Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DÍVIDA PAGAMENTO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I – No âmbito do enriquecimento sem causa podemos distinguir a área do enriquecimento por despesas efectuadas em benefício de outrem, e dentro desta a modalidade do enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, que constitui uma hipótese em que o empobrecido liberta o enriquecido de determinada dívida que este tem para com um terceiro sem visar realizar-lhe uma prestação nem estar abrangido por qualquer uma das hipóteses em que a lei lhe permite obter uma compensação por esse pagamento. II - Cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível deste Tribunal da Relação I – B.... e M...., intentaram acção declarativa com processo comum sob a forma sumária, contra C..., D..., F...., E.... e G...., pedindo a condenação: a) Dos primeiros a quarto RR., no pagamento da quantia de € 3.761,48; b) Da quinta Ré, no pagamento da quantia de € 1.880,74; c) De todos os RR no pagamento de juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento. Alegando, para tanto, que são proprietários da fracção autónoma J do prédio urbano que identificam, sendo os 1º a 4º RR. proprietários das fracções autónomas C e F do mesmo prédio, e a 5ª Ré proprietária da fracção autónoma E do dito imóvel. Em Assembleia de Condóminos do referido prédio, de 22-09-2003, foi deliberado serem levadas a cabo obras no telhado do edifício, a serem realizadas assim que possível. E em Assembleia de 19-07-2004, foi aprovado o orçamento para as obras do telhado, no valor de € 17.040,00, cabendo o montante de € 1.704,00 por cada fracção, a ser pago em três prestações. Em nova Assembleia realizada em Outubro de 2004 foi deliberado que seriam efectuadas obras na porta de entrada do edifício, com o custo de € 2.125,00, a serem comparticipadas em parte pelo condomínio, e cabendo a cada fracção uma quota extra e para a porta, no valor de € 176,74. Os RR, sabedores das obras e dos valores aprovados para as mesmas, não procederam ao pagamento das respectivas partes. Posto o que os AA., habitando no último andar e sendo os mais prejudicados com os problemas do telhado, procederam ao pagamento das obras naquele e na porta de entrada, em substituição dos RR., num total de € 5.642,22. Assim ficando os AA. subrogados nos poderes que cabiam ao condomínio, ou, quando assim se não entenda, tendo os RR. enriquecido sem causa à custa dos AA. Contestando alegaram os 1º a 4º RR. terem já vendido a fracção C a H..., que assumiu a responsabilidade integral por quaisquer importâncias provenientes de despesas do condomínio. Sendo por isso parte ilegítima relativamente à dita fracção C. Não sendo a 2ª Ré parte legítima na acção, já que é casada com o 1º R no regime de comunhão de adquiridos, sendo as fracções adquiridas por aquele e seus irmãos por doação e sucessão hereditária. Para além disso nunca foram os RR. convocados para qualquer assembleia de condóminos nem receberam qualquer convocatória nos termos do art.º 1432º, do Código Civil. Apenas tendo tomado conhecimento da acta relativa à 1ª assembleia em Maio de 2004, considerando aquela nula e de nenhum efeito. E “das outras alegadas assembleias” só tiveram conhecimento agora, através da presente acção”, posto o que igualmente são as mesmas e deliberações nelas tomadas, nulas. Desconhecendo quaisquer obras ou orçamento, se eram ou não necessárias e se de facto foram realizadas. E tais despesas de condomínio, a existirem, deveriam ser exigidas pelo administrador, em nome do condomínio., após deliberação da assembleia de condóminos, devidamente convocada. Sendo que “a questão do enriquecimento sem causa deve ser pedida ao condomínio e não a alguns condóminos de per si”. Rematam com “a procedência das excepções de ilegitimidade deduzidas e das impugnações apresentadas” e a “consequente absolvição total dos RR. e a condenação dos AA.”, requerendo ainda a apensação da “acção de anulação contra o Condomínio” apresentada “nesta data e neste tribunal” à presente. Dizendo a 5ª Ré, em contestação autónoma, que não esteve presente na assembleia de 29-07-2007 e que quando recebeu a convocatória para a assembleia de 11-10-2004 já as obras estavam a ser realizadas. Nunca tendo recebido cópia das actas respectivas, sendo que a n.º 3 nem datada está. E a sua concordância com a realização das obras estava condicionada a prévia obtenção de vários orçamentos, tendo sido pedido apenas um. Sendo em qualquer caso excessivas e desproporcionadas as despesas que alegadamente os AA. terão suportado, em função do estado do telhado antes da realização das obras. Conclui com a sua absolvição do pedido. Houve resposta dos AA., sustentando a improcedência das “excepções deduzidas”. Requerendo aqueles, em subsequente requerimento, a “intervenção provocada” de H... e I..... Considerando que os RR. alegam ter vendido aos chamados a fracção autónoma C do prédio respectivo, e pretenderem os AA. assegurar assim um efeito útil relativamente à sentença que venha a ser proferida no processo. Admitida a requerida intervenção, por despacho de folhas 143, e citados os chamados, apresentaram os mesmos contestação, por impugnação, e sustentando ainda nenhuma responsabilidade terem no tocante às despesas de condomínio em atraso. Continuando o anterior proprietário responsável pelos encargos que foram gerados durante o período em que foi proprietário. Para além disso, as deliberações referidas pelos AA., que deram origem à realização das obras, foram anuladas por sentença de 04-10-2007, proferida no tribunal e processo que identifica. Rematando com a sua absolvição do pedido. Por despacho de folhas 174 foram os AA. convidados a apresentar novo articulado versando sobre pontos considerados relevantes para a decisão da causa. Ao que os mesmos corresponderam, localizando as alegadas obras em Agosto de 2004. E justificando-as com a circunstância de o telhado do edifício se encontrar em risco de queda devido à falta de manutenção, do que também resultava a frequente entrada de água no interior das fracções, em particular nas do último andar. Apresentando-se a porta do edifício esburacada, não fechando convenientemente. Sendo o custo total pago pelos condóminos de € 19.165,00, de que € 2.125,00 correspondem ao arranjo da porta. Tendo os RR. pago, quanto às obras do telhado, € 6.816,00, e pelas obras da porta, € 706,96, “a que corresponde a sua parte e a parte dos três RR.”, no dia 15-09-2004. Com tais obras tendo sido também dado cumprimento a uma ordem da C. M. de Oeiras. Respondendo a tal aperfeiçoamento reiteraram do 1º a 4º RR. o vertido na contestação. O processo seguiu seus termos, com saneamento – considerando-se todos os RR, e designadamente o C... e a D...., parte legítima – sendo dispensada a selecção da matéria de facto assente e a fixação da base instrutória. Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR e os intervenientes do pedido. Inconformados recorreram os AA., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1- Os pontos de facto que os apelantes consideram incorrectamente julgados (alínea a) do n° 1 do artigo 690°-A do Código de Processo Civil) são os constantes dos pontos 1 a 7 dos factos dados como não provados. 2- O testemunho gravado da testemunha J.... (CD – 00:00 a 00:14), cotejados com os demais elementos probatórios do processo impunham decisão diversa dando, em consequência como provados os factos 1 a 7 dos factos não provados (alínea b) n° 1 do artigo 690°-A do CPC). 3- Dever-se-ia ter dado como totalmente provados os pontos 1 a 7 dos factos dado como não provados pois ficou provado que sem o total da verba a obra não se realizaria, que os autores procederam aos pagamentos das obras, no telhado e na porta de entrada do edifício, em substituição dos RR., no montante de 5.642,22 €, que o telhado do imóvel encontrava-se em risco iminente de queda, que pelas obras pagaram os condóminos daquele edifício o montante de 19.165,00 € correspondendo 17.040,00 € ao telhado e 2.125,00 € à porta, que os pagamentos das obras do telhado foram efectuados directamente por cada condómino ao empreiteiro tendo os aqui R que corresponde a sua parte e a parte dos três RR., que pela porta o condomínio pagou a quantia de 357,60 € pelo que do orçamentado 2.125,00 € os condóminos pagaram a quantia de 176,74 €, e que pagaram os AA a quantia total de 5.642,22 € cuja soma corresponde ao montante de 1.880,74 €, soma das obras no telhado e porta de entrada, quantia devida por cada fracção pertencente aos RR. 4- Os autos revelam uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão da matéria de facto nos concretos pontos questionados pois foi ignorado o teor do depoimento da testemunha J... assim como os factos constantes da acta n° 3 cujo conteúdo aquela testemunha confirmou. 5- Determina o artigo 437° do Código Civil que aquele que, sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 6- A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou e compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 7- Com a alteração da matéria de facto, fica provado a despesa que os autores tiveram na obra ficando demonstrado o empobrecimento destes e um enriquecimento dos réus que está traduzido quer na mais valia trazida ao edifício quer pelas obras, quer pelo pagamento da dívida que não tiveram de fazer. 8 Existiu um co-relacionamento directo entre o enriquecimento dos réus e o empobrecimento dos autores.”. Requerem a revogação da sentença recorrida, alterando-se “a decisão do tribunal de primeira instância sobre a fundamentação de facto com a consequente aplicação do direito aos factos dados como provados, dando-se como totalmente procedente por provada a petição deduzida pelos apelantes”. Contra-alegaram os 1º a 4º RR., pugnando pela manutenção do julgado. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pelos Recorrentes. Sendo que, no caso dessa alteração, caberá então reapreciar a questão do invocado enriquecimento sem causa dos RR. * Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte: “a. O prédio sito na Rua ...., n° ..., ..., ... e ... encontra-se constituído em propriedade horizontal correspondendo à fracção A a permilagem de 100, à fracção B a permilagem de 112,5, à fracção C a permilagem de 100; à fracção D a permilagem de 87,5; à fracção E a permilagem de 112,5; à fracção F a permilagem de 100; à fracção G a permilagem de 87,5; à fracção H a permilagem de 75; à fracção I a permilagem de 125 e à fracção J a permilagem de 100, conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 247 a 249. b. Encontra-se inscrita a favor dos Autores a aquisição da fracção J a que corresponde o 4° Esq. do edifício em propriedade horizontal sito no n° ... da Rua ... no Dafundo na ficha ... da freguesia de Carnaxide da ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras conforme consta da certidão que dos autos é fls 16 a 24. c. Encontrou-se inscrita a favor dos 1° Réu, casado com a 2ª Ré no regime de comunhão de adquiridos e a favor dos 3°s e 4° Réus a aquisição da fracção C a que corresponde o 1° Dto do edifício em propriedade horizontal sito no n° ... da Rua ... no Dafundo na ficha ... da freguesia de Carnaxide da ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras conforme consta da certidão que autos é fls 16 a 24. d. A aquisição da fracção C a que corresponde o 1° Dto do edifício em propriedade horizontal sito no n° ... da Rua ... no Dafundo na ficha ... da freguesia de Carnaxide da ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras conforme consta da certidão que dos autos é fls 16 a 24 encontra-se inscrita a favor de H.... casado com I...., pela apresentação .... de 27-4-2005. e. Encontra-se inscrita a favor dos 1° Réu, casado com a 2ª Ré no regime de comunhão de adquiridos e a favor dos 3°s e 4° Réus a aquisição, por morte da fracção F a que corresponde o 2° Esq. do edifício em propriedade horizontal sito no n° ... da Rua ... no Dafundo na ficha ... da freguesia de Carnaxide da ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras, conforme consta da certidão que dos autos é fls 16 a 24. f. Encontra-se inscrita a favor da 5ª Ré, pela ap. de 13-08-1997 a aquisição, por compra, da fracção E a que corresponde o 2° Dto. do edifício em propriedade horizontal sito no n° ... da Rua ... no Dafundo na ficha ... da freguesia de Carnaxide da ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras, conforme consta da certidão que dos autos é fls 16 a 24. g. Os Autores habitam o último andar do prédio. h. Em 9-7-2003 G...., K... L... N... O... P... e C... foram notificados pela Câmara Municipal de Oeiras para no prazo de 90 dias úteis, contados da data da "recepção do presente ofício, proceder em conformidade com o que lhe é imposto no auto de vistoria de que se junta cópia, .. Mais se informa Ex.a que existem programas de financiamento público que subsidiam a recuperação de imóveis,... Caso não assegure o cumprimento da medida da tutela de legalidade urbanística que pelo presente lhe é imposta, incorre em ilícito de mera ordenação social". i. Mais ali se escreveu "Julga-se de notificar todos os proprietários, na medida em que o prédio não tem administração constituída e os problemas tem origem em partes comuns. No entanto, encontram-se em falta os dados do proprietário do 1° Esq." j. O auto de vistoria refere, quanto ao local desta "Av. .... N° .... – 4º andar Esq." e que a referida fracção carece das seguintes beneficiações: "Supressão de infiltrações em tectos e paredes da generalidade dos compartimentos da fracção 4° esquerdo; Substituição dos elementos de madeira que se encontram apodrecidos, devido às infiltrações; 3. Reparação geral da cobertura, de forma a colmatar as deficiências referidas anteriormente; 4- Reparação geral das paredes exteriores, incluindo isolamento e pintura; 5. Pintura geral da caixa de escadas e eventual substituição ou reparação de elementos apodrecidos; 6- Reparação e pintura das zonas afectadas; " k. Foi remetida carta a B.... pela Câmara Municipal de Oeiras em 10-7-2003 na qual se lhe comunicava que "nesta mesma data vai ser remetida notificação aos proprietários, para no prazo de 90 dias úteis a contar da mesma, realizarem as necessárias obras/ou apresentarem candidatura a programas de financiamento público para recuperação de imóveis. Solicito a V. Ex.ª que, caso as obras não sejam efectuadas ou iniciadas no prazo concedido, dê conhecimento desse facto a esta Câmara Municipal, presumindo-se, em caso contrário, que estas sem encontram realizadas, sendo o processo consequentemente arquivado", conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 349. 1. Em 3-11-2003, o Réu C.... respondeu à Câmara Municipal de Oeiras em que declara “Desde já declaramos formalmente a nossa intenção de colaborar na medida do possível na Administração do Condomínio que se venha a estabelecer... dado que as duas fracções que ainda possuímos nesse prédio estão arrendadas, a nossa colaboração estará limitada aos escassos proveitos delas recebidas pela nossa Família, nos termos de jurisprudência já emanada pelos doutos tribunais portugueses", conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 345-346. m. Foi elaborada acta de Assembleia de Condóminos do Prédio sito no ... da Rua .... no Dafundo de 22 de Setembro de 2003 onde se fez constar que os condóminos presentes acordaram que deveriam ser levadas a cabo obras no telhado do edifício a serem realizadas assim que possível, conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 25 a 26. n. Foi elaborada acta de Assembleia de Condóminos do Prédio sito no .... da Rua ... no Dafundo de 19 de Julho de 2004 onde se fez constar que os condóminos presentes acordaram que "as obras fossem em três prestações e que cada condómino tem a pagar 1.704 €, que deviam ser pagos em três prestações uma de € 681,60 (Seiscentos e oitenta e um euros e sessenta cêntimos) e duas de € 511,20 (Quinhentos e onze euros e vinte cêntimos) conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 27. o. Foi elaborada acta de Assembleia de Condóminos do Prédio sito no ... da Rua .... no Dafundo de Outubro de 2004, onde se fez constar a aprovação da realização de obras no telhado bem como o orçamento no valor de € 17.040€, conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 28-29. p. Mais se fez aí constar a aprovação da realização de obras na porta de entrada no prédio e o orçamento de € 2.125 E. q. Correram termos no ... Juízo de Competência Cível deste tribunal, uns autos de processo ordinário, com o n.º ...., deduzido por C..., F.... e E...., residentes na Avenida ...., ...., em Lisboa, contra o Condomínio do prédio sito no ... da Rua ..., Cruz Quebrada, Dafundo, Oeiras, acção declarativa de condenação pedindo a declaração a nulidade, ou subsidiariamente, a anulação de todas as deliberações tomadas nas assembleias de condomínio do prédio em 19.7.04 e data desconhecida de Outubro do mesmo ano, invocando que não foram para as mesmas convocados nem destas tiveram conhecimento a não ser agora, através de acção judicial, que veio a ser julgada procedente em 4-10-07, tendo sido proferida sentença, transitada, determinando "a anulação das deliberações tomadas pelas Assembleias Gerais de Condóminos de 19.7.04 (Acta n° 2) e de Outubro de 2004 (Acta n° 3) do prédio sito no .... da Rua ..., Cruz Quebrada, Dafundo, Oeiras, conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 224 a 226 r. Foram efectuadas obras no telhado do prédio com substituição de barrotes e de telha. s. Também foi substituída a porta de entrada do prédio. t. Estas obras já estavam realizadas antes da compra da fracção pelos chamados. u. Os Réus C...., F.... e E.... nunca foram convocados para qualquer Assembleia de Condóminos do Prédio sito no .... da Rua .... no Dafundo. v. Após os Réus H.... e I... terem adquirido a fracção C não foram efectuadas quaisquer obras no prédio. w. Havia infiltrações na fracção dos Autores. x. A porta não fechava convenientemente. y. H... declarou em 4-2-2005: "relativamente à compra por mim efectuada da fracção autónoma designada pela letra C, a qual corresponde ao 1° andar direito, tem pleno conhecimento da existência de um eventual condomínio, assumindo assim a responsabilidade pelo pagamento de quaisquer importâncias que possam vir a ser legalmente exigidas pela entidade que afirme representar o respectivo condomínio".”. Julgando-se não provado que: “1. Sem o total da verba a obra não se realizaria, 2. Os Autores procederam (os) ao pagamento das obras, no telhado e na porta de entrada do edifício, em substituição dos RR. no montante de € 5.642,22 3. O telhado do imóvel encontrava-se em risco iminente de queda 4. Pelas obras pagaram os condóminos daquele edifício o montante de € 19.165,00 (Dezanove mil cento e sessentas e cinco euros) correspondendo € 17.040,00 (Dezassete mil e quarenta euros) ao telhado e € 2.125,00 (Dois mil cento e vinte e cinco euros) à porta. 5. Os pagamentos das obras do telhado foram efectuados directamente por cada condómino ao empreiteiro tendo os aqui RR. pago que corresponde a sua parte e a parte dos três RR. que corresponde a sua parte e a parte dos três RR.”. 6. Pela porta o condomínio pagou a quantia de € 357,60 (Trezentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos) pelo que do orçamentado, € 2.125,00 (Dois mil cento e vinte e cinco euros) os condóminos pagaram a quantia de € 176,74 (Cento e setenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos). 7. Pagaram os AA. a quantia total de € 5.642,22 (Cinco mil seiscentos e quarenta e dois euros e vinte e dois cêntimos), cuja soma corresponde ao montante de € 1.880,74 (Mil setecentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos), soma das obras no telhado e porta de entrada, quantia devida por cada fracção pertencente aos RR. Sendo desde já de suprir o lapso da repetição da expressão “que corresponde a sua parte e a parte dos três RR.”, no antecedente ponto 5, e o da omissão de “a quantia de € 6.816,00 (seis mil oitocentos e dezasseis euros)”, a seguir a “tendo os aqui RR. pago”, no mesmo ponto 5. Imediatamente constatáveis, aqueles, no confronto da correspondente fonte, a saber, o teor do art.º 7º do “aperfeiçoamento” apresentado pelos AA. a folhas 214 e 215. * Vejamos. II-1- da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto. 1. Pretendem as Recorrentes, que face à prova produzida, deveria ter sido considerada provada a matéria dos “pontos 1 a 7 dos factos dados como não provados.”. E isto, assim, apelando ao depoimento da testemunha J.... “cotejado(s) com os demais elementos probatórios do processo”, que adiante referem como sendo os constantes “da acta n° 3”. 2. Fundamentando-se a decisão da matéria de facto, e na parte assim posta em crise, nos termos seguintes: “Quanto aos factos referidos em: 1- Na falta de produção de prova neste sentido; 2- , 4), 5-), 6-), 7)-Na ausência de prova que se entendesse credível nesse sentido: a testemunha J..., apresentada pelos Autores e que depôs com isenção, embora não tivesse observado o imóvel, nem participado em qualquer reunião de condóminos, conversou com os AAs à data e refere que teve conhecimento de orçamentos de valor muito inferior aos alegados e em data cerca de um ano posterior a Agosto de 2003. Assim, com o seu depoimento pôs em causa que tenha sido adjudicado a obra proposta pelo orçamento de fls. 110 a 111 a Q... a obra e logo a veracidade das facturas de fls. 244, 245, 324 e 325. 3- Na falta de prova nesse sentido: nenhum documento o refere nem as testemunhas que observaram o imóvel o referiram.” . 3. Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no art.º 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão que, também com base neles, proferida foi. A reforma processual de 1995/96, implementando “um verdadeiro segundo grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto, já resultante de diploma anteriormente aprovado”,[1] veio ampliar os poderes do Tribunal da Relação quanto a tal matéria, transformando-a num tribunal de instância que não já “apenas” um tribunal de “revista” quanto à subsunção jurídica da factualidade assente. Com recusa, porém, de soluções que contemplassem ou impusessem a realização de novo julgamento integral em segunda instância. Ainda assim, um tal sistema acarreta riscos, e, desde logo, o de se “atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade”... Pois “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie, e que jamais podem ficar gravados ou registados, para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. [2] É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.".[3] E a fixação da matéria de facto, há-de ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento daquele possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu. Assim a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente.[4] Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, já que: “I - A plena efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância - um novo julgamento, no sentido de produzir ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória -, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. II - A reapreciação da matéria de facto é feita nos termos do princípio da livre apreciação da prova, obtida a partir do registo dos depoimentos que a 1.ª instância pôde valorar com respeito pela regra da imediação, de forma a apurar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.”.[5] E, na mesma linha, o Acórdão desta Relação, de 10-11-2005[6]: “II- A alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil só pode ter lugar quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara tal solução e não quando essa análise possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto;”. Ponderado tendo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, Série II, de 2 de Junho de 2004, que: «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (…) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo. A imediação, que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» (o negrito é nosso). * Isto posto: 4. Quanto à matéria do ponto 1 temos que os próprios Recorrentes não reportam o depoimento da indicada testemunha J.... àquela, mas apenas à dos pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7, vd. folhas 461/folhas 2 das alegações respectivas. Pretendendo, quanto “ao facto dado como não provado com o n.º 1”, que “a prova de tal facto resulta de uma constatação de facto apelando às regras da experiência: É óbvio que sem se pagar a totalidade da verba necessária para efectuar a obra, esta não se realizaria”, cfr. folhas 463/folhas 4 das mesmas alegações, último parágrafo. Ora um tal “facto” não é notório – cfr. art.º 514º, n.º 1, do Código de Processo Civil – nem de presumir, vd. art.º 349º do Código Civil. Com efeito, pode ser acordado que a totalidade do pagamento só se fará com a recepção da obra, ou a certo termo de prazo da conclusão daquela, ou que uma parte do preço da empreitada – quando for esse o caso – será paga apenas no final da obra, ou depois daquele. Nada impondo que a totalidade do custo da obra tivesse que estar paga antes da realização da mesma, como alegado vinha pelos AA. no art.º 13º da sua p.i. Diga-se, em qualquer caso, que nem a referenciada testemunha manifestou conhecimento a propósito, apenas sabendo dizer que de acordo com o que lhe foi transmitido pelos AA., as obras seriam a efectuar depois de realizada a assembleia de condóminos de Outubro de 2004. Assim, e sem necessidade de maiores considerações improcedendo aqui as conclusões dos Recorrentes. 5. Quanto à matéria dos factos não provados n.ºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Trata-se naqueles, e como visto já, do alegado pagamento, pelos AA. e demais condóminos do prédio – à excepção dos RR. – das obras, no telhado e na porta de entrada do edifício, e do custo de tais obras e montantes pagos, designadamente pelos AA. e em substituição dos RR., Bem como do pretendido risco iminente de queda do telhado. Ora a testemunha J... foi expressa em referir que “Eu nunca lá fui, eu nunca vi o prédio”. Explicando que na sua qualidade de advogada foi contactada pelos AA, para “fazer uma acta de umas obras no prédio”. Sendo o seu conhecimento reportado às “obras que eles me relataram…”. Tal como quanto à situação do prédio também apenas sabe o que lhe foi relatado pelos AA. Referindo ter visto três orçamentos, cuja autoria não recorda, apenas se lembrando que seriam orçamentos muito simples, tendo sido optado “pelo mais barato”, “cinco mil e qualquer coisa…euros…Eles já levavam os orçamentos”. Sendo que aquando da reunião a que reporta a acta n.º 3, “As obras não estavam feitas, o que havia eram os orçamentos”. Os quais “Eram orçamentos muito simples…muito recentes”, não se lembrando do seu teor. Tendo a acta n.º 3 sido redigida depois da “reunião”, com base no que os AA. lhe disseram. Não tendo assistido a qualquer pagamento – “não vi pagar” – mais referindo que “Não sei quando é que foram feitas as obras”. Esclarecendo que os AA. a procuraram em Setembro de 2004, a “reunião” foi em Outubro de 2004, e as obras seriam a efectuar depois da “reunião”. Quando é certo vir alegado pelos AA. que as obras foram “ efectivamente realizadas no mês de Agosto do ano de 2004”…que pelas mesmas “pagaram os condóminos daquele edifício o montante de € 19.165,00”…e que os AA. pagaram a sua parte bem como a dos RR….no dia 15 de Setembro de 2004… Também não sustentando a pretensão dos Recorrentes o teor da acta n.º 3 E nem exactamente por documentar aquela deliberações da assembleia de condóminos respectiva que foram anuladas – “porque tomadas em violação da lei” – por sentença transitada em julgado. Mas por isso que reportando-se aquela a uma assembleia reunida em Outubro de 2004 – curiosamente sem referência ao dia respectivo – dela, ainda que cotejada com as anteriores (n.ºs 1 e 2), não resulta a efectividade de quaisquer pagamentos a empreiteiro, seja por parte dos condóminos, individualmente, seja por parte do “condomínio”. Como também não, e desde logo, que “Sem o total da verba a obra não se realizaria”, ou que “O telhado do imóvel encontrava-se em risco iminente de queda.”. A coincidência é apenas no montante do custo das obras…que contudo se mostra bem distante do que a propósito referiu a testemunha J..... Observe-se ainda – conquanto não se trate este de elemento especificado pelos Recorrentes – que os recibos apresentados pelos AA. – vd. folhas 244, 245, e 324 a 326 – porque datados de 16-09-2004, 15-09-2004, 14-09-2004, 15-09-2004 e 15-09-2004, são anteriores à suposta “aprovação” do orçamento das obras, em Outubro de 2004, e deles resulta – considerando o n.º de fracções autónomas, vd. folhas 246, e o alegado pelos AA. no sentido da igualdade de pagamentos a efectuar pelos condóminos – um valor absolutamente desligado, por excesso, do referido pela testemunha dos RR. J.... Sendo pois de manter, também aqui, a decisão da 1ª instância. Com improcedência do ex adverso concluído pelos Recorrentes. II – 2 – Da questão de direito. Pressupondo os Recorrentes, no tocante ao seu arrogado direito, nos quadros do enriquecimento sem causa, a alteração da “decisão do tribunal de primeira instância sobre a fundamentação de facto”, temos que improcedendo a impugnação de tal decisão, naufraga necessariamente a correspondente pretensão à “restituição” daquilo com que os RR./recorridos se teriam injustamente locupletado à sua custa. Ainda assim, sempre se dirá: 1. Nos termos do art.º 473º, n.º 1, do Código Civil, “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. E (n.º 2), “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”. Tratando-se, em qualquer caso, de uma obrigação subsidiária, que apenas tem lugar quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, cfr. art.º 474º, do Código Civil. Como se poderia pretender ocorrer, na hipótese desenhada pelos AA., quando sustentável fosse o interesse directo destes na satisfação do crédito do empreiteiro (?) sobre os RR. (?), determinando a sub-rogação dos AA., por via da “efectuada” prestação, nos direitos de tal credor (…), nos termos do art.º 592º, n.º 1, do Código Civil. No confronto do citado art.º 473º, a doutrina vem distinguindo no âmbito do enriquecimento sem causa, o enriquecimento por prestação, o enriquecimento por intervenção, e ainda o enriquecimento por despesas efectuadas em benefício de outrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio. E, na área do enriquecimento por despesas efectuadas em benefício de outrem, considera habitualmente as modalidades do enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias e o enriquecimento por pagamento de dívidas alheias.[7] Aquela última – única que aqui poderia estar em causa – “constitui uma hipótese em que o empobrecido liberta o enriq uecido de determinada dívida que este tem para com um terceiro sem visar realizar-lhe uma prestação nem estar abrangido por qualquer uma das hipóteses em que a lei lhe permite obter uma compensação por esse pagamento.”.[8]-[9] Como quer que seja jogam sempre, no enriquecimento sem causa, três pressupostos genéricos, quais sejam: a) a obtenção de um enriquecimento; b) à custa de outrem; e c) sem causa justificativa. Ora, provados factos de que resulta a incontornável valorização do prédio de que os RR., tal como os AA., são condóminos, pela realização das obras no telhado e na porta, ponto é, desde logo, que não resulta da factualidade apurada o enriquecimento sem causa dos primeiros, nem o correlativo empobrecimento dos segundos. Não se provou que os AA. hajam pago o que quer que seja por tais obras, nem assim que, ao fazê-lo, se tivessem ainda substituído aos RR. pagando a parte que a estes caberia no preço global da suposta empreitada. Sendo de assinalar que a matéria do ónus da prova constitui um dos “raros oásis de consenso”,[10] no âmbito do enriquecimento sem causa: na verdade, é doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo. Podendo ver-se, na jurisprudência, e por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-01-2004,[11] em cujo sumário se lê: I- A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume no tipo legal do artigo 473.º do Código Civil a natureza de elemento constitutivo do direito, devendo os respectivos factos integradores ser, pois, qualificados como constitutivos do direito à restituição, mesmo em caso de dúvida, e cabendo por consequência ao autor deste pedido o concernente ónus probatório, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor (artigo 342.º, n.ºs 1 e 3); II - No plano da interpretação e aplicação do direito envolvido na repartição do ónus da prova não relevam as dificuldades probatórias dos factos negativos; III - Competindo ao autor do pedido de restituição o ónus da prova da falta de causa do enriquecimento, à prova que neste sentido seja lograda pode o réu opor contraprova destinada a tornar essa falta duvidosa, de forma que, alcançando sucesso, a questão é decidida contra o autor (artigo 346.º); IV - No quadro das proposições antecedentes, a alegação pelo réu de factos integradores de uma causa justificativa do enriquecimento compreende-se unicamente como exercício de contraprova, e a falta de prova dos factos neste sentido alegados apenas surte consequentemente efeitos jurídico-processuais desfavoráveis ao réu caso seja cumprido pelo autor o correspectivo ónus probatório.”. E, na doutrina, Antunes Varela,[12] refere expressamente: “A falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art.º 342º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal dessa falta de causa”. No mesmo sentido se pronunciando Almeida Costa,[13] e também, Menezes Leitão.[14] Naturalmente, e de acordo com as regras do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil. Certo também, e em qualquer caso, não estar assim em causa uma prova diabólica ou impossível, de facto negativo, que colocasse o empobrecido “na posição de, praticamente, ter que eliminar toda e qualquer causa justificativa da transmissão patrimonial operada teoricamente pensável para poder ver acolhida a sua pretensão;”.[15] Improcedem assim por completo as conclusões dos Recorrentes. III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida. Custas pelos Recorrentes que decaíram totalmente. Lisboa, 2010-03-11 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Neto Neves) [1] Vd. Preâmbulo do Dec-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, sendo o diploma anterior o Dec-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro. [2] Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 3ª Ed., Almedina, 2000, págs. 273 e 274. [3] Vd. Eurico Lopes Cardoso, in BMJ n.º 80, págs. 220/221. [4] Dito ainda de outro modo, apenas poderá ter lugar a alteração das “respostas” à matéria de facto, em casos pontuais e excepcionais, quando se verifique que aquelas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 20-02-2001, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf. [5] Acórdão de 21-06-2007, proc. 06S3540, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. vd. também, em sentido convergente, o Acórdão daquele Tribunal, de 20-09-2005, proc. 05A2007, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. 8 Proc. 3876/2005-6, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [7] Luís Manuel Telles de Menezes leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 2005, págs. 413-421. [8] Idem, pág. 415. [9] Note-se que se a prestação for efectuada na convicção do terceiro de estar obrigado para com o devedor a cumprir essa obrigação tem lugar a aplicação do enriquecimento por prestação em relação a esse devedor (art.º 478º). [10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2006 Proc. 06A274, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. Note-se que se a prestação for efectuada na convicção do terceiro de estar obrigado para com o devedor a cumprir essa obrigação tem lugar [11] Proc. 03B1815, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. No mesmo sentido podendo ver-se o Acórdão desta Relação, de 15-11-99, proc. 9950877, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [12] In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 488. [13] In “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., Almedina, 2001. pág. 458, Nota 2. [14] In op. cit., pág. 396. [15] Como se preferiu entender no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado supra, em nota 9, para concluir que importa “circunscrever e delimitar minimamente o ónus probatório do autor da acção de enriquecimento; e quando esta se funde, como aqui sucede, na circunstância de ter sido recebida determinada importância em vista de um efeito que não se verificou, a delimitação deverá traduzir-se no seguinte: o autor (empobrecido) precisa de demonstrar, não que não existe qualquer causa, seja ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu (enriquecido) – alegadas, note-se, e não necessariamente provadas – não existem.”. Com o que, e salvo o devido respeito, ao fim e ao cabo se inverteu a regra do ónus da prova, sem verdadeiro apoio legal. |