Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA TRIBUNAL ARBITRAL INCOMPETÊNCIA INSOLVÊNCIA SUPERVENIENTE INEFICÁCIA DA CONVENÇÃO ARBITRAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A interpretação de uma cláusula contratual sobre o modo de dirimir litígios, em que se prevê uma primeira fase conciliatória e se prevê seguidamente que as partes podem recorrer à arbitragem, não contendo qualquer menção à possibilidade alternativa, nesta segunda fase, ao recurso ao tribunal estadual, tem de ser entendida como cláusula compromissória arbitral. II - Sendo a acção interposta no tribunal estadual, em contrário à convenção de arbitragem, em data em que a autora não tinha sido declarada insolvente, o tribunal estadual é materialmente incompetente e deve observar o disposto no artigo 5º da LAV, absolvendo o réu da instância. III - A superveniência da declaração de insolvência não altera a incompetência, não se constituindo como alteração de facto ou de direito com a virtualidade de atribuir competência a um tribunal que a não tinha. IV - Tal superveniência pode levar o tribunal a considerar a ineficácia ou a inexequibilidade da convenção de arbitragem, mas essa consideração carece da alegação de que, à data da interposição da acção, já a parte se encontrava na situação de não poder suportar os custos do recurso à arbitragem. (Sumário a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório R… S.A., veio instaurar a presente acção declarativa com processo comum contra V…, LDA., peticionando a final a condenação desta a pagar-lhe: A) € 325.818,27 RELATIVAMENTE A MATERIAL E MATÉRIA PRIMA ADQUIRIDA PARA CUMPRIMENTO DO CONTRATO COM A RÉ; B) € 225.987,02 RELATIVAMENTE A TRABALHOS EXECUTADOS E NÃO PAGOS; C) € 75.768,00 RELATIVAMENTE A CUSTOS DE IMOBILIZAÇÃO; D) € 355.884,44 RELATIVAMENTE A DESPESAS E LUCROS CESSANTES; E) € 2.082.352,00 RELATIVAMENTE A DANOS NÃO PATRIMONIAIS PERFAZENDO A QUANTIA TOTAL DE € 3.065.809,73 (…), ACRESCIDOS DE JUROS LEGAIS DESDE CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, À TAXA LEGAL. Contestou a Ré, invocando além do mais a excepção de incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral. Sobre esta excepção e em despacho saneador com o valor de sentença, pronunciou-se – e a final decidiu – o tribunal de primeira instância, nos seguintes termos[1]: “IV - Da Exceção de Incompetência Absoluta por Preterição de Tribunal Arbitral Em sede da contestação deduzida, a Ré veio deduzir exceção de incompetência absoluta, por preterição de Tribunal Arbitral, alegando, em síntese, que, nos anos de 2020 e de 2021, a V… contratou com a R… a realização, por esta, de diversos trabalhos de soldadura e reforço da estrutura primária e secundária de suspensão do transportador principal (OHC – “Over Head Conveyor”) dos edifícios de montagem (edifícios 5 e 6) da V…. No âmbito dessa contratação, as partes negociaram e acordaram os termos e condições constantes do documento denominado “Protocolo de Negociação”, com o número de contrato …, que foi subscrito pela Autora em 27 de Maio de 2021. Mais acordaram que ao contrato entre ambas celebrado e consubstanciado nos referidos Protocolos de Negociação e na mencionada Ordem de Compra, aplicam-se as cláusulas e condições estabelecidas nos documentos denominados “Condições Gerais de Ordem de Compra” e “Condições Adicionais de Ordem de Compra (c) Empreitadas”. Por sua vez, nos termos da Cláusula 17, alíneas (b) e (c), do documento denominado “Condições Gerais de Ordem de Compra”, em caso de litígio sobre a interpretação, aplicação e/ou o não cumprimento e execução do Contrato, as Partes esforçar-se-ão por alcançar uma solução equitativa e adequada através de acordo amigável. Se não for possível alcançar uma solução amigável, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data em que uma das partes notificar a outra sobre a existência do litígio, qualquer uma das partes poderá, em qualquer altura, recorrer à arbitragem a realizar por um Tribunal Arbitral a constituir de acordo com a presente Cláusula e com as normas da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, composto por um único árbitro ou três árbitros. Na falta de acordo para escolha do terceiro árbitro, o mesmo será designado pelo Presidente do “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, sob pedido da Parte mais diligente. A cláusula em causa consubstancia uma cláusula compromissória, pelo que o tribunal judicial não é, pois, competente para apreciar e decidir o litígio a que respeita o presente processo, mas sim o Tribunal Arbitral, o que importa a absolvição da Ré da instância. Por sua vez, veio a Autora pugnar pela improcedência da exceção invocando, em resumo, que a referida cláusula 17ª, al. b) e c) expressa possibilidade e não obrigatoriedade de recurso ao Tribunal Arbitral. O recurso ao Tribunal Arbitral era, e é, uma faculdade das partes, não consubstanciando qualquer imposição ou compromisso arbitral. Mais alega, por mera cautela processual, que a referida cláusula não consubstancia uma cláusula compromissória, pois a mesma, nos termos do nº 6 do artigo 2º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), teria de especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam, o que não sucede dado que tal clausulado “interpretação, aplicação e/ou o não cumprimento e execução do contrato”, o que não cumpre com o requisito legalmente imposto. Mais acrescentou que, a Autora foi declarada insolvente no passado dia 04 de outubro de 2022, pelo que nos termos do número 1 do artigo 87.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, fica suspensa a eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte, respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa, sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis. Visando a condenação da Ré no pagamento da quantia de €3.065.809,73, pensamos que o resultado pode influenciar, e muito, a massa insolvente. Apreciando Em sede do Processo n.º …, que correu termos neste Juízo, o Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão em apreço, por despacho confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede recursória e transitado em julgado, pelo que, mantendo a mesma posição, por uma questão de coerência, passamos a citar o mesmo. “Com relevância para a presente decisão, quanto à exceção de incompetência absoluta, está provado, por acordo das partes e por documentos não impugnados, que: 1 - A Requerente dedica-se a construções metálicas e tubagens, mecânica, manutenção industrial, electromecânica e instrumentação, telecomunicações, sistemas de automação, engenharia e projectos industriais, nomeadamente, metalomecânica, vidreira, petroquímica, automóvel, energias tradicionais e renováveis, farmacêutica, construção civil, novas tecnologias (hardware e software), ferroviária, indústria cimenteira, petrolífera, aeronáutica, importação, exportação, comercialização de bens e serviços, logística e movimentação de cargas 2 - No âmbito das suas actividades comerciais, Autora e Ré, em 27 de Maio de 2021, acordaram as condições para a realização dos trabalhos da Autora nas instalações da Ré. 3 - Nos anos de 2020 e de 2021, a V… contratou com a R… a realização, por esta, de diversos trabalhos de soldadura e reforço da estrutura primária e secundária de suspensão do transportador principal (OHC – “Over Head Conveyor”) dos edifícios de montagem (edifícios 5 e 6) da VWAE. 4 - No âmbito dessa contratação, as partes negociaram e acordaram os termos e condições constantes do documento denominado “Protocolo de Negociação” com o número de contrato …, que foi subscrito pela Autora em 27 de Maio de 2021. 5 - Mais acordaram que ao contrato entre ambas celebrado e consubstanciado nos referidos Protocolos de Negociação e na mencionada Ordem de Compra, aplicam-se as cláusulas e condições estabelecidas nos documentos denominados “Condições Gerais de Ordem de Compra” e “Condições Adicionais de Ordem de Compra © Empreitadas”. 6 – Do documento denominado “Condições Gerais de Ordem de Compra” cuja tradução se mostra junta a folhas 72 verso a 79 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, da Cláusula 17ª o seguinte: “Lei/Arbitragem (a) A Ordem de Compra será interpretada e redigida de acordo com as leis da República de Portugal. (b) Em caso de litígio relativo à interpretação, aplicação e/ou incumprimento e execução do Contrato, as Partes esforçar-se-ão por obter uma solução equitativa e adequada através de acordo amigável. Caso não seja possível uma solução amigável no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que uma das partes notifique a outra da existência do litígio, qualquer das partes poderá, em qualquer momento posterior, recorrer à Arbitragem a efetuar por um Tribunal Arbitral constituído nos termos do presente artigo e em conformidade com as disposições da Lei nº 31/86, de 29 de agosto, composto por um árbitro único ou três árbitros. Na falta de acordo para escolher o terceiro árbitro o mesmo será designado pelo Presidente do Comité de Arbitragem do “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Português”, a pedido da Parte mais diligente. (c) O Tribunal será considerado constituído na data (…)”. * Perante esta factualidade considerada como assente cumpre, em primeiro lugar, apurar se a Cláusula 17ª inserta no documento denominado “Condições Gerais de Ordem de Compra”, subscrito por ambas as partes, configura, atenta a sua redação, uma verdadeira cláusula compromissória. Face à redação da cláusula, é entendimento deste Tribunal que estamos perante uma verdadeira cláusula compromissória. Vejamos. As partes acordaram que num primeiro momento, perante um litígio, ambas envidariam esforços por resolver amigável e extrajudicialmente o litígio. Não funcionando a resolução amigável, qualquer das partes poderia recorrer ao Tribunal. Como é sabido, o recurso aos Tribunais Judiciais não está afastado, ou seja, qualquer parte que se considere lesada pela conduta de outrem tem o direito a recorrer ao Tribunal para dirimir um conflito. Todavia, o recurso ao Tribunal Arbitral, quando essa obrigatoriedade não decorre de imposição legal, tem necessariamente de estar prevista numa cláusula escrita, subscrita pelas partes, e inserta num contrato ou num contrato-quadro, sob pena de lhes estar vedado o acesso ao Tribunal Arbitral para dirimir um conflito. Repare-se que a cláusula em análise possui a epígrafe de Lei/Arbitragem, a cláusula não contém qualquer referência ao Tribunal estadual e contém as regras de composição, indicação dos árbitros e resolução em caso de desacordo quanto ao terceiro árbitro. A forma como a cláusula está redigida leva a que qualquer destinatário razoável conclua que as partes visaram a Arbitragem constituição do tribunal arbitral. No que diz respeito à expressão “poderá” utilizada na al. (b) da cláusula 17ª não pode ser entendida no sentido que no caso do litígio relativo à interpretação, aplicação e/ou incumprimento e execução do Contrato as partes primeiramente deverão avançar para uma composição amigável. Quando a negociação amigável não for possível qualquer das partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ou seja, encontra-se prevista uma primeira fase conciliatória entre as partes e caso esta não vingue, então qualquer parte poderá recorrer à arbitragem, sendo que tal possibilidade não importa uma alternativa ao tribunal estadual. Trata-se em nosso entender de uma cláusula compromissória em que a competência é atribuída em exclusivo ao Tribunal Arbitral. No sentido que aqui defendemos veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2019, in www.dgsi.pt, onde se lê que (sublinhados nossos)[2]: “(…) 2. Se no contrato celebrado pelas partes está atribuída a competência exclusiva ao tribunal arbitral. No contrato celebrado entre a Autora e a Ré encontra-se a cláusula 34ª atrás transcrita, referindo-se expressamente que: No caso de litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão (nº 2). Fica estabelecido o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a conciliação referida no número anterior (nº3). Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes (nº 4). E interpretando o nº 4 da cláusula 34ª do contrato celebrado entre as partes, o Tribunal de 1ª instância considerou que não estávamos em presença da atribuição de competência ao tribunal arbitral, mas antes entendeu que se reportava a competência meramente alternativa. E com esse fundamento, concluiu que não se verificava a exceção de preterição do tribunal arbitral, pelo que concluiu pela improcedência desta exceção, invocada pela Ré. Não se conformando com esta interpretação, a Ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar procedente o recurso, afirmando que estava verificada a exceção de preterição de tribunal arbitral, porquanto a cláusula em causa deveria ser interpretada no sentido da atribuição da competência exclusiva do tribunal arbitral. Desta interpretação discorda a Autora, que continua a entender que se está em presença de atribuição de competência alternativa (do tribunal estadual ou do tribunal arbitral), tendo interposto este recurso de revista. A divergência mantém-se na interpretação da cláusula 34ª do contrato celebrado entre as partes e atrás transcrita. Vejamos. Estaremos em presença da preterição de tribunal arbitral voluntário quando a ação for instaurada em tribunal estadual quando deveria ser instaurada em tribunal arbitral convencionado pelas partes. A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infração da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência para apreciar determinado objeto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma ação que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes (Acórdão do STJ, de 4/05/2005). A preterição de tribunal arbitral (necessário ou voluntário) determina a incompetência absoluta do tribunal (alínea b) do artigo 96º do Código de Processo Civil), que pode ser arguida pelas partes, mas não pode ser suscitada oficiosamente pelo tribunal judicial (nº1 do artigo 97º do Código de Processo Civil) e é uma exceção dilatória (alínea a) do artigo 577º do Código de Processo Civil) e as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (nº 2 do artigo 576º do Código de Processo Civil). A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº 3 do artigo 1º da Lei nº63/2011, de 14 de dezembro (LAV). A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com o tribunal estadual. No caso presente, em face da cláusula compromissória constante do contrato celebrado pelas partes e atrás transcrita, as instâncias, como se referiu, deram respostas divergentes: a 1ª instância entendeu que as partes estabeleceram uma mera faculdade de recurso ao tribunal arbitral e com fundamento no uso do verbo poder empregue pelas partes na elaboração da cláusula 34ª.; por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que se estava em presença de uma obrigatoriedade (o recurso ao tribunal arbitral), apoiando a sua posição no Acórdão do STJ, de 20/01/2011 (consultável em www.dgsi.pt) que, em situação em tudo idêntica à do caso dos presentes autos, assim o entendeu. Ora, da análise da cláusula constante da convenção celebrado pelas partes, não podemos deixar (atenta a similitude das situações) de perfilhar o caminho seguido pelo citado Acórdão do STJ. Assim, A interpretação das declarações ou cláusulas contratuais constitui matéria de facto, da exclusiva competência das Instâncias, mas já constitui matéria de direito, sindicável pelo STJ, determinar se na interpretação das declarações foram observados os critérios legais impostos pelos artigos 236º e 238º do Código Civil, para a interpretação do sentido que há-de vincular as partes, face aos factos concretamente averiguados pelas Instâncias.- Acórdão do STJ, de 18/06/2009, consultável em www.dgsi.pt - cfr., ainda, Acórdão do STJ, 19/02/2008, consultável em www.dgsi.pt. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (nº 1 do artigo 236º do Código Civil); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do artigo 236º do Código Civil). Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (nº 1 do artigo 238º do Código Civil); esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº 2 do artigo 238º do Código Civil). Por força do disposto na LAV, a convenção de arbitragem deve adotar forma escrita (nº 1 do artigo 2º), encontrando-nos, assim, perante um negócio jurídico formal, impondo a lei a forma escrita. Como refere Menezes Cordeiro, “interpretação e integração da convenção de arbitragem seguem as regras gerais aplicáveis aos negócios: 236º a 239º, do CC (…). Todavia, as inerentes operações devem recair sobre o contrato (no seu todo) onde, porventura, se contenha a convenção em causa; cabe ir ainda mais além e ter em conta o complexo contratual (vários contratos) onde se insira” - Tratado da Arbitragem, 2016, pág.88 – Ou como refere Manuel Pereira Barrocas, “a convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as disposições contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, CC, ou seja, a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento” - Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 169. Assim, nos termos das disposições legais citadas, a cláusula compromissória terá o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, pudesse razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, desde que tenha um mínimo de correspondência na letra do texto do documento (negócio formal), seguindo-se o ensinamento de Mota Pinto (“a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág.419). Ora, no caso presente, verifica-se que: As partes do contrato epigrafaram a cláusula 34ª como “Compromisso Arbitral/Resolução de Conflitos; Não existe qualquer alusão ao tribunal estadual na cláusula (limitando a fazer referência ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para indicação dos árbitros se as partes não procederem à sua nomeação); As partes estabeleceram nessa cláusula as regras para a constituição e funcionamento do tribunal arbitral e para julgamento. Aliás, no nº6 da cláusula 34ª. refere-se que “(…) na falta de nomeação, por qualquer das Partes, dos dois primeiros árbitros ou na falta de acordo sobre o terceiro árbitro dentro dos referidos prazos, serão os mesmos indicados pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a requerimento da parte mais diligente”. Esta redação inculca a qualquer destinatário razoável que o pretendido era a constituição do tribunal arbitral e a resolução do eventual litígio por parte deste, pois, mesmo sem a indicação de árbitro por qualquer das partes ou da impossibilidade de nomeação de terceiro árbitro, a outra parte poderia socorrer-se de nomeação por parte do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, não se tendo optado, em face das dificuldades de nomeação dos árbitros, por considerar que a arbitragem não seria efetuada. A Recorrente refere que a expressão “poderá” utilizada no nº 4 da cláusula 34ª. conduz-nos a uma solução em que as partes tinham a faculdade de recorrer ao tribunal arbitral ou ao tribunal estadual. Ora, a interpretação da cláusula feita pela Recorrente não será a mais correta. Assim, prevê-se na cláusula 34ª que: No caso do litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão (nº 2); Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes (nº4). Deste modo, o nº2 prevê a obrigatoriedade de uma fase conciliatória prévia à arbitragem. E se não for possível a solução amigável, então as partes poderão recorrer à arbitragem. Este poder recorrer à arbitragem, após a inviabilidade de uma solução amigável, está a referir-se à possibilidade de qualquer das partes se socorrer da via litigiosa, com a constituição de um tribunal arbitral, e não à possibilidade de uma alternativa ao tribunal estadual. Como atrás se referir, o Acórdão do STJ, de 20/01/2011, num caso próximo do dos presentes autos, afirmou: “É que o termo podem, inserto na falada cláusula contratual, não se conexiona directamente com a opção pela competência jurisdicional clausulada, mas apenas com a condição (…) de as partes tentarem uma via conciliatória (acordo amigável, como consta do texto) antes de enveredarem pela contenciosa, e só em caso de frustração de tal via, ficarem livres para (poderem) enveredar pela via contenciosa por recurso à arbitragem, como linearmente se colhe da expressão: “Caso não seja possível encontrar uma solução amigável … ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos abaixo descritos”. Por todo o exposto se conclui que a convenção arbitral estabeleceu competência exclusiva dos tribunais arbitrais, como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão recorrido. (…). Somos, pois de concluir que a al. (b) da cláusula 17º consubstancia uma cláusula compromissória em que a competência para dirimir conflitos, após a fase conciliatória, é atribuída em exclusivo ao Tribunal Arbitral. Mais alega a Autora que a referida cláusula 17ª não consubstancia uma cláusula compromissória, pois a mesma, nos termos do nº 6 do artigo 2º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), teria de especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam, o que não sucede dado que tal clausulado “interpretação, aplicação e/ou o não cumprimento e execução do contrato”, o que não cumpre com o requisito legalmente imposto. Vejamos se assiste razão à Autora. De acordo com a Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), mais precisamente o artigo 2º, nº 1, a convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito e o compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio, ou seja, a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (nº 6 do artigo 2º da LAV). Os tribunais arbitrais, constitucionalmente configurados como «tribunais», pese embora não sejam órgãos de soberania, possuem igualmente independência e imparcialidade, cabendo aos tribunais arbitrais, num primeiro momento, a apreciação da sua própria competência, ou seja, o tribunal arbitral tem prioridade na apreciação da sua própria competência, cabendo ao tribunal estadual actuar com reserva quanto a esta matéria. No artigo 21º nº1 da LAV está previsto que o tribunal arbitral se pronuncie sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2011, in www.dgsi.pt, “(…) Aquele princípio (“Kompetenz-kompetenz) acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de o fazer. Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial. (…)”. Também o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2022, in www.dgsi.pt, entre outros, preconiza que não cabe aos Tribunais Judiciais/Estaduais pronunciarem-se sobre a ilegalidade de uma cláusula compromissória, dado que essa competência pertence em exclusivo ao Tribunal Arbitral. Neste sentido podemos ler no referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que: “(…) Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, «o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.» Consagra-se neste preceito o chamado “princípio da competência-competência”, cuja justificação reside na necessidade de evitar que, invocada por uma das partes litigantes a falta de competência do tribunal arbitral, tivesse de ser o tribunal judicial a decidir dessa mesma competência. Por via da citada disposição legal é atribuída ao tribunal arbitral competência para julgar da sua própria competência, com a necessária ponderação, além do mais, sobre a arbitrabilidade do concreto litígio em causa. Além disso, dispõe o art.º 5.º, n.º 1, da LAV, que «o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.» Esta norma, ao impor aos tribunais judiciais o dever de se absterem de julgar sobre as referidas matérias, antes que o árbitro se pronuncie sobre as mesmas, consagra o efeito negativo daquele princípio. Segundo João Lopes dos Reis, «(…) do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência; decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial.» Só assim não será, afirma-se no Ac. do S.T.J. de 20.03.2018, Proc. n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 (Henrique Araújo), in www.dgsi.pt, «quando seja manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, pois, nesses casos, por razões de economia processual, deve o tribunal judicial julgar logo a questão – artigo 5º, n.º 1, parte final, da LAV. É neste registo que a jurisprudência do STJ se tem pronunciado, ao decidir que, face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº 1, da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem –, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação. Alcança-se, deste modo, com o indispensável respaldo legal, uma solução de compromisso entre o princípio da autonomia privada, corporizado na legítima escolha das partes quanto à desjudicialização de conflitos (mediante recurso à instância arbitral), e a possibilidade de os tribunais judiciais apreciarem uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção arbitral, quando confrontados com uma demanda em que tal convenção exista. Assim, o tribunal judicial só poderá deixar de proferir decisão a absolver da instância se for manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da cláusula.» Tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 10.03.2011, Proc. n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, «”a convenção de arbitragem produz um efeito negativo, a que também poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do elemento positivo. Uma vez que, com o beneplácito do Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio” - RAUL VENTURA, Convenção de Arbitragem, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Setembro de 1986), pg. 380. Aderindo inteiramente a esta orientação, considera-se que ao STJ apenas cumprirá, ao apreciar a presente revista, determinar se é manifesto e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa – devendo, pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, serem as partes remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio.» (…) A sobredita decisão deste Supremo - que se fez eco do decidido, designadamente, no Ac. deste STJ, de 20.01.11, como aquele acessível em www.dgsi.pt – mereceu anotação concordante de Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho (In “Cadernos de Direito Privado”, nº 36, pags. 39 a 49). Aí se sustentando, designadamente: - O art.º 5º, nº 1 da LAV adoptou “em definitivo o efeito negativo do princípio da competência da competência, que não faz mais do que atribuir à celebração da convenção de arbitragem um efeito de exclusão da jurisdição dos tribunais judiciais em relação aos litígios abrangidos por essa convenção. Os árbitros são os primeiros juízes da sua competência, estabelecendo-se uma regra de prioridade cronológica quanto à tomada de decisão sobre a competência”; -Manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é “aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada”, afastando, à partida, “qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato, deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade”; - Concluindo que “quando existirem dúvidas sobre a existência da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário”. Não são, aliás, divergentes os correspondentes comentários tecidos, a propósito, por Mário Esteves de Oliveira (in “Lei da Arbitragem Voluntária”, Almedina - 2014, pags. 251 e segs) e Manuel Pereira Barrocas (in “Lei de Arbitragem Comentada”, Almedina (2013), pags. 83 e segs.).» Em suma: sempre que se suscitem dúvidas sobre o âmbito de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio. (…)”. Improcede, também, nesta parte o alegado pela Autora quando invoca que a referida cláusula não consubstancia uma cláusula compromissória, pois a mesma, nos termos do nº 6 do artigo 2º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), teria de especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam, o que não sucede dado que tal clausulado “interpretação, aplicação e/ou o não cumprimento e execução do contrato”, o que não cumpre com o requisito legalmente imposto, porquanto não cabe aos Tribunais Judiciais/Estaduais apreciar essa matéria, mas sim ao Tribunal de Arbitragem. Nos termos da al. b) do artigo 96.º do Código Civil, a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, dispondo ainda o artigo 99.º que “a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância.” “(…)”. Cumpre, ainda, aferir se se deverá atender nos presentes autos ao preceituado no art.º 87.º do CIRE, designadamente, que: 1 – “Fica suspensa a eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte, respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa, sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis. 2 - Os processos pendentes à data da declaração de insolvência prosseguirão, porém, os seus termos, sem prejuízo, se for o caso, do disposto no n.º 3 do artigo 85.º e no n.º 5 do artigo 128.º”. Em primeiro lugar, tal como relembrou a Autora em sede da resposta conferida à exceção de incompetência, os presentes autos iniciaram-se a 15/06/2022, sendo que a Autora foi declarada insolvente em 04/10/2022, por sentença transitada em julgado, em 24/10/2022, no âmbito do processo de insolvência pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 1, com o n.º …. Assim sendo, para efeitos da apreciação da competência do Tribunal, a sua fixação afere-se no momento em que ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei – art.º 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26.08. Mas, ainda que se considerasse que a declaração superveniente de insolvência da Autora devesse ser atendível nos presentes autos, a mera alegação de que “visando a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 3.065.809,73, pensamos que o resultado pode influenciar, e muito, a massa insolvente”, é manifestamente insuficiente para que se determine a suspensão da eficácia da convenção arbitral em causa. É que a circunstância de uma sociedade comercial se encontrar em processo de insolvência, não significa que não tenha meios económicos para suportar as custas com um procedimento arbitral, sendo que mesmo nos casos de insolvência, as ações arbitrais pendentes na data da declaração de insolvência, prosseguem os seus termos normais – art.º 87.º, n.º 2, do CIRE. Efetivamente, “(…) a ausência de possibilidades económicas para suportar os custos com a propositura de uma ação – judicial ou arbitral – dependerá sempre da alegação e prova dos factos consubstanciadores de tal situação, o que, adiante-se, nem sequer foi feito in casu, sendo que a nossa Lei não contém qualquer disposição que preveja esta específica situação, a não ser no caso especial da suspensão da convenção arbitral naquele específico caso de declaração de insolvência, nem consente que o Tribunal se exima ao deferimento da exceção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, oposta por uma parte à outra, sendo antes injuntiva a norma que obriga ao seu conhecimento e à imediata absolvição da instância o que decorre inequivocamente do disposto no artigo 21º, nº 1 da LAV” – vide Ac. do SJT de 26-04-2016, disponível in www.dgsi.pt. Por último, refira-se que a procedência da exceção de preterição do Tribunal arbitral em apreço não consubstancia qualquer violação do princípio do aproveitamento dos atos processuais do artigo 193.º e a proibição da prática de atos inúteis do artigo 130.º, ambos do CPC, porquanto, a nova petição inicial a propor terá, necessariamente, de obedecer à invocação dos requisitos subjacentes ao previsto no art.º 87.º, n.º 1, do CIRE, o que não aconteceu no caso em apreço. Face ao exposto, entendo que o Tribunal competente para conhecer da presente providência é o Tribunal Arbitral e, consequentemente, declaro esta Instância Central Cível incompetente, absolvendo a Ré da presente instância cível (artigos 96º al. b), 576º nº 2 e 577º al. a) do Código de Processo Civil). Custas pela Autora. Valor da causa: € 3.065.809,73 (…). * Inconformada, a MASSA INSOLVENTE DE R., S.A., representada pelo seu Administrador de Insolvência, interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A) A decisão do Tribunal a quo apresenta claras insuficiências na apreciação da matéria de direito, interpretando incorretamente a norma contida no artigo 87.º, n.º 1, do CIRE. B) O Tribunal a quo também retira conclusões desconformes relativamente à cláusula 17.º, alínea b) e c) do contrato assinado pelas partes, na medida em que decidiu pela sua obrigatoriedade e vinculação ao Tribunal Arbitral. C) O sentido e alcance da cláusula deveria ter sido interpretado como uma possibilidade e não como uma obrigatoriedade. D) O recurso ao Tribunal Arbitral no âmbito da presente cláusula apenas significou uma faculdade das partes e não uma imposição ou compromisso arbitral. E) A cláusula 17.º, alínea b) e c) do contrato assinado pelas partes expressa apenas uma possibilidade e não uma obrigatoriedade de recurso à jurisdição arbitral. F) A cláusula em apreço não consubstancia uma cláusula compromissória em que a competência para dirimir conflitos é atribuída exclusivamente ao tribunal arbitral. G) No âmbito da cláusula em apreço, não estamos perante qualquer imposição legal no sentido de obrigar as partes a recorrer, única e exclusivamente, à via arbitral. H) Mesmo que se entenda que estamos perante uma cláusula compromissória, a declaração de insolvência da Recorrente suspende a eficácia da convenção arbitral em que a Recorrente é parte, nos termos e para os efeitos do artigo 87.º, n.º 1, do CIRE. I) A sentença aplicou incorretamente a norma contida no artigo 87.º, n.º 1, do CIRE, ao não atribuir eficácia suspensiva à declaração de insolvência da Recorrente. J) Fazendo recair o ónus de invocação dos factos determinantes para a incapacidade financeira na própria Recorrente. K) Quando manifestamente a sentença proferida no âmbito do processo de insolvência é clara e inequívoca quanto ao reconhecimento da situação de insolvência. L) Aliás, parece vir o Tribunal a quo defender que a insuficiência teria de estar sempre alegada, mas é de recordar que o pleito da Recorrente parte do pressuposto de que essa cláusula compromissória simplesmente não é válida. M) Pelo que a insuficiência económica não carecia de alegação, nessa fase. N) Com a declaração de insolvência, atento o estado financeiro da empresa e o atestado judicial dessa mesma debilidade financeira, a alegação não faz, simplesmente, sentido. O) Ficou demonstrado que a Recorrente está numa situação de insusceptibilidade de cumprimento das suas obrigações pecuniárias, razão pela qual foi declarada insolvente. P) O Tribunal a quo interpretou incorretamente a ratio da norma contida no artigo 87.º, n.º 1, do CIRE, mantendo o ónus da Recorrente em demonstrar a sua situação financeira e a incapacidade para suportar custas do processo arbitral. Q) A própria norma do artigo em questão, tem na sua génese a proteção do património da insolvente, não acarretando custos desproporcionais, que obstaculizam o princípio do acesso aos tribunais, constante do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. R) O reconhecimento da declaração de insolvência demonstra inequivocamente que a Recorrente se encontra com uma incapacidade total para solver as suas dívidas. S) O estado dos presentes autos permite demonstrar que o compromisso arbitral entre as partes, mesmo se considerarmos existir, foi claramente revogado com a declaração de insolvência. T) Deveria o Tribunal a quo, em virtude da declaração de insolvência, ter considerado que o artigo 5.º da LAV estava preenchido, através da ineficácia superveniente da convenção de arbitragem. U) De facto, o Tribunal a quo valora incorretamente a cláusula arbitral existente, não interpretando corretamente a norma do artigo 5.º da LAV. V) A demonstração da verificação da situação de insolvência permite reconhecer a existência clara e manifesta da situação financeira deficitária que impossibilite de cumprir na íntegra a cláusula compromissória. W) No âmbito do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6421/22.0T8LSB.L1-6, datado de 11-01-2024, é mencionado que “O recurso ao tribunal estadual, quando existe uma cláusula compromissória, só pode ser legalmente admissível quando a situação económica do contraente revele, de forma evidente e incontornável, falta de capacidade económica para suportar os custos do funcionamento do tribunal arbitral.”. X) No mesmo sentido, cumpre mencionar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 454/09.0TVLSB.L1-7, datado de 02-11-2010, no qual é disposto que “A superveniência de uma situação de insuficiência económica, que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constitui causa legítima de incumprimento da convenção de arbitragem.”. Y) Assim, a superveniente insuficiência económica da Recorrente constituirá causa legítima de incumprimento da convenção, permitindo-lhe submeter a apreciação do litígio nos Tribunais Judiciais. Z) O estado dos presentes autos permite demonstrar que o compromisso arbitral entre as partes, mesmo se considerarmos existir, foi claramente revogado com a declaração de insolvência. AA) O Tribunal a quo ao abster-se de julgar a questão em causa, apenas estará a protelar uma decisão de mérito, a medida em que a Recorrente terá necessariamente que propor uma nova ação, com a mesma fundamentação e as mesmas partes, neste mesmo tribunal, atenta a cessação da cláusula compromissória. BB) Com a cessação dos efeitos da cláusula arbitral, a Recorrente ficará obrigada a propor uma nova ação judicial neste mesmo tribunal. CC) A absolvição da instância da Recorrida com base no simples facto da situação de insolvência ser superveniente à entrada dos presentes autos, implicaria não só o desaproveitamento dos autos como tramitados até então (o que violaria o princípio incito ao artigo 193.º do Código de Processo Civil), como representaria ainda uma decisão desconforme com o número 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. DD) O princípio do aproveitamento dos atos processuais do artigo 193.º e a proibição da prática de atos inúteis do artigo 130.º, ambos do CPC, são mais do que fundamento suficiente para o indeferimento da exceção invocada. EE) Pelo que é manifesto que a situação de insolvência coloca em causa a validade e eficácia da cláusula arbitral, devendo ser rejeitada a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral. FF) Em face do exposto, deve a exceção de incompetência absoluta ser julgada improcedente, dando o devido provimento ao presente recurso. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO VEM A RECORRENTE REQUERER A V. EXAS. SE DIGNEM DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, CONSEQUENTEMENTE, SEJA REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA. Contra-alegou a Ré formulando a final as seguintes conclusões: 1) O prazo para interposição de recurso de decisão que aprecie a competência do tribunal é de 15 (quinze), independentemente dessa decisão pôr, ou não, fim ao processo, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 638.º, n.º 1, e 644.º, nº 2, alínea b), do CPC; 2) A Recorrente apresentou o requerimento de interposição do presente recurso e as respectivas alegações após o decurso desse prazo de quinze dias, pelo que o mesmo é intempestivo, devendo ser rejeitado por extemporaneidade; 3) O recurso de apelação que foi decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-04-2023, Processo n.º 18726/22.6YIPRT.L1, no qual a ora Autora foi Recorrente e a ora Ré foi Recorrida, incidiu precisamente sobre a mesma cláusula compromissória a que se referem os presentes autos, ou seja, a Cláusula 17.ª, alíneas b) a f), do documento denominado “Condições Gerais de Ordem de Compra”, junto como doc. n.º 9 à p.i.; 4) A ora Autora e aí Recorrente conformou-se com tal Acórdão, pois dele não recorreu, tendo transitado em julgado e devendo, consequentemente, a orientação nele seguida ser igualmente considerada e aplicada no presente recurso, não só por ser a correcta e que se encontra reflectida, e bem, na sentença recorrida, que faz expressamente alusão a esse Acórdão, mas também para assegurar a coerência no julgamento de casos idênticos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como preconizado pelo n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil; 5) A redacção das alíneas b) a f) da Cláusula 17.ª das “Condições Gerais de Ordem de Compra” inculca a qualquer destinatário razoável que o pretendido era a constituição do tribunal arbitral e a resolução do eventual litígio por parte deste, pois, mesmo sem a indicação de árbitro por qualquer das partes ou da impossibilidade de nomeação de terceiro árbitro, a outra parte poderia socorrer-se de nomeação por parte do Presidente do Comité de Arbitragem do “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, não se tendo optado, em face das dificuldades de nomeação dos árbitros, por considerar que a arbitragem não seria efectuada; 6) A alínea b) da referida Cláusula 17.ª prevê a obrigatoriedade de uma fase conciliatória prévia à arbitragem. E se não for possível a solução amigável, então as partes poderão recorrer à arbitragem. Este “poder recorrer” à arbitragem, após a inviabilidade de uma solução amigável, está a referir-se à possibilidade de qualquer das partes se socorrer da via litigiosa, com a constituição de um tribunal arbitral, e não à possibilidade de uma alternativa ao tribunal estadual; 7) Do efeito positivo da convenção arbitral, consagrado no art.º 18.º, n.º 1 da LAV, decorre que o tribunal arbitral é prioritariamente competente, face ao tribunal estadual, para apreciar a sua própria competência (princípio da competência-competência), e do seu efeito negativo, regulado no art.º 5.º, n.º 1, da mesma Lei, decorre que o tribunal estadual é incompetente para conhecer dos litígios abrangidos pela convenção arbitral, devendo abster-se de o fazer e absolver da instância o réu que, na acção estadual, tenha deduzido a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal judicial por preterição de tribunal arbitral, como sucedeu, e bem, nos presentes autos; 8) A alínea b) da Cláusula 17.ª consubstancia uma cláusula compromissória em que a competência para dirimir conflitos, após a fase conciliatória, é atribuída em exclusivo ao Tribunal Arbitral; 9) Em 15 de Junho de 2022, data da propositura da presente acção – que é o momento relevante para a fixação da competência do tribunal, nos termos do art.º 38.º, n.º 1, da LOSJ - a competência para apreciar e decidir a mesma não cabia ao Tribunal Judicial, mas sim ao Tribunal Arbitral, ao abrigo da cláusula compromissória estipulada entre as partes, vertida nas alíneas b) a f) da Cláusula 17.ª das “Condições Gerais de Ordem de Compra”; 10) Se, por decisão do administrador ou por força da lei, o contrato houve de ser cumprido, ele há-de ser cumprido na sua totalidade, ou seja, incluindo a cláusula compromissória, quando exista, pelo que não seria razoável impor à contraparte o cumprimento de um contrato diferente daquele que foi por ele celebrado, amputado da cláusula arbitral e, em certas situações, seria particularmente injusto destituir a contraparte do insolvente da possibilidade de exercer o poder que lhe é conferido pela convenção arbitral; 11) A suspensão da eficácia da convenção arbitral, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, do CIRE, deve cessar quando as necessidades de tutela dos interesses da contraparte imponham a eficácia das convenções arbitrais; 12) No caso concreto dos autos, tendo a Recorrente invocado o seu suposto cumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a Recorrente e tendo vindo exigir o cumprimento das obrigações que, para a Recorrida, considera decorrerem desse mesmo contrato, tal pretenso cumprimento terá de respeitar à integralidade desse mesmo contrato, incluindo a cláusula compromissória que ambas as partes estipularam, e não apenas à parte do contrato que a Recorrente entendeu escolher, respeitante à suposta obrigação de pagamento do preço pela Recorrida; 13) Nestas circunstâncias, em que a Recorrente se arroga o direito à aplicação, a seu favor, das consequências inerentes ao cumprimento do contrato de empreitada – nomeadamente, do direito ao pagamento das contrapartidas que veio afirmar serem-lhe devidas – cumprimento esse que a Recorrente defende, da sua parte, ter ocorrido, não pode pretender que, do lado oposto, a Recorrida se veja privada do direito de se prevalecer do mesmo contrato na sua totalidade, incluindo o direito potestativo de constituir o tribunal arbitral ao abrigo da cláusula compromissória que ambas as partes aceitam e reconhecem expressamente ter sido estipulada; 14) A Recorrida tem o direito potestivo a que todos os litígios emergentes do contrato de empreitada que celebrou com a Recorrente sejam apreciados e decididos exclusivamente por Tribunal Arbitral a constituir e a funcionar nos termos estipulados na Cláusula 17.ª, alíneas b) a f), das “Condições Gerais de Ordem de Compra”, e as necessidades de tutela dos interesses da Recorrida, contraparte nesse contrato, impõem a eficácia dessa convenção arbitral; 15) A questão não reside em saber se a Recorrente tem, ou não, meios financeiros que lhe permitam cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas, e se tem, ou não, de alegar e demonstrar a ausência de tais meios para essa finalidade, porquanto tal falta de meios e disponibilidades financeiras para cumprir a generalidade das obrigações vencidas da Recorrente está demonstrada com a declaração da respectiva insolvência, por sentença de 04/10/2022 (junta às alegações da Recorrente), obrigações vencidas essas que se passaram a qualificar como dívidas da insolvência ou créditos sobre a insolvência, nos termos do art.º 47.º do CIRE; 16) A questão é outra e bem diferente, e reside em saber se, na fase de liquidação do activo da Recorrente, que se seguiu à declaração da sua insolvência, foi ou não possível reunir meios e disponibilidades financeiras que lhe permitam suportar as despesas inerentes à instauração de acções para cobrança de supostos créditos da massa insolvente sobre a Recorrida, no caso concreto, acções arbitrais, por força da cláusula compromissória estipulada entre ambas as partes; 17) Tais despesas qualificar-se-ão como dívidas da massa insolvente, e não dívidas da insolvência, a ser incorridas pelo Administrador da Insolvência no exercício da sua actividade de administração da massa insolvente, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 51.º, n.º 1, alínea c), e 81.º, n.º 4, ambos do CIRE, e serão pagas prioritariamente face aos créditos sobre a insolvência, nos termos do art.º 172.º, n.º 1, do mesmo Código; 18) O produto obtido com a actividade de liquidação do activo, nomeadamente, a venda dos bens apreendidos para a massa, prevista no art.º 158.º do CIRE pode gerar meios financeiros e disponibilidades que permitem suportar tais dívidas da massa insolvente; 19) No caso concreto, verifica-se que a fase de liquidação do activo, no processo de insolvência da Recorrente, permitiu ao Senhor Administrador da Insolvência, de acordo com informações que o mesmo prestou no apenso “F – Liquidação” dos autos de insolvência, arrecadar para a massa insolvente o montante de, pelo menos, € 2.406.213,00 (…) – cfr. doc.ºs n.ºs 2 a 4 – pelo que a Recorrente dispõe de avultados meios financeiros que lhe permitem suportar, nomeadamente, as despesas e encargos de acções arbitrais; 20) O que a Recorrente verdadeiramente pretende é manter o elevado grau de litigância contra a Recorrida - de que o presente recurso é apenas um exemplo - para cobrança de montantes que considera serem-lhe contratualmente devidos, mas poupando nas custas processuais enquanto se mantiver a gravitar na órbita dos tribunais judiciais e a litigar neles (pois está automaticamente isenta do pagamento de tais custas, por força do disposto no art.º 1.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e procurando impedir que a Recorrida exerça os direitos potestativos que lhe assistem à luz do mesmo contrato no que respeita à constituição de tribunal arbitral para, com exclusividade, dirimir litígios; 21) O pressuposto de que as custas do processo arbitral são incomportáveis nem sempre se confirma, sendo frequente os sujeitos suportarem custos de patrocínio superiores, impondo-se o dever de os tribunais arbitrais atenderem à situação real das partes por forma a que a insolvência não afecte a arbitragem; 21) Em circunstâncias especiais e excepcionais, devidamente alegadas e ponderadas, de insuficiência económica do demandante, o Tribunal Arbitral poderá reduzir os custos a suportar pela parte atingida, de molde a que à mesma não seja coarctada e/ou dificultada, por motivos económicos, a dilucidação da situação jurídica controvertida; 22) A circunstância de uma sociedade comercial se encontrar em processo especial de revitalização (PER) ou em processo de insolvência não significa, só por esse motivo, que não tenha meios económicos para suportar as custas com um procedimento arbitral; 23) A procedência da excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal judicial por preterição de tribunal arbitral não consubstancia qualquer violação do princípio do aproveitamento dos actos processuais acolhido no art.º 193.º do CPC, nem da proibição da prática de actos inúteis previsto no art.º 130.º do mesmo Código, nem tampouco constitui violação do direito de acesso ao direito vertido no art.º 20.º, n.º 1, da CRP; 24) O presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, que não merece censura. Termos em que deve o presente recurso de apelação: a) ser rejeitado por extemporaneidade, ou, caso assim se não entenda, b) deve ser julgado improcedente por falta de fundamento, devendo, consequentemente, manter-se a douta sentença recorrida, que não merece censura. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - a questão a decidir é a de saber se o tribunal é absolutamente competente. Previamente, cumprirá conhecer da intempestividade do recurso e da junção de documentos com as contra-alegações do recurso. * III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede, incluída a matéria de facto constante da decisão recorrida, devendo ainda consignar-se: - A petição inicial deu entrada em juízo a 15.06.2022. - A Cláusula 17, alíneas b) e c), do documento denominado “General Purchase Order Conditions” estipula, na versão original em língua inglesa: “(b) In case of dispute regarding the interpretation, the enforcement and/or the non-fulfilment and execution of the Agreement, the Parties will endeavour to obtain an equitable and adequate solution by amicable settlement. Should an amicable solution not be possible within the delay of 30 (thirty) days as from the date one party notifies the other of the existence of the dispute, either party may, at any time thereafter, resort to arbitration carried out by an Arbitration Court set up under the terms of this Article and in compliance with the provisions of Law no. 31/86, of August 29, composed by a sole arbitrator or three arbitrators. Failing the agreement to choose the third arbitrator the same shall be designated by the President of the Arbitration Committee of the “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, upon request of the most diligent Party. (c) The Court shall be considered constituted on the date of acceptance of the sole arbitrator or on the date of appointment of the third arbitrator, this being considered to have been executed, in the situation of lack of agreement referred to in the previous number, on the date of notification of the appointment. The Arbitration Court will sit in Lisbon and the procedure before the Arbitration Court shall be governed by the procedural rules adopted by the “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa” and by the provisions of the Civil Procedure Code.” - Na versão traduzida[3] para a língua portuguesa: “(b) Em caso de litígio relativo à interpretação, aplicação e/ou incumprimento e execução do Contrato, as Partes esforçar-se-ão por obter uma solução equitativa e adequada através de acordo amigável. Caso não seja possível uma solução amigável no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que uma das partes notifique a outra da existência do litígio, qualquer das partes poderá, em qualquer momento posterior, recorrer à arbitragem a efetuar por um Tribunal Arbitral constituído nos termos do presente artigo e em conformidade com as disposições da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, composto por um árbitro único ou três árbitros. Na falta de acordo para escolher o terceiro árbitro o mesmo será designado pelo Presidente do Comité de Arbitragem do “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, a pedido da Parte mais diligente. (c) O Tribunal será considerado constituído na data da aceitação do árbitro único ou na data de nomeação do terceiro árbitro, o que será considerado realizado, na situação de falta de acordo referida no número anterior, na data da notificação da nomeação. O Tribunal Arbitral terá sede em Lisboa e o processo perante o Tribunal Arbitral será regido pelas normas processuais adotadas pelo “Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa” e pelas disposições do Código de Processo Civil.” - A Recorrente foi declarada insolvente no dia 04-10-2022, no âmbito do processo judicial n.º …, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 1.1. * IV. Apreciação Questões prévias: 1 – Da extemporaneidade do recurso. Defende a recorrida que o recurso é extemporâneo, pois que o prazo para a sua interposição é de quinze dias, na conformidade do artigo 638º nº 1, parte final, do Código de Processo Civil. Admite-se que a questão não é líquida, mas entendemos que, sobretudo num caso como o presente, em que o processado em tribunal judicial radicalmente se não pode aproveitar, a defender-se a competência do tribunal arbitral, então é manifesto que a decisão pôs termo à causa, ainda que por razões processuais, e nenhum sentido faz impor um prazo mais curto do que o prazo que é estabelecido para recorrer das decisões que põem termo à causa. Até porque, na realidade, alguma lógica e benefício se há-de pretender retirar do encurtamento do prazo, vulgarmente, celeridade processual para a resolução de outras questões, dentro ou fora do mesmo processo e no âmbito da competência dos tribunais estaduais, por via da possibilidade de aproveitamento do processado. Como nada disso se passa no caso, o encurtamento do prazo não tem nenhuma justificação. No sentido do prazo ser de trinta dias, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos processos 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 de 21-02-2019 e 200/14.6T8LRA-A.C1.S1 de 22-11-2016. Improcede esta primeira questão. 2 – Da junção de documentos em recurso. Muito sinteticamente, além dum acórdão proferido num processo entre as mesmas partes[4], para deslocalizar a discussão da consequência de uma declaração de insolvência de uma das partes outorgantes de uma cláusula compromissória arbitral, sobre esta cláusula, do momento da declaração de insolvência para o momento posterior em que, no processo de insolvência, se liquidam os bens, ocasião de apuro da existência de liquidez suficiente para suportar os custos da acção arbitral, ou pelo menos, os custos iniciais, a recorrida veio juntar três documentos relativos à informação trimestral e arquivo de documentos fornecida pelo administrador de insolvência ao respectivo processo, com as contra-alegações de recurso que aqui apresentou. Nos termos do artigo 651º do Código de Processo Civil, podem ser juntos documentos com as alegações de recurso nos casos do artigo 425º do Código de Processo Civil, ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento em primeira instância, podendo ainda ser juntos pareceres de jurisconsultos. Um acórdão não é um parecer de jurisconsultos, é certo, mas o acórdão junto não se mostra publicado em www.dgsi.pt, e a sua doutrina não poderia deixar de ser discutida nesta acção, por efeito da participação da sua Relatora no presente colectivo. Consequentemente, seria até intelectualmente desonesto considerá-lo e não admitir a sua junção aos autos. Já quanto aos três outros documentos, o tribunal de primeira instância, no presente caso, não declarou a pertinência da tese da insolvência defendida pela recorrente para a competência material do tribunal. Quer isto dizer que – e para mais quando a questão foi debatida entre as partes – não estamos perante nenhuma junção de documento por virtude do julgamento em primeira instância. Por outro lado, os documentos juntos e pertinentes ao processo de insolvência, são anteriores – todos datados de 2023 – à prolação da decisão recorrida – em Maio de 2024. A recorrida não pediu a ampliação do objecto do recurso para prevenir que a invocação da insolvência pudesse ter provimento nesta Relação. Consequentemente, os três documentos juntos não estão nas condições prescritas pelo artigo 651º do Código de Processo Civil, pelo que não podem ser admitidos. Resta determinar o desentranhamento e devolução à recorrida dos referidos três documentos juntos, e condená-la em multa, nos termos do artigo 443º do Código de Processo Civil, que se fixa, atento o número de documentos indevidamente juntos, em 2 (duas) UC - artigo 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. * Questão do recurso: - da competência deste tribunal. Para a recorrente, e vamos ser muito sintéticos, o tribunal recorrido é competente porquanto a cláusula 17ª acima referida não se pode interpretar como sendo uma cláusula compromissória, na precisa medida em que a expressão “pode”, ou em inglês “may”, entendida por um destinatário normal, indica justamente o contrário dum dever, dum “ter de ser”. Donde, se pode, se apenas pode, também pode não o fazer, isto é, também pode recorrer simplesmente ao tribunal estadual para a resolução de questões relativas à interpretação ou ao incumprimento contratual. Mas, mesmo que assim não seja e no caso concreto, o facto é que a autora foi declarada insolvente, devendo ser correctamente interpretado e aplicado o artigo 87º nº 1 do CIRE (e de resto, o artigo 5º da LAV), e aquela declaração de insolvência, suspendendo a eficácia da convenção arbitral, tem o efeito de a libertar[5] da cláusula compromissória arbitral, pois se assim não acontecesse, a falta de meios económicos para suportar a resolução arbitral equivaleria a uma violação do seu direito de acesso à justiça – artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Na sequência, se a declaração de insolvência a liberta da cláusula compromissória, a solução da decisão ora sob recurso obriga-a, para se defender, a instaurar nova acção, no “mesmo” tribunal, com os mesmos fundamentos, o que representa uma violação do princípio da economia e do máximo aproveitamento, bem assim como uma ofensa à proibição da prática de actos inúteis. Comecemos por recordar o artigo 38º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto: “1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. 2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa”. Esta disposição não é irrelevante, é antes fulcral para o adequado funcionamento (ou dito de outro modo, gestão dos recursos) do sistema de justiça. Ela coloca-se ao lado dum outro princípio fundamental do sistema processual, que é o da estabilidade da instância previsto no artigo 260º do Código de Processo Civil, e no seu conjunto não deixam de corresponder ao direito, de ambas as partes, a um processo equitativo, igualitário e justo, ou mais precisamente a um processo seguro, que não deixa dúvidas sobre os actos a nele praticar pelos seus intervenientes. Este tipo de processo não se compadece com a indefinição ou com mudanças sucessivas e retrocessos relativamente à autoridade competente para o decidir. Está fora de dúvida, nestes autos, que quando a acção foi interposta, a Autora não tinha sido declarada insolvente, e, se a cláusula 17ª não for interpretada como a recorrente pretende, o tribunal estadual era, nessa data, materialmente incompetente. Não cremos, em face da importância do momento de fixação da competência, que um tribunal materialmente incompetente venha depois a ser considerado competente, excepto, naturalmente, nos termos das excepções previstas no referido artigo 38º. Vamos começar pela natureza da cláusula 17ª. Temos alguma dificuldade em afastar-nos de tudo quanto o tribunal de primeira instância escreveu, porque não se nos afigura que seja preciso dizer mais nada, e porque a bem dizer, o recorrente também não disse, no recurso, nada de novo. É claro que “pode” não é o mesmo que “tem de”, mas o contrato, ou a cláusula, se quisermos focar um pouco mais a atenção, tem de, não pode, tem mesmo de ser interpretado em termos globais, como se de um universo ou sistema se tratasse. Quer isto dizer, o princípio norteador da interpretação da lei que é o princípio da unidade do sistema – dito de modo simples, presumir que o legislador está consciente dessa unidade e que consagra as inovações legais em coerência com ela – também se aplica à interpretação dos contratos: - o contrato é o universo que as partes que nele intervêm criaram para si, para as envolver. Então, ao nível do contrato, estamos no cenário da dimensão da empresa ré, neste caso, e do seu poder económico, eventualmente aparente, que é fundamento para a possibilidade de pretender ter – e conseguir para isso a aquiescência dos seus parceiros – tribunais privados. Já ao nível da cláusula, é todo o texto da cláusula que tem de ser perscrutado como um sistema ou universo. E aqui, realmente, a decisão recorrida, aliás sustentando-se num caso idêntico em que a posição foi confirmada pela Relação, diz tudo: - a liberdade, o “pode”, refere-se à frustração da fase conciliatória, isto é, “pode directamente recorrer à arbitragem”, não precisa ficar mais tempo em negociação, e não a uma alternativa que não encontra no texto da cláusula a mais pequena menção, isto é, pode recorrer ao tribunal estadual. Embora não tenhamos que presumir que os contratantes dominam a língua portuguesa, a interpretação proposta pela recorrente precisava encontrar-se no texto da cláusula com alguma expressão em que se consagrasse a alternativa entre o tribunal arbitral e o estadual, o que não sucede. No mais, remetemos para a decisão recorrida e na verdade também para o segmento do acórdão proferido no caso idêntico pela Exmª Senhora Desembargadora aqui adjunta – acórdão no qual não se considerou ser objecto do recurso a natureza da cláusula, por a recorrente (ali e também aqui) ter aceitado a sua natureza compromissória, mas ainda assim se concordou com os termos da decisão recorrida que no acórdão se citaram, a propósito da questão da natureza da cláusula – concluindo-se pois que a cláusula 17ª tem a natureza duma cláusula compromissória arbitral. Apreciemos agora a questão da implicação da declaração de insolvência. Como já dissemos, quando a acção foi proposta, a Autora e agora recorrente não tinha sido declarada insolvente. A discussão, a partir do momento em que a Autora foi declarada insolvente é a de saber se, determinando o artigo 87º nº 1 do CIRE a suspensão da eficácia da convenção arbitral, se precisamente por isto não se deve entender que se mostra preenchida a parte final do nº 1 do artigo 5º da LAV, que dispõe, para o caso de estar pendente acção em tribunal estadual e em que o réu haja deduzido a excepção de incompetência por preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual, ao invés de absolver o réu da instância, determine a continuação da instância por via de ser manifesto, com a declaração de insolvência e com o dito artigo 87º nº 1, que a convenção já não é eficaz. Estamos – as duas disposições – a usar exactamente a mesma expressão – eficaz. Se assim é, dá-se então que a recorrente tem toda a razão quando diz que o tribunal não tem de lhe exigir a alegação (pelo menos) das suas capacidades económicas, a insuficiência delas presume-se por mero efeito da declaração de insolvência. Este raciocínio estará certo? Aparentemente sim, mas como conjugar, lá está, por via da unidade do sistema, com o artigo 38º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto acima citado? Podemos entender que a declaração de insolvência constitui uma modificação jurídica que atribui competência a tribunal que a não tinha? É muito forçado: - em primeiro lugar, quando comparamos com a primeira parte – perda, por via legislativa, de competência, justamente por eliminação do órgão – parece claro que a segunda parte fala duma disposição legislativa que atribui, em termos de orgânica judiciária, a um determinado tribunal, uma competência que antes não tinha. Em segundo lugar, a acção de insolvência, a declaração de insolvência, não é constitutiva, é, como o nome indica, declarativa, é uma constatação duma situação de facto à qual a lei atribui determinados efeitos jurídicos. Assim, a insolvência entra como modificação de facto irrelevante, ou seja, entra para a previsão do nº 1 do artigo 38º. Repare-se que a irrelevância da modificação de facto para a alteração da competência só é excepcionada nos casos previstos na lei, mas o artigo 5º nº 1 da LAV não é uma previsão expressa, pois não nos assegura com precisão o momento relevante de apuramento da ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem. Cremos que a interpretação que melhor concilia todos os preceitos é a seguinte: - no artigo 87º nº 1 do CIRE previne-se a libertação, por suspensão de eficácia, da convenção de arbitragem, autorizando-se a massa insolvente, representada pelo seu administrador a recorrer, nas acções novas, a interpor, que influenciam a massa, ao tribunal estadual. Se está pendente acção arbitral – nº 2 do artigo 87º - a passagem à justiça estadual poderá acontecer conforme a situação económica concreta, isto é, se houver ou não meios para continuar a custear a acção arbitral. Neste caso, sim, é preciso alegar os concretos meios económicos, não funciona a presunção a partir da declaração de insolvência. Para sermos coerentes, a previsão do artigo 5º da LAV deve situar-se no mesmo nível: - para as acções que sejam interpostas no tribunal estadual após a declaração de insolvência, em paralelo ao artigo 87º nº 1, a suspensão da eficácia da convenção faz concluir imediatamente pela sua ineficácia, e está autorizado que o processo seja tramitado no tribunal estadual. Para as acções que estejam pendentes no tribunal estadual em que, só posteriormente à interposição, sobrevenha a declaração de insolvência, o caso regula-se em paralelo ao artigo 87º nº 2, isto é, nesta acção pendente, em que ao tempo em que foi interposta não havia declaração de insolvência e presunção de incapacidade económica, o agora insolvente tem de demonstrar que, ao tempo da propositura, a sua situação económica, manifestamente já era de tal modo grave que o incapacitava para o custeio da justiça arbitral. Nessa condição, o tribunal estadual não deverá absolver o réu da instância, autorizando o prosseguimento dos autos, quer o juízo que faça se possa considerar como uma pré-ineficácia ou uma inexequibilidade de ordem económica. Assim, podemos confirmar a decisão recorrida quando afirmou que a alegação de que o resultado da presente acção era influente para a massa, não era alegação suficiente de demonstração da incapacidade de suportar a justiça arbitral. Na ausência desta demonstração, também certo é que não podemos falar em nenhuma interpretação que viole o direito constitucional de acesso à justiça por parte da recorrente. Afastada a natureza facultativa da cláusula e a suposta violação dos artigos 87º do CIRE e 5º da LAV, resta a argumentação da violação do princípio da economia e aproveitamento dos actos processuais e a proibição de prática de actos inúteis. Ora, a inutilização dos actos praticados neste processo é uma mera consequência de facto, do facto da declaração de insolvência ser superveniente à data da propositura da acção. Em muitas outras situações é preciso repetir actos processuais, para assegurar a regularidade processual ou para se afinar a aquisição da verdade material, sendo uma situação relativamente comum, o que revela bem que os princípios ditos ofendidos têm uma relevância menor do que o princípio da competência constante do artigo 38º da Lei 62/2013. Em suma e pelo exposto, improcede o recurso. Sem custas, dada a isenção da recorrente – artigo 4º al. u) do Regulamento das Custas Processuais. * V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência em confirmar a decisão recorrida. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 19.12.2024 Eduardo Petersen Silva Gabriela de Fátima Marques João Manuel P. Cordeiro Brasão _______________________________________________________ [1] Que aqui reproduzimos na íntegra, uma vez que, além do mais, também realizam o relatório que releva consignar para enquadramento da questão a decidir no presente recurso. [2] Na decisão sob recurso não foram reproduzidos os sublinhados. [3] Traduzida pela A. e não posta em causa pela Ré. [4] E relatado pela Exmª Desembargadora aqui primeira adjunta, no processo 18726/22.6YIPRT.L1, proferido em 13.04.2023. [5] Usamos a palavra libertar como síntese da argumentação que se encontra nas conclusões W, X e Y do recurso. |