Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
51/20.9IDAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: REABERTURA DA AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RP2023070551/20.9IDAVR.P1
Data do Acordão: 07/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Se depois de um momento em que se dê por encerrada a discussão, e sejam proferidas alegações e dada a oportunidade para últimas declarações ao arguido, o tribunal entender que deve ser produzida prova suplementar quanto a factos relevantes para a decisão da causa e não reportados exclusivamente à determinação da sanção, não só pode, como deve declarar reaberta a audiência, em conformidade com o que se lhe impõe ao abrigo do poder–dever decretado, desde logo, no artigo 340.º do Código de Processo Penal.
II - A não se entender assim, poderia configurar-se a situação absurda de, em sede de deliberação, o tribunal se aperceber da essencialidade de um meio de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mas deixar de a levar a cabo (por ter essa possibilidade por precludida), condenando possivelmente a sentença à nulidade por omissão de produção de tais meios de prova (cfr. art. 120.º, n.º 2, d) do Código de Processo Penal).
III - Após essa produção de prova suplementar relativa a qualquer matéria de relevo para a decisão da causa, e à exceção do caso previsto no artigo 369.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deverão de novo retomar–se em momento oportuno os procedimentos previstos no artigo 361.º do Código de Processo Penal, havendo lugar à prolação de novas alegações e propiciadas novamente últimas declarações do arguido, seguindo–se a deliberação.
IV - Tal procedimento não é impedido por via do artigo 371.º do Código de Processo Penal (que visa tão só regular a disciplina da reabertura da audiência no caso de esta ter apenas por objetivo a produção de prova relativa à determinação da sanção), nem está limitado à situação prevista no artigo 364.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (pois o que aí se visa estipular é que as alegações só podem ser suspensas no caso ali previsto).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 51/20.9IDAVR.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Águeda – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro



Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto :


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 51/20.9IDAVR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Águeda, em 31/01/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor :
«DECISÃO:
Por todo o exposto, julgo procedente a acusação pública e, em consequência, condeno o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, n.º 1, 2, 4, e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um total de €990,00 (novecentos e noventa euros).
Mais condeno a sociedade arguida A... S.A. pelo crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, n.º 1, 2, 4, e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz um montante global de €750,00 (setecentos e cinquenta euros).
Mais decreto a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos com o não pagamento à Autoridade Tributária dos valores respeitantes a IVA, no montante de 9.161,38 € (nove mil cento e sessenta e um euros e trinta e oito cêntimos), sendo os arguidos solidariamente responsáveis pelo seu pagamento.
*
Vão ainda os arguidos condenados nas custas do processo com 2 (duas UC’s) de taxa de justiça cada um. »

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 01/03/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :
A. Pelo presente, o ora Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente, no que concerne à factualidade respeitante ao preenchimento dos elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de abuso de confiança fiscal pelo qual foi condenado.

C. Desde logo, nada temos nos autos que permita concluir pela existência de uma qualquer resolução por parte do ora Recorrente no sentido de não serem liquidados junto da AT os montantes devidos a título de IVA, muito menos que o valor indicado de €9.161,38 haja sido efetivamente recebido pela “A...” até ao dia 10 de Julho de 2019,

M. Na verdade, e perante a documentação já existente nos autos, foi o próprio Tribunal “a quo” quem “assumiu” as suas dúvidas quanto aos pagamentos e respetivas datas, tanto que procedeu à reabertura da audiência e ordenou a notificação do “Banco 1...” para vir aos autos esclarecer quais os montantes financiados, as datas dos pagamentos e quem suportaria os custos desses eventuais adiantamentos, sendo que a isso limitou-se a entidade a responder à questão dos montantes financiados e respetivos custos, mas nada esclarecendo quanto às datas efetivas de pagamento, pelo que sempre se manteria, forçosamente, o Tribunal “a quo” na dita dúvida quanto ao momento em que tais montantes teriam sido efetivamente pagos e se o teriam sido antes de 10 de Julho de 2019.
N. Não obstante, sempre importará aferir da própria “legalidade” e “validade” dessa decidida reabertura da audiência, nos termos decididos pelo Tribunal “a quo”, porquanto, no modesto entendimento do ora Recorrente, uma tal alteração apenas poderia ter lugar nos termos do preceituado no art. 371º do C.P.Penal, seja, apenas para a produção de prova suplementar para a determinação da sanção, e nada mais, sendo legalmente inadmissível a produção de prova suplementar para efeitos da convicção do próprio Tribunal ou para esclarecer dúvidas relativamente aos factos em apreço e a decidir.

O recurso, em 14/03/2023, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, em 04/05/2023, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 24/05/2023, no parecer que emitiu propugna igualmente pela improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado no processo.
*
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[1], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre :
1. saber da regularidade processual da reabertura da audiência, para produção de prova suplementar, determinada pelo tribunal a quo;
(…)
*
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem.

1. De saber da regularidade processual da reabertura da audiência, para produção de prova suplementar, determinada pelo tribunal a quo.

A determinado passo do seu requerimento recursório, vem o arguido/recorrente colocar em causa a «“legalidade” e “validade”» da decisão de reabertura da audiência proferida pelo tribunal a quo, com subsequente produção de prova (documental), alegando que «após encerramento da produção de prova e produção das competentes alegações finais, a nossa lei processual penal apenas prevê a possibilidade de reabertura de audiência nos termos preceituados no art. 371º do C.P.Penal, sendo uma tal reabertura apenas possível para a produção de prova suplementar para a determinação da sanção, e nada mais, sendo legalmente inadmissível a produção de prova suplementar para efeitos da convicção do próprio Tribunal ou para esclarecer dúvidas relativamente aos factos em apreço e a decidir».

Sem deixar de, desde logo, se assinalar a curiosidade de, do mesmo passo que assim alega, o recorrente entretanto reportar ao conteúdo da prova documental junta aos autos na sequência precisamente de tal reabertura para em parte sustentar o seu recurso no segmento em que invoca a existência de erro de julgamento da matéria de facto por parte do tribunal recorrido, vejamos se se mostra por esta via configurada qualquer ilegalidade ou invalidade.
Tarefa para a qual, diga–se, não contribui grandemente o recorrente, pois que, para lá da referência vaga à ilegalidade e invalidade do acto, se abstém de qualificar ou tipificar em concreto qual exactamente o vício processual que aqui estaria em causa, e muito menos propugnando qual o eventual efeito do mesmo.

Elenquemos as incidências processuais ocorridas no julgamento em primeira instância, que se reputam de relevantes nesta parte :
1º, no dia 28/11/2022, decorreu audiência de discussão e julgamento, com produção de prova, alegações orais e últimas declarações do arguido nos termos do disposto no artigo 361º do Cód. de Processo Penal,
2º, sendo, para a leitura da sentença, designado o dia 14/12/2022, pelas 16h00.
3º, Nesse dia 14/12/2022, e reaberta a audiência de julgamento, pela Mma. Juiz presidente foi proferido o seguinte despacho, exarado em acta (refª 124961569) :
«Realizado o julgamento e em face da prova documental existente nos autos, nomeadamente a listagem de faturas emitidas pela arguida sociedade ao seu cliente B..., SA de fls. 60 e 61 e a listagem de pagamentos emitida pelo Banco 1... de fls. 99 e seguintes, por forma a esclarecer se os pagamentos ali referidos foram efectuados à sociedade arguida, com cópia de fls. 99 a 103 e, na afirmativa, em que data, oficie ao Banco 1..., solicitando tal informação. Mais solicite o esclarecimento se, em face dos termos do contrato de confirming celebrado com B..., SA os custos da antecipação do pagamento de facturas estavam a cargo da B... ou dos fornecedores que solicitam a antecipação do pagamento das facturas.
Mais esclareça que o período de pagamentos relevantes é entre 1 de Maio de 2019 e 10 de Julho de 2019 e que estamos no âmbito de processo crime por abuso de confiança fiscal em que é arguida a sociedade “A... SA”».
4º, tendo então, e para continuação da audiência, sido designado o dia 30/01/2023, pelas 15.30 horas.
5º, Em resposta àquele pedido (formulado por ofício de 15/12/2023), veio a ser junta, em 10/01/2023 (refª citius 13981568) informação pelo Banco 1..., e desta foram os arguidos notificados na mesma data (refªs citius 125309988 e 125309991),
6º, vindo, por requerimento de 19/01/2023 (refª 14033831), o arguido ora recorrente declarar o seguinte : «tendo sido notificado do teor do ofício junto pelo Banco 1... vem, mui humildemente, junto de V.Exa., atento o ali vertido, reiterar todo o conteúdo das Alegações orais produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, requerendo sejam aquelas consideradas na sua íntegra, tendo em vista a prolação da Sentença cuja leitura se encontra então agendada para o próximo dia 30 de Janeiro de 2023».
7º, Por seu turno, também a arguida “A..., Lda.” veio aos autos, por requerimento de 24/01/2023 (refª 14054429), declarar “reiterar o teor das Alegações proferidas na Audiência de julgamento”.
8º, No dia 30/01/2023, reaberta a audiência de julgamento, na mesma ficou consignado que «foi a Digna Magistrada do Ministério Público notificada do teor do documento junto aos autos… tendo pela mesma sido dito nada ter a requerer, prescindindo do prazo de vista e que dá por reproduzidas as alegações já proferidas»,
9º, sendo então, e na mesma data, proferida e lida a sentença dos autos – tudo conforme acta respectiva (refª 125672048).

É entendimento do recorrente que, após encerrada a discussão da causa nos termos do nº2 do art. 361º do Cód. de Processo Penal – onde se prevê que, acto seguido às alegações e a ser perguntado ao arguido se tem algo mais a declarar em sua defesa (cfr. nº1 da mesma disposição), «o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º, e o tribunal retira-se para deliberar.» –, apenas e só nos termos do ali citado art. 371º do Cód. de Processo Penal é possível proceder–se à reabertura da audiência.
Este art. 371º do Cód. de Processo Penal prevê, no seu nº1, que «Tornando-se necessária produção de prova suplementar, nos termos do n.º 2 do artigo 369.º, o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta». Por sua vez, o nº2 do art. 369º do Cód. de Processo Penal consagra que, em sede de deliberação do tribunal sobre a questão da determinação da sanção ao arguido, e após revisitados os elementos probatórios documentais dos autos relevantes e referenciados no nº1, «o presidente pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar», aditando que «Se a resposta for negativa, ou após a produção da prova nos termos do artigo 371.º, o tribunal delibera e vota sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar».

Ora, da conjugação destas disposições legais não se julga que possa extrair–se a conclusão de que, após o momento processual previsto no art. 361º do Cód. de Processo Penal, o tribunal esteja absolutamente impedido de reabrir a audiência com vista à produção e prova que tenha por relevante para a decisão sobre o objecto dos autos (mesmo que não reportada unicamente à determinação da sanção penal do arguido).
O que da conjugação das várias disposições processuais citadas rigorosamente decorre é que, após a produção de prova relativa a qualquer matéria de relevo para a decisão da causa, e à excepção do caso previsto no art. 369º/2 do Cód. de Processo Penal, deverá sempre haver lugar à prolação de alegações e propiciadas últimas declarações do arguido, seguindo–se a deliberação.
Ou seja, se depois de um momento em que se dê por encerrada a discussão e sejam proferidas alegações e dada a oportunidade para últimas declarações ao arguido, o tribunal entender que deve ser produzida prova suplementar quanto a factos relevantes para a decisão da causa e não reportados exclusivamente à determinação da sanção, não só pode, como deve declarar reaberta a audiência, produzindo a prova em causa com respeito pelos princípios processuais próprios (mormente o do contraditório) que regem nesse âmbito. Tal terá tão apenas o significado processual de, mostrando–se por essa via reaberta a própria discussão da causa, dever de novo retomar–se em momento oportuno os procedimentos previstos no art. 361º do Cód. de Processo Penal.
Esta reabertura da audiência ampla, digamos assim, assenta, pois, em pressupostos distintos da reabertura da audiência específica que vem regulada no art. 371º do Cód. de Processo Penal.
Esta última, como resume António Latas em “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal – Tomo IV” (ed. 2022), pág. 737, pressupõe «a deliberação prévia do tribunal no sentido da aplicação ao arguido de pena ou medida de segurança, e da necessidade de produção de outras provas além das que se encontram junto ao processo (art. 369.º)».
Aquilo que que o art. 371º do Cód. de Processo Penal visa regular é, pois, a disciplina da reabertura da audiência no caso de ter apenas e só por objectivo a produção de prova relativa á determinação da sanção, e cuja necessidade seja suscitada em sede de deliberação do tribunal nos termos do art. 369º/2 do Cód. de Processo Penal – dando assim consistência àquilo que Simas Santos, nomeadamente no Acórdão do S.T.J. de 18/12/2008 (proc. 08P2816)[3], designa por «sistema de césure ténue de que é tributário o nosso sistema processual penal», logo concretizando caracterizar–se o mesmo pela circunstância de que «a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente».
Donde, a especificidade das regras aplicáveis nesta especial reabertura da audiência, e plasmadas nos nºs 2 a 4 do mesmo art. 371º do Cód. de Processo Penal – destacando–se, por contraste ao que é regra em sede de audiência de julgamento, a mediação da produção de prova sempre pelo Juiz e a exclusão da publicidade.
Mas já a reabertura de audiência para produção de meios de prova tidos por relevantes para a boa decisão da causa em termos amplos, assenta numa ponderação anterior àquele momento, implicando uma verdadeira reabertura da fase de discussão da causa, pelo menos por reporte àquilo que da produção de tal prova suplementar venha a decorrer.
Assim, nem da conjugação dos artigos citados, nem de qualquer outro preceito processual penal, resulta a proibição de reabertura da audiência para determinação e produção de qualquer meio de prova cujo conhecimento se afigure ao tribunal necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Pelo contrário, essa reabertura, se necessária, impõe–se ao tribunal ao abrigo do poder–dever que lhe é decretado, desde logo, no art. 340º do Cód. de Processo Penal.
É, pois, seguro afirmar–se, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/01/2015[4], «Até à leitura da sentença, mesmo após as alegações e as declarações finais do arguido, desde que seja respeitado o princípio do contraditório, o Tribunal pode sempre produzir novos meios de prova que se lhe afigurem necessários a prolação da decisão da causa».
No mesmo sentido, ainda que numa perspectiva mais conservadora, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/05/2019 (proc. 3320/16.9T9CBR.C1)[5] – aliás, numa situação em tudo similar à dos presentes autos – o seguinte : «I – Após proferidas as alegações finais e designada data para a leitura da sentença, no dia reservado à publicitação da dita peça processual, o tribunal da 1.ª instância determinou a reabertura da audiência, proferindo então despacho a solicitar determinados elementos de prova documentais. II – Este procedimento, não se inserindo na disciplina reservada à reabertura da audiência para determinação da sanção (art. 371.º do CPP), tão pouco se enquadrando no n.º 4 do art. 360.º do mesmo diploma, encontra, contudo, fundamento no n.º 1 do art. 607.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP, preceito que em nada colide com a segunda das referidas normas e que se harmoniza o mais possível com os princípios do processo penal, concretamente com o dever de prosseguir a verdade material».
Na verdade, o procedimento aqui em causa não é aquele, especificamente previsto no art. 364º/4 do Cód. de Processo Penal, em que se prevê o caso excepcional de suspensão das alegações quando no curso das mesmas se entender ser de ordenar ou autorizar, por despacho, a produção de meios de prova supervenientes e indispensáveis para a boa decisão da causa – sendo de notar que tal regulação se mostra aqui especificamente prevista porque se considera que só mesmo em tal caso «excepcional» se concebe a possibilidade de interromper ou suspender a fase de alegações.
Mas também daqui, julga-se, não decorre a inviabilidade de, após terminadas as alegações e mesmo as últimas declarações do arguido, se reabrir a audiência para produção de meios de prova que se tenham por relevantes, mesmo fora dos casos do art. 371º do Cód. de Processo Penal.
Concedendo-se na maior segurança do apelo ao art. 607º/1 do Cód. de Processo Civil (onde se estipula que «Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias») que se mostra efectuado no supra citado aresto, e não se desconsiderando – de todo – o mesmo, a verdade é nem se julga em bom rigor o mesmo absolutamente necessário, antes se tendo a possibilidade processual aqui em equação por amplamente tutelada pelos poderes-deveres do tribunal de procurar esclarecer toda a matéria com interesse para a boa decisão da causa.
Aliás, a não se entender assim, poderia configurar-se a situação absurda de, após declarada encerrada a discussão, o tribunal se aperceber da essencialidade de um meio de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mas deixar de a levar a cabo por estar coartado dessa possibilidade, porque precludida em tal momento processual, condenando possivelmente a sua sentença à nulidade por omissão de produção de tais meios de prova (cfr. art. 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal).

Ponto é, pois – e como se disse supra – que na produção desses suplementares meios de prova sejam respeitados os princípios inerentes a tal exercício – máxime o do contraditório -, e que, após a mesma, se proceda em conformidade com o disposto no art. 361º do Cód. de Processo Penal, assim se encerrando de novo a discussão da causa.

In casu, constatamos que a prova suplementar produzida se reconduziu à junção aos autos de determinado documento, do qual foram os sujeitos processuais – incluindo, pois, o arguido ora recorrente – notificados, podendo, portanto, quanto ao mesmo pronunciar-se nos termos tidos por convenientes.
Em resposta, como vimos, o ora recorrente veio aos autos tão apenas reiterar todo o conteúdo das alegações orais que já antes efectuara em sede de audiência de discussão e julgamento, requerendo que as mesmas fossem «consideradas na sua integra, tendo em vista a prolação da sentença agendada para o próximo dia 30/01/2022» – similar posicionamento tendo assumido também a co–arguida e o Ministério Público.

É verdade que se constata não se haver, pois, procedido de acordo com o formalismo previsto no art. 361º do Cód. de Processo Penal – designadamente com nova concessão ao arguido de oportunidade de prestar novas declarações.
A verdade também é que tal não configura qualquer nulidade, nem qualquer vício susceptível de afectar a validade dos actos processuais efectivados.
Efectivamente, a lei processual penal consagra, em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – cfr. nºs 1 e 2 do art. 118° do Cód. de Processo Penal.
É quanto sucede no presente caso.
A circunstância de, após a produção da prova suplementar em sede de reabertura da audiência subsequente a um primeiro encerramento da discussão, não se seguir a prolação formal de alegações, e/ou de não ser de novo dada a palavra ao arguido para, querendo, prestar últimas declarações em sua defesa, não se mostrando elencada enquanto nulidade (nem nos termos dos arts. 119º ou 120º do Cód. de Processo Penal, nem nos de qualquer outra disposição legal) reconduz–se, pois, a uma mera irregularidade processual, nos termos do art. 118º/2 do Cód. de Processo Penal, e cujo regime vem regulado no art. 123º do mesmo código.
Ora, resulta precisamente do nº1 deste art. 123º do Cód. de Processo Penal, que «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.».
No caso concreto, foram os próprios arguidos que vieram aos autos dar por reproduzidas as suas alegações anteriores, propugnando deverem os autos prosseguir com a leitura da sentença, nada tendo requerido ou consignado no que tange à utilidade de prestar mais declarações – o que, materialmente, não poder ter outro significado que não considerar exercidos aqueles seus direitos.
O mesmo sucedeu, como acima se elencou, com o Ministério Público, não tendo qualquer dos sujeitos processuais invocado o que quer que fosse a propósito.
Donde, e muito claramente, tal irregularidade nesta fase sempre se deverá ter por sanada, sendo ademais que não se julga que no presente caso estejamos sequer perante uma situação susceptível de integração no nº2 do mesmo art. 123º do Cód. de Processo Penal, que prevê que «Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado» (sublinhado agora aposto), pois que a situação invocada de todo afecta, por qualquer forma ou em qualquer grau, o valor do acto processual em causa.

Em conclusão, não se verifica qualquer ilegalidade ou invalidade na reabertura da audiência oportunamente determinada pelo tribunal a quo, não procedendo assim a correspondente genérica reivindicação do arguido/recorrente.

(…)
*

III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
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Porto, 5 de Julho de 2023
Pedro Afonso Lucas
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_____________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[4] Relatado por Jorge Gonçalves, disponível em Col. Jurisprudência, Ano XL, t. 1, pág.304.
[5] Relatado por Maria José Nogueira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf