, dada a sua imperatividade. A pedra de toque da decisão que nos ocupa será a de saber se a cláusula 6ª do contrato de seguro dos autos viola ou não tal norma imperativa. Ora, a norma em causa destina-se a regular os efeitos da omissão de comunicação de factos que venham a influenciar o sinistro. Ou seja, quanto a tais omissões não pode o contrato de seguro estabelecer de forma diferente da lei, salvo se o regime contratual for mais favorável ao sinistrado. A pergunta a responder é, pois, esta: Da cláusula sexta do contrato de seguro em causa decorre previsão sobre as consequências da omissão de factos determinantes do sinistro? A resposta é negativa. De facto, a cláusula em questão apenas se destina a delimitar o âmbito de cobertura do contrato. [9], [10] O que faz de forma que não pode julgar-se abusiva ou a qualquer título inválida. Como decidido por Ac. da RC de 30/06/2015 [11] “Relativamente às cláusulas abusivas no contrato de seguro tem vindo a ser entendido, no tocante às cláusulas de definição e exclusão/limitação do risco, nomeadamente, que se deverá ponderar a finalidade do contrato e, assim, quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela com que o tomador do seguro podia (de boa fé) contar, tendo em consideração o objeto e a finalidade do contrato, tais cláusulas são nulas.” Ora, a exclusão da cobertura do seguro no caso de o sinistro decorrer de doença pré existente não desvirtua a natureza da cobertura do seguro de vida nem constitui benefício injustificado da seguradora nem se pode dizer que não era algo com que o aderente não pudesse razoavelmente contar. Está, aliás, em consonância com o propósito do contrato de seguro – que visa cobrir os danos decorrentes de factos futuros e incertos -, e com o disposto no artigo 44º do DL 72/2008. O funcionamento da causa de exclusão de cobertura é uma questão independente da da alegação e prova de que o tomador prestou declarações falsas. Nesta hipótese o contrato de seguro pode ser anulado ou alterado. Na primeira, o contrato de seguro não se aplica porque o risco verificado está fora do seu âmbito de cobertura. E nem se diga que por via da aplicação da referida cláusula sexta se chega ao mesmo resultado previsto para as declarações inexatas mesmo que não se prove o dolo dos declarantes. É que a consequência da declaração deliberadamente falsa é a da anulabilidade do contrato de seguro, mesmo sem que ocorra qualquer sinistro (cfr. artigo 25º do DL 72/2008) e a consequência da aplicabilidade da cláusula que limita o âmbito do contrato de seguro é a sua não aplicação apenas aos sinistros não cobertos. Tratam-se, assim, de situações distintas quer quanto aos seus requisitos de aplicação quer quanto às suas consequências contratuais e legais, não se podendo afirmar que a cláusula de exclusão em causa nos autos viola a norma imperativa estatuída do artigo 26º do DL 72/2008. No caso dos autos a Recorrente invocou ambas as causas (declarações falsas da segurada e cláusula de exclusão de cobertura) para sustentar a sua absolvição. Está apenas em causa neste recurso a apreciação da validade da cláusula de exclusão invocada e, perante o supra exposto, afirma-se a sua validade, revogando nessa parte a decisão recorrida. Da afirmação da validade da cláusula de exclusão em apreço resulta ainda que a Recorrente deve ser absolvida do pedido de condenação no pagamento de qualquer quantia aos Autores/Recorridos, Ficou comprovado que a estatuição decorrente da cláusula de exclusão vinda de referir se verificou já que dos factos provados resulta, no que aqui releva: que a sinistrada sofria de epilepsia diagnosticada desde 26-03-2015[12]; e que a sua morte decorreu “de morte súbita em contexto de epilepsia”[13]. Ou seja, tendo o sinistro decorrido de doença preexistente que tinha sido objeto de diagnóstico e não tendo havido comunicação formal da mesma à seguradora, o sinistro dos autos não se encontra no âmbito de cobertura do contrato de seguro por aplicação da cláusula 6ª do referido contrato. Na procedência total do recurso, a decisão recorrida será revogada quando ao decidido nas suas alíneas b), c) e e). V – Decisão: Nestes termos acorda-se em: 1. julgar procedente o recurso interposto revogando a sentença recorrida quanto ao ali decidido nas alíneas b), c) e e); e, 2. em consequência, absolver a Ré/Recorrente do pedido. Custas da ação e do recurso a cargo dos Autores- nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil. Sumário da Relatora ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 9 de Outubro de 2023 Ana Olívia Loureiro Eugénia Cunha Mendes Coelho _______________ [1] Nestes termos: “Constitui objeto do presente litígio indagar da validade do contrato de seguro e das cláusulas de exclusão da responsabilidade, à luz das normas contidas nos artigos 25.º e 26.º (incumprimento dos deveres de informação ou informações inexatas, pelo segurado) e ainda nos artigos 185.º (informações pré-contratuais no seguro de vida) e 188.º (cláusula de incontestabilidade e respetivo prazo de exercício) do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais), atendendo concretamente às normas contidas nos respetivos artigos 4.º, 5.º e 6.º (deveres de informação e comunicação do conteúdo contratual) e 8.º, als. a) e b) (exclusão das cláusulas) e 24.º, e do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos). Mais configura objeto do presente litígio apreciar da ressarcibilidade das prestações pagas pelos autores desde o óbito da mutuária, à luz do regime do contrato de mútuo (artigo 1142.º, dos artigos 6.º e 7.º Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de junho) e sem desatender ao conceito de coligação de contratos. [2] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e0adb4ce6670e195802588da00562e22?OpenDocument [3] “(…) essa acentuada a mais das vezes pela própria incompreensão do clausulado (denso e por vezes com letra quase ilegível e, às vezes com texto até pouco inteligível). Debilidade essa que o legislador pretendeu, a todo o custo, proteger.” [4] “(…) pugnando no sentido de que o incumprimento dos deveres legalmente impostos ao Banco/tomador do seguro não é oponível à seguradora”, como se lê na decisão recorrida. [5] Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros Coimbra Editora, 2010, página 66. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) [7] O artigo 1º do DL 72/2008 de 16 de abril afirma que pelo contrato de seguro “o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. [8] Scientia Ivridica, Número 306 (Abril a Junho 2006), página 260. [9] A propósito da distinção entre cláusulas de exclusão e cláusulas que delimitam o objeto do contrato de seguro, pronunciou-se o acórdão do STJ de 24-01-2018 em cujo sumário se pode ler “I – Na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais das apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do art. 18.º, do DL 446/85, de 25-10, das que visam a delimitação do objecto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas. II - Nessa distinção importa antes de mais atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. III - Apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize ou esvazie a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar”. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dd792e37fb67aa4d8025822000586ba6?OpenDocument [10] Ainda a propósito, Pedro Romano Martinez, “Direito dos Seguros”, pagina 94 e seguintes. [11] http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/d30e1800d394d5c280257e830037ccbc?OpenDocument [12] Facto provado número 29º onde se lê: “BB tinha as seguintes patologias: - obesidade (diagnóstico em 13/04/2007); - psoríase (diagnóstico em 13/04/2007); - veias varicosas da perna (diagnóstico em 15/11/2011); - trombose venosa profunda pena esquerda (em 15/11/2011); - tromboflebite superficial perna esquerda (em 19/02/2020); - epilepsia (diagnóstico em 26/03/2015); - suspeita de efeito adverso de um medicamento (04/04/2017), e era acompanhada em consulta hospitalar de neurologia, estando medicada com levetiracetam 150+0+1500.” (sublinhado nosso). [13] Factos provados números 15 e 26. |