Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5758/20.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
FACTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES
Nº do Documento: RP202202225758/20.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE/SENTENÇA ALTERADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A obrigação de indemnizar compreende tanto o dano emergente (damnum emergens) como o lucro cessante (lucrum cessans). Deste modo: o dano emergente compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; e o lucro cessante refere-se aos benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado.
II – Pressuposto da condenação no pagamento de quantia pecuniária a liquidar ulteriormente, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPCivil, e com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito, é, para além da inexistência de elementos que permitam a imediata quantificação, a demonstração da existência de dano.
III – O adiamento de uma atividade não representa, por si só, um acréscimo de despesas configurável como prejuízo indemnizável em termos de responsabilidade civil.
IV Constitui lucro cessante, para efeitos de indemnização fundada em responsabilidade civil, a diminuição da faturação de uma empresa, enquanto consequência adequada do facto ilícito.
V Naquele caso, a quantificação do acréscimo patrimonial frustrado corresponderá, em princípio, ao valor do que não foi faturado, como poderia ter sido não fora o facto ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 5758/20.8T8PRT.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto - Juiz 7]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
E..., LDA. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco ....
Alegou, sem síntese, ter sofrido danos e prejuízos na fração autónoma da qual é arrendatária e onde explora um estabelecimento de ensino, decorrentes de sinistro (inundação) que descreve, com origem em fração autónoma pertencente à Ré.
Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 50.564,27€, acrescida de juros de mora contados da citação até integral pagamento.
2.
A Ré contestou, impugnando na generalidade e de forma motivada os factos invocados pela Autora, nomeadamente quanto à qualidade de arrendatária daquela, às circunstâncias em que ocorreu o sinistro e aos danos e valores peticionados; invocou que os danos causados nos equipamentos existentes na fração em causa já foram indemnizados pela seguradora; concluiu, pedindo a improcedência da ação.
Aproveitou ainda a Ré para deduzir incidente de intervenção acessória de X ... – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A.
3.
No exercício do contraditório, a Autora veio reiterar a sua qualidade de arrendatária e juntar documentos.
4.
Foi admitida a requerida intervenção acessória de X ... – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A.
5.
A interveniente acessória apresentou contestação, sustentando que os danos reclamados não se encontram cobertos pelo contrato de seguro em causa; e que de todo o modo a Autora já lhe deu quitação total e definitiva da indemnização a receber em virtude do sinistro dos autos.
6.
No exercício do contraditório, a Autora veio invocar a anulabilidade da aludida declaração de quitação, uma vez que a emitiu convencida pela seguradora que o contrato de seguro não abrangia os lucros cessantes ou perda semelhante.
7.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e, na sequência, procedeu-se ao saneamento do processo, à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
8.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, condeno a ré Banco ... a pagar à autora E..., LDA a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), bem como a quantia a liquidar posteriormente relativamente aos danos descritos nos pontos 15 a 18 do elenco dos factos provados, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados da citação e até integral pagamento.
Custas a cargo da autora e da ré, provisoriamente na proporção de metade, procedendo-se a rateio após liquidação (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).]
9.
Inconformada, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito.
10.
Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
I – MATÉRIA DE FACTO
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II – MATÉRIA DE DIREITO
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Concluiu, pedindo a revogação da sentença e sua consequente absolvição dos pedidos.
11.
A Autora contra-alegou, CONCLUINDO assim:
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II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto; e
b) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, nos termos pretendidos pela Recorrente, o que passa necessariamente pela consideração dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, com relevância especial para o dano e indemnização por lucros cessantes.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. A autora é uma Escola de Línguas, sendo esse o seu objeto social.
2. Desde 03.03.2014, a autora, no exercício da sua atividade, explora um centro de ensino de língua inglesa, sito na Rua ..., ..., ..., no Porto.
3. Neste estabelecimento de ensino, a autora utiliza o método, o sistema de ensino e o Know how da W ... (W...), ao abrigo de um contrato de franchising que celebrou com W1 ..., Ldª, detentora em Portugal dos direitos de exploração e subconcessão da exploração comercial das marcas W ... em todo o território português.
4. Por contrato, outorgado em 23.11.2012, P..., SA declarou arrendar a W2 ..., SA que declarou tomar de arrendamento para a instalação e funcionamento de um Centro W ... a fração autónoma designada pela letra “Z” do prédio sito na Rua ..., ..., ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº ..... e inscrita na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art.º ....., conforme documento de fls. 1 a 4v do anexo documental e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Por contrato celebrado em 4.02.2014, W2 ..., SA transmitiu à autora a sua posição contratual de franchisada no centro W ..., sito na Rua ..., ..., conforme documento de fls. 68 a 73 do anexo documental e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. E procedeu à cedência da sua posição de arrendatária da fração autónoma onde está instalado o aludido estabelecimento de ensino, por trespasse, conforme documento de fls. 68 a 73 do anexo documental e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Encontra-se registada a favor da ré a aquisição por compra em processo de insolvência a fração autónoma designada pela letra “AI” do aludido prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº ....., correspondendo à sala ..., do 1º andar, com entrada pelo n.º ..... da Rua ..., conforme documento de fls. 5 e 5v do anexo documental e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
8. No dia 16.02.2018, a fração autónoma onde se encontra instalado o estabelecimento comercial da autora, foi afetada por uma inundação ocorrida entre as 21h do dia 15 de fevereiro e as 8h30m daquele dia 16 de fevereiro.
9. Tal inundação teve origem no rebentamento de um cano de água da fração autónoma aludida em 7, situada no piso imediatamente superior ao da fração autónoma onde se encontra instalado o estabelecimento comercial da autora.
10. A aludida inundação causou danos no pavimento, no teto e na parte elétrica da fração autónoma aludida em 4.
11. E também causou estragos no mobiliário, nos equipamentos informáticos e eletrónicos, livros e restante material escolar, pertencentes à autora.
12. Os danos causados obrigaram ao encerramento imediato do estabelecimento escolar ali instalado.
13. Tendo a autora ficado desde 16.02.2018 até 3.04.2018 impedida de continuar a exercer a sua atividade, período durante o qual decorreram as obras necessárias para reparar os danos causados na estrutura da fração autónoma onde está instalado o estabelecimento da autora.
14. E que também foi necessário para repor todo o material da autora estragado com a inundação.
15. A autora, na altura do sinistro, tinha inscritos 253 alunos.
16. E viu-se impedida de lhes prestar os serviços a que se tinha comprometido durante o período em que o estabelecimento esteve encerrado.
17. O que a obrigou a recompensar esses alunos, prolongando os respetivos contratos pelo tempo correspondente à paragem das atividades escolares, isto é, por 47 dias, sem qualquer custo acrescido para aqueles.
18. O que representou uma despesa acrescida para a autora, em montante não concretamente apurado. (() Facto eliminado do elenco dos factos julgados provados, conforme decisão infra no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto.)
19. Durante o período em que teve o seu estabelecimento encerrado, a autora teve de pagar a renda correspondente ao período de encerramento, no valor total de €3.863,00.
20. Como teve de suportar o custo do aluguer da máquina da água e da impressora, no valor de €190,96.
21. Como igualmente teve de suportar a despesa inerente aos vencimentos dos seus trabalhadores, no valor de €10.433,55.
22. Bem como a despesa decorrente dos serviços de contabilidade contratada, no valor de €790,79.
23. E dos serviços informáticos Fee mensal, no valor de € 407,26.
24. Teve ainda de suportar o valor do pagamento da Publicidade Fixa, no valor de €1.929,75.
25. E ainda da publicidade variável, no valor de €1.027,41.
26. Das despesas gerais com contratos de fornecimento de telefone, eletricidade e água, com a K ... - Serviços de Vigilância e seguros, no valor global de €661,89.
27. Com os encargos financeiros do Leasing contraído junto do Banco 2 e de contrato de locação financeira, no valor de €81,60.
28. E com a taxa paga à Sociedade Portuguesa de Autores no valor de €27,72.
29. No referido período em que o estabelecimento comercial da autora esteve encerrado, o valor da depreciação do equipamento básico e administrativo ascendeu a €1.519,60.
30. Durante o período de encerramento do estabelecimento, a autora esteve impedida de obter os ganhos normais e decorrentes da sua atividade e dos negócios que poderia ter feito.
31. Tendo deixado de faturar um valor nunca inferior a cerca de €30.000,00.
32. Por contrato de seguro do ramo X ... Condomínio, na modalidade “Condomínio ...”, em vigor desde 1.02.2018, pelo período de um ano, titulado pela apólice nº ....., encontrava-se transferida para a interveniente seguradora a cobertura dos riscos de danos por água e responsabilidade civil do condomínio, relativamente às partes comuns, bem como de 174 frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício ..., sito na Rua ..., ... e na Rua ..., ..., no Porto, conforme documento de fls. 76 a 102 do anexo documental e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
33. A interveniente pagou à autora a quantia global de €6.653,33 apenas pelo valor dos seus materiais e equipamentos danificados, por serem os únicos danos que considerava abrangidos pela apólice.
34. Tendo sido emitidos os recibos no valor de €6.222,13 e €431,20, constantes de fls. 6v e 7v do anexo documental, respetivamente, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
1.2.
Factos não provados
O Tribunal a quo julgou não provados qualquer outro facto com relevância para a boa decisão da causa, designadamente, que a autora tenha suportado despesas acrescidas no valor de €20.214,70.
1.3.
Apreciação da impugnação da matéria de facto
1.3.1.
A Apelante pretende que este tribunal reaprecie a decisão da matéria de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, tendo por base meios de prova que indica.
Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Coimbra, 2020, p. 332..
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ter presente que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1.ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. A atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
1.3.2.
A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos” Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195., tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência” Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt..
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
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Para LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis” Ob. cit..
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas” Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152., encontram no Código Civil os seguintes tipos: a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º); a prova pericial (arts. 388.º e 389.º); a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º); e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º). O art. 466.º do CPCivil acrescenta a “prova por declarações de parte”.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O cit. normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivi, exceto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante” Cf. CASTRO MENDES, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413..
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).
Por último, a prova bastante satisfaz-secom a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293..
1.3.3.
Vejamos, então, especificadamente, os pontos da decisão da matéria de facto objeto de impugnação, escutada integralmente a gravação dos depoimentos e analisados os documentos atinentes.
a) Pontos 30) e 31) do elenco dos factos provados
Alega e conclui a Apelante que os factos julgados provados pela 1.ª instância, elencados sob os respetivos pontos 30) – “Durante o período de encerramento do estabelecimento, a autora esteve impedida de obter os ganhos normais e decorrentes da sua atividade e dos negócios que poderia ter feito” – e 31) – “Tendo deixado de faturar um valor nunca inferior a cerca de € 30.000,00“ –, deveriam antes ter sido julgados não provados, desde logo atendendo às especificidades de funcionamento do seu estabelecimento, devidamente esclarecidas pelos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC, especialmente nas passagens da gravação áudio que identifica.
Defende ainda a Recorrente que tendo a sentença recorrida fundamentado o seu juízo probatório também nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os relatórios de gestão e contas de fls. 115 a 158, a verdade é que da análise de tais documentos não se pode concluir que, no período de encerramento do estabelecimento, a Autora deixou de faturar valor não inferior a 30.000,00€.
Para decidir como o fez, neste particular, a Exma. Juíza de Direito fundamentou assim:
[No que respeita aos custos fixos da manutenção do estabelecimento de ensino suportados pela autora no período de encerramento do mesmo, para a convicção do tribunal foi absolutamente determinante a vasta documentação junta aos autos, nomeadamente, a constante de fls. 8 a 38 do anexo documental, a qual foi exaustivamente escrutinada e objecto de esclarecimento pela testemunha BB, o qual acrescentou que fez uma análise das contas da empresa, referindo que a mesma apresenta custos fixos nivelados de cerca de €20.000,00 por mês, correspondendo aos custos que a autora tem necessariamente de suportar independentemente do volume de facturação que realize.
Tal depoimento foi ainda absolutamente decisivo para o apuramento do valor que a autora deixou de auferir no dito período de encerramento (pontos 30 a 31 do elenco dos factos provados).
Veja-se que, neste particular, o depoimento da dita testemunha revelou-se suportado e mais uma vez consistente com a prova documental junta aos autos, nomeadamente com os relatórios de gestão e contas (cfr. fls. 115 a 158 do anexo documental), dos quais resulta evidenciado que a autora, durante o ano em questão, teve um volume de facturação médio para os restantes meses, na ordem dos €30.000,00.]
A valoração que fazemos dos meios de prova produzidos, analisados conjugadamente, com as limitações a que estamos naturalmente sujeitos nos domínios da oralidade e da imediação, não diverge em nada da que foi feita pela 1.ª instância, no que tange à factualidade em questão.
Com efeito, perante a manifesta dificuldade em alcançar o rigor absoluto da quantificação da perda de ganhos da Autora, decorrente do encerramento do seu estabelecimento de ensino em virtude do sinistro em causa, o método de cálculo de que se fez uso, com base no período homólogo do ano anterior, em termos profusamente explicitados pela testemunha BB, técnico de contabilidade, com referência aos elementos documentais de natureza contabilística presentes nos autos, afigura-se-nos perfeitamente adequado, do qual resultou o valor apurado pelo Tribunal, no respeitante à diminuição da faturação da Autora no período em questão, correspondente a pelo menos 30.000,00€.
Esclarecedor foi ainda o depoimento da dita testemunha, ao dar conta de que o referido valor apurado não diverge sensivelmente do que resultaria do cálculo com base na média de faturação obtida no ano de 2018, considerando o período em que o estabelecimento esteve em funcionamento.
O valor apurado com base nos referidos meios de prova em nada se mostra abalado pelas especificidades da organização do funcionamento do estabelecimento da Autora, cabalmente esclarecidas pelas testemunhas CC e AA. Bem pelo contrário. Tais testemunhas, que demonstraram conhecimento direto dos factos, em virtude do exercício das respetivas atividades profissionais, depuseram por forma merecedora de juízo de seriedade e isenção, no sentido apurado, levando a reforçar a convicção, já resultante dos restantes meios de prova mencionados, de que a causa fundamental da redução da faturação se consubstanciou na impossibilidade de o estabelecimento de ensino receber novos alunos durante o período de encerramento, por via do sinistro.
Ou seja, a nosso ver, a factualidade apurada pelo Tribunal a quo coaduna-se inteiramente com um juízo probatório sobre o conjunto dos meios de prova produzidos, “sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference, i. e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis” Cf. Acórdão da RC de 23.06.2015, proferido no processo n.º 1534/09.7TBFIG.C1, acessível, à data deste acórdão, em www.dgsi.pt (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fcf9a0d1e0bbe90b80257e73004d7cf0?OpenDocument..
Não há, pois, razões para, nesta parte, alterar a decisão recorrida.
b) Pontos 13) e 16) do elenco dos factos provados
Sustenta a Recorrente que o facto descrito sob o ponto 13)“Tendo a autora ficado desde 16.02.2018 até 3.04.2018 impedida de continuar a exercer a sua atividade, período durante o qual decorreram as obras necessárias para reparar os danos causados na estrutura da fração autónoma onde está instalado o estabelecimento da autora” – assim como o ponto 16)“E viu-se impedida de lhes prestar os serviços a que se tinha comprometido durante o período em que o estabelecimento esteve encerrado” – não deviam ter sido julgados provados nos termos em que o foram, justificando-se antes que tivessem sido julgados provados, no seguintes termos:
13 – “Tendo a autora ficado desde 16.02.2018 até 03.04.2018 impedida de continuar a exercer a sua atividade no centro identificado no ponto 2, período durante o qual decorreram as obras necessárias para reparar os danos causados na estrutura da fração autónoma onde está instalado o estabelecimento da autora”; e
16 – “A autora viu-se impedida de prestar aos alunos os serviços presenciais que lhe prestava durante o período de tempo em que o estabelecimento esteve encerrado”.
Como meios de prova fundamentadores da sua posição, elege o depoimento da testemunha CC, nas passagens da gravação áudio que identifica.
Não podemos acolher o entendimento da Apelante.
Pese embora do depoimento da dita testemunha e, já agora, também do depoimento da testemunha AA, tenha resultado que os cursos de inglês ministrados pela Autora também têm uma componente multimédia, à qual os alunos podem aceder na sua própria casa, a verdade é que também resultou esclarecido que durante o período de encerramento do estabelecimento em virtude do sinistro, os alunos não puderam avançar no curso, desde logo porque não existia possibilidade de acesso às avaliações, as quais implicavam necessariamente aulas e avaliação presenciais no estabelecimento. Para além disso, durante o período de encerramento, a Autora ficou impedida de usar o seu equipamento e sistema informático, o que impediu o acompanhamento dos alunos pelos professores em termos regulares, mesmo à distância, assim como impediu o funcionamento dos serviços administrativos da escola.
Assim, o que podemos concluir é que o estudo levado a cabo pelos alunos em casa, durante o período de encerramento do estabelecimento, ainda que com acesso a plataforma informática, ocorreu sem o acompanhamento que era devido pela Autora, nos termos contratados. Ou seja, os alunos ficaram entregues a si próprios, passando de alunos a autodidatas no que respeita à aprendizagem da língua inglesa.
Nestas circunstâncias, julgamos não se justificar a pretendida alteração da redação dos pontos da matéria de facto em análise.
c) Ponto 18) do elenco dos factos provados
Pretende ainda a Apelante que se dê como não provado o facto descrito sob o ponto 18): “O que representou uma despesa acrescida para a autora, em montante não concretamente apurado”.
Tal facto complementa o que se deixou assente nos pontos precedentes, especialmente no ponto 17), este com a seguinte redação: “O que a obrigou a recompensar esses alunos, prolongando os respetivos contratos pelo tempo correspondente à paragem das atividades escolares, isto é, por 47 dias, sem qualquer custo acrescido para aqueles”.
Argumenta a Recorrente que “na douta sentença recorrida foi considerado que as testemunhas não lograram prestar esclarecimentos quanto a esse facto, nem pôr à disposição do Tribunal elementos ou documentos que permitissem considerar esse facto como provado”, pelo que “a consequência de tal raciocínio devia ter levado a considerar esse facto como não provado, ao contrário do que considerou a douta sentença”.
Mais refere que que “nem da prova testemunhal nem documental se pode concluir ter ficado provado que a compensação dada aos alunos tivesse causado à autora um acréscimo de despesa”; e “como referiu a testemunha BB (gravação identificada nas conclusões 6ª e 9ª que considera reproduzida) esse acréscimo de despesas que foi pedido na ação foi calculado com base na ficção do custo dos alunos se os contratos fossem transferidos para outras escolas (cfr. artº 25º da petição). Mas tal não aconteceu; e “por outro lado, a douta sentença recorrida considerou como não provado que a autora tenha suportado despesas acrescidas no valor de €20.214,70. Tal está em contradição com o facto considerado provado no ponto nº 18”.
A nosso ver, a razão está do lado da Apelante.
Dos meios de prova produzidos não só resulta a impossibilidade de quantificar eventuais prejuízos da Autora, decorrentes do prolongamento dos contratos com os alunos pelo tempo correspondente à paragem das atividades escolares, como resulta a impossibilidade de afirmar a existência de qualquer prejuízo concreto, ainda que em montante não apurado.
Importa desde logo ter presente que a Autora, em sede de causa de pedir, limitou-se a alegar, de forma manifestamente conclusiva, que o referido prolongamento dos contratos, representou só por si “uma despesa acrescida” (art. 24.º da p. i.), e logo de seguida calculou tal despesa recorrendo a uma fórmula matemática “(1,70€ x 253 x 253 x 47), tomando como referência o valor fixado no Plano Diretor relativo ao contrato de franchise celebrado com a W1 ..., Ldª.” (art. 25.º da p. i.).
Da prova produzida, mormente do depoimento da testemunha BB, resultou claro que o valor do alegado “acréscimo de despesas” foi calculado com base no custo dos alunos se os contratos fossem transferidos para outras escolas, e em conformidade com o tal “Plano Diretor relativo ao contrato de franchise”.
Mas é apenas de ficção que se trata, já que a transferência dos alunos para outras escolas não ocorreu.
E, não tendo a Recorrida sequer alegado factos concretizadores das “acrescidas despesas”, como por exemplo contratação de mais professores, pagamento de horas extraordinárias, aquisição suplementar de bens ou serviços administrativos, etc., não pode de modo algum o tribunal ficar convicto da existência de qualquer despesa concreta acrescida, ainda que de valor não determinado ou apurado, até porque da prova produzida nenhum acréscimo de concretização relevante resultou também.
Em bom rigor, o prolongamento dos contratos com os alunos pelo tempo correspondente ao encerramento do estabelecimento, não representou, por si só, acréscimo de atividade relevante para a Autora, tanto letiva como administrativa. Isto porque, como vimos, tal atividade não existiu em qualquer medida durante o período de encerramento. Ou seja, a atividade que em princípio deveria ter acontecido num dado período, não ocorreu, tendo sido transferida para mais tarde, nada se conhecendo de concreto com aptidão para fundamentar a existência de despesas acrescidas decorrentes do dito adiamento.
Impõe-se-nos, pois, julgar não provado o facto em questão, com a consequente alteração da decisão recorrida.
d) Ponto 29) do elenco dos factos provados
Por último, defende a Apelante que o facto descrito no ponto 29) – “No referido período em que o estabelecimento comercial da autora esteve encerrado, o valor da depreciação do equipamento básico e administrativo ascendeu a €1.519,60” – devia ter sido julgado não provado.
Refere, para além do mais, não constar da sentença recorrida a fundamentação que serviu de base à prova de tal facto.
Pois bem.
Analisada a decisão recorrida, o que constatamos é que a mesma não contemplou a condenação da Ré/Apelante, a qualquer título, com fundamento na desvalorização do equipamento básico e administrativo a que se alude no ponto 29) do elenco dos factos provados.
Sendo assim, não se verifica qualquer utilidade, para a boa decisão da causa, agora em sede de recurso, na reapreciação da factualidade em questão, pelo que nos abstemos de apreciar a questão suscitada.
1.3.4.
Concluímos, assim, pela parcial procedência do recurso no que à decisão da matéria de facto concerne, o que se traduz unicamente em deixar de constar do elenco dos factos provados o respetivo ponto 18), por julgarmos o mesmo não provado.
3.
OS FACTOS E O DIREITO
3.1.
Com a presente ação pretende a Autora ser indemnizada pela Ré por prejuízos sofridos, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
O princípio geral desta fonte de obrigações encontra-se plasmado no art. 483.º, n.º 1, do Código Civil (CCivil) Diploma legal a que pertencem todas as normas doravante citadas sem menção diversa., nos seguintes termos: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Constituindo pressupostos do dever de indemnizar, o facto, a ilicitude, a culpa e o dano, este último enquanto consequência adequada do primeiro (nexo de causalidade), no caso que nos ocupa apenas subsiste controvertida a verificação do pressuposto “dano carecido de indemnização”.
Em termos de responsabilidade civil, “dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica” MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Almedina, 1991, p. 477..
Muitas são as classificações que procuram esclarecer as espécies e a natureza do dano, desde logo a que distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária: “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral” Idem, Ibidem, p. 478..
No caso dos autos é de danos patrimoniais que se trata.
Nos termos do art. 562.º, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
“O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (art. 564.º, n.º 1).
À luz deste normativo, a obrigação de indemnizar compreende tanto o dano emergente (damnum emergens) como o lucro cessante (lucrum cessans). “Atende-se à configuração do prejuízo realmente suportado. Deste modo: o dano emergente compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; e o lucro cessante refere-se aos benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado” Idem, Ibidem, p. 480..
No n.º 2 do art. 564.º prevê-se a atendibilidade dos danos futuros, por contraposição aos danos presentes. “Estaremos em face de uns e de outros, consoante se tenham já verificado ou não no momento que se considera, designadamente à data da fixação da indemnização. Os danos futuros são indemnizáveis desde que previsíveis; e, a seu turno, subdividem-se em certos e eventuais, conforme a respetiva produção se apresente infalível ou apenas possível” Idem, Ibidem, p. 481..
Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, tendo esta como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil).
Importa ainda ter presente que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir.
É o que resulta do art. 563.º do CCivil, ao estabelecer que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Esta norma tem subjacente a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstrato, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente Vide, GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., pp. 404 e ss...
“É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp. 631/632..
3.2.
Insurge-se a Apelante, num primeiro momento, contra a obrigação que lhe foi imposta pela sentença recorrida, consubstanciada no pagamento de 30.000,00€, por entender que tal valor não encontra correspondência em danos provados e indemnizáveis.
Para decidir nos termos em que o fez, a sentença recorrida, fundamentou assim:
[(…) passemos à determinação concreta da indemnização, tendo em conta os danos que resultaram provados, começando pelos lucros cessantes.
Assim e descendo novamente ao caso concreto, está provado que durante o período em que teve o seu estabelecimento encerrado, em consequência da inundação, a autora teve de suportar custos fixos num valor total de € 20.933,54.
E ainda que, durante o período de encerramento do estabelecimento, a autora esteve impedida de obter os ganhos normais e decorrentes da sua atividade e dos negócios que poderia ter feito, tendo deixado de faturar um valor nunca inferior a cerca de €30.000,00.
Esta facticidade é, a nosso ver, claramente justificativa da conclusão de ter ficado demonstrada a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto da autora não poder dispor da fração autónoma para o exercício da sua atividade enquanto os danos causados pelas infiltrações se encontravam a ser reparados.
E não obstante não ter podido dispor do referido imóvel para o exercício da sua atividade, a verdade é que ficou demonstrado que, ainda assim, a autora teve de suportar os custos fixos de manutenção do seu estabelecimento e não logrou obter os ganhos que normalmente auferiria se se tivesse mantido em funcionamento.
Deste modo, tem a autora direito ao valor de €30.000,00, a título de lucro cessante.]
Como vemos, a sentença sob recurso qualificou como lucro cessante, quantificado em pelo menos 30.000,00€, assente na diminuição da faturação da Autora, por causa do encerramento do seu estabelecimento de ensino, motivado pelo sinistro em causa.
Ao que parece, a Apelante discorda de tal qualificação, afirmando que o “valor da faturação é uma coisa e os lucros cessantes são outra”; e que “o lucro cessante é a diferença entre a receita que deixou de ser realizada e os custos a suportar para a realizar”.
Antes de mais, importa ter presente que o conceito de lucro cessante, para efeitos de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, não se reconduz pura e simplesmente ao conceito de lucro (ou resultado líquido) que traduz a performance económico-financeira de uma determinada empresa ou entidade durante um determinado período de tempo. Neste último caso, como é sabido, o cálculo do resultado líquido alcançado durante determinado exercício, traduz necessariamente o resultado de um processo multifaseado que se inicia com a identificação de todos os custos e proveitos imputáveis à empresa no período em causa.
Sendo indubitável que a Autora, por causa do sinistro e consequente encerramento do seu estabelecimento, não pôde acrescentar ao seu património 30.000,00€ – montante correspondente a faturação que não teve lugar, como teria não fora o facto ilícito –, é claro que estamos perante um acréscimo patrimonial frustrado, o mesmo é dizer um lucro cessante.
E se acrescentarmos que nenhum fator é conhecido nos autos com aptidão para condicionar ou reduzir o dito acréscimo patrimonial frustrado, então a sua expressão pecuniária não pode deixar de ser a assinalada: 30.000,00€.
O que é conhecido nos autos, por via dos factos julgados provados, são sim fatores que reforçam a verificação do dito prejuízo patrimonial da Autora. Referimo-nos ao facto de a Autora, lesada, durante o período de inatividade, ter continuado a suportar encargos financeiros, em termos em tudo idênticos a uma situação de plena atividade (cfr. pontos 19) a 28) dos factos provados).
A sentença recorrida não é, pois, a nosso ver, merecedora de censura, na parte em que condenou a Ré no pagamento de 30.000,00€ à Autora, a título de indemnização por lucros cessantes, o que vale por dizer não poder proceder o recurso nesta parte.
3.3.
Já quanto ao segmento da sentença impugnada que consubstancia condenação da Ré no pagamento à Autora de “quantia a liquidar posteriormente relativamente aos danos descritos nos pontos 15 a 18 do elenco dos factos provados”, não poderá manter-se, dada a conclusão a que chegámos em sede de apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.
Com efeito, como é por demais sabido, pressuposto da condenação no pagamento de quantia pecuniária a liquidar ulteriormente, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPCivil, e com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito, é, para além da inexistência de elementos que permitam a imediata quantificação, a demonstração da existência de dano.
Eliminado do elenco dos factos julgados provados o ponto 18), pelas razões que deixámos assinaladas, deixa de subsistir qualquer outro dano ou prejuízo provado carecido de indemnização, ainda que em valor a liquidar ulteriormente.
Reiteramos que o prolongamento dos contratos com os alunos pelo tempo correspondente ao encerramento do estabelecimento, não representou, por si só, acréscimo de atividade relevante para a Autora, tanto letiva como administrativa. Isto, porque tal atividade não existiu em qualquer medida durante o período de encerramento. Ou seja, a atividade que em princípio deveria ter acontecido num dado período, não ocorreu, tendo sido transferida para mais tarde, nada se conhecendo de concreto com aptidão para fundamentar a existência de despesas acrescidas decorrentes do dito adiamento.
Impõe-se, pois, a procedência do recurso nesta parte.
3.4.
Diga-se, ainda, que as considerações tecidas pela Apelante em torno da indemnização satisfeita pela Interveniente Acessória X ... – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., bem assim do correspondente recibo de quitação emitido pela Autora (conclusões 58.ª e 59.ª), nenhuma pertinência ou utilidade assumem para a decisão das questões controvertidas neste recurso, desde logo pelas razões apontadas na sentença recorrida, para as quais remetemos, entre as quais a circunstância de os danos já ressarcidos pela dita Interveniente não terem sequer sido reclamados mesta ação.
3.5.
As custas do recurso, assim como as da ação, são da responsabilidade de Recorrente/Ré e Recorrida/Autora, na proporção do respetivo decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).
IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, decidimos:
a) Alterar a sentença recorrida em matéria de facto, passando a constar como não provada a factualidade descrita sob o ponto 18) do elenco dos factos provados.
b) Alterar a sentença recorrida em matéria de direito, condenando a Ré Banco ... a pagar à Autora E..., LDA. a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e absolvendo quanto ao mais peticionado.

c) Condenar Recorrente/Ré e Recorrida/Autora no pagamento das custas do recurso e da ação, na proporção do respetivo decaimento.
***
Tribunal da Relação do Porto, 22 de fevereiro de 2022
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença
_________________________________
[1] Facto eliminado do elenco dos factos julgados provados, conforme decisão infra no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Coimbra, 2020, p. 332.
[3] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
[4] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
[6] Ob. cit.
[7] Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152.
[8] Cf. CASTRO MENDES, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
[9] Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
[10] Cf. Acórdão da RC de 23.06.2015, proferido no processo n.º 1534/09.7TBFIG.C1, acessível, à data deste acórdão, em www.dgsi.pt (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fcf9a0d1e0bbe90b80257e73004d7cf0?OpenDocument.
[11] Diploma legal a que pertencem todas as normas doravante citadas sem menção diversa.
[12] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Almedina, 1991, p. 477.
[13] Idem, Ibidem, p. 478.
[14] Idem, Ibidem, p. 480.
[15] Idem, Ibidem, p. 481.
[16] Vide, GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., pp. 404 e ss..
[17] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp. 631/632.