Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10951/22.6T8LSB-A.L1-6
Relator: JOÃO MANUEL P. CORDEIRO BRASÃO
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Havendo acção intentada, sem êxito, pelo empobrecido, a fim de obter a satisfação do seu crédito, o prazo de prescrição, de três anos, previsto no art.º 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado daquela decisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório

Football Capital, S.A. interpôs a presente acção comum, contra Sporting Clube de Portugal, Futebol S.A.D., peticionando:

a) Condenar-se a Ré a pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 603.750,00€ (seiscentos e três mil setecentos e cinquenta euros);
b) Condenar-se a Ré a pagar à Autora, a título de juros de mora vencidos sobre a referida quantia, calculados à taxa legal supletiva de juros comerciais de 8% (oito por cento), a quantia de 165.543,29€ (cento e sessenta e cinco mil quinhentos e quarenta e três euros e vinte e nove cêntimos); e
c) Condenar-se a Ré a pagar à Autora os juros de mora vincendos sobre a quantia referida na alínea a), à predita taxa legal supletiva, calculados até efeito e integral pagamento.

Alega, em suma, que instaurou contra a R. ação declarativa de condenação, em processo comum, acção que foi autuada com o n.º 1691/19.4T8LSB, e que correu termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 12, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito da qual foi proferida sentença que decidiu julgando a acção totalmente procedente, condenar a ré a pagar à autora a quantia de €603.500,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 31.947,95€ e dos vincendos, à taxa legal, desde 25/01/2019, até integral pagamento. Julgou ainda improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré.
Irresignada com a decisão em causa, a ali e aqui R. interpôs recurso de apelação de tal sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por Acórdão de 23.03.2021, julgou totalmente improcedente a apelação e confirmou integralmente a decisão proferida em 1.a Instância.
A R. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual, tendo sido admitido, foi objecto de Acórdão datado de 30.06.2021, por meio do qual o STJ concedeu a revista, “revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou a ré, absolvendo- a do pedido”, declarando a inexistência do contrato em questão.
Defende a autora que, por força da inexistência de causa declarada pelo STJ, pode agora demandar a ré com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, alegando que a ré se enriqueceu à custa da actividade empreendida pela A e com os resultados por esta alcançados, sendo que a causa deixou de existir e por isso esse enriquecimento é injustificado.
A ré apresentou contestação, impugnando parte da factualidade vertida na petição inicial e excepcionando o caso julgado e a prescrição do direito da autora, propugnando pela improcedência da demanda.
A autora respondeu, sob convite, propugnando pela improcedência das excepções.
Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se apreciaram as excepções, com os seguintes dispositivos:

Assim, improcede a excepção do caso julgado, mas declara-se que existe força de caso julgado quanto à factualidade que já foi apreciada na anterior acção e quanto à decisão que considerou inexistente o contrato celebrado entre as partes e retirou dessa inexistência as suas consequências.
Considerando que a decisão proferida na acção anterior data de 30.06.2021 e transitou em julgado e esta acção foi intentada em 2.05.2022, não havia decorrido ainda o prazo de prescrição aplicável, pelo que improcede esta excepção.
Prosseguiram os autos, mediante delimitação do objecto do litígio e selecção dos temas da prova.
*
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso da decisão proferida em sede de despacho saneador em 19/02/2024 (Ref.a 430502176), na parte em que julga não verificada a exepção dilatória de caso julgado e, subsidiariamente, na parte em que julga inverificada a prescrição do direito invocado pela autora, e ainda na parte em que não aprecia a excepção peremptória (inominada) da inaplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa.
DA VERIFICAÇÃO DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO
B) A decisão recorrida não realiza cabal destrinça entre os conceitos de "causa de pedir" e de "qualificação jurídica dos factos".
C) Pois no âmbito da presente acção, a recorrida não apresenta causa de pedir distinta daquela que havia apresentado na petição inicial da acção originária (Proc.º n.º 1691/19.4T8LSB, e que correu termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 12, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa).
D) O que a autora faz, isso sim, é envolver essa mesma pretensão - baseada no mesmo núcleo factual alegado na acção primitiva - numa diferente roupagem jurídica.
E) Ao invés de alegar novos factos consubstanciadores do enriquecimento da ré e do concomitante empobrecimento da autora, e de fundar o seu pedido nessa nova factualidade, a autora baseia-o no contrato firmado com a ré, já declarado inexistente através de decisão transitada em julgado.
F) A autora não peticiona na presente acção a "condenação da ré com base NO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA", mas sim o pagamento, pela ré, do montante que lhe foi facturado no âmbito do contrato de intermediação declarado inexistente, no valor de 603.750,00€ - cfr. art.ºs 93, 94, 96, 98, 101, 102, 106, 107 e 108 da p.i..
G) O montante aqui peticionado (a título de capital), de €603.750,00, é, pois, nem mais nem menos do que o montante facturado no âmbito do contrato declarado inexistente, e corresponde exactamente ao valor que fora peticionado na acção primitiva - cfr. art.ºs 109, 110, 111, 154, 155 da p.i.
H) A autora alega que através do contrato declarado inexistente, a ré "fixou quantitativamente o valor por si atribuido à intervenção da A, reconhecendo, nessa medida, o seu enriquecimento, ao subtrair-se ao pagamento daquela obrigação" - cfr. art.ºs 154 e 155 da p.i..
I) Através deste artificio a autora pretende transformar uma mera alteração da "qualificação jurídica dos factos" numa verdadeira inovação quanto ao "pedido" e à "causa de pedir", mas sempre revelando o que realmente pretende na presente acção, a saber, o "pagamento daquela obrigação" contratual (decorrente do contrato declarado inexistente na acção originária).
J) Isso expõe-se ao longo de toda a sua petição, nomeadamente - e com expressiva clareza - quanto aos juros, que a autora contabiliza desde a data de vencimento das facturas emitidas no âmbito do contrato declarado inexistente, e não a partir da data do trânsito em julgado da decisão que o declarou inexistente, como necessariamente teria de fazer - caso, de facto, baseasse a sua pretensão nesta outra causa de pedir - cfr. art.ºs 185 e 186 e 187 da p.i..
K) Dúvidas não persistem de que o contrato invocado na primitiva acção é o mesmo facto jurídico concreto de que emerge o direito que a autora se propõe fazer declarar na presente acção (i.e., a causa de pedir, na concepção sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão relatado por Fonseca Ramos, e datado de 17-04-2018, disponível em http://www.dgsi.pt).
L) De resto, o putativo enriquecimento da ré, consubstanciado na inscrição do jogador Piccini ao serviço da equipa da ré e a revenda do passe jogador pelo montante de €8.000.000,00 encontra-se identicamente discutido (e provado) no processo primitivo e na p.i. apresentada no presente - cfr. al. B a E dos factos provados na acção primitiva, a que correspondem, respectivamente, os art.ºs 63, 65, 85 e 144 a 155, 86 da p.i.
M) Tendo sido alegados, correspectivamente, os mesmos actos executórios do contrato - identicamente alegados em ambas as acções (cfr. al. M (subal. a), b), c) d) e e)) dos factos provados na acção primitiva, a que correspondem, respectivamente, os art.ºs 16 e 17, 19 a 22, 33 a 36, 38, e 52 a 63 da p.i.) para sustentar - imagina-se - o putativo empobrecimento da autora.
N Ou seja, o enriquecimento da ré, e o correspectivo empobrecimento da autora, nos termos em que incipientemente vêm alegados nesta segunda acção, já o foram naquela acção primitiva.
O) Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013 Relator: Lopes do Rego), disponível em https://www.dgsi.pt, "Há identidade de causa de pedir quando o substrato factual de ambas as acções é precisamente idêntico, radicando a única diferença entre ambas no modo como - de um ponto de vista estritamente normativo, situado exclusivamente no plano da subsunção ou qualificação jurídica desses mesmos factos imutáveis - se procede ao respectivo enquadramento jurídico - reportando-o, na primeira acção, à pretensa actuação de uma cláusula de correcção do preço, inserida em contrato promessa já exaurido e, na segunda, referenciando essa mesma factualidade concreta, já inteiramente alegada na acção anterior, ao plano extracontratual do enriquecimento sem causa. É essa a configuração da acção e é esse o teor do seu pedido."
P) O que a autora pretende com a presente acção é obter o pagamento dos serviços que prestou à ré, ou seja, obter o mesmo exacto efeito prático-jurídico que lhe foi negado na acção originária.
Q) A inexistência do contrato não é um facto, nem introduz novidade ao núcleo factual alegado, que é manifestamente idêntico em ambas as acções.
R) A autora pretende cobrar o valor das facturas emitidas no âmbito desse contrato inexistente, mas essa pretensão já lhe foi negada por decisão transitada em julgado, motivo pelo qual uma decisão no sentido de deferir essa pretensão seria necessariamente contraditória com a proferida no âmbito da acção originária.
S) Se a autora pretendesse o reconhecimento do direito a uma restituição por via do enriquecimento sem causa, teria de alegar novos factos que consubstanciassem o enriquecimento da ré e empobrecimento da autora (nomeadamente invocando actos executórios do contrato que importassem despesas relevantes e comprováveis), e apresentar um pedido que se contivesse nos limites desse alegado enriquecimento e correspectivo empobrecimento.
T) Ao não se conter nesses limites, a autora repetiu a causa do primitivo pedido: cobrar as facturas não pagas pela ré, emitidas, contudo, no âmbito de um contrato inexistente.
U) Havendo, como há, identidade da causa de pedir e do pedido, como reconhecidamente existe identidade das partes, encontra-se preenchido o pressuposto da tríplice identidade de cuja verificação depende a excepção de caso julgado, excepção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da ré da instância.
V) Ao decidir de modo diverso, ordenando o prosseguimento da instância por considerar não verificada a identificada excepção dilatória, o despacho a quo violou o disposto no art.º 576.º, 577.º, 580.º e 581.º do CPC.
DA PRESCRIÇÃO
W)Quanto ao segmento em que analisa a excepção peremptória da prescrição, o despacho saneador em  crise adopta, declaradamente, posição jurisprudencialmente minoritária, a qual propugna que o dies a quo da contagem do prazo da prescrição do direito do empobrecido se fixa na data em que este toma conhecimento do direito à restituição, e não a partir do momento em que toma conhecimento dos elementos constitutivos desse direito.
X) Conforme alegado pela ré e parcialmente reproduzido no despacho a quo:
- A autora tem conhecimento do seu putativo direito desde a data do alegado vencimento das facturas emitidas no âmbito do contrato de intermediação, que alega ter ocorrido em 06.02.2018 e 04.09.2018, respectivamente (cfr. art.º 186 da p.i.).
-  A propositura da acção originária, data de 1 de Janeiro de 2019;
- A contestação da ré nessa acção, alegando a inexistência jurídica do contrato, foi notificada à autora em 28/02/2019;
- Tendo a autora invocado esse alegado direito ao pagamento do valor das facturas em sede de enriquecimento sem causa, explicitamente, na réplica aí apresentada em 03/04/2019 - cfr. relatório da decisão do STJ proferida naquele processo, e junta como documento n.º 15 da p.i..
- A presente acção foi proposta em 1 de Maio de 2022.
Y) O despacho recorrido sufraga o entendimento propugnado, entre outros, pelo acórdão do STJ de 10.12.2019, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c95ebf047700e8ee802584cd00550a3a?0penDocument, no sentido de que "o momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este "direito à restituição" a que alude a norma do art.º 482º do Código Civil."
Z) Ao contrário do que afirma o despacho recorrido, inexiste semelhança entre a situação desse aresto e a situação destes autos, pois ao contrário do que sucede naquele, no caso vertente a autora não poderia razoavelmente estar persuadida de que a lei lhe reconhecia o direito em que baseou a acção originária.
AA) E isto porque, conforme decorre da decisão transitada em julgado proferida naquela acção originária, a autora é uma "sociedade com experiência em consultoria relacionada com a actividade desportiva", e comprometeu-se a "aconselhar a Sporting CP na estratégia de negociação (,..)[tendente] à transferência do jogador", tudo "de acordo com os padrões que podem razoavelmente esperar-se de uma sociedade com experiência deste tipo de serviços" - facto assente identificado com o n.º 1 no Acórdão do STJ de 30 de Junho de 2021, proferido no âmbito da acção primitiva.
BB) O mesmo Acórdão identificou a actividade da autora como actividade de intermediação desportiva.
CC) A disciplina legal interna da actividade dos empresários desportivos concentrava-se, à data, no disposto na lei 28/90 de 26 de junho, mais concretamente nos 4 artigos que compunham o seu capítulo IV.
DD) Era, pois, exigível à autora que, tendo experiência nessa actividade, conhecesse esta "regulação normativa tão categórica", nos dizeres daquele douto aresto do STJ de 30 de Junho de 2021, que colocou termo ao processo originário, referindo-se ao art.º 23.º/4 da Lei 28/98.
EE) O conhecimento dessa norma, cujo incumprimento determinou a inexistência do contrato e desobrigou a ré do seu cumprimento, era e é exigível e por isso o seu desconhecimento é imputável à autora aqui recorrida.
FF) Desse modo, não podia esta considerar-se persuadida de que a lei lhe reconhecia o direito à contraprestação desse contrato, motivo pelo qual a tomada de conhecimento do alegado direito à restituição por enriquecimento sem causa ocorreu aquando do vencimento de cada uma das facturas em causa nos presentes autos, ocorrido em 06.02.2018 e 04.09.2018, respectivamente.
GG) De resto, não pode sufragar-se o entendimento jurisprudencial minoritário a que o Tribunal a quo adere.
HH)     O conceito de "conhecimento do direito à restituição" por enriquecimento sem causa deve ser interpretado como o conhecimento do preenchimento dos resspectivos pressupostos, e não pode deixar de reconhecer-se que os pressupostos desse putativo direito são conhecidos desde o vencimento das facturas, por ser exigivel à autora o conhecimento da categórica regulação normativa que disciplinava a sua actividade.
II) Mas caso assim não se entenda, sempre seria conhecido desde o momento em que a ré expressamente invocou a inexistência do contrato, aquando da apresentação da sua contestação na acção primitiva, notificada à autora em 28/02/2019.
JJ) Não podendo restar qualquer dúvida que a autora já conhecia esses pressupostos do seu suposto direito quando expressamente invocou este instituto, na sua réplica, apresentada em 03/04/2019.
KK) Desde qualquer desses momentos e até à data da apresentação da presente acção, decorreram mais de três anos, motivo pelo qual se encontra prescrito o direito invocado pela autora.
LL) A autora não estava obrigada a concentrar todos os fundamentos do seu pedido na acção que intentou (a acção primitiva), mas não o fazendo, como podia ter feito, por estar em condições de o fazer, não pode pretender suspender o calendário da prescrição - sibi imputet.
MM) A autora podia e estava em condições de ter apresentado um pedido subsidiário com base no instituto do enriquecimento sem causa aquando da apresentação da sua petição inicial na acção originária.
NN) Ainda que se considere que o conhecimento do direito à restituição apenas ocorreu numa das datas posteriores acima referidas - i.e., após a apresentação da p.i., o que não se concede - ainda assim poderia a autora ter, cumprindo os respectivos requisitos, ampliado o seu pedido, ou, alternativamente, apresentado uma nova acção dentro do prazo.
OO) De resto, considerando-se não verificados os pressupostos do caso julgado na presente acção por relação à acção originária - o que não se admite - também não se verificariam os pressupostos da litispendência numa acção intentada na pendência daquela.
PP) E o carácter subsidiário da aplicação do instituto igualmente o não impediria, pois sempre poderia invocar-se causa prejudicial, ficando esses autos a aguardar a decisão daqueloutros, tanto mais que a lei dispõe que "não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento", e não "enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituido", como erradamente se indica numa nota jurisprudencial transcrita na decisão a quo.
QQ) Nesse sentido, mas de modo mais radical, se exprime o Tribunal da Relação de Évora mediante Acórdão de 17-06-2021 (RELATORA: MARIA JOÃO SOUSA E FARO), DISPONÍVEL EM https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/6 60af38108d23b988025870600704d0d, no qual se sumaria: "não seria jamais o conhecimento do desfecho dessa acção de declaração de nulidade que relevaria para efeitos do "conhecimento" a que se refere o citado art.º482.
RR) Ao julgar improcedente a excepção de prescrição, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 482.º do Código Civil.
INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SS) Acresce ainda que, em sede de contestação, a ré invocou a inaplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa ao caso vertente, por considerar que (i) a lei aplicável - art.º 23.º/4 da Lei 28/98 - expressamente proíbe a remuneração do agente desportivo não registado e (ii) esse instituto não pode servir para reconstituir as obrigações dimanadas de um contrato inexistente.
TT) De facto, o motivo pelo qual o STJ, decidindo no âmbito da acção primitiva, determinou a não aplicabilidade do instituto do abuso do direito a uma relação jurídica inexistente, como a dos autos, tem fundamentos perfeitamente aplicáveis ao instituto do enriquecimento sem causa.
UU) A cominação da inexistência jurídica prevista na pretérita Lei 28/98, de 26 de junho, radica na especial relevância/grandeza económica dos negócios realizados no âmbito da actividade de intermediação desportiva, o que justifica que a relação contratual estabelecida com agente/intermediário desportivo não registado fosse considerada inexistente, igualmente se cominando com o vicio de inexistência jurídica as cláusulas que no contrato celebrado com agente não registado prevejam a respectiva remuneração (art.º 23.º, n.º 4 da Lei 28/98).
VV) Nesse sentido, no âmbito do processo originário (Proc.º 1691/19.4T8LSB), sentenciou o Supremo Tribunal de Justiça, com evidente identidade de razão entre ambas as situações em análise: o que está em causa, naquele caso como no presente, é vedar-se a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa - como o do abuso do direito - justamente para se evitar que, por essa via, o contrato inexistente produza os efeitos que a lei - cominando-o com tal vicio - pretendeu evitar que produzisse. 
WW)    E é nesse mesmo sentido que deve interpretar-se o disposto no art.º 474.º do Código Civil, na parte em que estabelece que "Não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei (...) negar o direito à restituição".
XX)  A lei nega - proibe mesmo - a remuneração dos agentes não registados no âmbito de contratos de intermediação desportiva - art.º 23/4 da Lei 28/98.
YY)  Pelo     exposto, deverá considerar-se inaplicável ao presente caso o instituto do enriquecimento sem causa, sob pena de se encontrar um expediente apto a contornar a expressa consagração da inexistência jurídica de uma situação jurídica que o legislador pretendeu desprover de todos e quaisquer efeitos jurídicos.
ZZ) Ao não se pronunciar sobre esta questão, expressamente suscitada pela Ré na contestação, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 595.º/1/b) do CPC, o qual impõe que o Tribunal, em sede de despacho saneador, conheça "imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória."
AAA) De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".
BBB) Devendo declarar-se nula a decisão a quo, nesta parte, substituindo-se a mesma por outra que declare improcedente a acção, por verificação da excepção peremptória (inominada) da inaplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa, com fundamento na sobredita interpretação do art.º 474.º do Código Civil.
TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado procedente:
A) revogando-se o despacho recorrido na parte em que julga improcedente a invocada excepção dilatória de caso julgado, e, subsidiariamente, na parte em que julga inverificada a prescrição do direito invocado pela autora; Sem prescindir,
B) declarando-se a nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia, e verificada a invocada excepção peremptória (inominada), com as legais consequências;
*
A autora contra-alegou, propugnando pela improcedência da apelação.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Da nulidade da decisão recorrida.
Da excepção de caso julgado.                            
Da prescrição do crédito invocado por enriquecimento sem causa.
*
III. Os factos

Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados:

a) Na acção declarativa de condenação, em processo comum, com o n.º 1691/19.4T8LSB, intentada pela A contra a ré e que correu termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 12, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito da qual foi proferida sentença que decidiu:
“Julgo a acção totalmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 603.500,00 (seiscentos e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vencidos no valor de 31.947,95€ e dos vincendos, à taxa legal, desde 25/01/2019, até integral pagamento.
2. Julgo improcedente o pedido reconvencional.
3. Julgo improcedente o pedido de litigância de má-fé da Ré”.

b) Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 23.03.2021, mas — em recurso de Revista excepcional interposto pela Ré — o STJ por Acórdão datado de 30.06.2021, concedeu a revista, “revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré, absolvendo- a do pedido”, declarando a inexistência do contrato em questão.

c) Nesta decisão, o STJ considerou que não poderia conhecer do enriquecimento sem causa nos termos que constam de fls.11 e 12 do Acórdão, cujo teor danos por integralmente reproduzido

d) No que diz respeito à restituição da quantia de €86.250,00, que a ré peticionou em reconvenção, considerou o STJ que a decisão das instâncias a este respeito transitou, mas que em termos substantivos a restituição não deveria acontecer para que a ré não ficasse numa situação de benefício e consignou: “deve a quantia de €86.250,00 considerar-se correspondente, em parte, ao valor da prestação realizada pela recorrida que as partes fixaram livremente, e que, pela sua natureza, é impossível ser restituída pela Recorrente, que beneficiou da prestação toral da Recorrida”, pelo que confirma a improcedência da reconvenção.
*
Mais resulta provada, da documentação junta com a petição inicial, que:

e) Da decisão da 1ª instância supre referida com o n.º 1691/19.4T8LSB, consta:

Ora, o contrato celebrado entre A. e R. visava a prestação de serviços pela A. tendentes a permitir a celebração de tais contratos pela Ré, sem que a A. tivesse qualquer intervenção nessa contratação, não actuando em nome ou em representação da Ré. O que implica conluir que não pode qualificar-se o contrato celebrado entre A. e R. como de mandato, já que a A. não interveio como mandatária da Ré em qualquer momento, nem, em qualquer momento, praticou qualquer acto jurídico por conta ou em nome da ré.
Aliás, da análise das cláusulas contratuais resulta mesmo que as partes pretenderam afastar qualquer ligação/representação, fazendo constar da cláusula terceira do contrato que “nada no presente contrato deve ser considerado parceria, relação de agência ou joint-venture”.
É inquestionável que a A. agiu como intermediária, no sentido em que mediou, facilitou, aproximou as partes auxiliando a contratação, mas sem que tenha tido qualquer intervenção no contrato visado, não podendo ser qualificado como de mandato e, consequentemente, não é subsumível ao disposto no n.º 4 do art.º 23º da lei 28/98 de 26/07, que refere que é inexistente “o contrato de mandato celebrado com empresário desportivo não inscrito no registo referido no art.º 23.”
Na verdade, afigura-se que tal exigência apenas se aplica aos casos de mandato e não já aos de intermediação em que não haja representação ou em que o empresário desportivo não actue por conta ou em nome de outrem.
É que só na situação de mandato se justifica tal exigência porquanto o mandato implica a prática de actos jurídicos, exigindo-se, assim, um empresário especialmente idóneo, enquanto que na simples intermediação apenas são realizados actos materiais tendentes à realização futura de actos jurídicos.
Assim, tendo a A. prestado os serviços a que contratualmente se obrigou e emitido as facturas nos termos acordados, e não tendo a Ré pago os montantes a que se tinha obrigado, incumpriu o contrato, constituindo-se em mora desde a data em que o devia ter feito, (art.º 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2 al. a) do Código Civil), estando obrigada a reparar os danos (art.º 804º, n.º 1), que, porque se trata de uma prestação pecuniária, corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806º, n.º 1 do Código Civil).
(…)
Sempre se dirá que mesmo que se considerasse o contrato dos autos abrangido pelo referido art.º 23º, n.º 4, tem sido entendimento da jurisprudência e o que melhor reflecte a intenção do legislador que a inexistência aí referida devia seguir o regime da nulidade, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (art.º 289 do CC). Efectivamente, o tipo de vicio ali previsto (falta de um requisito formal) não tem relação ou paralelo com outros casos de inexistência do sistema. Na verdade, no caso em apreço, não falta nenhum dos elementos essenciais do negócio jurídico. A falta de registo do empresário desportivo junto da federação Portuguesa de Futebol não faz desaparecer o corpus que materializa o negócio jurídico. Trata-se, apenas de uma “punição” do legislador com vista a controlar o exercício da actividade em causa, tendo em conta as especificidades da actividade e os elevados montantes pecuniários, em regra, envolvidos, pelo que, terá que se considerar que tal falta determina a nulidade, mas já não a inexistência.
(…)
Entende-se, assim, que a ser-lhe aplicável o disposto no n.º 4 do art.º 23º da lei 28/98, sempre o contrato seria nulo não inexistente.
Assim, tendo a ré que restituir tudo o que foi prestado e não podendo já a Ré restituir os serviços prestados pela A. dos quais beneficiou (já que logrou celebrar o contrato de trabalho como jogador e que conseguiu ceder os direitos deste jogador por valor superior a 6000.000€) deve restituir à A. o valor correspondente a tais serviços, valor que terá que ser o valor que as partes acordaram fixar-lhe. Pelo que, também neste caso, seria procedente o pedido e improcedente o pedido reconvencional.

f) Consta da fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, supra referido, o seguinte:

Entendeu o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que estávamos perante um contrato de prestação de serviços de consultoria enquanto o Réu/Apelante defende que estamos perante um contrato de intermediação/agenciamento desportivo.
(…)
Ora, estes actos materiais praticados pela A., em cumprimento das diretivas da Ré, que procedeu à redação dos contratos e às orientações a serem observadas, integram-se como uma prestação de serviços executados pela A. a favor da Ré, nos termos em que se encontram delineados pelo artigo 1154.º do Código Civil, tal como foi o entendimento do senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

g) Consta da fundamentação do Acórdão do STJ, supra referido, o seguinte:

Face à inexistência jurídica, o negócio jurídico celebrado não produz qualquer efeito jurídico, como é próprio do seu regime.
Por consequência, sendo juridicamente inexistente o contrato de prestação de serviço, com poderes de mandato, não pode advir da sua celebração quaisquer direitos e obrigações, sendo irrelevante, por isso, o incumprimento imputado.
Em face da inexistência jurídica do contrato celebrado, distinta da nulidade, acaba por ser despropositada a motivação do acórdão recorrido baseada no abuso de direito, com referência a um contrato nulo.
O regime da inexistência jurídica é incompatível com a verificação do abuso de direito, tal como este é definido pelo art.º 334º do CC.
Efectivamente, não podendo, por efeito da inexistência jurídica, o negócio jurídico celebrado produzir qualquer efeito jurídico, obviamente que não pode, através do instituto do abuso de direito, produzir os efeitos jurídicos que, de outro modo, nunca poderia produzir.
Por efeito da inexistência jurídica do contrato celebrado, a recorrida não pode exigir o pagamento da retribuição fixada nesse contrato.
Para fundamentar a sua pretensão, a recorrida alude ainda ao enriquecimento sem causa, invocado na réplica.
(…)
Por efeito do princípio do dispositivo, o enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto aos seus requisitos, carece de ser alegado na acção.
O enriquecimento sem causa, como causa de pedir na acção, deve ser invocado na petição inicial, nos termos do disposto no art.º 552º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, levando em consideração a teoria da substanciação.
Examinado a petição inicial, a recorrida limita-se a alegar como causa de pedir, o incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado com a recorrente.
É certo que, na réplica, se invocou, como nova causa de pedir, o enriquecimento sem causa.
Todavia a alteração da causa de pedir estava dependente do acordo da outra parte, nos termos do art.º 264º do CPC, que os autos não revelam. Faltando o acordo, verifica-se que a alteração não decorre, nem tal foi invocado, em consequência da confissão feita pela recorrente e aceite pela recorrida, como se estabelece no art.º 265º do CPC.
(…)
Neste contexto, não sendo processualmente admissível, a alteração da causa de pedir é irrelevante e, por isso, não pode o enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, ser considerado no âmbito da acção.
De resto, quando da audiência prévia, o enriquecimento sem causa não foi sequer incluído no âmbito do objecto do litígio.
Além disso, a questão do enriquecimento sem causa não foi objecto de ampliação do objecto do recurso, nomeadamente nos termos do art.º 636º do CPC, o que constituiria sempre uma questão nova, que não podia conhecer-se.
*
IV. O Direito

Da nulidade da sentença recorrida

Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença»:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Repare-se que, como nos recorda o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 3/3/2021 (Leonor Rodrigues), disponível em www.dgsi.pt:
I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124 e 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
No que tange à nulidade por omissão de pronúncia, o Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2020 (Maria do Rosário Morgado), disponível em www.dgsi.pt:
A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
Preceitua o art.º 608º, nº 2 do Código de Processo Civil que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Por conseguinte, a nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele preceito, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
Ora, no caso, a Exma. Juiz a quo apreciou todas as questões suscitadas pelas partes, referindo-se a questão da aplicabilidade do instituto de enriquecimento sem causa, como invoca a recorrente, à verificação dos requisitos substantivos desse mesmo instituto.
Em acréscimo, na audiência prévia realizada em 5/4/2024, a Exma. Juíza a quo definiu o objecto do litígio e fixou os temas da prova, nos seguintes termos:
Objeto do litígio
Enriquecimento sem causa.
Temas da prova
1. Saber qual a medida do enriquecimento da Ré à custa do empobrecimento da
Autora;
2. Saber qual a medida do empobrecimento da Autora.
Entendendo que os autos não possuem ainda os elementos com vista a uma decisão sobre o mérito da causa, ou seja, a verificação dos pressupostos de aplicação do instituto de enriquecimento sem causa.
Inexiste, assim, qualquer omissão de pronúncia, não se verificando o dever de apreciação do mérito da causa no despacho saneador, nos termos do disposto no art.º 595.º/1/b) do CPC.
Improcede, pois, a suscitada nulidade por omissão de pronúncia.

Da excepção de caso julgado

Decidiu o Tribunal recorrido, a este respeito, o seguinte:
Aqui chegados, invocando a Ré a excepção do caso julgado, diremos desde já que quanto a esta excepção dilatória não se verifica a mencionada tríplice identidade, pois o pedido, não obstante o quantitativo, é o da restituição de uma determinada quantia e a causa de pedir não se trata já de o incumprimento de contrato mas a do enriquecimento sem causa.
Contudo, tem muita pertinência a invocação da força e autoridade do caso julgado, na medida em que naquela primeira acção foram demonstrados factos e tomadas decisões que se impõem, às partes, que são as mesmas, e a este Tribunal, sob pena de este se ver na contingência de repetir ou contrariar o primeiro nas decisões já transitadas.
Assim, no que respeita aos factos que nesta acção são alegados e que na anterior já o foram, o Tribunal encontra-se vinculado à decisão do tribunal anterior sobre essa factualidade, bem como à conclusão de que o contrato que haja sido celebrado é inexistente, como foi declarado.
Refere-se, no entanto, que os factos que integram a causa de pedir agora alegada não são apenas os que já foram demonstrados na acção anterior e, quanto a estes, o Tribunal já não se encontra vinculado.
Assim, improcede a excepção do caso julgado mas declara-se que existe força de caso julgado quanto à factualidade que já foi apreciada na anterior acção e quanto à decisão que considerou inexistente o contrato celebrado entre as partes e retirou dessa inexistência as suas consequências.
A verificação da excepção de caso julgado pressupõe a repetição da causa, sendo que esta se verifica quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 580º e 581º, ambos do Cód. Proc. Civil).
Existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas; identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
A identidade jurídica das partes não tem a ver com a posição processual que aquelas ocupem, mas sim com a que ocupam na relação substantiva.
O pedido é o efeito jurídico pretendido pelo autor, sendo que, nos termos legais estabelecidos no n.º 3 do art.º 581º do citado Código «há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico». Contudo, para que se conclua pela identidade não é exigível uma rigorosa identidade formal nas duas acções, bastando uma coincidência entre o objectivo de uma e outra acção (Calvão da Silva em “Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Almedina, 1996, pp. 234 apud CJ/STJ, Tomo I, 2001, pp.169).
Assim, podemos afirmar que existe identidade de pedidos quando nas duas acções ambos são qualitativamente iguais, ainda que quantitativamente diferentes (neste sentido ver Ac. STJ de 20.06.1984 em BMJ n.º 338, pp. 347).
A identidade exigida é uma identidade relativa, abrangendo “não só o efeito preciso obtido no primeiro processo como qualquer que nesse processo houvesse estado implicitamente mas necessariamente em causa” (Castro Mendes, Direito Processual Civil, pp. 350 apud José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 322)”.
A causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos (art.º 581º, nº4 do Código citado).
Ao autor não basta formular o pedido, devendo este ser fundamentado de facto e de direito, sendo que há identidade entre a causa de pedir quando o pedido procede do mesmo facto jurídico.
 “Trata-se do facto jurídico concreto ou especifico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão; mas isso, que se destina, além do mais, a impedir que seja o demandado compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, só tendo de se defender da concretamente invocada pelo autor não obsta, ao que parece, a que, a causa jurídica invocada seja objecto de conversão, desde que, com isso, se não agrave ilegitimamente a situação do demandado” (Vaz Serra, RLJ, 109º, pp. 313).
A causa de pedir, são os factos a que se reconhecerá força jurídica suficiente para produzirem a consequência jurídica pretendida pelo autor: a todo o direito corresponde uma acção sendo que esta se sustenta com factos.
Importa sublinhar - a este respeito - que o direito processual civil português adopta a “teoria da consubstanciação” (por oposição à teoria da individualização) sendo que, aquela, exige sempre a indicação do título - facto jurídico - em que se baseia o direito do autor.
“O caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor (ou pelo réu, através da reconvenção). A ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado.” (Antunes Varela em Manual do Processo Civil, 2ª Ed. Revista e Actualizada, 1985, Coimbra Editora, pp. 712). 
O autor há-de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, que constituem a causa de pedir que corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, pp. 223).
Segundo Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, a noção operativa de causa de pedir para efeitos de caso julgado é definida através do conjunto de factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto dos factos reconhecidos como provados na sentença transitada (pg. 487).
Assim, só haverá excepção de caso julgado quando na segunda acção não são alegados factos principais diferentes dos alegados na primeira. Se, na segunda acção, se alegarem factos supervenientes instrumentais, a sua diferença não implica dualidade de causa de pedir. Como refere Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 325, A sentença, julgando improcedente a acção, preclude incontestavelmente ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões, argumentos, de direito não produzidos nem considerados oficiosamente no processo anterior.
No caso, resulta evidente a improcedência da excepção, na medida em que o próprio STJ considerou, no Acórdão proferido na primeira acção, que a invocação do instituto de enriquecimento sem causa consubstanciava alteração da causa de pedir.
Alteração essa que também foi considerada inadmissível, naqueles autos, por razões processuais.
Mas não deixa de ser alteração da causa de pedir, nos termos superiormente decididos nessa mesma decisão.
Improcederá, pois, a excepção de caso julgado, concordando-se neste ponto com a decisão recorrida.

Da prescrição do crédito por enriquecimento sem causa.

A questão em causa neste recurso consiste na determinação do momento a partir do qual se deverá contar o prazo de prescrição do direito invocado pela autora, com base no enriquecimento sem causa.
Postula lapidarmente o art.º 473º do Cód. Civil que Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrém é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
Tal noção corresponde à clássica sentença de Pompónio (D. 50, 17, 206): Jure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletiorem.
O enriquecimento sem causa é, assim, uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse direito (Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 178 ; Manuel de La Camara-Luis Diez-Picazo, Dos Estudios Sobre el Enriquecimiento Sin Causa, Civitas, 1988, págs. 49 a 60).
É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa (Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, pág. 179 ; Vaz Serra, BMJ nº 81, pág. 56).
O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido e aquela que se verificaria  se não se tivesse dado o enriquecimento: o enriquecido "fica em melhor situação do que aquela que de outro modo apresentaria", correspondendo a essa vantagem "um prejuízo suportado pelo sujeito que requer a restituição" (Rui de Alarcão, ob. cit., pág. 185) .
Em suma, dir-se-á que o facto que enriquece uma pessoa, tem de produzir o empobrecimento de outra.
Assim, é ponto assente que a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa de alguns requisitos.
A saber: existência de um enriquecimento à custa de outrem (1); existência de um empobrecimento (2); nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento (3); ausência de causa justificativa (4); inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído (5).
Veja-se Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 454 seguintes; Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica, Porto, 1998; Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 176, Centro de Estudos Fiscais, 1996, págs. 858 a 896 - que concentra os requisitos em três, a saber, o enriquecimento, a sua ocorrência à custa de outrem, e que tenha ocorrido sem causa justificativa ; Galvão Teles, ob. cit., págs. 179 seguintes; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I, AAFDL, pág. 237; Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, Almedina, 1996, pág. 45; Manuel de La Camara-Luis Diez-Picazo, ob. cit., págs. 100 a 116; Manuel Albaladejo, Derecho Civil - Derecho de Obligaciones, II, 2º, 10ª edicion, Bosch, 1997, págs. 473 a 477 ; Puig Brutau, Compendio de Derecho Civil, II, Bosch, 1997, págs. 615 a 624.
O Tribunal da Relação de Coimbra sintetizou, de forma lapidar, os requisitos de funcionamento deste instituto, em Ac. de 2/11/2010, disponível na base de dados www.dgsi.pt, da seguinte forma:
I – O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
III – O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.
IV – Enriquecimento (injusto) esse que igualmente tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material. V – O enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.
VI – Dado, porém, que a lei não define tal conceito e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.
VII – Naquilo que tem sido entendido como uma ampliação ao 3º requisito acima enunciado, a obrigação de restituir pressupõe ainda que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, por forma a não dever haver de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer acto jurídico – carácter imediato da deslocação patrimonial.
VIII – Porém, tal exigência não deverá assumir um carácter absoluto, por forma a deixar-se ao julgador campo de manobra suficiente de modo a poder aferir se a mesma aplicada a uma situação em concreto se mostra excessiva e evitar, nesse caso, que ela conduza a uma solução que choque com o comum sentimento de justiça.
IX – As acções baseadas nas regras do instituto do enriquecimento sem causa têm natureza subsidiária, só podendo a elas recorrer-se quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.
No que tange ao ónus de prova de tais pressupostos, veja-se o Ac. do STJ de 22/1/2004 (Lucas Coelho), disponível na mesma base de dados:
A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume no tipo legal do artigo 473.º a natureza de elemento constitutivo do direito, devendo os respectivos factos integradores ser, pois, qualificados como constitutivos do direito à restituição, mesmo em caso de dúvida (artigo 342.º, n.º 3), e cabendo, por consequência, na presente lide ao autor o concernente ónus probatório (n.º 1 desse artigo), cujo incumprimento se resolve em seu desfavor.
Neste sentido se pronunciam, aliás, os autores e a jurisprudência (2), salientando-se inclusive não relevar senão no plano político-legislativo a dificuldade emergente da prova dos factos negativos, que leva o legislador em regra a dispensá-la, sem que faltem, aliás, exemplos em contrário, (3).
Assim, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, revista e actualizada (Reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003, págs. 482/483, nota 1, afirma, citando com aplauso um acórdão deste Supremo, «ser a quem exige a restituição da quantia voluntariamente entregue a outrem que cabe o ónus da prova da falta de causa justificativa da atribuição patrimonial; na mesma linha, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição revista e aumentada, Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, pág. 458, nota 2, recenseando igualmente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando escreve: «de harmonia com o princípio geral do art.º 342.º, cabe à pessoa que pede a restituição do indevido não só alegar, mas também provar a falta de causa da atribuição patrimonial»; na doutrina alemã evoque-se, grosso modo em sintonia, Palandt/Thomas, Bürgerliches Gesetzbuch, C. H. Beck, 44. neubearb. Auf., München, 1985, pág. 842, 8), alínea c).
*
Quanto à prescrição do direito à restituição do indevido, prescreve o art.º 482º do Código Civil, sob a epígrafe Prescrição, o seguinte:
O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.
Como se retira da transcrita norma, decisivo é o momento do conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa.
Tem merecido discussão o saber se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou "conhecimento de ter direito à restituição".
Nos trabalhos preparatórios do Código Civil, da autoria de Vaz Serra, o projetado art.º 730º nº 3, dizia:
"O crédito resultante de enriquecimento sem causa prescreve por três anos contados da data em que o credor teve conhecimento do seu direito de repetição e da pessoa do responsável e, em qualquer caso, no prazo ordinário da prescrição".
No anteprojeto do Código Civil (primeira revisão ministerial, artigo 460º), voltava a aparecer a expressão "conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável".
A referência expressa a "direito de repetição" ou a "direito de restituição" mostra claramente que o prazo se iniciava com o conhecimento do próprio direito e não dos seus elementos constitutivos.
Ora, o mesmo é o sentido de "conhecimento do direito que lhe compete" que hoje se lê no texto do artigo 482º do Código Civil.
É que "o direito que lhe compete" que se lê a meio do preceito será "o direito à restituição" com que o preceito é iniciado.
A segunda revisão ministerial limitou-se a passar a expressão "direito à restituição" do meio do texto do preceito para o seu início, sem alterar o seu significado: "O direito à restituição (...) a contar (...) conhecimento do direito (...)".
O "direito" cujo conhecimento marca o início do prazo, é precisamente o "direito à restituição".
O Código Civil Alemão, parágrafo 852, alínea 1, dispõe também para caso idêntico: "A pretensão de indemnização do dano resultante de um ato ilícito prescreve em três anos a contar do momento em que o lesado obtém conhecimento do dano e da pessoa do obrigado a indemnização, e, sem atenção a este conhecimento, em trinta anos a contar da prática do ato " - cfr. A. Vaz Serra, em RLJ, Ano 107, pág. 301.
Interpretando este preceito legal, Heck escreveu que "quem não sabe que existe um dever de indemnização não pode saber que alguém é responsável" - cfr. A. Vaz Serra, ob. cit., pág. 301 – ou seja, no direito alemão (com redação muito próxima da nossa) o prazo de prescrição não se inicia sem que o empobrecido saiba que o enriquecido tem o dever de o indemnizar.
Esta linha de raciocínio vale inteiramente para o direito português perante a expressão legal "conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável", colocando-se, logicamente, a questão de como é que o empobrecido pode saber que alguém (uma pessoa determinada) é responsável, se não a partir do momento em que sabe que sobre esse alguém recai o dever de o indemnizar.
Vaz Serra, ob. cit., págs. 299 e 300, a propósito do art.º 498º, nº 1, do Código Civil, defende que se o lesado conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo da prescrição de curto prazo. É que, acrescenta, «Esta prescrição funda-se na conveniência de compelir os lesados a, podendo e querendo exercer o direito de indemnização, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal. Ora, se o lesado não tem conhecimento do seu direito de indemnização, não pode, praticamente, exercê-lo».
Trata-se de argumentação perfeitamente adaptável ao que dispõe o art.º 482º, onde igualmente se prevê um prazo curto de prescrição, sendo, pois, de exigir, para que o mesmo comece a correr, o conhecimento, pelo empobrecido, de que é juridicamente fundado o direito à restituição, dado que, quem não tem esse conhecimento, não sabe se pode exigir a restituição, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo.
Dir-se-á, citando Vaz Serra, ob. cit., pág. 300, que « ... ao lesado aproveita aqui a sua ignorância da lei que lhe confira o direito de indemnização, pois a prescrição de curto prazo funda-se, como se referiu já, na vantagem de, podendo o lesado fazer apreciar em curto prazo o seu direito, assim o fazer, o que não se verifica quando ele ignora esse direito». E, ainda, que «É certo que pode ser difícil ao tribunal averiguar qual a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização; mas, embora difícil, não é isso impossível, dados os largos meios de que o tribunal pode dispor para o efeito, e, em todo o caso, não é mais difícil do que o apuramento judicial de certos factos que ele pode ter de investigar».
Aliás, também Antunes Varela, a propósito do art.º 498º, nº 1, do Código Civil, refere: «Fixou-se o prazo em três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu» (Das Obrigações em Geral, 1970, págs. 435 e 436).
Cotejando o preceito em causa com o art.º 306º, nº 1 do Código Civil, verifica-se que, neste segundo caso, que estabelece a regra geral, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; no caso do art.º 482º estabeleceu-se uma regra diferente, o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito.
No caso em análise, existe um factor relevante a ter em conta: houve uma acção anterior (abundantemente referida no relatório deste Acórdão), em que a aqui recorrida intentou acção anterior contra o aqui recorrente, com sucessivas decisões de mérito entre 1ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça que decidiu em definitivo o litígio. Pelo que, há que apurar o impacto de tal situação sobre o momento em que se inicia a contagem do prazo para instauração de acção, com base no enriquecimento sem causa:
 Desde a data do alegado vencimento das facturas emitidas no âmbito do contrato de intermediação?
Desde que a ré expressamente invocou a inexistência do contrato, aquando da apresentação da sua contestação na acção primitiva, notificada à autora em 28/02/2019?
Ou, desde a data em que transitou em julgado a decisão na acção referida?
Não ignorando a controvérsia jurídica sobre a questão, pela nossa parte entendemos que no caso sob sindicância o prazo prescricional deverá contar-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão proferida na outra acção, nesta senda, sintetiza-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/2023 (Tibério Nunes da Silva), disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu:
O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art.º 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior acção, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito.
A fim de tutelar o seu direito, o aqui recorrido (alegado empobrecido nesta acção), instaurou processo que culminou com uma decisão desfavorável no Supremo Tribunal de Justiça. Até lá, o recorrido sustentou uma tese que, com controvérsia jurídica quanto à qualificação do contrato que houvera celebrado com o recorrente, obteve vencimento nos Tribunais de 1ª e 2ª instância, mas claudicou no Supremo Tribunal de Justiça.
Partindo do princípio - como nós partimos- que o Ac. do STJ de 30/3/2023  acima referido convoca o conceito de boa fé objectiva -   entendida esta enquanto  norma de conduta , ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efectivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral (cfr. Ac. do STJ de 17-05-2012, proferido no proc. 2841/03.8TCSNT.L1.S1, versão integral em www.dgsi.pt)- , conclui-se que naqueloutra acção o aqui recorrido não actuou destituído de boa fé, ainda que na réplica apresentada tenha ensaiado uma tentativa de alterar a causa de pedir – o enriquecimento sem causa.
Tal tentativa, surgiu reactivamente à alegação do recorrente (ali réu), em sede de contestação a propósito da inexistência do contrato, e não foi considerada nas diversas instâncias em que o caso foi discutido, por ser processualmente inadmissível (pelas razões aduzidas no Ac. do STJ que decidiu definitivamente a causa- proferido no processo: 1691/19.4T8LSB) e, ainda, por não ter sido incluída no objecto daquela acção, nem no objecto da ampliação do recurso (cfr. Ac. do STJ proferido no processo: 1691/19.4T8LSB).
A pretensão do aqui recorrido de alterar a causa de pedir na acção primitiva, não pode constituir argumento no sentido de que a contagem do prazo prescricional se inicia desde a data em que o recorrido tomou conhecimento que a ré (aqui recorrente) expressamente invocou a inexistência do contrato, aquando da apresentação da sua contestação - notificada ao recorrido em 28/02/2019-, porque na ocasião estavam em aberto outras perspectivas de o recorrido obter vencimento da sua pretensão, designadamente, pela via da qualificação do contrato como de prestação de serviços ou pela consideração de que o contrato se inseria no âmbito do contrato de agenciamento desportivo ao qual, estando ferido de inexistência, poderiam ser aplicadas as consequências da nulidade, perspectivas essas que teriam necessariamente de ser esgotadas jurisdicionalmente -como o foram- para que pudesse instaurar a presente acção, baseada no enriquecimento sem causa.
Acompanhamos, pois, neste domínio a conclusão da decisão da 1ª instância segundo a qual, apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida em processo a que o empobrecido recorreu em primeira linha é que se inicia o prazo prescricional relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento sem causa.
Considerando que a decisão proferida pelo STJ na acção anterior data de 30.06.2021 e esta acção foi intentada em 2.05.2022, não havia decorrido ainda no prazo de prescrição aplicável, pelo que, tal como decidido pelo Tribunal a quo  improcede a excepção de prescrição.
*
V. A decisão                                                       

Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam na improcedência total da apelação e na manutenção das decisões recorridas.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 04-07-2024
João Manuel Cordeiro Brasão
Adjunta: Teresa Soares.
Nuno Lopes Ribeiro (com voto de vencido)


Declaração de voto do Exmº Sr. Juiz Desembargador Nuno Lopes Ribeiro:

Declaração de voto
Votei vencido, na medida em que discordo da solução adoptada pela maioria do colectivo, pelas razões que sintetizo da seguinte forma:
A autora tem conhecimento do seu putativo direito de crédito desde a data do alegado vencimento das facturas emitidas no âmbito do contrato de intermediação, que alega ter ocorrido em 6/2/2018 e 4/9/2018, respectivamente (cfr. art.º 186 da p.i.);
A primeira acção foi intentada em1/1/2019;
 A contestação da ré nessa acção, alegando a inexistência jurídica do contrato, foi notificada à autora em 28/2/2019;
Tendo a autora invocado esse alegado direito ao pagamento do valor das facturas em sede de enriquecimento sem causa, explicitamente, na réplica aí apresentada em 3/4/2019;
A presente acção foi proposta em 1 de Maio de 2022.
Terá de concluir-se que o momento em que a autora teve conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 482º do Código Civil, será aquele em que foi notificada da contestação da ré, onde esta invocava a inexistência jurídica do contrato invocado na petição inicial, ou seja, em 28/2/2019.
Em 3/4/2019, data da apresentação da réplica, onde invocou o seu direito ao recebimento das quantias aqui e aí peticionadas, com base no enriquecimento sem causa, a autora já tinha necessário conhecimento desse direito à restituição, caso contrário não o teria exercido.
Acrescente-se que a inexistência jurídica do contrato nunca foi objecto de controvérsia entre as três instâncias onde correu termos aquele primeiro processo; divergiram a 1ª instância e a Relação, por um lado e o Supremo Tribunal de Justiça, por outro e final lado, apenas quanto aos efeitos jurídicos dessa mesma inexistência, nomeadamente quanto à equiparação – ou não – dos efeitos ex tunc da nulidade.
Não se desconhece jurisprudência restritiva dos efeitos radicais desta interpretação, brilhantemente sintetizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/2023 (Tibério Nunes da Silva), disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu:
«O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art.º 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior acção, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito.»
Salvo melhor opinião, a aplicação desta verdadeira dilação ao início da contagem do prazo de prescrição apenas se justifica em casos de controvérsia jurídica ou fáctica, ou seja, quando os factos ou o direito aplicável, que conduzam à improcedência da primeira acção (intentada com base no pressuposto da existência de obrigação de cumprimento por parte do réu) se mostrem em séria e justificada dúvida, até ao trânsito em julgado da decisão final daquela mesma acção.
No caso, dúvidas nunca existiram sobre a inexistência jurídica do contrato invocado, cujo cumprimento a autora peticionou em primeiro lugar.
Como se referiu, sendo evidente a invalidade do contrato celebrado, por imposição legal expressa de norma especial (fora de qualquer controvérsia jurídica), a autora exerceu a sua pretensão de forma negligente, primeiro invocando um contrato obviamente inválido, à luz de qualquer entendimento e, depois, alterando de imediato a causa do seu pedido, na mesma acção.
Citando aquele mesmo Acórdão de 30/3/2023:
«O instituto da prescrição extintiva é endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Não lhe sendo obviamente estranhas razões de justiça, a prescrição arranca também da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. Visando a prescrição desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, esta protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.»
Do que se retira que, se havia algum desconhecimento, não se referia aos pressupostos do direito à restituição, mas, antes, apenas das normas processuais que regulam a alteração da causa de pedir, em sede de réplica – desconhecimento que, nos termos gerais, não aproveita a ninguém.
Confiou a autora que poderia alterar a causa do seu pedido, na réplica – e foi apenas essa ponderação jurídica efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça que acrescentou um elemento decisivo e impeditivo à sua pretensão indemnizatória.
Não constituindo essa ponderação processual qualquer elemento estranho e acrescido ao direito ao recebimento invocado – tanto que esse direito havia já sido exercido, ainda que em termos processualmente inválidos.
Em última análise, desde 24/4/2019 que a autora sabia que a ré não tinha declarado naqueles autos a sua aceitação expressa à alteração da causa de pedir – tendo decorrido até 23/4/2019, o prazo supletivo de 10 dias para que a ré respondesse a essa pretensão, sem que o fizesse.
Em 24/4/2019, a autora podia confiar, com total segurança, que a sua pretensão iria necessariamente soçobrar, quer porque o contrato cujo cumprimento peticionou se mostrava inválido quer porque não seria admitida a alteração da causa de pedir, com vista ao reconhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa.
Aquela restrição jurisprudencial ao início da contagem do prazo de prescrição, salvo melhor opinião, não pode compactuar com a eficácia suspensiva da pendência de uma acção temerária, de insucesso certo, como foi o caso em análise.
Pelo que, em 1/5/2022 (data da propositura desta acção), já se mostrava decorrido na íntegra o prazo previsto no citado art.º 482º.
Daí entender que se deveria decidir pela procedência da excepção de prescrição do direito invocado pela autora na presente acção, com natural improcedência dos pedidos formulados pela mesma.
Procedendo a apelação e resultando prejudicada a apreciação sobre as restantes questões invocadas neste recurso (a nulidade da decisão e a apreciação da excepção de caso julgado).
Lisboa, 4 de Julho de 2024
Nuno Lopes Ribeiro