Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037034 | ||
Relator: | ALZIRO CARDOSO | ||
Descritores: | TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS PRESCRIÇÃO PRAZO | ||
Nº do Documento: | RP200406290422728 | ||
Data do Acordão: | 06/29/2004 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O artigo 10 n.1 da Lei n.23/96 de 26 de Julho não é aplicável ao serviço telefónico móvel terrestre, não sendo assim a prescrição dos créditos pelos serviços prestados de seis meses. II - O SMT não constitui um serviço público essencial. III - O "prazo de seis meses" refere-se ao prazo da prescrição para exigir o pagamento do preço após a sua prestação. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – RELATÓRIO B....., S. A. propôs acção declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra I....., Lda, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 4.909,54, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 12%, sobre a importância de € 3.264,78, até efectivo e integral pagamento. Fundamentou o pedido alegando, em síntese, que prestou à Ré os serviços de telefone móvel discriminados nas facturas juntas, no valor total de € 3.264,78, as quais não foram pagas nas datas de vencimento nelas apostas, nem posteriormente. Ao valor em divida acrescem juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das facturas, somando os já vencidos o montante de € 1.644,76. Citada a Ré contestou, invocando a prescrição dos créditos da Autora, alegando terem decorrido mais de seis meses a contar da prestação dos respectivos serviços; alegou ainda ter liquidado à Autora todas as quantias devidas a esta por força do celebrado contrato de prestação de serviço telefónico móvel. Concluiu pela improcedência da acção. A Autora respondeu, pugnando pela improcedência das excepções peremptórias da prescrição e do pagamento. No saneador foi julgada procedente a deduzida excepção da prescrição, com a consequente absolvição da Ré do pedido. Inconformada a Autora interpôs o presente recurso de apelação tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1 - Pela sua essencialidade ou complementaridade, o Estado sempre estabeleceu regimes jurídicos diferentes para o SFT e os SMT; 2 - A prestação do SFT é considerada como um serviço essencial e a do STM como um serviço complementar; 3 - Como os STM são um serviço complementar, não se lhes aplica a Lei n.º 23/96, de 26-07, pelo que o Tribunal “a quo” praticou um erro na determinação da norma aplicável; 4 - Devia o Tribunal “ a quo” ter antes aplicado o art. 310º, da al. g), do Cód. Civil; 5 - Caso assim se não entenda, a prescrição prevista no art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96, de 26/07, tem natureza presuntiva e não extintiva, pelo que devia ter sido interpretada como uma prescrição presuntiva; 6 - O prazo de seis meses ali aludido, refere-se unicamente ao direito a enviar a factura e não ao direito de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado pelos operadores SMT; 7 - Após o envio da factura dentro daquele prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento pelos serviços prestados pelos operadores dos SMT, prescreve no prazo de cinco anos, nos termos da al. g) do art. 310, do C. Civil, norma que devia ter sido aplicada ao caso sub judice; 8 - Assim, e contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo” o crédito da apelante não prescreveu. Deverá, assim, ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida. Em face das alegações da recorrente que, como é sabido delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir consiste, no essencial, em saber qual o prazo de prescrição aplicável ao crédito da apelante proveniente da prestação de serviço de telefone móvel. Corridos os vistos cumpre decidir. II – Fundamentos 1 - De facto A 1ª instância deu como assentes os seguintes factos: 1. A quantia peticionada pela Autora tem subjacente um serviço de telecomunicações móveis prestado pela autora à ré entre Fevereiro de 99 e Setembro de 1999 2. A acção deu entrada em juízo em 09-10-03 Consideram-se ainda assentes por documento e acordo das partes os seguintes factos: 3. A Autora emitiu as facturas referentes aos serviços referidos em 1. com os números, datas de emissão, valores e datas de vencimento que infra se discriminam: - n.º 000000011, emitida em 22-02-1999, no valor de € 312,51, com vencimento em 14-03-1999; - n.º 000000022, emitida em 17-03-99, no valor de € 266,80, com vencimento em 6-499; - n.º 000000033, emitida em 18-04-99, no valor de € 201,11, com vencimento em 8-05-1999; - n.º 00000044, emitida em 11-05-99, no valor de € 173,33, com vencimento em 10-07-99; - n.º 000000055, emitida em 18-09-1999, no valor de 2.311,03, com vencimento em 8-10-1999. 4. A Ré foi citada para a acção em Outubro de 2003. 2 - De direito Na decisão recorrida entendeu-se que por força do disposto no art. 10º n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07, que considerou aplicável ao SMT (serviço telefónico móvel terrestre), os créditos provenientes dos serviços prestados pela Autora prescrevem no prazo de seis meses após a sua prestação. Entendeu-se ainda que tal prescrição é extintiva e que o envio da factura referente as serviços prestados não interrompe a prescrição. E concluiu-se que não tendo a Autora exigido judicialmente os créditos provenientes dos serviços prestados à Ré dentro do indicado prazo de seis meses, prescreveu o respectivo crédito. Entendimento de que discorda a apelante, defendendo que a Lei n.º 23/96 se aplica apenas à prestação do serviço público de telefone fixo, não se aplicando ao SMT, dado que este não é um serviço essencial, mas sim um serviço complementar. Mas ainda que se considere aplicável, a prescrição a que se refere o art. 10º, n.º 1, da dita Lei n.º 23/96, é uma prescrição presuntiva e refere-se apenas ao direito de enviar a factura, aplicando-se no caso desta ser tempestivamente enviada, o prazo de prescrição de 5 anos fixado na alínea g), do art. 310º do Cód. Civil. Entendemos que assiste razão à apelante. Como esta refere o SMT não constitui, nem tem sido considerado pelos vários diplomas que têm regulado os serviços de telecomunicações, um serviço público essencial. Como assim, não é aplicável a citada Lei n.º 23/96 que consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. Ao incluir entre os serviços essenciais por ela abrangidos, o “Serviço de telefone” (al. d) do n.º 1, do seu art. 1º), deve entender-se que se refere apenas ao serviço de telefone fixo, pois só esse constitui um serviço público essencial, sendo que a citada lei, como expressamente refere, se aplica apenas aos serviços públicos essenciais. O SMT era, à data da publicação da Lei 23/96, expressamente definido no art. 2º da Portaria n.º 240/91, de 23 de Março, como serviço de telecomunicações complementar móvel. E posteriormente, vários outros diplomas, continuaram a considerar como serviço público essencial apenas o serviço fixo de telefone (Lei 91/97, de 1-08, DL 240/97, de 18-09, DL 474/99, de 8-11 e Portaria 800/2000, de 21-09). A Lei n.º 23/96, de 26/07, apenas respeita aos serviços públicos essenciais, pelo que abrange apenas o serviço telefónico fixo, não sendo portanto aplicável à prestação de serviço telefónico móvel o prazo estabelecido no citado artigo 10º n.º 1, daquela Lei (v. nesse sentido, entre outros, o Ac. da Rel. de Lisboa de 18-10-01, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf). Mas ainda que se considerasse aplicável ao SMT o regime estabelecido no citado art. 10º n.º 1, daquela Lei, no qual se estabelece que “ O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”, não se trata de um prazo de prescrição do crédito resultante da prestação do respectivo serviço. Como se refere no Estudo do Prof. Menezes Cordeiro, de que foi junta cópia pela apelante, intitulado “Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais”, pág. 69 a 73: “ Em boa técnica jurídica, prescrevem “direitos”, normalmente “direitos de crédito”. Se estivesse directamente em causa o crédito correspondente ao preço do serviço, o legislador – cujo acerto e, daí, o domínio do português jurídico, se presume – teria dito: “o Direito ao preço do serviço prestado prescreve”. Por isso deve interpretar-se a citada disposição legal no sentido de que o direito de exigir o pagamento é, simplesmente, o direito de enviar a factura. O legislador pretendeu (objectivamente) que o prestador não demore indefinidamente o envio das facturas. Se o não fizer no prazo de seis meses após a prestação, presume-se que a remessa teve lugar e que a factura foi paga. Enviada a factura no prazo de seis meses: o direito de exigir o pagamento foi tempestivamente exercido. A partir daí, caímos na prescrição – essa sim, extintiva – do artigo 310º, al. g), do Código Civil: cinco anos”. Foi essa a solução, entretanto, claramente consagrada no Dec. Lei n.º 381-A/97, de 30-12, que desenvolveu a Lei de Bases das Telecomunicações (Lei n.º 91/97, de 1-08) regulando o regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviço de telecomunicações de uso público, que no seu art. 16º, n.º 2, sob a epígrafe “Sistemas de preços” contem norma idêntica ao citado n.º1 do art. 10º da Lei 23/96, dispondo que “ O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. Esclarecendo no n.º 3 do mesmo artigo que “Para efeitos do número anterior considera-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”. O mesmo dispondo o artigo 9º do mesmo diploma que sob a epígrafe “Protecção dos utentes”, estabelece nos seus n.º 4 e 5 o seguinte: “4- O direito de exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. 5- Para os efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”. O Prof. Calvão da Silva, citado na decisão recorrida, in RLJ 132/133 e segts., sustenta que o prazo de seis meses estabelecido no artigo 10º, nº 1, da Lei n.º 23/96, se aplica a todas as formas de exigência do preço, designadamente a judicial, não tendo aplicação o disposto no art. 310º, al. g) do Código Civil, cujo prazo é de 5 anos. Posição a que não aderimos, por entendermos que o referido prazo de 6 meses diz apenas respeito, como se esclarece nos já citados arts. 9º, n.º5 e 16º, n.º3, do DL 381-A/97, ao direito de exigir o pagamento com a apresentação da respectiva factura; enquanto o prazo de 5 anos, fixado no art. 310º, al. g) do C.Civil, respeita à prescrição propriamente dita, como extinção do direito por efeito do seu não exercício, como a entende o Prof. C. Fernandes na sua T. Geral do Direito Civil, a pág. 543 e segts., como o “...o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercidos durante certo tempo fixado na lei...”, no dizer expressivo do Prof. M. Andrade, na sua T. Geral 2/445. Como se refere no Acórdão desta Relação de 11-03-02 (in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf ), cuja posição perfilhamos e que aqui seguimos de perto, “O legislador não podia deixar de conhecer os princípios da prescrição nem os prazos do art. 310º do C.C., nem se admite que ignorasse os ensinamentos de Professores tão ilustres como Pires de Lima e Antunes Varela, que no seu Código Civil Anotado, em anotação ao citado art. 310º e a propósito da sua al. g) ensinavam que tal prazo tinha aplicação precisamente às dívidas de telefones. E foi perante esse conhecimento e natureza e conceito da prescrição que o legislador se sentiu na obrigação de esclarecer a disciplina jurídica introduzida no citado art. 10º, n.º1 da Lei n.º23/96 (prazo de prescrição de 6 meses para exigir o pagamento do preço após a sua prestação). Perante tais conhecimentos, esclareceu que aquela prescrição não contendia com a do art. 310º do C.C., pois para ele a exigência de pagamento de que nos fala o apontado art. 10º é a que esclareceu nas disposições legais atrás citadas – “...tem-se por exigido o pagamento com a apresentação da factura”. Assim, tudo ficou mais claro: o legislador pretendeu que fora e diferentemente do prazo de 5 anos, como de prescrição stricto sensu, existisse um outro para que os serviços de telefone apresentassem as facturas correspondentes aos serviços prestados. E compreende-se esta atenção do legislador para com os consumidores: não se justificava que tais serviços, estando munidos de toda a tecnologia, e só eles dispondo dos dados concretos, pois não é crível que normalmente os consumidores fiscalizem e retenham dados sobre a utilização feita do telefone, estivessem tempos infindos sem enviar a factura dos serviços prestados. Ora, no caso dos autos, as facturas foram emitidas dentro do referido prazo de 6 meses a contar da prestação dos serviços a que respeitam. Não foi alegado pela Ré que aquelas facturas não tenham sido enviadas logo após a data da respectiva emissão ou depois de decorrido o referido prazo de seis meses. Esta defende a invocada prescrição não por o direito de exigir o pagamento não ter sido exercido tempestivamente através da remessa das respectivas facturas, mas por não ter sido judicialmente exercido o direito de exigir o pagamento do respectivo crédito dentro do referido prazo de seis meses. Porém, ao contrário do que defende, para exigir o pagamento por via judicial, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, fixado na alínea g) do art. 310º do Código Civil. À data em que a Ré foi citada para a presente acção, tal prazo ainda não tinha decorrido, pelo que não se verifica a invocada prescrição do crédito da Autora. Assim sendo, o recurso merece provimento, pelo que há que revogar a decisão recorrida, julgando-se improcedente a invocada excepção de prescrição, devendo os autos prosseguir, dado que há matéria ainda controvertida, nomeadamente quanto ao alegado pagamento. III – Decisão Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a deduzida excepção peremptória da prescrição. Custas pela apelada. * Porto, 29 de Junho de 2004 Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge (vencido porquanto continuamos a entender que se verifica a prescrição do crédito da apelante, prescrição que é extintiva e de seis meses) Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves |