Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ALEXANDRA LAGE | ||
| Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO ÓNUS DA PROVA DO PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES RETRIBUTIVAS | ||
| Nº do Documento: | RP202511265255/24.2T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I -Viola gravemente os deveres de respeito e de urbanidade, o trabalhador que, em contexto de trabalho, visando a entidade empregadora e/ou a diretora de recursos profere expressões como “chulo” “de que não pagam o que devem”,“com que então estou proibido de entrar na empresa? acabei de entrar… proíbe-me agora então, seu palhaço! não saio daqui sem a polícia”, ou envia emails em que refere que os motoristas são “escravos” de “ alguns patrões sem escrúpulos “ ou que “ o cancro ainda está lá dentro” e, ainda, visando especificamente a diretora de recursos humanos refere “ eu contigo não falo, porque tu não és um homem. se fosses homem falava contigo de outra forma, ali fora (apontando, nesse momento, para o portão de saída das instalações da arguente) … reza para não te cruzares sozinha comigo ali fora”. II -A conduta do trabalhador, pela sua gravidade tornou impossível a manutenção do contrato de trabalho justificando-se, assim, o seu despedimento com fundamento em justa causa. III – Decorrendo dos factos provados a realização de trabalho nos dias indicados, recai sobre a empregadora o ónus da prova do pagamento da retribuição devida, bastando ao trabalhador alegar a falta de pagamento. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 5255/24.2T8VNG.P1
Recorrente, AA Recorrida, A... LDA
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
1. AA apresentou, em 25.06.2024, formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra A... LDA manifestando oposição ao seu despedimento. 10. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso interposto.
11. Nenhuma das partes respondeu ao Parecer.
12. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
II – Objeto de recurso Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, n.º 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (CPT), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim sendo fixam-se as seguintes questões a resolver:
(i) Impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados 8, 9,13,14,15,18,20,21 referentes ao articulado motivador; 20 da contestação do autor e 2 da resposta da entidade patronal e 1 a 49 da contestação do autor/recorrido. (ii) Licitude do despedimento do trabalhador e consequências a extrair. (iii) (Im)procedência do pedido reconvencional.
III – Questão prévia
Da admissibilidade da junção de documentos O autor pretende a junção aos autos de um áudio (e respetiva transcrição), referente à reunião no dia 19 de fevereiro de 2024 alegando, para tanto, que houve consentimento nessa gravação e que devido a uma avaria do seu telemóvel não teve acesso ao mesmo. Com a prolação da sentença foi tal a sua indignação, tristeza e revolta que, numa derradeira tentativa de encontrar a gravação, aconselhado por um amigo, contactou um informático que conseguiu aceder ao áudio. O autor pretende, ainda, a junção de documento, relativo a uma nota de culpa de um procedimento disciplinar instaurado a um colega seu, BB. Refere que só após a prolação da sentença, e em conversa informal com uma colega ficou a saber que esta tinha cópia da respetiva nota de culpa. A ser verdade o que consta da nota de culpa, o funcionário que usou linguagem imprópria foi perdoado, tendo-se mantido na empresa, para além de conseguir trabalho para a filha. Na eventualidade se se entender que não é possível proceder à junção dos documentos, em sede de recurso de apelação, por preterição do princípio do contraditório, requerer que os autos sejam remetidos à 1ª instância dando-se, desta forma, possibilidade à requerida de se pronunciar sobre os mesmos.
A ré refuta que tenha havido consentimento na gravação da reunião, tratando-se de prova obtida de forma ilícita, sendo falso o alegado para justificar a sua junção, que esta é manifestamente extemporânea. Quanto ao documento “nota de culpa” opõe-se à sua junção, quer por ser também manifestamente extemporâneo, quer por os factos não terem qualquer conexão com os factos que que constituem objeto dos presentes autos, e ainda, ser falso que o recorrente apenas tenha tido conhecimento do documento, após a prolação da sentença
Dispõe o artigo 423.º do CPC que: “1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. Por seu turno, estatui o artigo 651.º do CPC que: ” 1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 – As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.” E, o art.º 425.º do CPC estabelece que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Como refere Abrantes Geraldes,[2] “a junção da prova documental deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes do tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos da celeridade. Em sede de recurso, é legitimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva). Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” Do exposto resulta que a junção de documentos, na fase de recurso, é apenas admitida excecionalmente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento. A expressão “a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, significa apenas que se justifica a junção de documento para a prova de factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão. Sendo que “[a] jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” [3] Relativamente à gravação áudio, considerando a data em que o autor terá alegadamente procedido à gravação da reunião, de 19 de fevereiro, e conhecimento dessa gravação, não se está perante uma situação de superveniência objetiva ou subjetiva do documento que legitimasse a sua junção com as alegações de recurso, sendo que, de acordo com a alegação do autor, a junção do documento só se tornou necessária após o julgamento. Ora, as questões relacionadas, com os acontecimentos da reunião de 19 de fevereiro, foram suscitadas nos autos e eram essenciais à decisão da causa. Assim, e sem se questionar a adequação da gravação áudio, como meio de prova, sempre se poderá afirmar que o autor não poderia desconhecer as questões essenciais nos autos e a hipotética relevância da mesma em causa na procedência da sua pretensão. Por outro lado, não foi apresentada qualquer prova de avaria do telemóvel, designadamente da impossibilidade da sua recuperação, durante o procedimento disciplinar e judicial e sua obtenção posterior. A avaria no telemóvel - a existir - poderia relevar em sede de justo impedimento, sendo, contudo, exigível que a parte que o alega ofereça logo a prova, face ao disposto pelo art.º 140.º do CPC, o que não foi feito. Quanto ao documento “nota de culpa” relativa ao trabalhador BB, ainda que posterior ao encerramento da discussão (a nota de culpa tem a data de 06.05.2024 e audiência de julgamento foi encerrada a 30.04.2024), não tem qualquer relevo para a decisão em causa, atento o objeto do recurso, reportando-se a alegados factos ocorridos em 15.03.2024, entre o trabalhador visado na nota de culpa e outro trabalhador, em nada relacionados com factualidade pertinente para estes autos. Não sendo os documentos admissíveis terá de soçobrar a pretensão do recorrente, de envio dos autos à 1ª Instância, a fim de a recorrida se pronunciar sobre os mesmos. Por todo o exposto, decide-se não admitir os documentos juntos pelo recorrente, condenando-o recorrente na multa de 0,5 UC nos termos do disposto pelo art.º 443.º do CPC em conjugação com o disposto pelo art.º 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, e indeferir o pedido de envio do processo à 1ª instância.
IV – Fundamentação de facto 4.1. Independentemente da apreciação da impugnação deduzida relativamente à decisão de facto e da alteração oficiosa à matéria de facto a que iremos proceder, começar-se-á por elencar os factos que a 1.ª instância considerou provados e não provados e a respetiva motivação.
São os seguintes, os factos considerados provados pelo Tribunal a quo:
“a) Factos Provados do articulado motivador: 1. O Autor e a Ré celebraram, no dia 13 de junho de 2022, por escrito, um contrato de trabalho sem termo. 2. Tal documento tem o seguinte conteúdo: ● “Ontem dia 19 de fevereiro de 2024, ás 14.00 horas fui COAGIDO (…) para aceitar acordo de despedimento sem justa causa ou não me deixavam pegar ao trabalho como o fizeram a mim como aos meus colegas, retirando o camião (…). Tudo mentira esta foi mais uma JOGADA”. ● “No dia 19 de Fevereiro de 2024, pelas 14.00 horas, fui COAGIDO com muita AGRESSIVIDADE (…) ● Por Reivindicar meus direitos tenho sido vítima de ASSÉDIO MORAL, SANÇÕES ABUSIVAS e ATOS INTIMIDATÓRIOS”. ● “Pela presente, mais uma vez informo, que estou a espera, desde dia 19 de fevereiro de 2024, quando me despediram a mim e aos meus colegas sem justa causa, fomos COAGIDOS, Mais uma vez, foi uma sanção abusiva, ● Hoje dia 29 de fevereiro de 2024, aguardo que me digam quando poderei exercer a minha função de motorista”. ● “Desde dia 19 de fevereiro de 2024, quando fui eu e os meus colegas COAGIDOS, de uma forma grosseira, para aceitar acordo sem fundamento, para deixar o nosso cargo de Motorista na A..., Lda, e nos proibiram de exercer nossa actividade. ● Tudo uma estratégia da Parte do DD e do EE”. ● “Exijo, RESPEITO, enquanto motorista e pessoa, (Coisa que não existe aí), (…) ● Sou HUMILHADO, INTIMIDADO e COAGIDO e VÍTIMA DE ASSÉDIO MORAL, vários email, ao longo dos anos 2022, 2023 e 2024. (…) ● Relembro que nós motoristas temos, vida familiar e social, não podemos, ser ESCRAVOS de alguns patrões sem escrúpulos. ● Querem sempre, que trabalhemos de segunda a segunda, caso da A.../ B..., Lda. ● Quando alguém se recusa, com toda a legitimidade, porque estão no seu direito de cumprimento do CCTV, tentam, como estão a fazer comigo, arranjar desculpas sem fundamento algum e completamente FALSOS ● É, uma desculpa, da parte da A..., Lda / B..., lda., e de quem dirige, nunca cumpriu (…) e não cumpre o CCTV. ● Existe interesses, financeiros, colocar, como fizeram, no nosso lugar os funcionários da C..., Lda, (por ser uma empresa Espanhola) e possivelmente iriam comprar a B..., Lda/A..., Lda, que agora tem de arranjar desculpas esfarrapadas, infundadas, para me tentarem culpar, e tentar despedir, ● (…) Tentaram, me enganar como pago, o que está para trás depositando em Outubro de 2023, €693.00 dizendo que está tudo regularizado. ● MENTIRA, o que foi pago não chega para pagar as diárias de junho de 2023 a Dezembro de 2023, (…) ● Não tenho culpa, alguma, da falta de profissionalismo, do pessoal do tráfico, que deveriam entrar às 6.00 horas da manhã (…) ● É pura verdade, o que digo, que despediram colega FF do Tráfego, e o GG, mas o cancro, ainda está lá dentro”. ● “No Domingo, dia 2 de Junho de 2024, faz, 101 dias de uma suspensão preventiva, mais uma nota de culpa orquestrada pela gerência e pela vosso advogado, cheio de Calunias e injurias (…). ● Desde 19 de Fevereiro de 2024, fui despedido, Coagido, ameaçado, humilhado e intimidado, e impedido de exercer a minha atividade de motorista, ainda continuo a ser (…)”. b) Da contestação do autor: 1. O A. apresentou a sua candidatura para trabalhar para a sociedade B... LDA. 2. Veio a ser contratado pela sociedade D... LDª em 13 de Junho de 2022. 3. Nesse mesmo dia – 13 de Junho de 2022 – assinou um documento escrito intitulado “contrato de cedência ocasional de trabalhador” passando a exercer as suas funções de motorista de pesados internacional ibérico para a sociedade B... LDª.. 4. Esse documento tem o seguinte teor: 5. Por contrato de cessão de posição contratual o A. passou a prestar o seu trabalho para a ora R. 6. Esse documento tem o seguinte teor: 7. Os sócios-gerentes das identificadas sociedades sempre foram os mesmos, as instalações e maquinaria eram as mesmas. 8. O autor apresentou defesa escrita no processo disciplinar anterior ao que está em causa neste processo, mas não apresentou impugnação judicial pelo que cumpriu a sanção disciplinar aplicada. 9. No dia 16 de fevereiro de 2024 às 16h e 33m o A. recebe a seguinte mensagem “Boa tarde AA segunda feira às 13h e 30m passe no escritório antes de iniciar o serviço ok”. 10. O autor respondeu “boa tarde não sei quem me enviou esta mensagem, mas informo que às 13 e 30h é de todo impossível porque estou na minha hora de almoço. Mas qual é o assunto”. 11. Às 18h e 37m do mesmo dia obtém como resposta “Boa tarde Sr. AA tal como falado que agendamentos reunião para as 14h de segunda-feira no escritório cumprimentos CC”. 12. Nessa reunião estavam presentes na reunião a Dr.ª CC, Sr. DD, Dr. II e o Sr. EE. 13. Não foi o A. que sozinho e só por sua iniciativa requereu a ajuda dos Agentes da Autoridade, na data fê-lo em conjunto com mais colegas de trabalho. 14. Esta não foi a única vez que a GNR se deslocou ao posto de trabalho da R.. 15. No ano de 2022 o autor trabalhou, nomeadamente, nos seguintes sábados: 25 de Junho; 2 de Julho; 9 de Julho; 10 setembro; 1 outubro; 29 outubro; 19 novembro; 3 dezembro. 16. No ano de 2022 o autor trabalhou, nomeadamente, os seguintes domingos: 25 de Setembro; 30 de Outubro; 11 de dezembro. 17. No ano de 2022 o A. trabalhou em dias de feriado, nomeadamente nos dias:16 de Junho; 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Dezembro. 18. No que se reporta ao ano de 2023, o A. trabalhou, nomeadamente, os seguintes sábados: 14 janeiro; 21 de janeiro; 28 de janeiro; 29 de abril. 19. O A. trabalhou os seguintes feriados, no ano de 2023: 21 de fevereiro e 25 de abril. 20. O A. só no ano de 2022 é que teve formação profissional. * Factos provados da resposta da ré entidade patronal: 1. Foi comunicada, pela via postal com aviso de receção ao trabalhador a sua suspensão preventiva no dia 01 de março de 2024, 2. Nenhum trabalhador foi despedido no dia 19 de fevereiro de 2024. Factos não provados da petição inicial: 1. A instauração da presente ação de impugnação da licitude e regularidade de despedimento sempre foi o objetivo primordial do A., que não raras vezes se dirigiu aos seus superiores hierárquicos – em concreto, aos Gerentes da R. – em tom ameaçador, não se coibindo de recorrer ao uso de vários palavrões, dizendo-lhes “Comigo vocês estão fodidos, porque eu vou convosco a Tribunal até ao fim”. 2. Em virtude de um processo de reestruturação da R., foi a Diretora de Recursos Humanos da R., Dr.ª CC, incumbida pela Gerência de, através de uma análise à produção dos trabalhadores motoristas, determinar aqueles que eram, nos meses que antecediam, menos rentáveis à R.. 3. Não provado que o Senhor EE havia já sido introduzido como superior hierárquico a todos os trabalhadores que compareceram, em dezembro último, no jantar de natal. 4. O A. referiu ainda, igualmente de forma percetível e em alta voz, em tom ameaçador, que “VOCÊS ACHAM QUE MANDAM AQUI, MAS EU JÁ TENHO PROVAS E O MINISTÉRIO PÚBLICO E A A. C. T. VÃO-SE PRONUNCIAR EM BREVE! VOCÊS ACHAM QUE MANDAM AQUI, MAS EU VOU MOSTRAR QUE MANDA!”. 5. Quando questionado o A. se pretendia, ou não, ouvir a proposta para cessação do contrato de trabalho que lhe seria apresentada na citada reunião, aquele – que se encontrava já num estado de manifesta fúria e descontrolo – respondeu, de forma perentória: “EU VOU EMBORA QUANDO EU QUISER, E NÃO QUANDO VOCÊS QUISEREM. DAQUI NÃO SAIO!”. 6. Não provado que o veículo do autor iria ser utilizado num serviço de carga em ..., com horário de carga pelas 17:00h, com direção a Barcelona, onde iria posteriormente carregar. 7. O A. uma vez mais -incumpriu a ordem que lhe havia sido dada – porquanto o veículo em questão é propriedade da R., podendo esta atribuir a utilização da viatura ao trabalhador que melhor entender, conquanto nunca foi atribuída ao A., (nem a nenhum outro trabalhador) qualquer exclusividade na utilização de determinada viatura –, dizendo que só o faria na presença da Polícia, tudo isso com o intuito de impedir a realização do serviço que havia a R. previsto, como efetivamente logrou fazer. 8. Reiterou, perante os agentes policiais no local, o Sr. DD que o A. teria que retirar os seus bens pessoais do sobredito camião, o que acabou por suceder por indicação dos Agentes policiais chamados ao local ao A. (que, todavia, tardou em fazê-lo, terminando-o apenas após as 17h00min) tendo-se o A. dirigido ao camião, para o efeito, enquanto, em simultâneo, os Agentes policiais abandonavam o local. 9. Com a referida conduta do A., que se apropriou indevidamente do veículo sobredito, impedindo a utilização do mesmo por outro colega de trabalho de modo a cumprir com o serviço que estava planeado, viu-se a R. impedida de rentabilizar os seus ativos – nomeadamente o seu veículo (pesado de mercadorias), e o trabalhador que realizaria o serviço acima referido –, causando-lhe prejuízo económico direto, na ordem dos € 1.080,00 (mil e quarenta euros). 10. Note-se que foi o A. o único trabalhador que pretendeu – e efetivamente o fez – chamar a G. N. R. 11. A Gerência da Arguente já havia reunido com todos os demais trabalhadores durante aquela manhã, tendo alcançado acordo verbal – estando todos eles, na presente data, já reduzido a escrito – com todos eles para a revogação dos contratos de trabalho. 12. A CC sofreu pioras no descontrole ansioso que lhe fora diagnosticado, com a consequente prescrição de medicação adequada, tendo inclusive sido recomendada que se afastasse das atividades laborais por um período mínimo de 30 dias. 13. Não lhe bastando, telefonou nessa mesma data (04 de março de 2024), e certamente após tomar conhecimento da sua suspensão preventiva – ao Exmo. Sr. HH, supra melhor identificado, tendo-lhe alegadamente dirigido as seguintes palavras “TU POR ACASO OUVISTE-ME AMEAÇAR ALGUEM? É BOM QUE NÃO INVENTES, SENÃO SOBRA PARA TI… OUVE BEM O QUE TE DIGO”, tendo o visado, por se sentir intimidado e ameaçado, desligado de imediato a chamada. Factos não provados da contestação do autor: 1. O autor foi despedido no dia da reunião 19 de Fevereiro de 2024 – mas como não chegou a acordo algum e como também não lhe passaram qualquer documento em como o despediram, entendeu, até porque se aconselhou junto da ACT apresentar-se na empresa, de 5 em 5 dias. 2. O que fez de forma ordeira e educada, só quando foi elucidado e informado acerca dos efeitos da suspensão levada a cabo pela R. é que o A. deixou de comparecer na empresa. 3. No dia agendado o A., desde as 8h da manhã que se encontrava no seu local de trabalho inativo. 4. Deu início à reunião o Sr. EE que começou por dizer ao A. que “tinham mais motoristas do que camiões estavam a reestruturar a empresa e que tinham que o despedir”. 5. Neste dia foram despedidos vários trabalhadores da R., ao que parece todos com os mesmos motivos e razões, mas a R. chama um a um – evita que uns sejam testemunhas de outros e com mais facilidade os pressiona. 6. Porque não conhecia o Senhor em causa questionou-o a que título é que falava, 7. De imediato obteve como respostas “não tens nada a ver com isso, o problema é nosso não é teu, não tinhas nada que saber” palavras que proferiu em tom altivo e arrogante. 8. Em sua defesa (do senhor EE) veio o Sr. DD que disse “não é da tua conta não tens nada que saber”. 9. Tendo respondido o A. que tinha que saber por ser funcionário da R. até porque estava a ser despedido. 10. Obteve como resposta “que era director do grupo”. 11. A Sr.ª Dr.ª CC igualmente lhe referiu “não tens nada a ver com isso tens é que tirar as coisas do camião por te lá fora” de resto todos concordaram. 12. O A. ainda teve oportunidade de se dirigir ao Sr. Advogado e dizer “que queria o seu posto de trabalho que não estava interessado em acordo nenhum”, obteve como resposta por parte do Sr. Dr. II “que se não fosse a bem que arranjava maneira de o mandar embora” 13. Sendo que, em voz alta e agressiva, quer a Sr. DD e filha quer o Sr. EE e o Sr. Dr. II disseram “aceite ou não aceite ponha-se lá fora, retire tudo do camião” entre tantos outros impropérios. 14. Porque todos estavam “alterados” e porque o A. estava sozinho levantou-se e disse “que não se sentia confortável por estar sozinho que iria chamar a GNR” – o que fez. 15. Tendo o Sr. DD dito “chama lá a GNR que não temos medo”. 16. Aquando à chegada da GNR todos os intervenientes da reunião deslocaram-se para o exterior e o Sr. Dr. II ainda referiu “não tenho medo da GNR” 17. E a Dr.ª CC dizia “tira as coisas do camião não é teu é meu”. 18. Nessa sequência a Dr.ª CC na companhia do colega de trabalho o Sr. HH, deslocam-se junto do A. que estava a arrumar os seus bens pessoais e ainda lhe diz, berrando “tira as coisas do camião e poente lá fora”. 19. O A. apenas lhe respondeu “não vou colocar as coisas na terra estou a aguardar que me venham buscar” 20. Assim que chegou a pessoa a quem ligou para o vir buscar o A. carrega os seus pertences e abandonou o local. 21. O A. jamais e em caso algum injuriou, ofendeu ameaçou ou maltratou quem na reunião se encontrava, sendo igualmente falso que algum colega de trabalho tenha ouvido o que na reunião se conversou/discutiu. 22. Diga-se ainda e em complemento que jamais o A. foi informado, e muito menos lhe foi dada a ordem para retirar os seus pertences, isto porque o camião que lhe estava adstrito teria um serviço de carga em ... – tal não corresponde à verdade. 23. O A. apenas foi informado para retirar os seus pertences após a aludida reunião o que fez de imediato, ou seja, aguardou que o seu sogro chegasse ao local com a sua viatura para passar os seus bens pessoais para o dito carro e abandonou as instalações da R – provado apenas o que consta do facto 16º dos factos provados do articulado motivador. 24. Não necessitou o A. que tal ordem fosse dada pelos agentes da autoridade, que não deram, e ou que tivesse de ser repetida, executou mal saiu da reunião e quando ao local chegou o seu sogro, de imediato começou a colocar os seus bens no interior de tal veículo, diga-se bens que já tinha estado a ensacar. 25. Acrescente-se que o familiar do A. chegou ao local já a GNR estava de saída. 26. O camião adstrito ao A. estava aparcado nas instalações da R. desde o dia 16 de fevereiro de 2024, o A. esteve toda a manhã do dia 19 inativo, sem que lhe fosse dada qualquer ordem mormente a retirada dos seus pertences do camião por aquele ser necessário para carga em .... 27. Acrescente-se que chamou os Agentes da Autoridade a mando e a conselho da ACT., era necessária prova, segundo o informaram, que não estaria a faltar voluntariamente ao trabalho. 28. A este propósito acrescente-se que o A. sempre disse e sublinhou, na dita reunião, que não quer ser despedido, muito pelo contrário precisa, e quer trabalhar, de resto, já teve motivos mais do que suficientes para se despedir invocando justa causa e nunca o fez. 29. O A. não percebeu que, com o início do processo disciplinar ficou suspenso, 30. Por assim ser e para não ter faltas no trabalho deslocava-se ao local e enviava emails, sendo que a ACT informou-o que para ter prova de que não estava a faltar ao trabalho teria de chamar os Agentes da Autoridade ao local – o que fez. 31. A ACT informou o A. para não deixar passar mais de 5 dias sem se deslocar ao seu posto de trabalho, até porque, segundo lhe disseram teria de ser a entidade patronal a suspendê-lo e não o Advogado. 32. Só na resposta ao processo disciplinar é que o A. teve a noção de que não teria que se deslocar ao seu local de trabalho estava suspenso – o que passou a fazer. 33. Solicitou-lhe que lhe guardasse as botas de biqueira de aço que se tinha esquecido no camião. 34. Por tal e em função de tal, era humilhado no seu local de trabalho pelos seus superiores hierárquicos, que, de tudo um pouco fizeram ou tentaram fazer para que fosse o A. a despedir-se, como seja, colocar os seus pertences e objectos em sacos do lixo e no chão. 35. Dar ordens ao A. para proceder ao carregamento de camiões de colegas. 36. Atribui-lhe um camião ou reboque sem condições de segurança, impróprio para ser utilizado. 37. Mandá-lo efetuar serviços que não eram da sua categoria profissional tais como distribuições sem o ajudante de motorista. 38. Anda ansioso, com stress e insónias, o que se traduz num comportamento pouco calmo, muito irritável e sem paciência para aqueles que lhe são mais queridos – a mulher, os filhos, as noras, enfim os familiares mais próximos. 39. Teve inclusive que recorrer a tratamento médico, dado o estado de ansiedade em que vivia e vive. 40. Anda amargurado, desiludido e sem força para enfrentar o seu dia a dia, os seus amigos e familiares. 41. Não trabalha, não descansa, não se alimenta corretamente. 42. Desde o início da relação laboral que o A. sempre teve uma carga horária diária de trabalho superior a 8 horas, ou seja, não raras vezes trabalhou 9 a 17 horas por dia – horas extra que nunca lhe foram pagas. 43. Desde a data da outorga do contrato de trabalho que o A. esteve ao serviço da R. e prestou trabalho, também, aos sábados. 44. Trabalho que nunca lhe foi pago. 45. No que se reporta às horas extra o A. trabalhou, na sua globalidade, e no ano de 2022 – 444h 37m. 46. Falta ainda liquidar, no que se reporta ao ano de 2023, dois dias de descanso compensatório. 47. Ainda e no que se reporta ao ano de 2023 a R. não pagou todos os montantes a que se reporta a cláusula 58ª – ajudas de custo, diárias. 48. Referente aos meses de Junho, Agosto, Setembro e Outubro de 2023 a R. pagou, tão só, metade das ajudas de custo diárias que eram devidas ao A. 49. No que se reporta às horas extra o A. trabalhou, na sua globalidade, no ano de 2023, 732h 40m. 1. Vários foram os que aceitaram as propostas da R. de cessação de contrato de trabalho por acordo – por vantajosas que eram economicamente –; outros preferiram manter-se ao serviço da R., continuando assim a desempenhar normalmente as suas funções; e apenas uma outra trabalhadora veio a não mais comparecer nas instalações da R. desde essa data, tendo esta procedido à comunicação do seu abandono do trabalho.”
4.2. Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal.
Impõe-se proceder às seguintes alterações à matéria de facto fixada, por iniciativa desta Relação, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe, cfr. art.º 662.º 1, CPC.
4.2.1. O art. 663.º, n.º 2, do CPC, estatui que, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos arts. 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do art. 607.º n.º 4, relativo à discriminação dos factos provados por documento tem também, neste acórdão, a sua aplicação.
Nos factos provados relativos ao articulado motivador afirma-se, respetivamente, nos n.º 1 e 2 que: “[o]Autor e a Ré celebraram, no dia 13 de junho de 2022, por escrito, um contrato de trabalho sem termo.” e que “[t]al documento tem o seguinte conteúdo: ° procedendo-se à reprodução, na íntegra, um documento denominado “Contrato de Trabalho sem termo”. Contudo da leitura deste documento resulta que o mesmo é subscrito pela empresa “D..., Lda”, na qualidade de empregadora e o autor, “AA”, nele não intervindo a ré, “A.... L.da.” Acresce ainda que, o afirmado no facto provado 1) do articulado motivador encontra-se em contradição com os factos provados 2) e 5) da contestação do autor, onde se refere “[v]eio a ser contratado pela sociedade D... LDª em 13 de Junho de 2022” e “[p]or contrato de cessão de posição contratual o A. passou a prestar o seu trabalho para a ora R.”, respetivamente. Assim, e em face do exposto decide-se alterar o teor do facto provado 1) do articulado motivador, que passará a ter a seguinte redação: “O autor e a empresa “D..., Lda” subscreveram, com a data de 13 de junho de 2022, um documento denominado “Contrato de trabalho sem termo”.
4.2.2. Como vimos o art. 607 n.º 4 aplica-se a esta Relação impedindo-a de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos conclusivos, valorativos ou de direito, quer estes se evidenciem, desde logo, da matéria de facto provinda da 1.ª instância, quer sejam, em sede de recurso de facto, sugeridos pelas partes. A factualidade provada e não provada deverá, ainda, ser clara sem recurso a expressões que nada relevam no contexto da matéria que interessa considerar. Assim, e em face do exposto eliminar-se-ão:
Dos factos provados do articulado motivador:
- do facto 7) a expressão “aqui signatário”; - do facto 9) a expressão “ofensas” substituindo-a por “expressões”; - do facto 13) a expressão “supra melhor identificada”; - o facto provado 19) por tal matéria constar já do facto provado 10) do articulado motivador. - facto 21) a expressão “os quais terão certamente lavrado Auto de ocorrência”.
Dos factos não provados da petição inicial:
- do facto não provado 1) a expressão “ [a] instauração da presente ação de impugnação da licitude e regularidade de despedimento sempre foi o objetivo primordial do A.”, passando o facto não provado a ter a seguinte redação « O Autor por, não raras vezes se tenha dirigido aos seus superiores hierárquicos – em concreto, aos Gerentes da R. – em tom ameaçador tenda dito “Comigo vocês estão fodidos, porque eu vou convosco a Tribunal até ao fim”.»;
Dos factos não provados da contestação do autor: - o facto não provado 21) por conter matéria de direito e/ou conclusiva - facto não provado 22), a expressão “tal não corresponde à verdade” - facto não provado 23) a expressão “provado apenas o que consta do facto 16 dos factos provados do articulado motivador”
4.3 Impugnação da matéria de facto.
O artigo 607º, n.º 5, do CPC dispõe que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07.12.2023[4]“(…), os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber: a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil); b) a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil); c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).” António Santos Abrantes Geraldes[5], refere que“(…) fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à indicação dos pontos de discórdia”. E, ainda que, “sendo a decisão do tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação tais como depoimentos testemunhais, documentos particulares sem valor confessório, relatórios periciais ou declarações de parte a que não corresponda confissão, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo art. 640º, a Relação assumindo-se como um verdadeiro tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 2ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas acedendo nos fatores de imediação e oralidade.” À Relação competirá, então, reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Importará, ainda, aferir se o recorrente que veio impugnar a decisão da matéria de facto, quanto a determinados pontos da matéria de facto provada e não provada, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso e, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cfr. art. 640º do CPC. Cumprindo ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, esta pretensão, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões, art. 635º do CPC. “Com relevo (…)mais se acrescenta que no âmbito do recurso com impugnação da decisão da matéria de facto impõe-se que a matéria dela objeto seja essencial ou relevante para a decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do direito a que o autor se arroga ou da defesa excetiva invocada pelo réu, por contraposição com os factos de natureza instrumental que, conforme da própria designação resulta, apenas relevam para fundamentar raciocínios lógicos-indutivos que concluam ou não pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção, tarefa que tem o seu lugar próprio na valoração ou julgamento da matéria de facto”.[6] E que“ não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.) [7]
4.3.1 - No recurso que, na devida oportunidade, deduziu o recorrente veio requerer a reapreciação da matéria de facto.
Impõe-se assinalar que o recorrente na motivação do recurso, nos art.s 93º a 137º e, nas conclusões nos art.s 30º a 43, procede a uma análise da prova documental expressando, em seu entender, o que considera ser a leitura correta dos documentos, mas sem que refira as consequências a extrair dessa análise, concretamente quais aos factos provados ou não provados que pretenderia ver alterados, nem indica a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida, sobre os mesmos. O mesmo sucede, com as declarações do autor transcritas, no art. 139º da motivação do recurso, com os depoimentos das testemunhas DD e CC transcritos, no art. 141º de JJ, KK, LL e MM transcritos no art. 145º e, ainda, de JJ e NN transcritos no art. 146. Ora, limitando-se o recorrente a expressar o seu juízo valorativo, mas sem que o faça no enquadramento a que alude o art. 640º do CPC, não serão tais “considerações” tidas em conta.
4.3.2. Posto isto, apreciemos, então, se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, analisando-se o cumprimento do ónus a que alude o art. 640º do CPC, por referência a cada um dos segmentos da matéria de facto impugnada pelo recorrente.
4.3.3 Insurge-se o recorrente quanto aos pontos 8) e 9) dos factos provados do articulado motivador.
Para o efeito, o recorrente indica o seu depoimento onde refere negar o facto; as contradições entre o depoimento de OO e de PP (que se encontravam no exterior da sala a fumar e dizem ter ouvido as expressões) e o depoimento da testemunha JJ (que se encontrava no local a aguardar que o autor saísse da reunião e que afirmou não estar ninguém a fumar no local), (quanto ao ponto 8). E, ainda, refere que a recorrida utiliza funcionários e ex-funcionários que supostamente presenciaram, daí dando-se como provado o que consta do ponto 9) invocando, para tanto, as contradições dos depoimentos de CC, OO, PP, DD, NN, QQ e RR (quanto ao ponto 9).
O recorrente procedeu à transcrição dos depoimentos e indica que estes factos devem ser dados como não provados.
Os pontos têm o seguinte teor:
“8 - Poucos instantes após o início da referida reunião, e depois de lhe ter sido explicado precisamente o supra exposto (referido em 5.), o A., de forma clara e audível, dirigiu aos presentes várias expressões, nomeadamente, “VOCÊS SÃO UNS CHULOS, NÃO ME PAGAM O QUE ME DEVEM E AINDA QUEREM QUE ME VÁ EMBORA”. 9 – Tais palavras foram escutadas por outros trabalhadores que se encontravam no exterior da sala em que decorria a sobredita reunião.” Na motivação, quanto aos factos ocorridos na reunião de 19 de fevereiro, pode ler-se na sentença, após ter procedido a um resumo dos depoimentos prestados em julgamento, a seguinte apreciação crítica: “Já os factos ocorridos na reunião do dia 19 de Fevereiro, artigos 15º e seguintes, nomeadamente o comportamento do autor e as expressões ofensivas dirigidas pelo mesmo foram dadas como provadas sem qualquer dúvida da nossa parte. Estes factos foram amplamente confirmados pelo DD gerente da ré que se encontrava no local. Quanto a esta matéria parece-nos que a parte depôs de forma muito pormenorizada e espontânea revelando sempre um discurso pausado, lógico e pouco mecanizado. A sua postura corporal foi sempre descontraída e não se denotou qualquer sinal exterior de nervosismo pelo que pensamos que a parte relatou os factos de forma credível. Associa-se a isto, no sentido de fortalecer o seu relato, o depoimento da testemunha EE que também estava no interior da sala e que confirmou todos os factos de um modo que também nos pareceu credível. A testemunha CC também confirmou esses factos. Repare-se que, cotejando os três depoimentos, há ligeiras diferenças entre os mesmos, o que se compreende no escopo de um evento hostil e dinâmico. Mas no essencial confirmam a postura do autor e as expressões pelo mesmo proferidas. Por outro lado, as testemunhas OO, FF e PP, no exterior da sala (cada uma das testemunhas estava num local próximo da sala de reuniões) confirmam que ouviram berros proferidos pelo autor.”
Procedendo-se à audição do depoimento/declarações do recorrente resulta a negação dos factos que constam do ponto 8) dos factos provados do articulado motivador, do depoimento da testemunha PP resulta a afirmação de que encontrava no exterior a fumar, o mesmo sucedendo das declarações de OO [8] que também afirmou estar no exterior a fumar, sendo que a testemunha JJ (que disse estar à espera do recorrente ao pé do camião e ter visibilidade) afirmou não ter visto ninguém no exterior quando o recorrente saiu da reunião. Das declarações de OO e do depoimento da testemunha PP não é possível saber o tempo que durou a reunião, nem o período de tempo em que os dois primeiros permanecerem no exterior a fumar para poder afirmar contradição com o depoimento da testemunha JJ, tanto mais que, relativamente a este depoimento, também não resulta que tenha permanecido à espera do recorrente desde o início da reunião até ao final da mesma. Por outro lado, o depoimento desta testemunha não pode ser descontextualizado do facto de ter um processo em Tribunal contra a recorrida. De todo o modo analisada a apontada prova sempre esta seria insuficiente para justificar a alteração da matéria de facto constante facto provado 8) do articulado motivador. O mesmo se diga relativamente às declarações do recorrente que não só não tem qualquer outra prova que as possa corroborar como, ainda, são contrárias aos depoimentos de DD, EE e CC, que se encontravam presentes na reunião, e nos quais o Tribunal a quo, após apreciação crítica fundamentou a matéria do facto provado 8) do articulado motivador. Mantém-se, pois, a decisão relativamente ao ponto 8) dos factos provados do articulado motivador. Quanto ao ponto 9) dos factos provados do articulado motivador, das transcrições efetuadas pelo recorrente, dos depoimentos das testemunhas NN, QQ são irrelevantes já que incidem sobre a questão do “despedimento” e não sobre a possibilidade de as palavras a que se alude no ponto 8) terem (ou não sido) escutadas por outros trabalhadores. O mesmo sucede com as transcrições dos depoimentos de DD em que estas concernem à retirada dos bens do camião, com a necessidade da empresa em utilizar o camião e com a suspensão da prestação de atividade. Procedemos à audição integral dos depoimentos de OO, PP, e ainda, de FF (referido na motivação do Tribunal) dos quais resulta que se encontravam, os dois primeiros a fumar no exterior e o último numa sala que identificou como sendo a “sala de tráfego”. OO refere que houve alguém que disse “vocês são uns chulos, não me pagam o que devem, vou chamar o ACT, vou chamar a polícia”, tendo pela voz presumido que fosse o recorrente, não referiu ter espreitado pela janela; FF refere que ouviu gritos que só soube depois de quem eram e que não conseguiu perceber as palavras que foram ditas; SS refere ter ouvido as palavras “chulo” e “palhaço.”
A testemunha CC referiu lembrar-se de ter visto um funcionário espreitar “por ver tamanha gritaria”.
A testemunha RR afirmou que as cortinas estavam fechadas e não seria possível visualizar nem de dentro para fora nem o contrário.
Em causa está a possibilidade de as palavras proferidas pelo recorrente terem sido escutadas por outros funcionários. A circunstância de as declarações de OO e o depoimento da testemunha PP não terem coincidido ao reproduzirem as expressões ouvidas, e testemunha FF não ter conseguido perceber as palavras proferidas, mas apenas gritos (que posteriormente logrou identificar de quem provinham) e, ainda, da possibilidade de o depoente OO ter ou não espreitado pela janela, não significa que não tenham sido ditas e escutadas, designadamente por OO e PP, assinalando-se, ainda que, apesar da testemunha FF, não ter estado a fumar no exterior mas encontrar-se numa sala nas instalações da empresa, o tom de voz usado pelo recorrente foi audível para esta testemunha, como a mesma referiu. Por outro lado, refere-se na motivação do Tribunal que as fotografias áreas do espaço da ré contribuíram para aferir a localização da sala de reuniões, escrevendo-se que as mesmas contribuíram para “fortalecer a nossa convicção no sentido de que quem estivesse no exterior a fumar – realidade que foi amplamente confirmada na audiência final – teria efetivamente condições para ouvir se fossem dados berros no interior – o que credibilizou o depoimento de OO, do FF e do PP.”
Tudo ponderado e considerando que do art. 662º do CPC decorre que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa mas já não assim se aprova produzida apenas a admitir, impõe-se manter a decisão tal como foi proferida na 1ª instância.
Improcede, assim, a pretensão do recorrente. 4.3.4 O recorrente na conclusão 1ª - a propósito do objeto do recurso – refere os factos que foram dados como provados referentes ao articulado motivador e que devem ser dados como não provados, surpreendendo-se, entre eles, o ponto 13º dos factos provados do articulado motivador. O recorrente não identificou na motivação, nem nas conclusões do recurso os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, bem como não indicou as passagens da gravação. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. b) e 2 n.º 2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. 4.3.5. O recorrente insurge-se quanto aos pontos 14 e 15 dos factos provados do articulado motivador que deverão ser dados como não provados. Refere o depoimento da testemunha JJ que nunca viu o recorrente exaltado, a falar ou perto da CC; o depoimento da testemunha JJ que, em duas das ocasiões em que o recorrente se deslocou à empresa, ela própria se dirigiu ao mesmo para o mandar embora, e, ainda, o comportamento posterior de CC – sorriso no rosto, partilha nas redes sociais dos seus dias de alegria e lazer, comparência nas sessões de julgamento quando a sua presença não era obrigatória, que não seria consentâneo com a factualidade do ponto 15. O recorrente procedeu à transcrição dos depoimentos.
Os pontos têm o seguinte teor: Na motivação que consta da sentença lê-se o seguinte: “Relativamente ao evento ocorrido no camião e envolvendo a CC. Como se viu, estes factos também foram dados como provados sendo que no local apenas estavam o autor, a CC e o HH. Ora, pelos motivos escalpelizados anteriormente, consideramos que a postura do autor em audiência final não foi isenta pelo que não atribuímos credibilidade quanto à sua versão deste evento. Em sentido contrário, o depoimento da CC foi valorado, apesar de a mesma ter um interesse na causa por ser filha de um dos donos da empresa. Dito isto, a testemunha HH, que saiu da empresa e que, por isso, não tem qualquer interesse na causa, apresentou em audiência final uma postura irrepreensível. Nunca denotou hostilidade para com o autor uma preocupação em defender a sua entidade patronal. A testemunha respondeu de forma lógica, isenta e pormenorizada a todos os eventos de que tinha memória e não hesitou em dizer que não se recordava de outros. Por exemplo, quanto ao telefonema que o autor fez para si depois do evento do camião, a testemunha referiu que não se recordava do teor da conversa. Caso tivesse algum interesse em prejudicar o autor, seria muito simples confirmar a versão da nota de culpa relativamente a esse episódio. Portanto, pensamos que a testemunha mereceu inteira credibilidade pelo que o seu depoimento foi amplamente valorado. No que tange ao evento agora em discussão a testemunha, como se disse, confirmou as expressões proferidas pelo autor e a forma amedrontada e extremamente tensa como a CC se sentiu com a interpelação feita pelo autor. A própria testemunha KK disse em audiência final que, num dos dias em que se dirigiu novamente à empresa para negociar o valor que iria receber pela cessação do contrato, ouviu a CC referir que tinha sido muito mal tratada pelo autor – sinal inequívoco de que as expressões ofensivas, de facto, ocorreram.” Vem indicado o depoimento da testemunha JJ no qual refere não ter visto CC e HH junto do recorrente e, ainda, que CC estaria “com um sorriso de orelha a orelha, “mesmo satisfeita por aquilo que nos fizeram”. O depoimento da JJ não pode ser considerado isento e imparcial, em do face do litígio judicial que tem com a sua entidade empregadora, não sendo, assim, suficiente para contrariar o depoimento da testemunha KK que foi fundamental para o Tribunal afirmar a convicção quanto a esta factualidade. Acresce ainda que, da afirmação da testemunha JJ que refere não ter visto, nem se ter apercebido que CC e HH estivessem junto do recorrente, não se pode extrair a conclusão que não tenham estado. O demais invocado pelo recorrente não tem respaldo em factualidade apurada. Improcede, assim, a pretensão da recorrente. 4.3.6. O recorrente na conclusão 1ª - a propósito do objeto do recurso – refere os factos que foram dados como provados referentes ao articulado motivador e que devem ser dados como não provados, surpreendendo-se, entre eles, o ponto 18º dos factos provados do articulado motivador. O recorrente não identificou na motivação, nem nas conclusões do recurso os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, bem como não indicou as passagens da gravação. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. b) e 2 n.º 2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. 4.3.7 Insurge-se o recorrente quanto ponto 20º dos factos provados do articulado motivador que deverá ser dado como não provado. Para o efeito refere, as suas declarações de parte – onde alude às razões pelas quais se terá deslocado à empresa – aconselhado pelo ACT- e para cumprir um dever que julgava ter, apesar de se considerar despedido, que o email de 7 de março, onde recebe a informação que esta dispensado de comparecer na sede da empresa, não lhe é comunicado a instauração do processo disciplinar, que a GNR esteve no local e dos relatórios não consta um comportamento ofensivo, e, ainda, os depoimentos das testemunhas QQ, LL, MM, NN, JJ e KK. O recorrente procedeu à transcrição dos depoimentos.
O ponto 20º tem o seguinte teor: “O autor compareceu nas instalações da R. no dia 26 de fevereiro, pelas 9h00min, momento em que encontrou o já aludido Sr. DD, entre outros trabalhadores, na entrada e se dirigiu a ele, dizendo-lhe de forma percetível e em alta voz: “COM QUE ENTÃO ESTOU PROIBIDO DE ENTRAR NA EMPRESA? ACABEI DE ENTRAR… PROÍBE-ME AGORA ENTAO, SEU PALHAÇO! NÃO SAIO DAQUI SEM A POLÍCIA”, o que, perturbou e incomodou de forma evidente os ali presentes, que se sentiram humilhados pelo A..” Na motivação pode ler-se o seguinte:
“Relativamente aos eventos descritos no artigo 32º e seguintes da nota de culpa, os mesmos foram dados como provados tendo em conta que o próprio autor confirmou que se deslocou ao local de trabalho quando sabia que não o poderia fazer (acrescentamos nós). As testemunhas DD, CC e EE confirmaram integralmente os factos relatados na nota de culpa quanto a esse evento pelo que esses factos foram dados como provados sem reservas com base nesses depoimentos.” As declarações do recorrente, referindo as razões para se deslocar à empresa, a interpretação que faz de conselhos eventualmente dados, ou teor do email que lhe foi enviado não sustentam o contrário do decidido, situando-se, apenas, no inconformismo do autor quanto ao critério decisório No que concerne, aos autos elaborados pela GNR, juntos ao processo, em 16.12.2024, com a referência citius 410249417, constata-se que o relativo ao dia 26 de fevereiro foi elaborado por TT, militar da GNR que foi acompanhado por UU, também militar da GNR e dele não consta referência as palavras proferidas pelo recorrente. O facto de as mesmas não constarem no auto não permite a conclusão que as mesmas não tenham sido pronunciadas. A testemunha QQ elaborou um auto mas relativo ao dia 08.04.2024. Quanto à transcrição do depoimento da testemunha QQ, militar da GNR não se surpreende que este incida sobre os factos do dia 26 de fevereiro Das transcrições dos depoimentos das testemunhas LL, MM, NN, JJ, KK resulta que nenhuma das testemunhas assistiu aos factos de 26 de fevereiro, pelo que os seus depoimentos são irrelevantes. A prova apresentada não é, assim, de molde a impor decisão diversa da do Tribunal a quo. Improcede, assim, a pretensão do recorrente. 4.3.8. O recorrente na conclusão 1ª - a propósito do objeto do recurso – refere os factos que foram dados como provados referentes ao articulado motivador e que devem ser dados como não provados, surpreendendo-se, entre eles, o facto 21º dos factos provados do articulado motivador. O facto 21º (com a alteração oficiosamente introduzida pelo tribunal) tem o seguinte teor: “Chamou novamente o A. ao local a Guarda Nacional Republicana – Posto Territorial ..., os quais, após uma breve conversa com o Sr. DD, transmitiram ao A. que deveria abandonar de imediato o local. “ O recorrente não identificou na motivação, nem nas conclusões do recurso os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, bem como não indicou as passagens da gravação. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. b) e 2 n.º 2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. 4.3.9. O recorrente insurge-se quanto ao ponto 20º da contestação do autor que deverá ser dado como não provado. O facto em causa tem o seguinte teor “20 -O autor só no ano de 2022 é que teve formação profissional.” Este facto corresponde à alegação do recorrente no art. 161º da sua contestação não se vislumbrando as razões pelas quais agora se pretende que o Tribunal o considere não provado, mas no que releva para a questão é que o recorrente se limita a referir que tentou em audiência de julgamento juntar prova documental. O recorrente não identificou, assim, nem motivação nem nas conclusões do recurso, os concretos meios de prova que impunham decisão diversa. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. b) e 2 n.º 2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. 4.4.1 O recorrente insurge-se quanto ao ponto 2 da resposta da ré entidade patronal que deverá ser dado como não provado. O facto em causa tem o seguinte teor: “2. Nenhum trabalhador foi despedido no dia 19 de fevereiro de 2024.” Relativamente a este facto não se vislumbra a sua utilidade, por ser irrelevante, na economia das questões relevantes em sede de recurso, saber se os trabalhadores foram despedidos no dia 19 de fevereiro de 2024, não devendo o Tribunal “proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.) “, como já se referiu supra. Improcede, assim, nesta parte o recurso da matéria de facto.
4.4.2 O recorrente insurge-se quanto aos pontos 4 e 6 a 15 não provados da sua contestação que deverão ser dados como provados: Os factos não provados em causa têm o seguinte teor: “4. Deu início à reunião o Sr. EE que começou por dizer ao A. que “tinham mais motoristas do que camiões estavam a reestruturar a empresa e que tinham que o despedir”. 6. Porque não conhecia o Senhor em causa questionou-o a que título é que falava, 7. De imediato obteve como respostas “não tens nada a ver com isso, o problema é nosso não é teu, não tinhas nada que saber” palavras que proferiu em tom altivo e arrogante. 8. Em sua defesa (do senhor EE) veio o Sr. DD que disse “não é da tua conta não tens nada que saber”. 9. Tendo respondido o A. que tinha que saber por ser funcionário da R. até porque estava a ser despedido. 10. Obteve como resposta “que era director do grupo”. 11. A Sr.ª Dr.ª CC igualmente lhe referiu “não tens nada a ver com isso tens é que tirar as coisas do camião por te lá fora” de resto todos concordaram. 12. O A. ainda teve oportunidade de se dirigir ao Sr. Advogado e dizer “que queria o seu posto de trabalho que não estava interessado em acordo nenhum”, obteve como resposta por parte do Sr. Dr. II “que se não fosse a bem que arranjava maneira de o mandar embora” 13. Sendo que, em voz alta e agressiva, quer a Sr. DD e filha quer o Sr. EE e o Sr. Dr. II disseram “aceite ou não aceite ponha-se lá fora, retire tudo do camião” entre tantos outros impropérios. 14. Porque todos estavam “alterados” e porque o A. estava sozinho levantou-se e disse “que não se sentia confortável por estar sozinho que iria chamar a GNR” – o que fez. 15. Tendo o Sr. DD dito “chama lá a GNR que não temos medo”.
Para o efeito indicou o depoimento da testemunha JJ que transcreve e, ainda, a gravação áudio. 4.4.3 O recorrente insurge-se quanto aos pontos 16 a 20 e 22 a 25 não provados, da sua contestação que deverão ser dados como provados. Os factos têm o seguinte teor: “16. Aquando à chegada da GNR todos os intervenientes da reunião deslocaram-se para o exterior e o Sr. Dr. II ainda referiu “não tenho medo da GNR” 17. E a Dr.ª CC dizia “tira as coisas do camião não é teu é meu”. 18. Nessa sequência a Dr.ª CC na companhia do colega de trabalho o Sr. HH, deslocam-se junto do A. que estava a arrumar os seus bens pessoais e ainda lhe diz, berrando “tira as coisas do camião e poente lá fora”. 19. O A. apenas lhe respondeu “não vou colocar as coisas na terra estou a aguardar que me venham buscar” 20. Assim que chegou a pessoa a quem ligou para o vir buscar o A. carrega os seus pertences e abandonou o local. 22. Diga-se ainda e em complemento que jamais o A. foi informado, e muito menos lhe foi dada a ordem para retirar os seus pertences, isto porque o camião que lhe estava adstrito teria um serviço de carga em ... . 23. O A. apenas foi informado para retirar os seus pertences após a aludida reunião o que fez de imediato, ou seja, aguardou que o seu sogro chegasse ao local com a sua viatura para passar os seus bens pessoais para o dito carro e abandonou as instalações da R. 24. Não necessitou o A. que tal ordem fosse dada pelos agentes da autoridade, que não deram, e ou que tivesse de ser repetida, executou mal saiu da reunião e quando ao local chegou o seu sogro, de imediato começou a colocar os seus bens no interior de tal veículo, diga-se bens que já tinha estado a ensacar. 25. Acrescente-se que o familiar do A. chegou ao local já a GNR estava de saída.” 4.4.4 O recorrente insurge-se quanto aos pontos 26º a 32 não provados da sua contestação que deverão ser dados como provados. O recorrente não identificou nem na motivação nem nas conclusões do recurso os concretos meios de prova que impunham decisão diversa. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. b) e 2 n.º 2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. 4.4.4. O recorrente insurge-se quanto aos pontos 33º a 41º não provados da sua contestação que deverão ser dados como provados. Os factos têm o seguinte teor: “33. Solicitou-lhe que lhe guardasse as botas de biqueira de aço que se tinha esquecido no camião. 34. Por tal e em função de tal, era humilhado no seu local de trabalho pelos seus superiores hierárquicos, que, de tudo um pouco fizeram ou tentaram fazer para que fosse o A. a despedir-se, como seja, colocar os seus pertences e objectos em sacos do lixo e no chão. 35. Dar ordens ao A. para proceder ao carregamento de camiões de colegas. 36. Atribui-lhe um camião ou reboque sem condições de segurança, impróprio para ser utilizado. 37. Mandá-lo efetuar serviços que não eram da sua categoria profissional tais como distribuições sem o ajudante de motorista. 38. Anda ansioso, com stress e insónias, o que se traduz num comportamento pouco calmo, muito irritável e sem paciência para aqueles que lhe são mais queridos – a mulher, os filhos, as noras, enfim os familiares mais próximos. 39. Teve inclusive que recorrer a tratamento médico, dado o estado de ansiedade em que vivia e vive. 40. Anda amargurado, desiludido e sem força para enfrentar o seu dia a dia, os seus amigos e familiares. 41. Não trabalha, não descansa, não se alimenta corretamente.”
O recorrente indicou os depoimentos das testemunhas JJ e as suas declarações, tendo procedido à transcrição dos mesmos. Relativamente ao facto n.º 33 não se vislumbra a sua utilidade, por ser irrelevante, na economia das questões relevantes em sede de recurso, saber se o recorrente solicitou que lhe fossem guardadas as botas de biqueira de aço, não devendo o Tribunal “proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.) “, como já se referiu supra. Relativamente as declarações do recorrente as mesmas incidem sobre o telefonema que terá feito a KK a solicitar as botas de biqueira de aço – que já vimos ser irrelevante – bem como o estado do camião, mas sem que permitam concluir pelo estado psicológico do recorrente. Por seu turno, no que concerne ao depoimento da testemunha JJ apenas revela conhecimento direto de ter encontrado uma palete com uns sacos do lixo no chão, nada mais. Tudo ponderado, entende-se não haver fundamento para proceder à alteração da matéria de facto, pelo que improcede a pretensão do recorrente. 4.4.5 O recorrente insurge-se quanto aos pontos 42º a 49º nomeadamente valor em falta a pagar de horas extras, fins de semana e feriados assim como formação profissional entendendo que deverá ser dado como provado o não pagamento do recorrido ao recorrente destes valores. Os factos têm o seguinte teor: “42. Desde o início da relação laboral que o A. sempre teve uma carga horária diária de trabalho superior a 8 horas, ou seja, não raras vezes trabalhou 9 a 17 horas por dia – horas extra que nunca lhe foram pagas. 43. Desde a data da outorga do contrato de trabalho que o A. esteve ao serviço da R. e prestou trabalho, também, aos sábados. 44. Trabalho que nunca lhe foi pago. 45.No que se reporta às horas extra o A. trabalhou, na sua globalidade, e no ano de 2022 – 444h 37m. 46.Falta ainda liquidar, no que se reporta ao ano de 2023, dois dias de descanso compensatório. 47.Ainda e no que se reporta ao ano de 2023 a R. não pagou todos os montantes a que se reporta a cláusula 58ª – ajudas de custo, diárias. 48.Referente aos meses de Junho, Agosto, Setembro e Outubro de 2023 a R. pagou, tão só, metade das ajudas de custo diárias que eram devidas ao A. 49.No que se reporta às horas extra o A. trabalhou, na sua globalidade, no ano de 2023, 732h 40m.”
O recorrente nem na motivação nem nas conclusões do recurso indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre estes factos impugnados, não bastando, como nos parece óbvio, referir que se deve dar como não provado o pagamento. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 al. c) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte.
4.4.6 O recorrente na conclusão 1ª - a propósito do objeto do recurso – refere quantos aos factos não provados e que se considera ter sido provada é a constante em 1º a 49º – da contestação do autor. Procedemos já a apreciação da impugnação desta matéria de facto quanto aos pontos 2º, 4º e 6º a 15º, 16º a 20º e 22º a 25º, 26º a 32º, 33º a 41º e 42º a 49º.
O ponto 21º foi eliminado oficiosamente pelo Tribunal. Relativamente aos pontos 1º e 3º o recorrente não identificou nem na motivação nem nas conclusões do recurso os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, nem a decisão que, no seu entender, devia ser proferida. Não tendo o recorrente, como lhe incumbia, cumprido os ónus a que alude o art. 640º, n.º 1 als. b) e c) e 2 n.º2 al. a) do CPC rejeita-se o recurso da matéria de facto, nesta parte. V- Fundamentação de Direito 5.1. De acordo com a decisão proferida no despedimento disciplinar instaurado pela entidade empregadora, os comportamentos aí referidos demonstram ter o trabalhado incumprido de forma grave, dolosa e intencional os deveres profissionais, designadamente os que se encontram consagrados nas als a), e) f), g) e i) do n.º 1 do art. 128º do CT. E, ali se concluiu que, atenta a sua gravidade e consequências, designadamente ao nível da quebra de confiança que o contrato de trabalho pressupõe, a conduta do trabalhador integrava a previsão do disposto no n.º1 e 2, als. a),b),c) e i e n.º 3 do art. 351º do CT. A sentença de primeira instância considerou que os comportamentos do recorrente eram compatíveis com a violação do disposto no art. 128º, n.º 1 als a), c) e e) do CT e, por isso decidiu que existia justa causa para despedir o trabalhador. No recurso, o trabalhador vem essencialmente alegar que foi despedido sem justa causa na medida em que não cometeu nenhum ilícito disciplinar, tendo-se limitado a ser reivindicativo dos seus direitos não violando, assim, o dever de urbanidade.
5.2. O art. 53º da CRP (Constituição da República Portuguesa) consagra o princípio da estabilidade no emprego proibindo os despedimentos sem justa causa, princípio este que cede quando a permanência do trabalhador na empresa ponha em causa a existência ou a eficácia da estrutura produtiva, fruto de um seu comportamento culposo ou ilícito. Nos termos do artigo 351.º, n.º 1 do CT, constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», enunciando-se, depois, no respetivo n.º 2 e a título meramente exemplificativo (nomeadamente), diversos comportamentos suscetíveis de constituírem justa causa do despedimento de um trabalhador pela sua entidade patronal. Não basta, porém, a demonstração de qualquer comportamento imputável ao trabalhador para que se julgue integrado aquele conceito. Com efeito, e conforme decorre do referido dispositivo legal, a justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos: a) a existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjetivo); b) a verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objetivo); c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. A justa causa de despedimento, pressupõe, portanto, a existência de uma determinada ação ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo. Como vem sendo entendimento pacífico ao nível da jurisprudência, quer a culpa, quer a gravidade da infração disciplinar, hão-de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “bom pai de família” ou de “um empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de mera objetividade e razoabilidade e não o “sentir” do empregador. Por outro lado, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, citando, por todos[9], o Acórdão do STJ de 30.04.2003, Processo n.º 02S568, acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, a mesma verifica-se «(…) quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral (…)». Ainda de acordo com o mesmo acórdão, «(…) Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto, (ou isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (…)». Sendo o despedimento a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador, por ser a única que quebra, desde logo, o vínculo laboral até aí existente entre as partes contratantes, a mesma só deve ser aplicada relativamente a casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adoção de uma sanção corretiva mas conservatória da relação laboral. Conforme refere JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2.º ed., Coimbra Editora, esta análise deverá ser casuística, guiado por uma ideia de proporcionalidade e de justiça individualizante, devendo atender-se, de acordo com o n.º 3 do artigo 351.º, “…no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes». Prescreve o art. 126º do CT, sob a epígrafe «deveres gerais das partes», que o «empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das despectivas obrigações», sendo que «na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador». A licitude ou ilicitude do despedimento da recorrente está dependente da existência ou inexistência de justa causa (art.º 381º, al. b) do CT) incumbindo à recorrida, entidade empregadora, a prova dos factos que motivaram o despedimento constantes da decisão disciplinar.
5.3. A questão que agora se coloca, e que passaremos a apreciar, consiste em saber se o comportamento do trabalhador que veio a provar-se é disciplinarmente censurável, no contexto da relação laboral e se, em face da sua gravidade e consequências, justifica o despedimento.
5.3.1. Em face da factualidade provada resulta que:
- o recorrente, na reunião de 19 fevereiro de 2024, na qual participou juntamente com DD, sócio – gerente da ré, EE, CC, diretora de recursos humanos e o advogado da ré, “ [p]oucos instantes após o início da referida reunião, e depois de lhe ter sido explicado [ o motivo da reunião] de forma clara e audível, dirigiu aos presentes várias expressões, nomeadamente, “VOCÊS SÃO UNS CHULOS, NÃO ME PAGAM O QUE ME DEVEM E AINDA QUEREM QUE ME VÁ EMBORA”, tendo “[t]ais palavras [sido] escutadas por outros trabalhadores que se encontravam no exterior da sala em que decorria a sobredita reunião; - o recorrente enviou à ré, após o dia 19 de fevereiro de 2024, diversos emails contendo, nomeadamente, as seguintes expressões: ● “Ontem dia 19 de fevereiro de 2024, ás 14.00 horas fui COAGIDO (…) para aceitar acordo de despedimento sem justa causa ou não me deixavam pegar ao trabalho como o fizeram a mim como aos meus colegas, retirando o camião (…). Tudo mentira esta foi mais uma JOGADA”. ● “No dia 19 de Fevereiro de 2024, pelas 14.00 horas, fui COAGIDO com muita AGRESSIVIDADE (…) ● Por Reivindicar meus direitos tenho sido vítima de ASSÉDIO MORAL, SANÇÕES ABUSIVAS e ATOS INTIMIDATÓRIOS”. ● “Pela presente, mais uma vez informo, que estou a espera, desde dia 19 de fevereiro de 2024, quando me despediram a mim e aos meus colegas sem justa causa, fomos COAGIDOS, Mais uma vez, foi uma sanção abusiva, ● Hoje dia 29 de fevereiro de 2024, aguardo que me digam quando poderei exercer a minha função de motorista”. ● “Desde dia 19 de fevereiro de 2024, quando fui eu e os meus colegas COAGIDOS, de uma forma grosseira, para aceitar acordo sem fundamento, para deixar o nosso cargo de Motorista na A..., Lda, e nos proibiram de exercer nossa actividade. ● Tudo uma estratégia da Parte do DD e do EE”. ● “Exijo, RESPEITO, enquanto motorista e pessoa, (Coisa que não existe aí), (…) ● Sou HUMILHADO, INTIMIDADO e COAGIDO e VÍTIMA DE ASSÉDIO MORAL, vários email, ao longo dos anos 2022, 2023 e 2024. (…) ● Relembro que nós motoristas temos, vida familiar e social, não podemos, ser ESCRAVOS de alguns patrões sem escrúpulos. ● Querem sempre, que trabalhemos de segunda a segunda, caso da A.../ B..., Lda. ● Quando alguém se recusa, com toda a legitimidade, porque estão no seu direito de cumprimento do CCTV, tentam, como estão a fazer comigo, arranjar desculpas sem fundamento algum e completamente FALSOS ● É, uma desculpa, da parte da A..., Lda / B..., lda., e de quem dirige, nunca cumpriu (…) e não cumpre o CCTV. ● Existe interesses, financeiros, colocar, como fizeram, no nosso lugar os funcionários da C..., Lda, (por ser uma empresa Espanhola) e possivelmente iriam comprar a B..., Lda/A..., Lda, que agora tem de arranjar desculpas esfarrapadas, infundadas, para me tentarem culpar, e tentar despedir, ● (…) Tentaram, me enganar como pago, o que está para trás depositando em Outubro de 2023, €693.00 dizendo que está tudo regularizado. ● MENTIRA, o que foi pago não chega para pagar as diárias de junho de 2023 a Dezembro de 2023, (…) ● Não tenho culpa, alguma, da falta de profissionalismo,do pessoal do tráfico, que deveriam entrar às 6.00 horas da manhã (…) ● É pura verdade, o que digo, que despediram colega FF do Tráfego, e o GG, mas o cancro, ainda está lá dentro”. ● “No Domingo, dia 2 de Junho de 2024, faz, 101 dias de uma suspensão preventiva, mais uma nota de culpa orquestrada pela gerência e pela vosso advogado, cheio de Calunias e injurias (…). ● Desde 19 de Fevereiro de 2024, fui despedido, Coagido, ameaçado, humilhado e intimidado, e impedido de exercer a minha atividade de motorista, ainda continuo a ser (…)”; - no dia 19 de Fevereiro de 2024, após ter sido ordenado ao recorrente, pelo sócio-gerente da ré, que retirasse os seus bens pessoais do veículo pesado com a matrícula ..-XR-.., e incumbido os funcionários, CC e HH de o acompanhar ao veículo devendo o recorrente entregar-lhes a chaves do mesmo após a retirada dos bens, o recorrente ao aperceber-se que seria acompanhado pela referida CC “dirigiu-lhe, de forma audível e percetível, as seguintes palavras: “EU CONTIGO NÃO FALO, PORQUE TU NÃO ÉS UM HOMEM. SE FOSSES HOMEM FALAVA CONTIGO DE OUTRA FORMA, ALI FORA (apontando, nesse momento, para o portão de saída das instalações da Arguente) … REZA PARA NÃO TE CRUZARES SOZINHA COMIGO ALI FORA”. -na manhã do dia seguinte, o recorrente remeteu, por escrito, através de correio eletrónico, uma comunicação, dizendo, nomeadamente que “Fui coagido (…) para aceitar o acordo de despedimento sem justa causa ou não me deixavam pegar ao trabalho como o fizeram a mim* - o recorrente compareceu nas instalações da ré no dia 26 de fevereiro, pelas 9h00min, momento em que encontrou DD, entre outros trabalhadores, na entrada e se dirigiu a ele, dizendo-lhe de forma percetível e em alta voz: “COM QUE ENTÃO ESTOU PROIBIDO DE ENTRAR NA EMPRESA? ACABEI DE ENTRAR… PROÍBE-ME AGORA ENTAO, SEU PALHAÇO! NÃO SAIO DAQUI SEM A POLÍCIA”; -na manhã do dia 04 de março de 2024, o recorrente foi notificado da sua suspensão preventiva e depois desse dia enviou nova comunicação escrita à ré na qual referiu “mais uma vez venho por este maio saber quando posso exercer a minha atividade de motorista na A..., Lda.”
Na sentença recorrida refere-se a este propósito o seguinte: “Face ao elenco de factos provados que acima consta, ficou demonstrado que no dia 19 de Fevereiro de 2024 o autor dirigiu aos superiores hierárquicos as seguintes expressões, “VOCÊS SÃO UNS CHULOS, NÃO ME PAGAM O QUE ME DEVEM E AINDA QUEREM QUE ME VÁ EMBORA”. Tais expressões foram ouvidas por outros trabalhadores. Provou-se ainda que o autor, nesse mesmo dia, dirigindo-se à diretora de recursos humanos da ré, disse, “EU CONTIGO NÃO FALO, PORQUE TU NÃO ÉS UM HOMEM. SE FOSSES HOMEM FALAVA CONTIGO DE OUTRA FORMA, ALI FORA (apontando, nesse momento, para o portão de saída das instalações da Arguente) … REZA PARA NÃO TE CRUZARES SOZINHA COMIGO ALI FORA”. Provou-se ainda que o autor enviou à ré várias comunicações escritas que iremos analisar em separado. À luz destas considerações, a atuação do trabalhador assume contornos de elevada gravidade – desrespeitou ordens diretas da empregadora e praticou violência verbal contra os superiores hierárquicos. Este conjunto de factos não pode deixar qualquer dúvida quanto à gravidade da conduta do autor, justificadora da aplicação da sanção mais gravosa – o despedimento sem compensação ou indemnização. Estão em causa os comportamentos previstos nas alíneas a) e i) do art.º 351.º, n.º 2 do Código do Trabalho. Por outro lado, de harmonia com o artigo 128.º n.º1 alínea a) do Código do Trabalho, o trabalhador tem o dever de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade. (…) No caso concreto, das comunicações escritas enviadas pelo autor, extraem-se expressões que consistem numa violação do dever de respeito e da urbanidade para com o empregador. Extrai-se que o trabalhador enviou à ré e-mail, designadamente, com as seguintes frases: “Tudo mentira esta foi mais uma JOGADA”; “alguns patrões sem escrúpulos”, “Tentaram, me enganar como pago”, “mas o cancro, ainda está lá dentro” e “orquestrada pela gerência e pela vosso advogado”. Noutra comunicação o autor refere “Fui coagido”. Por fim, destaca-se a frase “o cancro ainda está lá dentro”. (…) Assim, perante o exposto, podemos concluir que as expressões transcritas, referidas pelo trabalhador, dirigidas à Ré, configuram comentários ofensivos, que põem em causa a relação de confiança que se estabeleceu entre o empregador e o trabalhador, revelando, assim, gravidade. Nestes termos, violou o Autor, com as expressões em causa, os deveres de respeito e de urbanidade, previstos no artigo 127.º n.º1 alínea a) do Código do Trabalho, tendo, por isso, relevância disciplinar. De toda a análise vinda de fazer conclui-se sem margem para dúvidas que os factos que levaram à decisão de despedimento do trabalhador se confirmaram em juízo e que a sanção aplicada se mostra proporcional e adequada. A conduta do autor constitui um comportamento doloso que configura a prática de crimes de injúrias contra a empresa e contra, individualmente, vários trabalhadores – superiores hierárquicos do autor. O autor praticou ainda um crime de ameaça na pessoa da sua superiora hierárquica CC. Não bastasse a gravidade dos factos dados como provados temos ainda que ter em conta que o autor tinha já sido condenado numa sanção disciplinar de 15 dias de suspensão com perda de retribuição. Assim, e em consequência, o despedimento levado a cabo pela entidade empregadora tem de ser declarado lícito. O autor violou o disposto no artigo 128º, n.º 1, alínea a), c) e e) do Código do Trabalho. (…).”
Argumenta o recorrente que se trata apenas de reivindicação de direitos e regalias sociais em face do não pagamento do que seria devido e da sua recusa em aceitar o “acordo” para deixar a empresa. Dirigir, em 19 de fevereiro de 2024, expressões de “chulo” “de que não pagam o que devem” ao sócio gerente da empresa e à diretora dos recursos humanos, e ainda, em 26 de fevereiro de 2024, ao sócio gerente “com que então estou proibido de entrar na empresa? acabei de entrar… proíbe-me agora então, seu palhaço! não saio daqui sem a polícia”, bem como referir que em emails que envia a ré, em que refere que os motoristas são “escravos” de “ alguns patrões sem escrúpulos “ ou que “ o cancro ainda está lá dentro”, imputa prática de gestão, pela ré, sem respeito pelos direitos dos trabalhadores (que não se apurou) e, para além de ser ofensiva para os destinatários também assume conduta desafiadora desrespeitosa do poder hierárquico e, perdurando tal conduta, ao longo de mais do que um momento temporal, afasta a possibilidade de a enquadrar em um momento de irreflexão. Por outro lado, entendemos, como particularmente grave, a conduta do trabalhador que tem em vista a diretora dos recursos humanos, em que se dirigindo à mesma refere “eu contigo não falo, porque tu não és um homem. se fosses homem falava contigo de outra forma, ali fora (apontando, nesse momento, para o portão de saída das instalações da arguente) … reza para não te cruzares sozinha comigo ali fora”. Esta conduta, para além da violação do dever de urbanidade e respeito, devidos à sua superior hierárquica e colega para além de, em abstrato, poder configurar a prática de um crime de ameaça “reza para não te cruzares sozinha comigo ali fora”, é misoginia enfatizando o desrespeito pela igualdade entre géneros, designadamente em contexto laboral.
A conduta do trabalhador nos episódios, acima referidos, que se concretiza, em vários contextos temporais e espaciais é, em nosso entender disciplinarmente relevante por violadora do dever de urbanidade e respeito previsto no art. 128.º, n.º 1, al. a), e de deveres acessórios de conduta relacionados com a boa-fé na execução do contrato, art.126.º e art. 762.º, do Código Civil. Os factos, assim apurados são suficientes para aferir da violação do dever de respeito e urbanidade no âmbito da relação de trabalho e para ponderar os reflexos do comportamento do trabalhador na relação de confiança subjacente ao vínculo laboral inviabilizando, por completo, a possibilidade de manutenção da relação laboral.
Em suma, e como decorre do exposto, o comportamento prosseguido pelo trabalhador/recorrente é grave e justifica plenamente que a recorrida lhe tenha aplicado a sanção do despedimento, por se subsumir aquele no conceito de justa causa, tal como é enunciado no art. 351.º, n.º 1 do CT.
Não merece, assim, censura a sentença recorrida pelo que improcedem, assim, a pretensão do recorrente em ver reconhecida a ilicitude do seu despedimento, bem como os pedidos que tinham por base essa ilicitude, deduzidos sob os números 16), 18) e 19).
5.4. A procedência dos pedidos formulados, em sede de reconvenção, dependia da alteração da matéria de facto que não se verificou Improcedendo o recurso na parte referente à decisão da matéria de facto, considerando o disposto no nº 2 do artº 608º aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do CPC, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto ao acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes – com exceção aos créditos reclamados por trabalho prestados em sábados, domingos e feriados, que analisaremos de seguida - temos que o recurso terá também de improceder. O recorrente deduziu os seguintes pedidos quanto ao trabalho realizado aos sábados, domingos e feriados, a saber:
“1) (…) o pagamento do trabalho prestado ao sábado, referente ao ano de 2022, no montante de € 426,88 (quatrocentos e vinte e seis euros e oitenta e oito cêntimos); 2) (…) o pagamento do trabalho prestado ao domingo, referente ao ano de 2022, no montante de € 160,08 (cento e sessenta euros e oito cêntimos); 3) (…) o pagamento do trabalho prestado aos feriados, referente ao ano de 2022, no montante de € 213,44 (duzentos e treze euros e quarenta e quatro cêntimos); (…) 6) (…) o pagamento, e no que se reporta ao ano de 2023, do trabalho prestado aos sábados no montante de € 230,08 (duzentos e trinta euros e oito cêntimos). 7) (…) o pagamento, e no que se reporta ao ano de 2023, do trabalho prestado aos feriados o montante de € 115,04 (cento e quinze euros e quatro cêntimos).”
Na sentença recorrida, a este propósito, escreveu-se o seguinte: “Vejamos os créditos relativos a sábados, domingos e feriados, trabalhados e não pagos pela entidade patronal. No caso concreto apenas se provou que o autor trabalhou determinados dias que eram sábados, domingos ou feriados. Ora, “impende sobre quem invoca o direito ao pagamento de descansos compensatórios, a alegação e prova da prestação de trabalho suplementar, mas também a dos dias que deviam ser de descanso e em que, não lhe tendo o mesmo sido concedido, trabalhou” – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.02.2025, disponível em www.dgsi.pt. No caso concreto, o autor não provou que os dias em causa não foram pagos, ou que não foram atribuídos dias compensatórios. Destarte, terá esta pretensão do autor ser julgada improcedente.”
No seu articulado de contestação/reconvenção, o recorrente, nos artigos 130º a 135º reclamou o pagamento do trabalho realizado, em 2022 que, de acordo com a Tabela em vigor era pago €53,36 /dia, nos seguintes montantes: - 8 sábados - € 426,88 (8 x €53,36); - 3 domingos - €160,08 (3 x €53,36); - 4 feriados - €213,44 (4 x € 53,36). Nos artigos 141º a 143º, quanto ao ano de 2023 que, de acordo com a Tabela em vigor era pago a € 57,52, nos seguintes montantes: - 4 sábados - € 230,08 (4 x € 57,52); - 2 feriados - €115,04 (2x € 57,52).
“No ano de 2022 o autor trabalhou, nomeadamente, nos seguintes sábados: 25 de Junho; 2 de Julho; 9 de Julho; 10 setembro; 1 outubro; 29 outubro; 19 novembro; 3 dezembro. No ano de 2022 o autor trabalhou, nomeadamente, os seguintes domingos: 25 de Setembro; 30 de Outubro; 11 de dezembro. No ano de 2022 o A. trabalhou em dias de feriado, nomeadamente nos dias:16 de Junho; 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Dezembro. No que se reporta ao ano de 2023, o A. trabalhou, nomeadamente, os seguintes sábados: 14 janeiro; 21 de janeiro; 28 de janeiro; 29 de abril. O A. trabalhou os seguintes feriados, no ano de 2023: 21 de fevereiro e 25 de abril.” * Uma nota final quanto à litigância de má-fé. Na resposta ao recurso deduzido pelo trabalhador veio a entidade empregadora na conclusão MMMM) e a final pedir que o pedido de condenação de litigância de má-fé fosse julgado procedente. O Tribunal a quo concluiu que não encontrou “na postura processual de nenhuma das partes matéria suficiente para se considerar que actuaram como litigantes de má-fé”. Esta decisão era passível de recurso autónomo, pelo que não tendo a recorrida dela interposto recurso, não se conhecerá da mesma.
VI – Valor da ação Será apenas contabilizado o valor devido pelo trabalho prestado em sábados, domingos e feriados no montante de € 1145,52, já que relativamente ao montante devido pela formação profissional se relegou a sua fixação para incidente próprio. Assim, o valor da ação será provisoriamente fixado, à data de prolação do presente acórdão, em € 1145,52.
VII - Responsabilidade pelas custas. As custas em 1ª instância e do recurso serão da responsabilidade de autor/recorrente e ré/recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos. |