Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10/16.6PTOER.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
INIMPUTABILIDADE
ACIDENTE
PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Apurar se o arguido se encontrava impossibilitado de querer e de se conformar com a ação constitui matéria de facto.
E sobre este especto o tribunal a quo efetivamente considerou provado que o arguido “por se encontrar com os reflexos e capacidade de reação diminuídos por força das bebidas alcoólicas que ingerira o arguido não visualizou atempadamente a vítima”.
Os factos a considerar para efeitos de conhecimento do presente recurso são os que foram considerados provados pelo tribunal a quo e nessa medida temos por certo que o arguido, sob a influência de uma TAS de 1,325 g/1, conduziu o veículo automóvel ligeiro identificado nos autos, e provocou um acidente, provocando as lesões, igualmente descritas na matéria de facto apurada, na pessoa do ofendido   .
Isto porque “(…) a circunstância de o arguido ter praticado os factos alcoolizado ou debaixo de uma perturbação psicológica, não implica que o mesmo arguido se encontrasse impossibilitado de reconhecer o que fazia e que não estivesse consciente dos seus actos.
 O facto de se encontrar alcoolizado ou perturbado psicologicamente não se compagina, na verdade, com uma incapacidade total e em que sejam ultrapassadas as barreiras da imputabilidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por Sentença de 30 de abril de 2019 o arguido CM______ foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado, previsto e punido pelos artigos 291°, n° 1 a) e b) e 294°, n° 1 e 3, ex vi dos artigos 144° c) e 285° do Código Penal e 44º, n° 1 e 2 do Código da Estrada, e pelo artigo 69°, n° 1 a), igualmente do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre, pelo período de 8 (oito) meses.
Inconformado com esta condenação vem o arguido recorrer apresentando para tanto as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1. O arguido foi condenado por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado, p. e p. pelos artigos 291° n°1 a) e b) e 294° n°1 e 3, ex vi dos artigos 144°c9 e 285° do C.P. e 44° n°1 e 2 do Código da Estrada e, pelo artigo 69°, n°1 a), igualmente do C.P.
2. O recorrente foi condenado a uma pena de dois anos de prisão efectiva nos moldes determinados em sede de sentença;
3. Levantou como QUESTÃO PRÉVIA a INIMPUTABILIDADE em razão de se encontrar em estado de embriaguez;
4. Na verdade, foi dado como provado que o arguido estaria em estado ébrio, pelo que não estaria em condições de querer e entender, encontrando-se assim, ao abrigo do art°20 n°1 e 2 do C.P., em circunstâncias que o colocam numa situação de inimputabilidade.
5. Diz-se na douta acusação e na sentença que: - “...o arguido agiu deliberadamente, livre e conscientemente, com o propósito de ....”, quando tal não é correcto, conforme se tentará provar.
6. O arguido nega que tenha intencionalmente querido aquele resultado - o acidente e muito menos o atropelamento do Ofendido - porque uma coisa é certa, no seu estado normal tal acto não teria praticado nem teria necessidade de tal.
7. Nesse sentido, remete-se para a prova produzida em sede de audiência e julgamento, nomeadamente para o auto de noticia, o talão de alcoolímetro de fls.7 e os Pontos 1, 2, 9.
8. Assim sendo, ao contrário do doutamente afirmado na sentença, não sabia, nem podia ter uma consciência plena dos seus actos, já que se encontrava completamente embriagado, não tendo assim, para tal, a necessária capacidade de querer e entender.
9. Sendo assim, e face ao exposto no art°20 n°1 do Código Penal, o arguido encontrava-se inimputável no momento da prática dos factos. Já que era incapaz, no momento da prática dos factos de, avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação, faltando assim o necessário discernimento para tal avaliação.
10.  Devendo-se por isso. ..excluir-se a CULPA.
11.  Ao excluir-se a culpa, verifica-se a ausência de um elemento essencial para se poder imputar a prática de um crime a uma pessoa - a culpa - logo, no caso vertente, não se encontra preenchido o crime imputado, já que falta a intenção de....
12.  Artigo 412o n°3 alínea a) do CPP - Pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados - Como matéria relevante para a apreciação deste recurso importa desde logo destacar a factualidade que o “tribunal a quo” deu como provada incorrectamente, quanto ao arguido e tais factos constam dos seguintes pontos dados como provados, do Acórdão:
13.  .(Ponto 16) - “ O arguido tinha a consciência que a condução que fazia, e nas condições em que o fazia, punha em risco a vida e a integridade física dos demais utentes da via, no sentido de tornar altamente provável a ocorrência de ferimentos graves ou mesmo morte dos demais utentes da via, tendo-se conformado com a criação daquele perigo ”;
14.  (Ponto 17) - “ O arguido conhecia os factos descritos e agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida. ”
15.  Ora, demonstrou no presente articulado, acima de tudo na “Questão Prévia”, em que se invoca a questão da inimputabilidade, essa factualidade considerada assente na Sentença, não tem suporte na prova produzida quanto ao arguido, prova essa que foi produzida e examinada em audiência e que o “tribunal a quo ” reputou determinante na formação da sua convicção.
16.  Nesta peça de recurso, o ora recorrente irá tentar demonstrar também a V. Exias. com assento na prova produzida em Julgamento, e vertida em sentença e que resulta da simples leitura da douta Sentença, com especial relevo para os pontos 18, 19 e 20 que, merecia uma atenuação da sua pena.
17.  Já que, pelo que os indícios que existem são insuficientes para condenar o ora arguido e, muito menos ter-se a certeza que “terá agido dolosamente.
18.  Bem como essa “prova” de eventual dolo não encontra suporte em mais nenhuma prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
19.  Com o devido respeito, há que pôr em dúvida a racionalidade e a coerência do juízo ou processo lógico - indutivo que terá conduzido à convicção dos julgadores, ponderado que terá sido - e admitimo-lo, nessa parte - o conjunto de toda a prova produzida, na estrita obediência - que ora não se questiona - ao mandamento do art°127 do CPP.
20.  Ou seja, serve isto para afirmar que a decisão recorrida, no nosso modesto entendimento, não oferece detalhes desse raciocínio que permitam aferir a sua coerência lógica e, muito mais quando o arguido foi genuíno na sua confissão integral e sem reservas e, se o seu comportamento é criticável e merece a censura do Direito, a verdade é que merece uma atenuação especial, porque apesar de tudo, ficou no local, chamou o socorro e prestou auxílio ao Ofendido.
21. Pelos elementos concretos disponíveis nos autos - no que concerne á medida da pena - e, sustentados na Sentença aqui recorrida, não apoiam, de forma cabal e segura essa conclusão decisória.
22.  Como é obvio, sabemos da limitação do seu depoimento - por ser arguido e se encontrar alcoolizado - mas não nos podemos abstrair do mesmo, uma vez que foi com esta prova que decorreu e, se fez o julgamento e, é sobre a mesma que recai a análise da matéria sujeita a julgamento, pelo que deficiente ou não, não há mais nenhuma, e o seu arrependimento foi dado como provado e não ter abandonado o local e chamado o INEM.
23. O que é real é que foram postas em dúvida a alegada intencionalidade do crime e que essa dúvida deve ser tornada consistente pela Defesa tendo em vista o Princípio favor rei.
24. À parte disto ... não existe mais qualquer prova digna desse nome, que possa suportar a condenação do arguido aqui recorrente, a não ser por mera convicção!
25. Sendo assim, não há qualquer elemento material ou dispersivo que possa fazer ligar racionalmente e com toda a certeza que os factos não se tenham passado conforme o arguido assim o diz e, muito menos quando os assume de forma convincente e clara.
26.  É que por muito que custe ao Tribunal aceitar esta versão dos factos apresentada pelo arguido, a verdade é esta: o arguido nega que tenha praticado o crime dolosamente e, quanto muito esperar-se-ia que o Tribunal não condenasse o arguido, face ao seu estado de inimputabilidade ou, pelo menos face aos elementos atenuadores lhe suspendesse a sua pena;
27. É facilmente perceptível que, a própria motivação da condenação, em sede de Sentença, lança mão recorrentemente das “regras de experiência” não para apoiar a confirmação positiva do comportamento delitual deste arguido, mas para negar credibilidade á sua tese ou às circunstâncias atenuadoras.
28. Assim sendo, entendemos que a decisão proferida julgou incorrectamente este facto e, nessa medida, deve ser revogada, determinando-se em última instância a suspensão da sua pena.
29. Face aos elementos pessoais do arguido e, mesmo que o arguido tivesse que ser condenado e, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, houve um desfasamento em desfavor do ora arguido, sendo igualmente certo que a referida pena de prisão efectiva do arguido, poderia ter sido mais baixa e suspensa na sua execução.
30.  Aliás, parece-nos que o arguido foi duplamente condenado, já que além do crime em si, também terá ponderado - no nosso modesto entendimento - o facto de o arguido ter um antecedente criminal e isto aliado ao dito alarme social.
31. Apesar do que diz a douta sentença, a fls.12, no tomo da “Escolha e medida da pena”(A conduta causada pelo arguido, não obstante o seu arrependimento, é causadora de elevado alarme social; Valora-se negativamente, apesar da sua atitude em relação aos factos, a falta de integração social, já que o arguido cumpre uma pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes,);
32.  Assim, mesmo que se projectasse para um momento anterior ao julgamento que levou á aplicação de pena efectiva o juízo imposto pela conjugação dos artigos 40° e 70° do CP, entende-se que a pena de multa já não seria adequada ás exigências de prevenção geral e especial e de repressão. ”
33.  A verdade, é que o arguido demonstrou uma atitude face aos factos - depois destes terem ocorrido, não por vontade do arguido mas por uma conduta irresponsável do mesmo - exemplar e humana, que de certeza muitas pessoas ditas “normais e sem registo criminal” não a teriam e, teriam optado por uma outra postura, quando se sabe publicamente que houve uma acréscimo fortíssimo de atropelamentos com fuga e, aqui que o arguido teve uma atitude de louvar, apesar dos factos serem graves, condena-se e não se releva essa parte que deveria ser motivo de elogia e não de censura e, isto sem querer diminuir o facto de o arguido ter conduzido alcoolizado.
34.  Não se quer um prémio, quer-se sim alguma compreensão e reconhecimento efectivo dessa atitude mencionada nos autos e dada como provada nos Pontos 18, 19 e 20, para os quais se remete e se dá como reproduzidos para os devidos efeitos, nomeadamente não ter fugido, ter prestado os primeiros socorros e, ter chamado o INEM e a policia e se ter demonstrado o seu genuíno arrependimento.
35. É que se fizermos uma comparação com a pena a que o arguido foi sujeito e a absolvição dos outros arguidos ou atenuação, facilmente se verifica que a mesma é desproporcional e injusta em comparação com outros processos idênticos e, isto em termos meramente comparativos.
36.  Assim, face a toda a informação vertida nos autos, mesmo que o arguido devesse ser condenado a pena aplicada é exagerada e inadequada.
37.  Esta é a pura verdade, apesar de o Tribunal “ad quo” não ter considerado as suas razões.
38.  O arguido, mas sempre dirá que a pena aplicada não foi justa nem equitativa, face ao Julgamento e a outras situações que se passam nos nossos Tribunais, em que a indivíduos de menos credibilidade se dá uma oportunidade, ao se aplicar uma pena mais equitativa e justa e suspensa na sua execução.
39.  Face aos artigos 71°, 72° e 73° do C. Penal, o mínimo que se poderia esperar era, face a todas as circunstâncias já narradas, que a pena imposta fosse mais leve, sendo certo que se entende que ao aqui arguido deveria ter sido aplicada igualmente uma pena suspensa na sua execução.
40. Só assim se poderia obter um dos fins das penas - a plena recuperação e reintegração na Sociedade.
41. Assim sendo, face aos artigos 71°, 72°, conjugados com o art°50, todos do C.P., o mínimo que se poderia esperar é que, a pena imposta fosse e suspensa na sua execução, face a todas as circunstâncias do caso vertente.
42. É que ainda era susceptível de ser comunitariamente suportável para suportar e para cumprir a função de prevenção geral e, possam responder à maior exigência de reintegração social.
43.  Além do mais, esta mesma realidade, acrescida do facto de haver sido condenado nos presentes autos, que poderá (caso se mantenha a medida de pena em que vem condenado) assumir, no espírito e personalidade do arguido, pela sua vulnerabilidade, um sentido precisamente inverso à tão pretendida reinserção social, comprometendo a sua preparação para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem cometer crimes.
44.  Não parece ser esta a intenção do legislador.
45. O nosso sistema penal, tem subjacente um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, prevendo uma atenuação da pena, se para tanto concorrerem razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção.
46. Atendendo aos já referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social, afere-se, salvo o devido respeito, como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada.
47.  As circunstâncias e contornos que tomou o crime praticado pelo ora Recorrente e descritos na douta sentença, assim como as descritas condições pessoais do arguido constantes dos autos, deveriam ser consideradas como tendo um relevo especial, impondo-se uma atenuação especial da pena, prevista nos artigos 72° e 73° do CP.
48.  O tribunal deve atenuar especialmente a pena, para além dos casos previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que, diminuam de forma acentuada a necessidade da pena a impor AO aqui Recorrente.
49.  Ora, tais factos, devem ser susceptíveis de baixar a pena a um patamar que, sendo ainda comunitariamente suportável para cumprir a função de prevenção geral, possa responder à maior exigência de reintegração social.
50. Assim, atenta a prova produzida em julgamento e caso se mantenha a decisão de condenar o arguido pelo crime vertido na Douta Sentença, deverá a pena aplicada ser especialmente atenuada nos termos do art°73, n°1 al. a) e b) do CP, condenando-se o ora Recorrente em pena de prisão inferior.
51.  Seguindo o expendido raciocínio, é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do art°50 n°1 do CP, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e ameaça da prisão efectiva realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição, uma vez que o arguido teve uma atitude digna e exemplar perante uma situação de adversidade e no contexto deste tipo de crime em que muitos condutores optam por fugir do local do acidente sem prestarem qualquer auxilio ás vitimas o que faz uma prognose favorável ao seu futuro, bem como está inserido socialmente.
52.  Ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, na decisão ora posta em crise, entende-se ser possível fazer-se o tal juízo prognose favorável à reintegração social do arguido;
53. Salvo devido respeito, não foram levados em consideração os critérios enunciados no n02 do art° 71 do CP, nomeadamente no que diz respeito ao disposto na sua alínea d);
54. A própria condição pessoal do agente, é de molde a decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, cumprindo-se assim o disposto no art°40 do CP;
55. O doseamento da pena arbitrada pelo tribunal a quo denuncia uma nítida violação do princípio da proporcionalidade das penas;
56. A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no n02 do art°32°, n°6 do art°29° e n°4 do art°30° da Constituição da R. Portuguesa;
57. Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma efectiva atenuação da pena e sua suspensão e, caso se entenda manter mesmo assim a condenação na integra, o que parece demasiado - no nosso modesto entendimento - para o caso vertente;
58. Assim e, neste termos é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do art°50 n°l do CP, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão efectiva realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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O Recurso foi admitido por despacho de 2 de junho p.p..
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 O MP na primeira instãncia respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
1. O incumprimento das formalidades impostas pelo art.° 412.°, n.°s 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
 2. O arguido confessou os factos renunciando à produção de prova e aceitando a prova dos factos que lhe eram imputados no despacho de acusação.
3. O arguido não alegou qualquer facto relativamente à qualquer anomalia psíquica em resultado da embriaguez, nem requereu a realização de perícia nos termos do art.° 351.°, do CPP.
4. A embriaguez não é causa de anomalia psíquica.
5. Os factos resultantes da confissão são irretractáveis.
6. Conforme resulta da sentença o tribunal ponderou todos os documentos existentes no processo, onde se incluem o relatório social, o CRC, as declarações do arguido, a culpa e as razões de prevenção geral e especial, os antecedentes criminais e a atitude confessória em julgamento e a insensibilidade para o respeito pelo bem jurídico protegido pela lei penal, mostrando resiliência às outras condenações.
7.    Compulsada a douta sentença verifica-se que no que respeita à escolha da pena o tribunal teve em conta os factos dados como provados nos quais se incluem os relativos ao tipo legal de crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado, os antecedentes criminais do arguido e os relativos às condições sócio-económicas do recorrente efectuando uma correctíssima ponderação condenando em penas proporcionais à culpa e às razões de prevenção geral e especial, não se descortinando qualquer reparo.
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O Exm. Procurador-Geral Adjunto quando o processo lhe foi com vista nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu o competente parecer (fls. 334/335), aderindo aos fundamentos da resposta do MP na primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à Conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação:
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Art.º 119º, nº 1; 123º, nº 2; 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, há que analisar e decidir:
- Se o arguido se encontrava num estado de inimputabilidade e por via disso se os factos constantes de 16 e 17 não podem ser considerados provados;
- Se a pena deve ser especialmente atenuada;
- Se a pena aplicada é excessiva;
- Se a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução.
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A decisão de facto constante da decisão recorrida é a seguinte:
1. No dia 31/01/2016, pelas 09hl0, depois de ingerir bebidas alcoólicas, o arguido CM______  , conduzia o veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo Polo, com a matrícula , na Avenida dos Cavaleiros, em Carnaxide, no sentido descendente, entre os edifícios n.° 16 e n.° 18.
2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido apresentava uma taxa de álcool de, pelo menos, 1,325 g/1.
3. A supra referida artéria é composta por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, sem separador central, e a velocidade máxima permitida no local é de 50 km/hora.
4. Não chovia, o piso estava seco e em bom estado de conservação.
5.    A mesma hora, na mesma avenida, no mesmo sentido, mas na via de sentido oposto (sentido ascendente), circulava, apeado, no passeio para peões, N________ .
6. Naquele momento, NP_______  deparou-se com detritos que obstruíam o mencionado passeio, pelo que teve de se deslocar destes e circular na via de trânsito, junto aos carros que se encontravam parqueados, na baía de estacionamento.
7. Nessas circunstâncias, o arguido efetuou uma mudança de direção à esquerda, sem cuidar de entrar na via que pretendia tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
8. Nesta sequência, saiu da hemi-faixa de rodagem em que seguia e, mantendo o sentido descendente da sua viatura, entrou na hemi-faixa de rodagem do sentido oposto, na qual caminhava NP_______ , igualmente no mesmo sentido descendente.
9. Por via disso, e por se encontrar com os reflexos e capacidade de reação diminuídos por força das bebidas alcoólicas que ingerira, o arguido não visualizou atempadamente NP_______  e embateu com a parte frontal esquerda do seu veículo na parte detrás de NP_______ , na zona das pernas, tendo este batido com a cabeça contra o vidro dianteiro do veículo e sido, de seguida, projetado para o solo.
10. Como consequência direta e necessária do embate, NP_______  sofreu várias escoriações do couro cabeludo, ferida incisa sangrante com cerca de 5cm na região parieto-frontal, assim como uma fratura bimaleolar Weber B, com lesão trans-sindesmótica e do ligamento deltoide à esquerda.
11.  De forma direta e necessária, a referida fratura evoluiu com complicação de uma síndrome de dor regional complexa, o que motivou sequelas de osteoporose local, rigidez articular, edema e dor crónica.
12. As lesões de NP_______  determinaram-lhe, como consequência direta e necessária:
a.) um período de doença desde a data dos factos até ao dia 23/08/2017 (data da consolidação médico-legal), ou seja, cerca de um ano e sete meses, todos com afetação da capacidade de trabalho geral;
b) uma Incapacidade Parcial Permanente de 19,5%, que importa um esforço acrescido no exercício da sua atividade profissional habitual;
c) um quadro de dor crónica, osteoarticular localizada ao tornozelo esquerdo, que lhe provoca limitações na marcha, nas distâncias percorridas e em algumas atividades de vida diária.
13.  arguido sabia que não podia conduzir veículos motorizados depois de ingerir bebidas alcoólicas, tal como sabia que, por ter ingerido bebidas alcoólicas, a sua capacidade motora e os seus reflexos se encontravam diminuídos e que, por esse motivo, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança.
14. Mesmo assim, decidiu fazê-lo de forma livre, deliberada e consciente.
15. O arguido sabia, igualmente, que ao efetuar a manobra de mudança de direção para a esquerda devia entrar na via que pretendia tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação, o que não fez.
16.  O arguido tinha a consciência que a condução que fazia, e nas condições em que o fazia, punha em risco a vida e a integridade física dos demais utentes da via, no sentido de tomar altamente provável a ocorrência de ferimentos graves ou mesmo morte dos demais utentes da via, tendo-se conformado com a criação daquele perigo.
17.  O arguido conhecia os factos descritos e agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.
18.  O arguido está arrependido.
19.  O arguido promoveu, ele mesmo, fosse prestado o socorro, tendo chamado telefonicamente os serviços de emergência médica.
20.  E aguardou, no local, a chegada desse socorro.
21. O arguido está preso desde Fevereiro de 2016, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n° 51/15.0PJCSC, estando previstos os 2/3 da pena em 13/06/2019 e o fím da pena em 13/02/2021.
22.  O arguido vivia, até à data da reclusão, com a sua mãe, não tendo qualquer atividade ocupacional profissional.
23.  Neste momento, está a terminar o 12° ano de escolaridade no Estabelecimento Prisional.
24.  O arguido foi condenado no processo n° 356/10.7PDLRS, da 1ª Vara de Competência Mista de Loures, por acórdão de 24/05/2011, transitado em julgado em 24/06/2011, na pena de prisão de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com imposição de regime de prova, pela prática, em 28/05/2010, de dois crimes de detenção de arma proibida e de um crime de roubo.
25.  O arguido foi condenado no processo n° 4394/11.4TAGDM, do 1º Juízo Criminal de Gondomar, por decisão de 28/11/2012, transitada em 21/10/2013, na pena de 80 dias de multa, pela prática, em 24/06/2011, de um crime de furto simples.
26.  arguido foi condenado no processo n° 723/11.9PCOER, do 2o Juízo Criminal de Oeiras, por sentença de 29/06/2011, transitada em julgado em 20/09/2011, na pena de 95 dias de multa, pela prática, em 29/06/2011, de um crime de furto simples.
27. E foi condenado naquele processo n° 51/15.0PJCSC, do Juiz 1, do Juízo Central de Cascais, por acórdão de 4/04/2017, transitado em 9/11/2017, na pena de 5 anos de prisão, pela prática, em 2016, de um crime de tráfico de estupefacientes.
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Factos não provados, com relevância para os autos:
- inexistem.
b)    Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal assentou no confronto das declarações do arguido, inteiramente confessórias, com o talão de alcoolímetro de fls. 7, essencial para a determinação da taxa de álcool no sangue, com o auto de participação de acidente e com os autos de exame direto de fls. 40 a 41, autos de exame e de sanidade de fls. 123 a 124 e 152 a 154 e com o relatório de exame pericial médico-legal de ortopedia, de fls. 203 a 205, 225 a 227.
As condições económicas e sociais do arguido estão comprovadas com base nas suas declarações, que não foram infirmadas por qualquer meio de prova.
A falta de antecedentes criminais resulta comprovada com base no certificado de registo criminal junto a fls. 77.
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II - Analisando:
Do Estado de (in)imputabilidade do arguido:
O recorrente vem nas suas motivações/conclusões de recurso invocar que se encontrava embriagado o que era perfeitamente nítido a todos os presentes, e por via disso não sabia nem podia ter consciência plena dos seus actos, pelo que, defende, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do Cód. Penal encontrava-se num estado de inimputabilidade, já que era incapaz de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
O MP por seu turno refuta a argumentação do arguido invocando que o mesmo confessou os factos, renunciando à produção de prova e aceitando a prova dos factos que lhe eram imputados no despacho de acusação, não tendo alegado em momento algum qualquer facto do qual pudesse resultar anomalia psíquica resultante de qualquer estado de embriaguez, nem requereu qualquer perícia.
Quid iuris?
Da matéria de faco provada verifica-se que o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Polo, matrícula , na Avenida dos Cavaleiros, em Carnaxide, no sentido descendente, entre os edifícios n.° 16 e n.° 18, apresentado uma TAS de 1,325 g/1, tendo embatido com a parte frontal esquerda do seu veículo na parte de trás de NP_______  na zona das pernas, tendo este batido com a cabeça contra o vidro dianteiro do veículo e sido, de seguida, projetado para o solo.
Está ainda provado que por via de ter entrado na hemi-faixa de rodagem do sentido oposto “(…) e por se encontrar com os reflexos e capacidade de reação diminuídos por força das bebidas alcoólicas que ingerira o arguido não visualizou atempadamente NP_______  e embateu com a parte frontal esquerda do seu veículo na parte detrás de NP_______  (…)”.
Não obstante, ao contrário do que defende o arguido, a sua capacidade diminuída em razão da ingestão das bebidas alcoólicas não determina o estado de inimputabilidade que defende estar afetado no momento da prática dos factos.
Como se verifica do exposto, este argumento de recurso não tem a ver com a subsunção dos factos provados. Os factos que foram considerados provados pelo tribunal a quo preenchem, sem qualquer margem para dúvidas, o crime considerado preenchido e pelo qual o arguido foi condenado.
Este fundamento de recurso prende-se com o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo. Na verdade, apurar se o arguido se encontrava impossibilitado de querer e de se conformar com a ação constitui matéria de facto.
E sobre este especto o tribunal a quo efetivamente considerou provado que o arguido “por se encontrar com os reflexos e capacidade de reação diminuídos por força das bebidas alcoólicas que ingerira o arguido não visualizou atempadamente NP_______ ”. Mas, não considerou provado que essa diminuição de capacidades determinavam a incapacidade invocada pelo arguido agora em sede de recurso.
Nem o arguido tal invocou no julgamento em primeira instância.
Nem o arguido recorre agora nos termos do disposto no art.º 412.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal, ou seja, não impugna a matéria de facto apurada, sendo certo que da análise da decisão de facto e respetiva motivação não se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP).
Deste modo, os factos a considerar para efeitos de conhecimento do presente recurso são os que foram considerados provados pelo tribunal a quo e nessa medida temos por certo que o arguido, sob a influência de uma TAS de 1,325 g/1, conduziu o veículo automóvel ligeiro identificado nos autos, e provocou um acidente, provocando as lesões, igualmente descritas na matéria de facto apurada, na pessoa do ofendido NP_______ , o que se deveu á manobra que realizou e também ao facto de se encontrar com os reflexos e a capacidade de reação diminuídos, mas ainda assim com dolo, pelo menos com dolo eventual, tendo em conta o que igualmente e a este respeito resultou provado do julgamento de facto realizado em primeira instância.
Isto porque “(…) a circunstância de o arguido ter praticado os factos alcoolizado ou debaixo de uma perturbação psicológica, não implica que o mesmo arguido se encontrasse impossibilitado de reconhecer o que fazia e que não estivesse consciente dos seus actos. O facto de se encontrar alcoolizado ou perturbado psicologicamente não se compagina, na verdade, com uma incapacidade total e em que sejam ultrapassadas as barreiras da imputabilidade.
Esta factualidade, como se constata do que se veio apurar em julgamento, não se demonstrou como apurada, já que os actos foram praticados com consciência, e com inerente capacidade de querer e entender, isto é de avaliar a ilicitude dos factos e de se determinar de acordo com essa avaliação, sem qualquer tipo comprovado de inimputabilidade ou mesmo de incapacidade de cariz acidental – cfr. Art.ºs 20.º e 295.º, ambos do Código Penal.
Como é sabido, a antijuridicidade e a culpabilidade são as duas referências de que depende a imputabilidade, uma vez que o comportamento humano só é jurídico-penalmente relevante se contrário ao Direito e pessoalmente censurável ao agente, censura só admissível quando o agente se encontra em condições para se comportar de outro modo, isto é, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico.
Certo é que nem todos possuem aquelas condições, as quais implicam, não só conhecimento e entendimento, mas também capacidade de auto-determinação, atributos de que alguns se mostram permanente e definitivamente desprovidos, outros parcialmente desprovidos e outros desapossados de forma meramente temporária.
Por isso, a inimputabilidade, tal como a imputabilidade e mesmo a chamada imputabilidade diminuída têm de ser aquilatadas e reportadas ao momento da prática do facto – cfr. Art.º 20.º/1 do CPenal -, tal como se expressa no Ac. do STJ de 22/2/2006, proc. N.º 05P4309, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
Os casos de imputabilidade diminuída ou semi-imputabilidade, quando não derivem numa declaração de inimputabilidade – nos termos admissíveis do n.º 2 do Art.º 20.º do CPenal -, com vista à exclusão da responsabilidade penal para aplicação de medidas de segurança, deverão ser tratados precisamente como situações passíveis de atenuação penal facultativa com fundamento nessa culpabilidade menorizada – neste âmbito, Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal – Parte Geral, I, 1992, Lisboa: Editorial Verbo, pp. 280-281, e Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. castelhana da edição alemã de 1988, 1993, Granada: Editorial Comares, pp. 400-402. 
Certo é que qualquer distúrbio de consciência ou vontade de que o arguido padecesse pela ingestão do álcool ou pela sua doença psiquiátrica não afetou o seu discernimento ou a sua capacidade para se determinar segundo as normas de comportamento em causa, não lhe concedendo qualquer grau de inimputabilidade” (Ac. da Relação de Lisboa, 16-01-2019, Proc. n.º 193/15.2PCLSB.L1-3, Relator Nuno Coelho in www.dgsi.pt.).
Face ao exposto, improcede este argumento do recurso.
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Da Atenuação Especial da Pena e da Medida da Pena
Invoca ainda o arguido que a pena aplicada “não foi justa nem equitativa (…) Face aos artigos 71°, 72° e 73° do C. Penal, o mínimo que se poderia esperar era, face a todas as circunstâncias já narradas, que a pena imposta fosse mais leve, sendo certo que se entende que ao aqui arguido deveria ter sido aplicada igualmente uma pena suspensa na sua execução (…) Só assim se poderia obter um dos fins das penas - a plena recuperação e reintegração na Sociedade”.
“43.  Além do mais, esta mesma realidade, acrescida do facto de haver sido condenado nos presentes autos, que poderá (caso se mantenha a medida de pena em que vem condenado) assumir, no espírito e personalidade do arguido, pela sua vulnerabilidade, um sentido precisamente inverso à tão pretendida reinserção social, comprometendo a sua preparação para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem cometer crimes”.
Alega ainda o espírito reeducador e não sancionador do nosso sistema penal, e à intenção de reinserção social do condenado, que, defende, não será alcançada com a pena aplicada, não tendo o tribunal valorado como deveria as condições pessoais do arguido constantes dos autos.
48. O tribunal deve atenuar especialmente a pena, para além dos casos previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que, diminuam de forma acentuada a necessidade da pena a impor ao aqui Recorrente.
49.  Ora, tais factos, devem ser susceptíveis de baixar a pena a um patamar que, sendo ainda comunitariamente suportável para cumprir a função de prevenção geral, possa responder à maior exigência de reintegração social.
50.  Assim, atenta a prova produzida em julgamento e caso se mantenha a decisão de condenar o arguido pelo crime vertido na Douta Sentença, deverá a pena aplicada ser especialmente atenuada nos termos do art°73, n°1 al. a) e b) do CP, condenando-se o ora Recorrente em pena de prisão inferio”. E “é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do art°50 n°1 do C, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e ameaça da prisão efectiva realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição, uma vez que o arguido teve uma atitude digna e exemplar perante uma situação de adversidade e no contexto deste tipo de crime em que muitos condutores optam por fugir do local do acidente sem prestarem qualquer auxilio ás vitimas o que faz uma prognose favorável ao seu futuro, bem como está inserido socialmente”.
Tendo em conta o teor, transcrito das motivações, cumpre começar pela questão da atenuação especial da pena:
Será que se verificam no caso circunstâncias que suportem uma atenuação especial da pena? A resposta não pode deixar de ser negativa como se alcança da leitura atenta da matéria de facto, respetiva qualificação jurídica e justificação ético-jurídica das penas. Razões de prevenção geral e especial impedem qualquer revisão da pena aplicada, a qual se mostra devidamente justificada. O arguido está preso desde Fevereiro de 2016, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n° 51/15.0PJCSC, estando previstos os 2/3 da pena em 13/06/2019 e o fim da pena em 13/02/2021; Já foi julgado e condenado anteriormente: a) “no processo n° 356/10.7PDLRS, da 1ª Vara de Competência Mista de Loures, por acórdão de 24/05/2011, transitado em julgado em 24/06/2011, na pena de prisão de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com imposição de regime de prova, pela prática, em 28/05/2010, de dois crimes de detenção de arma proibida e de um crime de roubo”; b) “no processo n° 4394/11.4TAGDM, do 1º Juízo Criminal de Gondomar, por decisão de 28/11/2012, transitada em 21/10/2013, na pena de 80 dias de multa, pela prática, em 24/06/2011, de um crime de furto simples”; c) “no processo n° 723/11.9PCOER, do 2o Juízo Criminal de Oeiras, por sentença de 29/06/2011, transitada em julgado em 20/09/2011, na pena de 95 dias de multa, pela prática, em 29/06/2011, de um crime de furto simples”; d) no processo, à ordem do qual está preso, n° 51/15.0PJCSC, do Juiz 1, do Juízo Central de Cascais, por acórdão de 4/04/2017, transitado em 9/11/2017, na pena de 5 anos de prisão, pela prática, em 2016, de um crime de tráfico de estupefacientes.
Ora, como se verifica da simples leitura do disposto no art.º 72.º do CPenal a atenuação especial da pena, “para além dos casos expressamente previstos na lei” pressupõe a verificação de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Olhando para a matéria de facto apurada verifica-se que não se encontram apurados factos donde se possa concluir que a ilicitude do facto ou a culpa do agente se encontram acentuadamente diminuídas e no que respeita à necessidade da pena, como se conclui com facilidade da análise do CRC do arguido revela grandes dificuldades de adequação às regras vigentes em sociedade sendo incompatível essa atenuação especial.
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Aqui chegados há que analisar se a pena aplicada o foi com obediência pelas regras estabelecidas na Lei Penal, mais concretamente no art.º 71.º do Cód. Penal.
O tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a determinação da medida concreta da pena: “Escolha e medida da pena:
Feita a subsunção legal, cabe agora determinar a medida e a espécie de penas aplicáveis ao caso concreto.
O crime de condução perigosa de veículo é punível com pena de multa de 15 até 480 dias ou com pena de prisão de um mês e meio até 4 anos.
Haverá, pois, e antes de mais, que proceder à escolha da pena a aplicar ao arguido.
De acordo com o art. 70° do CP (com referência ao art. 40°), a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.
O arguido não é primário e não o era à data dos factos, ainda que jamais tenha sido condenado por este tipo de crime.
A conduta causada pelo arguido, não obstante o seu arrependimento, é causadora de elevado alarme social.
Valora-se negativamente, apesar da sua atitude em relação aos factos, a falta de integração social, já que o arguido cumpre uma pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Assim, mesmo que se projetasse para momento anterior ao julgamento que levou à aplicação de pena efetiva o juízo imposto pela conjugação dos artigos 40° e 70° do Código Penal, entende-se que a pena de multa já não seria adequada às exigências de prevenção geral e especial e de repressão.
Pelo que se opta pela pena de prisão.
Escolhida a espécie da pena, importa graduar a sua medida.
Na medida da pena dever-se-á sempre atender à medida da culpa do agente, tendo em conta as exigências da prevenção, atendendo a um elenco de circunstâncias essenciais, previstas no artigo 71° do C.P., nomeadamente, a intensidade do ilícito e do dolo ou da negligência, o modo de execução, a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a conduta anterior e posterior ao facto e, ainda, os sentimentos manifestados.
A Jurisprudência traçada pelo Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que - dentro da moldura penal prevista na lei se definirá uma u sub-moldura"' adequada ao caso e aferida pela necessidade de prevenção geral positiva.
Então, o limite inferior desta sub-moldura corresponderá ao mínimo de pena tolerada pela comunidade perante o caso concreto.
O limite superior, por seu turno, corresponderá à medida ideal de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime. É dentro desta sub-moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral que haverá que se encontrar o justo “quantum”, ditado pelas necessidades de prevenção especial.
Ora, no caso concreto, valora-se:
- a intensidade mediana dentro do tipo criminal em apreço - apreciada a relativa instantaneidade daquela manobra, a taxa de álcool apresentada e a temeridade da manobra, encetada em contexto urbano;
- o dolo - eventual - assume média intensidade;
- as consequências da atuação do arguido, que se traduziram em doença prolongada e particularmente dolorosa para a vítima, que vê a sua qualidade de vida muito afetada.
- valora-se positivamente a conduta do arguido imediatamente após o ato - chama socorro, espera pelas autoridades, permitindo a sua identificação e deteção da sua infração penal, assume arrependimento, colaborando com as autoridades desde o primeiro momento.
- Valora-se negativamente os antecedentes criminais e a sua atual desintegração social, ainda que esteja, o que é sempre de sopesar positivamente, a valorizar-se em termos de habilitações literárias, pois que frequenta o 12° ano de escolaridade.
A sub-moldura deve situar-se, assim, no que diz respeito a este crime, num nível baixo, em relação à moldura penal geral, considerando-se que a conduta do arguido após os factos pressupõe uma vontade inequívoca de se redimir perante a sociedade, da qual esperará alguma tolerância apesar da temeridade do seu comportamento, que se insere na inquietante tendência de adoção de comportamentos de risco pelos condutores de veículos motorizados de circulação terrestre. Esta pena não se poderá, no entanto, reduzir aos mínimos, por questões de justiça retributiva e de equilíbrio se se considerar a perspetiva e a especial problemática da vítima.
Assim, entendo ser adequado, em concreto, a aplicação de uma pena dentro do quarto da moldura penal.
Pelo exposto, aplico ao arguido uma pena de 10 (dez) meses de prisão”.
A decisão recorrida realiza de forma correta a subsunção dos factos os quais preenchem efetivamente o crime de condução perigosa de veículo p.p. pelas alíneas a) e b) do n° 1 artigo 291° do C.P, como também pela agravação prevista pelo artigo 294°, n° 1 e 3, ex vi dos artigos 285° e 144° c) do Código Penal, sendo por isso abstratamente punível com pena de multa de 15 até 480 dias ou com pena de prisão de um mês e meio até 4 anos.
Analisada a operação realizada pelo tribunal a quo não podemos estar mais de acordo com a pena fixada. Foram ponderados todos os factos que militam quer a favor quer contra o arguido, mostrando-se a pena adequada às exigências de prevenção quer geral quer especial como bem se analisa da referida sentença.
Assim, porque a pena aplicada se encontra devidamente fundamentada e foi aplicada de harmonia com o disposto no art.º 71.º do CP, nada mais se nos acresce dizer nem nenhuma censura merece.
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Da Suspensão da pena:
Finalmente o arguido defende que a pena que lhe foi aplicada deve ser suspensa na sua execução.
Fundamentou a não suspensão da pena que aplicou nos seguintes termos:
Sendo aplicada uma pena de prisão, importa verificar se estão preenchidos os pressupostos da sua suspensão.
Dispõe o art.° 50 0 do Código Penal, que o “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
O artigo 50°, n° 5, na redação vigente à data dos factos, conferido pela Lei n.° 59/2007, de 04/09, estabelecia que “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Não obstante os aspetos que se enalteceram na conduta do arguido, que levam à graduação da pena ainda no primeiro quarto da moldura penal, o certo é que não se pode deixar de considerar que as condições da sua vida à data e no presente momento, a sua conduta anterior ao crime desaconselha a suspensão da execução da pena.
Além do mais, o que não pode deixar de se considerar decisivo, se o juízo de prognose fosse projetado ao momento de aplicação da pena no processo n° 51/15.0PJCSC - estamos perante uma situação de concurso de penas - seria forçoso descartar a suspensão da execução da pena de prisão.
Este juízo de prognose sendo circunstanciado temporalmente ao momento presente também leva a concluir que a ponderação da suspensão sempre seria inútil, face à necessidade de promover o necessário cúmulo jurídico, já que esta pena e aquela pena de 5 anos aplicada no processo n° 51/15.0PJCSC estão numa relação de concurso.
Tudo sopesado, entendo que a pena de prisão de 10 meses deve ser efetivamente cumprida (ainda que se tenda a mitigar por força do cúmulo que deverá ser feito após o trânsito da presente sentença)”.
Como bem se escreveu na referida decisão, nos termos do art.º 50.°, n.º 1, do Código Penal, sempre que o arguido seja condenado em pena de prisão não superior a cinco anos o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Da leitura atenta da norma transcrita conclui-se que a suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto.
Todavia, este não é o único especto a ponderar uma vez que como igualmente se refere no normativo transcrito há que atender às “finalidades da punição”, o que significa que a suspensão da execução da pena de prisão deve mostrar-se também adequada e suficiente à realização das finalidades da punição em termos de prevenção geral, ou seja, à defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer, sob pena se a norma violada perder eficácia e força na sua vertente preventiva!
O crime cometido assume gravidade. Contudo, esta gravidade e necessidade de adequação das condutas às regras que asseguram a segurança rodoviária, não obstante as consequências altamente danosas para os bens jurídicos protegidos com a incriminação resultantes das mesmas, ainda não se encontra suficientemente interiorizada nem valorizada pelos cidadãos condutores. Ou seja, as exigências de prevenção geral são prementes.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007, integral em www.dqsi.pt "...Assim, se a admissibilidade da suspensão da execução da pena de prisão não está suficientemente justificada numa perspetival de prevenção especial e colide com as exigências de prevenção geral, não é de suspender a execução da pena única de 5 anos de prisão imposta ao recorrente".
A decisão tem de basear-se na ponderação das exigências de prevenção quer geral quer especial, sendo que estas se devem sobrepor àquelas sempre que aquelas reclamem uma prisão efetiva que provoque a desinserção do/a arguido/a perfeitamente inserido em termos familiares, sociais e laborais. Ou dito de outro modo, sempre que a situação do arguido seja particularmente favorável, impondo um juízo de prognose favorável, deve a pena ser suspensa na sua execução sob pena de a aplicação da pena efetiva redundar numa mera e verdadeira punição.
O instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o cidadão que cometeu o crime, face à dimensão do delito cometido e às suas condições pessoais, satisfará o projeto da sua ressocialização. Para tal desiderato o juiz tem de ponderar as razões de prevenção geral, já referidas, e as circunstâncias relativas à pessoa do agente e sua inserção familiar, laboral e social.
Assim, e vertendo ao caso concreto, há que ponderar as altas exigências de prevenção geral já analisadas supra, e as circunstâncias relativas à pessoa do arguido e neste particular aspeto o que se verifica é que o arguido já foi julgado e condenado por quatro vezes, uma das quais em pena efetiva, e as restantes três condenações em data anterior ao cometimento dos factos em causa nestes autos.
Significa assim que o arguido revela dificuldade em adequar o seu comportamento às regras fundamentais de regulação da vida em sociedade, mostrando uma grande insensibilidade ou indiferença face às condenações anteriores, o que nos impede de realizar o juízo e prognose que se impõe realizar para que a pena possa ser suspensa na sua execução.
Aqui chegados, tudo visto e ponderado, impõe-se concluir que a decisão recorrida nenhuma censura merece, tendo avaliado corretamente as exigências de prevenção quer gerais quer especiais, concluindo, e bem, pela não suspensão da execução da pena.
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III - Decisão:
Pelo exposto, acordam-se na 3ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em:
A) Julgar não provido o recurso interposto, mantendo-se a decisão nos seus precisos termos.
B) Custas pelo recorrente fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça.
                                         
Lisboa, 9 de outubro de 2019
Maria Bernardo Perquilhas
Rui Miguel Teixeira