Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | DECISÃO SURPRESA CONHECIMENTO OFICIOSO INJUNÇÃO CLÁUSULA PENAL CUMULAÇÃO DE PEDIDOS INDEFERIMENTO LIMINAR DA EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A observância do princípio do contraditório, com consequente proibição da prolação de decisão-surpresa, que tem como campo normal de aplicabilidade as questões, de direito material ou formal, susceptíveis de oficioso conhecimento pelo Tribunal, impõe que o juiz, previamente ao conhecimento das questões, de mérito da causa ou puramente processuais, não tratadas pelas partes, deva previamente convidá-las a tomar posição, apenas estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade - o nº. 3, do artº. 3º, do CPC ; II - tal dispensa de observância possui, assim, natureza excepcional, preenchendo-se nas situações em que a questão já foi suficientemente discutida ou quando a falta de prévia audição das partes seja insusceptível de prejudicar o resultado final ; III - a injunção traduz-se num procedimento ou mecanismo eivado de simplicidade e celeridade, tendo por desiderato subjacente a cobrança simples de dívidas, por forma a “aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas”, surgindo num quadro de evidente necessidade de melhoramento dum sistema que “estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção” ; IV - no âmbito do procedimento injuntivo apenas é exigível o cumprimento de obrigações pecuniárias em sentido estrito, não sendo, assim, o instrumento processual adequado e pertinente a exigir o cumprimento de obrigações indemnizatórias constituídas com o desiderato de reparar os danos ou perdas sofridas pelo credor com despesas, entre as quais figuram os encargos associados à cobrança da dívida, realizados no intuito de assegurar a satisfação do seu crédito ; V – assim, no que concerne ao valor peticionado a título indemnizatório, quer no que concerne a cláusula penal por incumprimento contratual, quer por encargos com a cobrança da dívida, verifica-se um uso indevido do procedimento injuntivo (ocorrendo, desde logo, indevida cumulação objectiva de pedidos, por existir obstáculo à coligação, decorrente do facto dos pedidos corresponderem a formas diferenciadas de processo – cf., o artigo 37º, ex vi do artigo 555º, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil) ; VI – segundo diferenciado entendimento jurisprudencial, tal uso indevido do procedimento injuntivo ou traduz erro na forma do processo, nos termos expostos no artº. 193º, do Cód. de Processo Civil, o que constitui excepção dilatória nominada de nulidade de todo, ou parte, do processo, de oficioso conhecimento, conducente à absolvição da instância ; ou traduz excepção dilatória inominada tout court, afectadora de todo o procedimento injuntivo (e consequente aposição da fórmula executória) e destruidora da natureza do título executivo, determinante de consequente falta de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, o que conduz ao necessário indeferimento liminar (total ou parcial) da execução, nos termos dos artigos 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do Cód. de Processo Civil ; VII - tendo fundamentalmente em conta que, para a legitimação de recurso ao procedimento injuntivo, devemos estar perante o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contratos, não pode a lei deixar de reportar-se a tipologia contratual cuja prestação principal, a onerar o devedor, consiste numa estrita obrigação pecuniária de quantidade, ou seja, numa dívida em pecunia ou dinheiro ; VIII - o processo de injunção não se configura como adequado para o ressarcimento indemnizatório por incumprimento contratual, o qual abrange não só as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, como ainda a própria indemnização pelas despesas originadas pela cobrança da dívida, em virtude de, em ambas as situações, não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade ; IX - pelo que, peticionando-se no âmbito do requerimento injuntivo, ao qual foi aposta fórmula executória, indemnização a título de cláusula penal e por despesas decorrentes da cobrança da dívida, estamos perante excepção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afectadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou, o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, com necessária repercussão nos ulteriores termos processuais executivos, de acordo com o estatuídos nos artigos 726º, nº. 2, alín. a) e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil ; X – na ponderação do argumento da oficiosidade extraível do artº. 734º, em conjugação com a alínea a), do nº. 2, do artº. 726º, ambos do Cód. de Processo Civil, o controlo jurisdicional não é apenas possível em sede de processo de injunção ou na oposição à execução que venha a ser deduzida pelo executado, pois, reportando-se ao concreto controlo da falta ou insuficiência do título dado em execução, tem igualmente lugar, ex officio, nos próprios quadros da consequente execução ; XI - tal controlo não encontra fundamento ou base legal na alínea b), do nº. 2, do mesmo artº. 726º - ocorrência de excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso -, mas antes na aludida alínea a), por referência à concreta afectação do título apresentado, decorrente da sua inadequada e viciada formação, ao recorrer-se, de forma ilegal e injustificada, ao procedimento injuntivo ; XII – nas situações de indevida cumulação de pedidos no âmbito do procedimento injuntivo (em que se cumula o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contrato, com a indemnização decorrente de cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, bem como de despesas originadas pela cobrança da dívida), impõe-se a aproveitabilidade e utilização do título na parte remanescente, relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de pedido(s) não admissível(is), com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial ; XIII – o que é justificado por imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como na adopção de um princípio de aproveitabilidade dos actos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relativa ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo ; XIV - tal solução parece, ainda, justificar-se pela circunstância de, em muitas situações, a parte do pedido afectadora do procedimento injuntivo configurar-se, relativamente à parte remanescente válida, de muito menor relevância, o que acentua a necessidade de salvaguarda do título constituído, na parte em que o mesmo se reporta à tutela do incumprimento de concretas obrigações pecuniárias estritamente emergentes de um contrato; XV – todavia, quando da análise do requerimento injuntivo, inexistindo nos autos executivos prova do seu suporte documental, bem como do teor do alegado pela Recorrente Exequente, resulte, com evidência, ter sido computado valor relativo a cláusula penal, não sendo possível concluir pela figuração de obrigações directamente emergentes do contrato (ou determinar a segmentação do quantum destas, por referência ao valor total), torna-se inviável qualquer aproveitabilidade do requerimento executivo, antes se impondo a sua total rejeição. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – NOS COMUNICAÇÕES, S.A., instaurou a presente execução contra A.............................., tendo como título executivo injunção, alegando, em resumo, o seguinte: · é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro ; · Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento ; · É o Executado devedor da aludida quantia, acrescida (i) de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção até efectivo e integral pagamento, (ii) de juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP ; · Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários. Conclui, referenciando corresponder o valor líquido do título executivo ao montante de € 1.954,18, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP, no montante de 1.398,88 €, o que perfaz um total de 3.353,06 €. 2 – Em 07/05/2024, foi prolatada DECISÃO, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte: “Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Custas pela exequente. Registe e notifique”. 3 – Inconformada com o decidido, a Exequente interpôs recurso de apelação, por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores. 8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC; 9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso”. Conclui, no sentido de ter ocorrido violação do disposto nos artigos 3º, nº. 3, 193º, 227º, nº. 2, 573º, 726.º n.º 2 e 734º, todos do C.P.C., e do artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98, pelo que, consequentemente, deve a decisão recorrida, que rejeitou liminarmente a execução, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos. 4 – Por despacho de 23/05/2024: Ø entendeu-se não verificada qualquer nulidade, nomeadamente a de excesso de pronúncia, enunciada na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil ; Ø admitiu-se o recurso como apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo ; Ø ordenou-se a citação do Executado, nos quadros do nº. 7, do artº. 641º, do Cód. de Processo Civil. 5 – O Executado foi devidamente citado, conforme carta registada com aviso de recepção, remetida em 27/05/2024, e recepcionada em 03/06/2024, não tendo deduzido qualquer oposição ou apresentado contra-alegações. 6 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil [2], estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina apreciar se deve ou não proceder a sancionada excepção dilatória de falta de título executivo, que determinou a total rejeição da execução. De acordo com as mesmas conclusões, o conhecimento de tal questão espartilha-se na aferição das seguintes sub-questões: A. Da violação do contraditório enunciado no artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, em virtude da Recorrente não ter sido convidada a pronunciar-se acerca da aludida excepção dilatória - Conclusão 8. ; B. Da legal impossibilidade do tribunal conhecer oficiosamente de tal excepção (da necessidade da sua invocação em sede de embargos à execução) - Conclusões 1. a 6. ; C. Da circunstância da excepção do uso indevido de procedimento injuntivo não determinar o indeferimento total do requerimento executivo, mas apenas a absolvição da instância relativamente aos valores que integram a injunção a tal título (cláusula penal e despesas de cobrança) – Conclusão 7.. Nesse desiderato, aferir-se-á, para além do mais, acerca dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção. ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade a ponderar é a que resulta do iter processual supra descrito. A qual acresce, com base no requerimento de injunção junto como título executivo, o seguinte: 1. No âmbito da injunção nº. 18035/18.5YIPRT, apresentada no Balcão Nacional de Injunções, a Requerente NOS COMUNICAÇÕES, S.A., solicitou a notificação do Requerido A.............................., no sentido de lhe ser paga a quantia de € 1.954,18, de acordo com a seguinte discriminação: - Capital € 1.312,91 ; - Juros de mora, à taxa de 7,15%, desde 01/11/2014: € 302,19 ; - Outras quantias € 262,58 ; - Taxa de justiça paga € 76,50 ; 2. Consta, ainda, do mesmo requerimento injuntivo, tratar-se de “contrato de fornecimento de bens ou serviços”, datado de “30-05-2012”, referente ao período de “30-05-2012 a 01-11-2014” ; 3. Na parte referente à Exposição dos factos que fundamentam a pretensão, consta o seguinte: “A Req. te (Rte) (…), celebrou com o Req. do (Rdo ), sob proposta deste, um contrato prestação de bens e serviços telecomunicações, com data e nº. supra referidos. No âmbito do referido contrato, a Rte obrigou-se a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e manter o contrato pelo tempo indicado na proposta, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento, a título de cláusula penal e nos termos fixados nas condições contratuais, do valor das mensalidades em falta. Das facturas emitidas, permanece(m) em divida a(s) seguinte(s): €1.312.91 de 11/10/2014 vencida em 01-11-2014. Enviada (s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi (ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €262,58, pelos custos administrativos e internos da cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rda a pagar a quantia peticionada e juros vincendos. O valor em divida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN PT50004399991140410758755, no montante de €1965,06” ; 4. Tendo sido aposta em tal requerimento, em 09/10/2018, pelo Secretário de Justiça, a seguinte menção: “Este documento tem força executiva”. ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) Do procedimento de INJUNÇÃO, da aferição dos seus PRESSUPOSTOS e do QUADRO LEGAL equacionável O artº. 1º do DL nº. 269/98, de 01/09 - diploma preambular que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância -, prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”. Por sua vez, o artº. 7º de tal regime define o conceito de injunção, no sentido de ser “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”. A providência injuntiva é, deste modo, aplicável: § A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 € (cf., o citado artº. 1º do Diploma Preambular – DL nº. 269/98, na redacção do artº. 6º do DL nº. 303/2007, de 24/08 – e os artigos 1º a 5º do anexo ao mesmo Decreto-Lei) ; § A obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº. 32/2003, de 17/02. Dispunha o artº. 2º deste diploma, ser o mesmo aplicável “a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais. 2 - São excluídos da sua aplicação: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais; c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”. Procedendo às definições, as alíneas a) e b) do artº. 3º, prescrevem dever entender-se, para efeitos da regulação em causa, por transacção comercial “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, enquanto que por empresa dever-se-á entender “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”. Enquanto o artº. 7º, na redacção conferida pelo DL nº. 107/2005, de 01/07, prescrevia que: “1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos” (sublinhado nosso). Entretanto, foi publicado o DL nº. 62/2013, de 10/05, prevendo acerca de medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, que, no seu artigo 13º, revogou o DL nº. 32/2003, com excepção dos artigos 6º e 8º, mantendo ainda este em vigor “no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma”, ou seja, celebrados até 30/06/2013 – cf., o artº. 15º. Acrescentou, ainda, que “as remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte”. O presente diploma transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº. 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, prevendo no seu artigo 2º acerca do seu âmbito de aplicação e procedendo igualmente à definição de transacção comercial e de empresa nas alíneas b) e d), do artº. 3º, nos termos já equacionados pelo DL nº. 32/2003, de 17/02. Por sua vez, o artº. 10º, prevendo acerca dos procedimentos especiais, referencia que: “1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (sublinhado nosso). Resulta, assim, da breve enunciação legal efectuada que “desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor” (sublinhado nosso) [3]. Relativamente à forma e conteúdo do requerimento injutivo, enunciemos, ainda, o estatuído na alínea e), do artº. 10º, do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância – aprovado pelo DL nº. 269/98, de 01/09 -, no sentido do requerente, no requerimento de injunção, dever “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”. Acrescenta o artº. 14º-A, relativamente ao efeito cominatório da falta de dedução de oposição, que: “1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente” (sublinhado nosso). No âmbito executivo, a injunção, enquanto título, encontra-se legalmente prevista na alínea d), do nº. 1, do artº. 703º, do Cód. de Processo Civil, acrescentando as alíneas a) e b), do nº. 2, do artº. 726º, prevendo a propósito do despacho liminar e citação do executado, que “o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso”. Aduz o artº. 734º, do mesmo diploma, sob a epígrafe rejeição e aperfeiçoamento, poder “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, acrescentando-se que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”. Por fim, no âmbito do processo executivo sumário, prevendo acerca dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, aduzem os nºs. 1 e 3, do artº. 857º, ainda do Cód. de Processo Civil, que: “1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual. (…) 3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento: a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”. Definido, no essencial, o quando legal equacionável, enunciemos, em síntese, o teor da decisão apelada: - a execução foi instaurada com base em requerimento de injunção, no qual foi aposta força executiva pelo secretário de justiça ; - a causa de pedir funda-se no incumprimento do contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações celebrado entre as partes, no qual se inclui o valor correspondente ao da cláusula penal ; - o procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual ; - ou seja, a prestação só pode ter por objecto, imperativamente, uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido estrito ; - não servindo o regime processual injuntivo para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio ; - nomeadamente, nesta forma processual injuntiva é inadmissível o pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual e/ou de indemnização ; - concretizando, o procedimento injuntivo (o decorrente de transacção comercial e a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato) não é a via adequada para acionar a cláusula penal ; - efectivamente, a cláusula penal/indemnização por não cumprimento do contrato, peticionada no processo injuntivo, de que emergiu o requerimento/documento dado à execução, não consubstancia “uma obrigação pecuniária directamente emergente de um contrato” ; - donde, relativamente a tal indemnização, a ora Exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção, pelo que, tendo-o feito, deu causa à verificação de excepção dilatória inominada – os artigos 555º, nº. 1 e 37º, nº. 1, 1ª parte, do CPC -, geradora de absolvição da instância (os artºs. 576º, nºs. 1 e 2, 577º, 578º e 278º, nº. 1, alín. e), todos do CPC) ; - tal excepção atinge e contagia todo o processo de injunção, em virtude de não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada ; - assim, ao requerimento de injunção dado á execução não deveria ter sido aposta força executiva, pois não devia deixar-se prosseguir acção especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula ; - pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção ; - com efeito, caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que constitui excepção inominada de conhecimento oficioso ; - assim, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, constituindo excepção inominada (nulidade de conhecimento oficioso), pode ser conhecida em sede de execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, de forma ilegal, foi atribuída força executória por secretário judicial ; - com efeito, o facto do secretário judicial ter aposto fórmula executória , na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo ; - deste modo, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser declaradas até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados (artºs. 734º, nº. 1 e 726º, nº. 2, alí. a), ambos do CPC) ; - para tal efeito, é irrelevante que o Executado se tenha abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução ; - conforme enunciado, o procedimento de injunção não é o meio processual próprio para se peticionar o pagamento de: a) Uma quantia a título de cláusula penal indemnizatória ; b) Qualquer outra quantia de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida ; - pelo que, na execução, dando-se como título executivo injunção, de onde resulte que abrange semelhantes quantias, verifica-se excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz á absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo ; - com efeito, a Exequente não dispõe, assim, de título executivo eficaz, em virtude da pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção ; - pelo que, por verificação de excepção dilatória de falta de título executivo, decide-se rejeitar a presente execução. II) Da VIOLAÇÃO do CONTRADITÓRIO ENUNCIADO no ARTº. 3º do CÓD. de PROCESSO CIVIL Referencia a Recorrente que a decisão sob apelo foi prolatada sem que tenha sido notificada para o exercício do contraditório, pasmado no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, pelo que ocorre violação deste normativo. Vejamos Estatui o artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da necessidade do pedido e da contradição, que: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”. Ajuizando acerca do princípio do contraditório, refere Lebre de Freitas [4] vigorar no presente uma noção lata de contraditoriedade, “entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Pelo que, o desiderato ou escopo principal de tal princípio “deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”. E, concretizando a operacionalidade de tal princípio no plano das questões de direito, acrescenta ser exigível que, “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”. Acrescenta que a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3)”. Especificando e concretizando, entende ser necessário tal convite, exemplificativamente, na situação em que o Tribunal, ainda que concordando com a qualificação jurídica que as partes atribuíram a um contrato, “se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respectivo regime (…) que as partes durante o processo não tiveram em conta”. E, a falta de tal convite, quando deva ter lugar, determina ou gera nulidade, nos quadros do artigo 195º, do Cód. de Processo Civil. Deste forma, não basta, para o assegurar do cumprimento desta vertente do contraditório, que “às partes, em igualdade, seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de direito (…)”, sendo ainda exigível que “mesmo depois desta alegação, possam fazê-lo ainda quanto a questões de direito novas, isto é, ainda não discutidas no processo” [5] [6]. Subjaz, deste modo, ao princípio do contraditório a ideia “de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas á revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”. Com efeito, “a liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º, nº 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções sem outras condicionantes potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa”, pretendendo-se, assim, com a regra enunciada no nº. 3, “impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão” (sublinhado nosso). Por outro lado, a legal solução “propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos”, pelo que a audição das partes apenas “pode ser dispensada em casos de «manifesta desnecessidade» (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspectiva objectiva), de indeferimento de nulidades (art. 201º) e sempre que as partes não possam, objectivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respectivas consequências” [7]. A dispensa da observância do princípio do contraditório tem, deste modo, natureza excepcional, apenas se justificando “quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”. Donde, estando-se perante uma diferenciada qualificação jurídica dos factos, legítima de acordo com o nº. 3, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, não está dispensada “a necessidade de o juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma delas adotou no processo, interferindo na tutela dos respectivos interesses” [8]. Jurisprudencialmente, em termos exemplificativos, afiramos o juízo expedido no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 - Relator: Roque Nogueira, Processo nº. 543/05.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt -, do qual consta que “o que se quis impedir, com o aludido preceito, foi, precisamente, que a coberto do princípio «jus novit curia», emergente do art.5º, nº3, e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das excepções dilatórias e das excepções peremptórias, constantes dos arts.578º e 579º, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objecto de discussão no processo”. Acrescenta, citando Abrantes Geraldes - Temas da Reforma do Processo Civil, 1º vol., 2ª ed., pág.77 -, que “a liberdade de aplicação das regras de direito adequadas ao caso e a oficiosidade no conhecimento de excepções, conduziam, com alguma frequência, a decisões que, embora tecnicamente correctas, surgiam contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomara nos articulados ou nas alegações de recurso. Eram as chamadas «decisões-surpresa» legitimadas pelo regime jurídico-processual anterior, que nenhumas limitações colocava ao poder imediato de integração da matéria de facto nas normas aplicáveis” (sublinhado nosso). Por sua vez, o douto aresto do mesmo Alto Tribunal de 12/07/2018 - Relator: Hélder Roque, Processo nº. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, in www.dgsi.pt - defende decorrer do princípio do contraditório a “a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”. Todavia, acrescenta, ressalvando e balizando a amplitude da aplicabilidade de tal princípio, que “a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento” (sublinhado nosso). Por fim, analisando o princípio contraditório em termos constitucionais, pode referenciar-se o douto aresto do Tribunal Constitucional nº. 330/2001 - Relator: Conselheiro Messias Bento, Processo nº. 102/2001, Jurisprudência do Tribunal Constitucional, in www.dgsi.pt -, no qual se menciona que “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o acórdão n.º 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e seguintes)]. Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos"”. Acrescenta, então, que “a ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito". As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do artigo 20º da Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) – exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa. O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia”. E, no que concerne ao alcance do contraditório exigível no campo das decisões surpresa, consignou-se no douto aresto do Tribunal Constitucional de 10/07/2019 – nº. 426/19, Relatora: Joana Fernandes Costa – que “têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional, as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)”. Cotejados os expostos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, articulemo-los com o caso sub júdice. Resulta evidente nos presentes autos que o conhecimento da excepção dilatória de falta de título executivo foi concretizado mediante juízo oficioso do Tribunal, aquando da sua primeira intervenção nos autos. Oficiosidade que, relativamente a tal matéria, é, prima facie, perfeitamente legítima. Donde decorre, necessariamente, não ter o Tribunal a quo, de alguma forma, mas necessariamente explícita ou indicativa, comunicado às partes (nomeadamente à Exequente) a eventualidade de a vir a conhecer acerca da aludida excepção dilatória inominada, de forma a concretizar a sua prévia audição. Ou seja, não consta dos autos a tomada de qualquer atitude ou a prática de qualquer diligência, conducente a que a Exequente (até então única interveniente no processo) pudesse, em juízo prévio, pronunciar-se acerca da oficiosa pretensão do Tribunal em considerar verificada a excepção dilatória da falta de título executivo eficaz, em virtude da pretensão formulada no procedimento injuntivo, que veio a constituir o título executivo, não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção. Omitiu, deste modo, o Tribunal a prática de um acto ou formalidade legalmente imposta, tradutora do cumprimento do vinculativo princípio do contraditório, ao não permitir às partes uma activa participação na equacionada questão de ausência de título executivo eficaz, conducente à verificação de falta de título executivo e, consequentemente, a eventual prolação de juízo de rejeição do requerimento executivo. Pois, impunha-se ao Tribunal a quo, que, previamente a tal conhecimento suscitasse perante a Exequente aquela questão decidenda, de forma a conceder-lhe ampla e efectiva possibilidade de a discutir, contestar, valorar e ajuizar. Efectivamente, conforme sumariado no douto aresto desta Relação de 18/12/2012 - Relator: Eurico Reis, Processo nº. 2400/08.9YXLSB.L1-1, in www.dgsi.pt -, “o direito a ser ouvido (right to be heard) constitui um elemento essencial do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo que a todos está constitucionalmente garantido, não podendo ser decretada, sob pena de nulidade da decisão, a condenação de alguém como litigante de má fé sem prévia notificação do mesmo para que se pronuncie, querendo, quanto a tal matéria”. Ora, aqui chegados, questiona-se: qual o vício concretamente em equação ? A prática de nulidade secundária, por omissão de acto ou formalidade legalmente prescritos, inscrita no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil ? Ou, conforme diferenciado entendimento, a causa de nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia (apreciação de questão que, naquele contexto, o Tribunal não poderia tomar conhecimento) ? Temos entendido que, não cumprindo o Tribunal o princípio do contraditório, conducente à prolação de decisão surpresa, tal determina a prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido omitida a prática de um acto ou formalidade legalmente prescrita – exercício e observância do princípio do contraditório, na vertente de prolação de decisão-surpresa [9] [10]. Em idêntica trilha, defendeu o douto Acórdão do STJ de 11/09/2012 - Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 2326/11.09TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt - que “ao não ter sido dada ao recorrente, prévia oportunidade de se pronunciar sobre a intenção dos julgadores de o sancionarem como litigante de má fé em multa e indemnização (sobre esta foi ouvido depois da condenação no incidente de quantificação – nº2 do art. 457ºdo Código de Processo Civil), cometeu-se uma nulidade – art. 201º, nº1, daquele Código – já que estando em causa a omissão de formalidade relacionada com o direito de defesa, sendo ilegal a proibição da indefesa, sempre tal omissão tem influência na decisão deste concreto aspecto da causa. A condenação da parte como litigante de má fé, sem a sua prévia audição, violaria os princípios constitucionais de acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados na Lei Fundamental “. No mesmo sentido, pronunciou-se recentemente o douto Acórdão do STJ de 29/02/2024 – Relator: Emídio Francisco Santos, Processo nº. 19406/19.5T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt -, o qual começou por equacionar se a nulidade decorrente da prolação de decisão sem observância do princípio do contraditório estaria sujeita ao regime das nulidades de sentença (inscrito no artº. 615º, do Cód. de Processo Civil) ou ao das nulidades previstas no nº. 1, do artº. 195º, do mesmo diploma. Reconhece que a questão é controvertida, pois, segundo um dos entendimentos, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório está ferida pela nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do CPC (excesso de pronúncia), enquanto que o outro entendimento entende que tal decisão está ferida da nulidade prevista no nº. 1, do artº. 195º, do mesmo diploma. No dirimir destas alternativas, aduz que, no entender de tal Tribunal, “a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula, mas a nulidade de que padece não está prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (decisão que conhece de questão de que não podia tomar conhecimento); está prevista n.º 1 do artigo 195.º do CPC. Vejamos. A decisão (sentença ou despacho) que conhece de questões de que não podia tomar conhecimento viola – e viola directamente - o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, na parte em que proíbe ao juiz conhecer de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes e que a lei lhe não permita conhecer, ao passo que a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é tomada com violação do n.º 3 do artigo 3.º do CPC. E diz-se que ela é tomada com violação deste preceito porque tal violação ocorreu em momento anterior à prolação do despacho. Com efeito, não era no momento da decisão que devia ser observado o princípio do contraditório, era antes de ela ser proferida que o juiz tinha o dever de dar à parte a possibilidade de se pronunciar sobre a questão que iria decidir. Logo, quando o tribunal profere uma decisão sem observância do contraditório, como prescreve o n.º 3 do artigo 3.º do CPC, não está a conhecer de uma questão de que não pode tomar conhecimento. (….) Quando decide sem cumprimento do princípio do contraditório, o que o tribunal está a fazer é a omitir, no processo de decisão, uma formalidade que a lei prescreve. Socorrendo-nos das palavras de Manual de Andrade, estamos perante um desvio do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei [Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 176]. Visto que não há norma especial que sancione a omissão desta formalidade, aplica-se-lhe a regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispões que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão”. Ainda a favor do entendimento adoptado, acrescenta que “se, na realidade, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório configurasse um caso de excesso de pronúncia, sujeito ao regime das nulidades da sentença, o que faria sentido é que a nulidade fosse suprida nos mesmos termos em que é suprida a nulidade causada por excesso de pronúncia, o que não acontece. Com efeito, socorrendo-nos das palavras de Alberto dos Reis a propósito da supressão da nulidade por excesso de pronúncia: “O juiz deve declarar sem efeito o que tenha escrito na sentença em relação à questão ou questões de que não podia tomar conhecimento” [Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, página 150]. Não é este o caminho que se segue para suprir a nulidade causada pela inobservância do princípio do contraditório. Embora se anule a decisão recorrida, esta anulação tem por objectivo fazer cumprir o formalismo que foi omitido e proferir nova decisão sobre a questão. Daí que a declaração de nulidade implique a notificação da parte para exercer o direito ao contraditório e a prolação de nova decisão sobre a mesma questão que tinha sido decidida anteriormente, embora precedida de um processo irregular. Em segundo lugar, o n.º 2 do artigo 630.º do CPC, na parte em que dispõe que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, aponta no sentido de que o legislador configura a omissão de formalidades que contendam com o princípio do contraditório como nulidade prevista no n.º 1 do artigo 195.º do CPC” (sublinhado nosso). Por sua vez, o douto aresto desta Relação de Lisboa de 26/09/2023 – Relator: Diogo Ravara, Processo nº. 7165/22.9T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt -, analisando situação com algumas semelhanças à ora em apreciação, e transcrevendo o nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, começou por referenciar constituir este a expressa consagração “do princípio do contraditório na vertente da proibição da prolação de decisões surpresa, garantindo aquele preceito às partes a sua efetiva intervenção no desenvolvimento de todo o litigio, sob pena de nulidade da decisão que o não respeite: é o que se chama de contraditório dinâmico. Como bem se aponta no ac. STJ 17-06-2014 (Mª Clara Sottomayor), p. 233/2000.C2.S1, “deve esclarecer-se, (…), que se tem entendido que o art. 3.º do CPC não introduz no nosso sistema o instituto da proibição de decisões surpresa tal como foi configurado na Alemanha, país donde dimanou e tem longo historial, verificando-se importantes diferenças de regime entre o Código de Processo Civil português e o alemão. O direito ao contraditório (Rechtliches Gehör), no direito alemão constitui um direito fundamental, baseado na dignidade da personalidade humana, e está consagrado no artigo 103.º, I, da Constituição Alemã, onde se afirma: «Perante o tribunal todos têm direito a ser ouvidos». Este princípio constitucional tem seguimento nos §§139, n.º 2 e 278, n.º 3 da Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil alemão), deles resultando que o legislador germânico confere ao direito ao contraditório uma dimensão que vai muito para além do que comporta, mesmo em interpretação extensiva, a lei portuguesa, até porque entre nós não existe preceito correspondente ao §139 da ZPO (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-06-2009, processo n.º 09B0523, relatado pelo Conselheiro João Bernardo). A doutrina aceita, contudo, o princípio da proibição das decisões surpresa, enquanto proibição de decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, entendendo que esta vertente do direito ao contraditório tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado. Neste sentido, antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra”. Acrescenta, citando Lebre de Freitas – ob. cit., pág. 126 e 127 – que “por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que; a) formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar. Assim se garantia o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorras da fiscalização recíproca das afirmações e provas feitas pelas partes. A esta conceção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do principio do contraditório deixou assim de ser a defesa. no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”. Aduz, ainda, que a propósito desta matéria de proibição das decisões-surpresa, Miguel Teixeira de Sousa – Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária in Blog do IPPC, disponível no seguinte endereço: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html -, em comentário ao Acórdão do STJ de 02/06/2020 – Relator: Lima Gonçalves, Processo nº. 496/13.0TVLSB.L1.S1 – referenciou que “o CPC trata das nulidades processuais nos art.ºs 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art.º 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença? A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite. Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art.º 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é. A nulidade processual decorrente do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art.º 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art.º 195.º, n.º 1, CPC. Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art.º 615.º, n.º 1, CPC. O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC”. Acrescenta-se, em citação do mesmo Autor, que “assente esta distinção básica entre a sentença considerada como trâmite e a sentença considerada como acto, importa tratar agora do problema relacionado com as decisões-surpresa e com a sua correcta solução jurídica. A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art.ºs 615.º, 666.º e 685.º CPC? Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer. A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar. Note-se que, como se tem vindo a repetir neste Blog, esta solução é a única que é compatível com a impugnação da decisão-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisão, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma não poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo.[…] Uma última observação: é preciso ler com muito cuidado toda e qualquer doutrina e toda e qualquer jurisprudência que se tenha pronunciado sobre o problema antes de ter surgido no panorama legislativo português a temática da decisão-surpresa. Efectivamente, não se pode dizer que já antes não houvesse casos que, agora, seriam enquadráveis na decisão-surpresa. O que faltava na altura era a visão de que a decisão-surpresa constitui, em si mesma, um vício processual autónomo e próprio”. Seguidamente, após referenciar as várias soluções que têm sido jurisprudencialmente adoptadas, conclui mencionando que “a prolação de decisão de rejeição da execução com fundamento em vício que nenhuma das partes invocou e sobre a qual não teve oportunidade de se pronunciar configura uma nulidade simultaneamente do processo (art. 195º, nº 1 do CPC) e daquela decisão ((art. 615º, nº 1 al. d) do mesmo Código). Em consequência, deve a decisão apelada ser anulada”. Conducente a que se sumariasse que “quando o Tribunal profere uma decisão depois da omissão de um ato obrigatório, tendo essa omissão relevância para o exame ou decisão da causa verifica-se não só uma nulidade secundária (art. 195º do CPC), mas também a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, nº1, al. d)), uma vez que, ao proferir tal decisão, conhece de matéria que, naquelas circunstâncias, não podia apreciar” (sublinhado nosso). Aludamos, ainda, ao recente douto Acórdão da RP de 05/02/2024 – Relator: José Eusébio Almeida, Processo nº. 489/22.7T8VCD-A.P1, in www.dgsi.pt -, no qual se começou por consignar que “a invocação da violação do contraditório, depois de proferida a sentença ou despacho que consubstancia essa (invocada) violação, suscita-se em via de recurso, como exatamente sucede no caso presente. Por outro lado, e muito em síntese, por não termos dúvidas de estarmos perante um entendimento consensual, o princípio do contraditório é um princípio jurídico fundamental e estrutural de qualquer processo judicial moderno, impondo a garantia, com assento constitucional, de ninguém poder ser atingido pelos efeitos de uma decisão judicial sem ter tido a possibilidade de intervir na sua formação, ou seja, impõe-se sempre ouvir a outra parte (Audiatur et altera pars) antes da decisão, desde que se esteja perante uma decisão que não seja de mero expediente ou inócua ao direito da parte. Importa, pois, saber qual a consequência de não ter sido dada ao recorrente a possibilidade de pronúncia, antes da decisão (realidade que os autos revelam de modo claro, como se disse) que decidiu a questão de particular importância, suscitada pela requerente, mãe da criança. Ainda que a violação do princípio do contraditório, consubstanciando a prolação de uma decisão surpresa seja entendido por alguma doutrina e jurisprudência como correspondendo à nulidade (da sentença) por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615, n.º 1, alínea d), segunda parte, do CPC] , entendemos, com todo o respeito por outra opinião, que tal violação corresponde a uma ilegalidade, ou seja, corresponde a violação da lei (que impõe o contraditório) a qual torna a decisão ilegal, nula. Como refere Rui Pinto, “como qualquer outro ato processual, a própria decisão judicial pode padecer das nulidades inominadas do artigo 195, n.º 1. Assim, suponha-se que a sentença ou decisão é proferida parcialmente no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova ou das alegações, ou que constitui uma decisão surpresa, com violação do artigo 3.º, n.º 3, ou que se trata de um despacho que ordena a citação do requerido para um procedimento cautelar que não admite citação prévia (cf. artigo 378). A decisão não pode deixar de ser nula.” Em consequência do que acaba de ser dito, e independentemente da natureza dos autos, temos forçosamente de concluir que a sentença recorrida, porque ilegal, é nula. Efetivamente, e repetimos, não resulta minimamente dos autos, pelo contrário, que ao requerido haja sido dada a oportunidade de se pronunciar, de alegar, de requerer o tido por conveniente, a respeito da questão que o tribunal apreciou”. Por fim, no que jurisprudencialmente concerne, referenciamos o igualmente recente douto Acórdão do STJ de 19/03/2024 – Relator: Luís Correia de Mendonça, Processo nº. 86/22.7T8PTL.G1.S1, in www.dgsi.pt -, o qual, indagando acerca das consequências a retirar da violação do contraditório, consignou expressamente que “os artigos 186.º a 202.º e 615.º não esgotam o regime das nulidades dos actos processuais”. Acrescenta configurar-se o contraditório como “um princípio estruturante do processo civil, mas é mais do que isso: é um direito processual fundamental”, decorrendo esta sua natureza “da consagração constitucional nos artigos 20.º, 1 e 202.º, 2 CRP, enquanto direito de defesa, e no artigo 32.º, 5, mas ainda do artigo 6.º da Convenção europeia de salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e do artigo 47.º da Carta dos direitos fundamentais da união europeia”. Concretiza, referenciando que o direito ao contraditório “está ínsito no direito de defesa e o direito de defesa requer que o processo se estruture nas várias fases, de acordo com o princípio do contraditório. Nesta tautologia se realiza a elementar concretização da garantia do processo equitativo. Com a audiência prévia dos interessados pretende o legislador que o tribunal e as partes discutam as questões relevantes, de facto e de direito, em função de uma decisão melhor, superando a concepção meramente subjectiva-defensiva-retórica do dever de actuação do contraditório. Como refere a doutrina, «uma questão discutida será sempre melhor decidida do que uma questão não discutida»”. Desta forma, “a falta de actuação do contraditório concretiza um mau exercício dos poderes do juiz, que se traduz na impossibilidade para as partes de exercerem os respectivos poderes processuais”. Pelo que, naquilo que poderemos designar como um tertium genus quanto aos efeitos de tal violação, “a decisão final proferida nestas condições pode, por isso, considerar-se ferida de nulidade extraformal geneticamente derivada das garantias constitucionais”. Assim, tratando-se de vício da decisão final, “este deve ser feito valer em sede de recurso, não sendo de exigir à parte interessada que alegue as concretas deduções defensivas que teria utilizado se o acto omitido (de actuação do contraditório) tivesse sido praticado e que se tivessem sido devidamente levadas em conta pelo juiz teriam podido razoavelmente conduzir a uma decisão diversa daquela que foi realmente tomada. Tal influência deriva, em sim mesma, da circunstância de o juiz, ao decidir uma questão de direito ou de facto de conhecimento oficioso, ter violado o contraditório” (sublinhado nosso). Verifica-se, assim, que o não cumprimento do princípio do contraditório, conducente à prolação de decisão surpresa, pode constituir, segundo os enunciados entendimentos, comportamento tradutor dos seguintes vícios: - a prática de nulidade secundária, por omissão de acto ou formalidade legalmente prescritos, inscrita no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil ; - causa de nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia (apreciação de questão que, naquele contexto, o Tribunal não poderia tomar conhecimento), com legal enquadramento na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil ; - a prática de nulidade extraformal, geneticamente derivada das garantias constitucionais, como omissão ou vício de natureza material ou substantiva. Como já supra referenciámos, temos entendido que, não cumprindo o Tribunal o princípio do contraditório, conducente à prolação de decisão surpresa, tal determina a prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – artº. 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido omitida a prática de um acto ou formalidade legalmente prescrita – exercício e observância do princípio do contraditório, na vertente de prolação de decisão-surpresa. E, apesar de reconhecermos intrínseco mérito ou validade nas posições diferenciadas, não descortinamos argumentário totalmente pertinente para alterarmos tal posição. Entende-se, assim, que a ocorrência daquele vício como que se reflecte na decisão proferida, ou seja, tem efeitos reflexos sobre esta, mas não constitui, por si só, causa da sua nulidade, nomeadamente por excesso de pronúncia, pois a mácula da omissão da prática do acto pré-existe à sua prolação. Donde se conclui pela verificação da nulidade decorrente da omissão do exercício e observância do princípio do contraditório, o que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente a tal omissão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, a decisão proferida relativamente à determinada excepção dilatória de falta de título executivo, geradora da rejeição, por indeferimento liminar, do requerimento executivo. Relativamente às consequências extraíveis do reconhecimento de tal nulidade, temos defendido a posição de que, prima facie, tal determinaria, na presente fase, decisão a determinar (nesta instância de recurso, ou com prévia baixa dos autos à 1ª instância) dar efectivo conhecimento à Exequente do pretendido enquadramento jurídico, suscitando a sua intervenção e pronúncia, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, fixando prazo em conformidade. Todavia, nas situações em que as partes, no enformar do objecto recursório, em sede de alegações e contra-alegações, já emitiram pronúncia acerca de tal matéria, ou seja, já enunciaram os fundamentos argumentativos tradutores da sua posição relativamente ao enquadramento jurídico efectuado – in casu, a verificação da excepção dilatória de falta de título executivo -, temos concluído no sentido de resultar que o exercício do aludido contraditório já se mostra assegurado através das alegações, e sua resposta, apresentadas, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia. E, assim sendo, assegurado aquele exercício e a pronúncia das partes, concluiríamos pela aplicabilidade da regra da substituição, nos termos do nº. 1, do artº. 665º, do Cód. de Processo Civil, surgindo igualmente injustificada a necessidade de se proceder à prévia audição inscrita no nº. 3 do mesmo normativo, a qual sempre se configuraria, neste enquadramento, como a prática de acto inútil e, como tal, legalmente ilícito – cf., artº. 130º, do Cód. de Processo Civil. Acrescente-se que, a entender-se que estaríamos perante efectiva causa de nulidade da sentença, por verificação de excesso de pronúncia, pelo facto do Tribunal recorrido ter conhecido de questão – não dispor a Exequente título válido e eficaz – de que, pela forma como se efectivou, não podia tomar conhecimento, os efeitos práticos em equação não seriam diferenciados. Com efeito, tal sempre determinaria reconhecimento de nulidade da sentença, com consequente eventual juízo de substituição – igualmente nos quadros do mesmo artº. 665º, do Cód. de Processo Civil -, no conhecimento da (im)pertinência do juízo que reconheceu a aludida excepção dilatória, conducente à rejeição liminar do requerimento executivo. Ora, tal juízo, reconhecemo-lo, não parece pacífico. Nas palavras do citado douto aresto desta Relação de 26/09/2023, no caso de violação do princípio do contraditório “não se coloca a questão do o Tribunal da Relação se substituir ao Tribunal a quo, nos termos previstos no art. 665º do CPC, visto que a anulação dos efeitos de uma decisão surpresa pressupõe que todas as partes se possam vir a pronunciar sobre a questão, antes de a mesma ser apreciada. Nesta conformidade, cumpre anular a decisão apelada, e anular a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra na qual o Tribunal a quo exponha a sua posição relativamente à eventual (i)legitimidade ativa, e determine o convite do exequente e dos executados para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, após o que deve ser proferida nova decisão sobre a matéria” (sublinhado nosso). Perfilhando posição semelhante, consignou-se no citado douto Acórdão da RP de 05/02/2024, que “esta nulidade, no entanto, não implica, nem justifica, a substituição ao tribunal recorrido. Com efeito, o disposto no artigo 665, n.º 1 do CPC só tem cabimento nos casos de nulidade (de sentença/despacho) pelos fundamentos constantes do artigo 615 do mesmo diploma legal. Diversamente, no caso em apreço, a violação das normas processuais que impõem o contraditório, tornando a decisão ilegal, determinam a revogação e substituição desta pela determinação do cumprimento do procedimento omitido, com prejuízo dos demais atos incompatíveis praticados em primeira instância” (vimos seguindo, de perto, o Acórdão desta Relação e Secção, prolatado pelo mesmo Relator em 09/05/2024 – Processo nº. 16858/22.0T8SNT-A.L1 -, no qual a ora Exma. 2ª Adjunta interveio igualmente como 2ª Adjunta). Assim, independentemente da posição que se adopte, o que parece claro e evidente é que, mesmo a admitir-se a aplicabilidade da regra da substituição, enunciada no citado artº. 665º, do Cód. de Processo Civil, esta deve depender sempre da existência de uma adequada e expressa pronúncia das partes (nomeadamente em sede alegações recursórias e resposta) sobre a questão omitida ao contraditório, e que fundamentou a decisão sob apelo. Não bastando, para tal, uma referência ou alusão concisa ou en passant, em termos de simples acessoriedade relativamente á invocação do vício de omissão de observância do princípio do contraditório e consequente prolação de decisão surpresa. Ora, in casu, em sede de alegações, a Apelante apresentou efectiva e completa pronúncia sobre as questões apreciadas no despacho recorrido, nomeadamente no que concerne ao conhecimento, por oficiosidade, da excepção dilatória em equação, bem como quanto à circunstância da cláusula penal e despesas de cobrança, integrando o requerimento injuntivo, não determinarem, necessariamente, a extinção da instância executiva in totum, mas apenas parcialmente relativamente à parte do título que integra tais valores. O que evidencia, com concludência, estarmos perante uma densificada alegação acerca da questão de direito tratada na decisão apelada, assim se podendo concluir por uma efectiva pronúncia por parte da Exequente Apelante, determinando que, deste modo, o exercício do aludido contraditório já se mostra assegurado através das alegações apresentadas, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia. No sentido ora pugnado, pode referenciar-se, entre outros, os recentes doutos Acórdãos deste Relação e Secção, respectivamente, de 10/10/2024 – Processo nº. 5765/24, Relator: João Paulo Vasconcelos Raposo, no qual figuraram como Adjuntos o ora Relator e 2ª Adjunta -, e de 21/11/2024 – Processo nº. nº 5751/24.1T8SNT.L1, Relator: António Moreira, no qual figura como 1º Adjunto o ora Relator -, tendo-se sumariado no primeiro que “a decisão-surpresa de rejeição da execução ao abrigo do art.º 734.º do CPC sem contraditório prévio das partes constitui uma nulidade processual, conforme disposto no art.º 195.º do CPC, traduzida na prática de ato em momento processualmente indevido; II. Concluindo-se com absoluta segurança que foi apresentada em sede de recursória toda a argumentação da parte vencida relativa aos fundamentos da decisão de rejeição da execução, a repetição da prática do ato omitido traduziria ato inútil, ficando sanado qualquer vício processual”. Referenciando-se no segundo dos arestos que “na medida em que se apreenda que na sua alegação de recurso a exequente apresentou os seus argumentos, a partir dos quais conclui pelo erro de julgamento do tribunal recorrido quanto à questão da falta de exequibilidade do requerimento de injunção apresentado como título executivo, e impondo-se ao tribunal de recurso conhecer do objecto da apelação, ainda que declare a nulidade da decisão recorrida (por força do art.º 665º, nº 1, do Código de Processo Civil), não mais há que extrair as consequências do referido vício processual da omissão do exercício do contraditório, correspondentes à destruição de todo o processado tendo em vista a prática do acto omitido, exactamente porque esse contraditório foi, entretanto, garantido e exercido. E como no caso concreto é exactamente isto que se verifica, na medida em que a exequente apresenta os seus argumentos através dos quais conclui pela exequibilidade (ainda que parcial) do título dado à execução, revela-se desnecessário extrair as consequências próprias da violação do disposto no art.º 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, assim improcedendo a conclusão 1. do recurso da exequente”. Donde, sem outras delongas, improcede o presente fundamento recursório. Todavia, poderia o Tribunal recorrido ter conhecido oficiosamente de tal excepção, ou teria antes de ser a mesma invocada, nomeadamente em sede de embargos à execução ? Analisemos. III) Da LEGAL (IM)POSSIBILIDADE do OFICIOSO CONHECIMENTO de TAL EXCEPÇÃO Referencia a Recorrente ter o Tribunal a quo considerado existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância, em virtude da Autora ter recorrido a procedimento injuntivo onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida. Todavia, considera que tal decisão carece de oportunidade e fundamento, assim contrariando a lei. Efectivamente, aditam, a lei não habilita o Tribunal a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo, sendo que das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo, constantes do artigo 726.º do CPC, não resulta o uso indevido do procedimento de injunção. Assim, entende que permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC. Apreciando (seguiremos, de perto, Acórdão desta Relação e Secção, datado de 10/10/2024 – Processo nº. 21181/22.7T8SNT.L1, in www.dgsi.pt -, proferido pelo mesmo Relator e no qual interveio, como Adjunta, a ora 2ª Adjunta): Referenciou-se em douto Acórdão desta Relação e Secção, datado de 12/07/2018 – Relator: Jorge Leal, Processo nº. 7087/15.0T8LRS.L1-2, no qual o ora 1º Adjunto figura como 2º Adjunto, in www.dgsi.pt -, em situação na qual foi indevidamente utilizado o procedimento injuntivo para a formação de título executivo, que a “aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo”. Acrescentou-se, ainda, que “a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que os executados se tenham abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução” (sublinhado nosso). Em idêntico sentido, defendeu-se no douto aresto da RE de 16/12/2010 – Relator: Mata Ribeiro, Processo nº. 826/09.0TBSTB.E1, in www.dgsi.pt – que o procedimento de injunção “devia ter sido recusado pela secretaria com fundamento da pretensão nele deduzida, não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o artº 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98 de 01/09, na redacção introduzida pelo Dec. Lei 107/2005 de 01/07 ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o artº 14º n.º 3 do citado diploma”. Acrescenta-se, no que ora importa, que “embora a questão não tivesse sido suscitada no procedimento de injunção pelo requerido, nada obsta a que na acção executiva ela possa ser apreciada oficiosamente uma vez que está subjacente o erro na forma de processo (deveria ter- -se empregue processo sumário em vez de procedimento injuntivo) que consubstancia nulidade de conhecimento oficioso (cfr. artº 462º e 199º, 202º e 206º n.º 2 todos do CPC)” (sublinhado nosso). Perfilhando idêntico entendimento, anotemos, ainda, o douto aresto desta RL de 15/02/2018 – Relatora: Anabela Calafate, Processo nº. 2825/17.9T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt -, o qual, após transcrição do disposto no nº. 2, do artº. 726º e artº. 734º, ambos do Cód. de Processo Civil, defendeu que “se o juiz pode rejeitar a execução apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no art. 726º, não faz sentido que o não possa fazer quando não houve sequer despacho liminar. Não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado”. Em sentido divergente, pronunciou-se o douto Acórdão da RP de 09/10/2023 – Relatora: Ana Olívia Loureiro, Processo nº. 2432/20.9T8VLG-A.P1, junto pela Recorrente nas suas alegações, e não publicado -, referenciando o seguinte: “Ora, o Tribunal a quo afirma na decisão recorrida que ocorreu erro na forma de processo porque a exequente não podia ter-se socorrido do processo de injunção para obter o título dado à execução. Sucede que tal questão não podia ser conhecida oficiosamente em sede executiva por não caber ao juiz da execução, salvo havendo oposição à execução com esse, objeto, fazer um controlo oficioso dos fundamentos do processo de injunção. Permitir que, em sede executiva, se pudessem conhecer oficiosamente questões que podiam ter sido alegadas (e decididas) no processo em que foi aposta a fórmula executória e não foram e que ainda podiam ter sido fundamento de oposição à execução e, novamente, não foram, seria derrogar, esvaziando de sentido, o princípio de preclusão e de concentração de defesa que resultam de preceitos como os artigos 227º, número 2 e 573º do Código de Processo Civil”. Acrescenta-se que “olhando para o elenco dos fundamentos de indeferimento liminar do requerimento executivo permitidos ao Tribunal recorrido, é manifesto afirmar que não falta nem é insuficiente o título executivo em apreço, já que o mesmo consiste na injunção que foi aposta fórmula executória e que abrange a quantia de 248,66 € objeto do recurso. Tão pouco ocorrem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso. É que as previstas na alínea b) do artigo 726°, número 2 do Código de Processo Civil são apenas as do próprio processo executivo e não as eventuais exceções dilatórias que pudessem ser conhecidas no processo de injunção pois essas podem ser causa de oposição à execução, mas não podem ser causa da sua rejeição oficiosa. Se fosse essa a vontade do legislador teria o mesmo, certamente, aproveitado o ensejo dado pela alteração legal introduzida pela Lei 117/2019 para introduzir, também, novas causas, de conhecimento oficioso, de rejeição da execução baseada em injunção. A interpretação subjacente ao despacho recorrido de que a lei lhe permite o conhecimento oficioso de eventuais exceções dilatórias ou nulidades do processo de injunção não tem no texto legal "um mínimo de correspondência" (cfr. artigo 9°, número 2 do Código Civil)”. Donde, conclui-se, sumariando, que: 1. “Não é fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo baseado em injunção a que foi aposta fórmula executória o "uso indevido" do respetivo procedimento. 2. Tal controlo jurisdicional apenas pode ser feito no processo de injunção ou em sede de oposição à execução nos termos do artigo 14-A número 2 a) do DL 269/98 de 1 de setembro. 3. As exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso previstas na alínea b) do artigo 726°, número 2 do Código de Processo Civil são apenas as do próprio processo executivo e não as eventuais exceções dilatórias que pudessem ser conhecidas no processo de injunção pois essas podem ser causa de oposição à execução, mas não podem ser causa da sua rejeição oficiosa”. Ora, ponderando-se a argumentação aduzida, parece-nos inultrapassável o argumento da oficiosidade extraível do artº. 734º, em conjugação com a alínea a), do nº. 2, do artº. 726º, ambos do Cód. de Processo Civil. E, contrariamente ao defendido, tal controlo jurisdicional não é apenas possível em sede de processo de injunção ou na oposição à execução que venha a ser deduzida pelo executado, pois, reportando-se ao concreto controlo da falta ou insuficiência do título dado em execução, tem igualmente lugar, ex officio, nos próprios quadros da consequente execução. Ou seja, e no rebate de um outro dos argumentos expostos, tal controlo não encontra fundamento ou base legal na alínea b), do nº. 2, do mesmo artº. 726º - ocorrência de excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso -, mas antes na aludida alínea a), por referência à concreta afectação do título apresentado, decorrente da sua inadequada e viciada formação, ao recorrer-se, de forma ilegal e injustificada, ao procedimento injuntivo. Donde, decaem, neste segmento, as conclusões recursórias apresentadas. Todavia, para além de questionar a oportunidade, a Recorrente Exequente questiona, igualmente, o fundamento, o que nos conduz a apreciar, também, acerca da própria pertinência do juízo de indeferimento e rejeição da presente execução. Analisemos. IV) Da NÃO EXIGIBILIDADE, no TÍTULO EXECUTIVO, de QUALQUER VALOR RELATIVO A CLÁUSULA PENAL ASSOCIADA À INOBSERVÂNCIA de PERÍODO de FIDELIZAÇÃO CONTRATUALMENTE ACORDADO e das DESPESAS ASSOCIADAS à COBRANÇA da DÍVIDA Relativamente ao equacionado, vejamos qual o entendimento jurisprudencial que tem sido adoptado. Referencia o douto aresto desta Relação e Secção de 15/10/2015 – Relatora: Teresa Albuquerque, Processo nº. 96198/13.1YIPRT-A.L1-2, in www.dgsi.pt -, após enunciação do historial legislativo consagrador da figura da injunção, que “actualmente, desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor”. Delineou como questão a apurar a de saber se a injunção constitui o procedimento processual adequado para peticionar as despesas de cobrança e a cláusula penal, perante a situação de incumprimento definitivo do contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, aduzindo que “nem o DL 404/93 de 10/12, que, como se viu, introduziu na nossa ordem jurídica as injunções (logo as referindo como providências destinadas a conferir força executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato, cfr seu art 1º), nem subsequentemente, o mais abrangente DL 269/98 (RPCOP), definem obrigação pecuniária, pelo que se tem de lançar mão ao que genericamente resulta para as mesmas do Código Civil, arts 550º a 558º, bem como ao disposto nos arts 774º e 806º desse mesmo diploma legal, que as referem. Dessas disposições e da elaboração doutrinal a seu respeito, é possível dizer-se que as obrigações pecuniárias são uma modalidade de obrigações genéricas, em que a prestação consiste numa quantia em dinheiro; e podem configurar-se como obrigações de quantidade – quando têm por objecto uma pura e simples quantia pecuniária, dizendo a seu respeito o art 550º CC que o seu cumprimento se «faz em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário» - e obrigações de moeda específica - quando, além do montante da prestação, é especificada a moeda nacional em que o pagamento da dívida deve ser feito, podendo especificar-se a própria moeda ou o metal da moeda, art 552º e ss CC”. Prossegue, referenciando que “nenhum dos vários diplomas legais atinentes à matéria de injunções, e que atrás se referiram, utiliza concretamente a expressão “obrigação pecuniária directamente emergente de contrato”, mas apenas “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”, cumprindo, pois, perceber a que título surge esta maior exigência que restringe as obrigações pecuniárias em causa. Exigência que é também válida para as transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2 quando se pretendam cobráveis pela via das injunções – essas injunções têm, também, que ter na sua base um contrato, que envolvendo fornecimento de bens ou prestação de serviços, seja gerador de obrigações pecuniárias, e essas obrigações pecuniárias hão-de também de ter emergido directamente desse contrato”. Citando Paulo Teixeira Duarte - Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, em “Themis”, VII, nº 13, p 169 e ss , cfr p 191 -, aduz que “a expressão transacção pressupõe a existência de uma relação contratual em moldes (...) semelhantes aos já exigidos pelo procedimento da injunção (...) Estamos, perante um contrato cujo objecto imediato é uma prestação pecuniária, ou seja, que consiste numa quantia em dinheiro, (cfr art 3º al a) parte final, "contra (o pagamento) de uma remuneração”. Essa expressão pressupõe que a obrigação prevista no diploma seja uma obrigação pecuniária e não de valor». É, assim, pressuposto objectivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa [5], apenas nos interessando para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária actuável pela via da injunção - as obrigações pecuniárias acima referidas, como obrigações de quantidade (aquelas que têm por objecto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária). É, no entanto, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor, que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito. Obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação” – citando João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, Injunções e Acções de Cobranças, 2012, pág. 15 -, “ao passo que as obrigações de valor não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. Paradigmática obrigação de valor é a obrigação de indemnização – com tal obrigação visa-se reparar os danos efectivamente sofridos pelo lesado. Como é referido, a seu respeito, no recente Ac Uniformizador 9/2015, DR - I Serie 24/6/2015, «com a sua liquidação, através da teoria da diferença, converte-se no fundo, numa obrigação pecuniária e é sobre o respectivo montante , assim liquidado, e para reparar o atraso na sua satisfação, que se aplicam os juros de mora». Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos, de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção»”- cf., Paulo Teixeira Duarte, ob. cit., pág. 184. E por isso Paulo Teixeira Duarte demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção: «apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária», para concluir que, «daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro»”. Adrede, entende o mesmo aresto ser necessário introduzir nuances a tal demarcação do pressuposto objectivo da injunção, nomeadamente, e desde logo, as decorrentes da análise do estatuído na alínea e), do nº. 2, do artº. 10º, do regime da injunção (já transcrito), do qual decorre incumbir ao requerente “formular o pedido com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”. E, consequentemente, após ajuizar acerca do englobar dos juros nas obrigações pecuniárias, adita que as “considerações feitas a propósito dos juros nas obrigações pecuniárias, são, de algum modo, extensivas às despesas de cobrança. Também estas são expressão da indemnização devida pelo não cumprimento atempado daquela - da obrigação pecuniária directamente emergente e prevista no contrato”. Com efeito, apesar de tais despesas constituírem obrigações de indemnização, “têm também elas origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, sendo que não levantam “a priori” problemas de quantificação”, nomeadamente pelo facto das despesas de cobrança serem “praticamente padronizadas e pouco significativas”. Pelo que, aduz, no que às mesmas respeita “não há qualquer erro na forma de processo utilizada, ou qualquer impedimento a que se faça valer pelo procedimento de injunção: o fim a que legislador destinou a injunção abrange as despesas em causa”, o que já não sucede com a cláusula penal estipulada. E, consequentemente, decidiu-se no sentido de absolver o Réu da instância, no que concerne ao pedido referente à cláusula penal, determinando-se, todavia, que deveriam “continuar a ser apreciados no processo os pedidos referentes à falta de pagamento dos serviços prestados e às despesas de cobrança referentes àqueles não pagamentos”. Donde, sumariou-se que a “obrigação pecuniária a que se refere, por um lado, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, e por outro, as injunções, também as decorrentes de transacção comercial, é a obrigação “directamente” pecuniária, que significa a pecuniária em sentido estrito. II - Por obrigação pecuniária em sentido estrito deve entender-se a obrigação em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação. III - O objectivo do legislador nesta matéria não foi, propriamente, o da economia processual, mas o de facilitar a cobrança destas obrigações, como instrumento essencial da regulação do sistema económico. IV – Para a estrita satisfação do interesse do credor destas obrigações, o legislador admitiu que se utilizassem ainda os mecanismos processuais acima referidos para pagamento dos juros que tais obrigações tenham gerado e para o das despesas referentes à respectiva cobrança. V- As injunções, incluindo as decorrentes de transacção comercial, e a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para accionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato. VI- Não pode deixar-se prosseguir para pagamento da quantia referente à cláusula penal, acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que tenha resultado da transmutação de injunção interposta para accionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção” (sublinhado nosso). No douto aresto desta RL de 23/11/2021 – Relator: Edgar Taborda Lopes, Processo nº. 88236/19.0YIPRT.L1-7, in www.dgsi.pt – apreciou-se situação em que a Autora/Recorrente, perante a decisão do Tribunal a quo que havia julgado procedente a excepção inominada de uso inadequado do requerimento de injunção e, em consequência, indeferido liminarmente a petição inicial, veio pugnar pelo prosseguimento dos autos, já transmutados em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, no que concerne às facturas dos serviços, juros de mora e encargos com a cobrança, que igualmente havia peticionado, para além da inicialmente suscitada cobrança de uma cláusula penal. Donde, impunha-se decidir se, tendo havido utilização indevida do processo de injunção, e tramitando o processo já sobre a forma declarativa especial, seria possível fazê-lo prosseguir quanto à matéria que, na realidade, poderia ser objecto de tal processo. Referenciou-se neste aresto que “o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 14/12/2012 (Processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1-Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), definiu uma solução que importa levar em consideração: quando o processo de injunção tem um valor superior ao da alçada da Relação e é transmutado em processo comum ordinário, por força da dedução de oposição (artigo 7.º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), a questão de saber se a transacção comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, nem na sua tramitação, visto que estamos em processo comum (e não em processo especial) e, portanto, sem quaisquer diminuição de garantias“. Acrescenta, citando o mesmo Acórdão do STJ, que “«ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação”. Certo que face “a uma absolvição da instância, as partes teriam de reiniciar um percurso processual, muitas vezes longo, tudo isto evidenciando perda de economia processual, sendo certo que o objetivo pretendido pelo requerente - a injunção - está já definitivamente afastado”, mas “um tal estado de coisas é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção””. Aduz, ainda, o mesmo aresto que “muitas vezes – assinala-se no mesmo Acórdão - havendo dedução de oposição, é o próprio Réu que tem interesse em vê-la aproveitada, mas (acrescentamos nós) nos casos em que o Requerido não teve qualquer intervenção nos autos e não há transmutação em acção comum, permitir que a acção pudesse prosseguir constituiria uma situação de benefício do infractor, que não temos como tolerável. In casu, a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo. Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências. E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou “a mais” do que poderia e deveria”. Pois, aduz, caso assim não fosse, conforme sublinhado no Acórdão da RC de 20/05/2014 – Relator: Fonte Ramos, Processo nº. 30092/13.6YIPRT.C1 -, “estaria “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”. Voltando ao Acórdão do STJ (Salazar Casanova), assentamos em que “as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação”, já o mesmo não sucedendo quando a transmutação da acção é para acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (valor inferior à alçada da Relação), caso em que o processo se torna inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a acção pela procedência da excepção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção. Assim sendo, a consequência a tirar deste uso indevido do procedimento de injunção (por ausência das condições de natureza substantiva que a lei impõe para a decretar) é a verificação da presença desta excepção dilatória inominada, a qual, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil”. Donde, ter-se sumariado que a absolvição da instância no caso do conhecimento oficioso de uma excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, quando a acção está já transmutada em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (por ter um valor inferior ao da alçada da Relação), inquina todo o processo, implicando a sua inaproveitabilidade total (também para os créditos que efectivamente poderiam ser peticionados por aquela via). II– Esta consequência gravosa penaliza quem, usando uma ilegítima estratégia de risco, decide iniciar um procedimento de injunção (na expectativa da notificação e não oposição do Requerido), sabendo que o(s) crédito(s) invocado(s) não lho permitia(m) (por ausência de condições substantivas para ser decretada a injunção), só para, assim – defraudando as exigências legais – obter com mais facilidade um título executivo” (sublinhado nosso). Em idêntico sentido, e citando mesmo o antecedente aresto, pronunciou-se o douto Acórdão desta RL de 28/04/2022 – Relatora: Cristina Pires Lourenço, Processo nº. 28046/21.8YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt -, no qual se sumariou que o “uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art. 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento”. No douto Acórdão da RP de 15/01/2019 – Relator: Rodrigues Pires, Processo nº. 141613/14.0YIPRT.P1, in www.dgsi.pt – referenciou-se, citando-se Paulo Duarte Teixeira – Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184 -, ser “o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção». E por isso, Paulo Duarte Teixeira demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção: «apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária», para concluir que, «daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro»”. Desta forma, acrescenta entender que “circunscrevendo-se o procedimento de injunção ao cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não pode o mesmo ser utilizado quando o que se visa, como neste caso sucede, é a exigência de uma soma pecuniária decorrente da resolução de um contrato e onde estão em causa quantias que resultam da aplicação da penalização estipulada (….)”. Aduz, ainda, que “a lógica que preside ao procedimento de injunção é a da cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança (juros e despesas de cobrança). Dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito. Acontece que quando esteja em causa uma obrigação secundária derivada do incumprimento do contrato, e não se vise o seu cumprimento, estar-se-á a extravasar o âmbito deste procedimento, pelo que sempre se deverá concluir que a injunção não é a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato” (sublinhado nosso). O que significa que, no entendimento do presente aresto, o procedimento de injunção é ainda o adequado á cobrança das aludidas consequências indemnizatórias mais imediatas, de que são exemplo os juros e as despesas de cobrança. Daí resultando sumariado que só poder ser objecto do pedido de injunção “o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não podem ser peticionadas naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. II - A cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito. III - Quando o autor/requerente use de forma indevida ou inadequada o procedimento de injunção verifica-se uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. IV - Tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento” (sublinhado nosso). No douto Acórdão da RC de 14/03/2023 – Relator: Henrique Antunes, Processo nº. 14529/22.6YIPRT.C1, in www.dgsi.pt -, defendeu-se que “pelo procedimento de injunção apenas é exigível o cumprimento de obrigações pecuniárias em sentido estrito e, portanto, que não é o instrumento processual adequado para exigir o cumprimento de obrigações emergentes de cláusulas penais indemnizatórias ou a que deva assinalar- se ainda ou também uma função indemnizatória, apesar de cumulativamente, mas de forma subalterna ou subordinada desempenhar também uma função de índole compulsória, i.e., aquelas em que a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso - nem obrigações que tenham sido constituídas com a finalidade reparar os danos sofridos pelo credor com despesas, v.g., com honorários de advogado, realizadas para assegurar a satisfação do seu crédito, dada também a sua nítida feição ressarcitória (art.°s 810.° a 812.° do Código Civil)” (sublinhado nosso). No que se reporta às consequências do uso indevido do procedimento injuntivo, acrescenta que a jurisprudência vem-se dividindo em duas orientações: “a excepção dilatória nominada da nulidade de todo, ou parte, do processo, resultante do erro na forma de processo; uma excepção dilatória inominada tout court”. Acrescenta, ainda, ser de difícil solução a problemática colocada na situação em que ocorre “cumulação objectiva de pretensões, em que alguma ou algumas das pretensões cumuladas sejam e outra ou outras não sejam exigíveis através do procedimento de injunção. Pergunta-se, realmente, qual deve ser a consequência jurídico-processual nas hipóteses em que o procedimento de injunção não é o meio processualmente adequado ou não é admissível - mas apenas no tocante a algumas das pretensões deduzidas no requerimento inicial. A orientação prevalecente na jurisprudência é a que conclui que a utilização indevida, ainda que meramente parcial, do procedimento de injunção - v.g., quanto ao pedido relativo à cláusula penal - inquina in toto, o procedimento de injunção e, bem assim, a acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações emergentes de contrato, de valor inferior ao da alçada da Relação (AECOP) na qual se convolou, e portanto, torna esta totalmente inaproveitável mesmo para os pedidos para os quais o procedimento de injunção é adequado ou admissível. Esta orientação não deixa de ser fundada se se considerar, por um lado, que se trata de uma consequência da estratégia processual do requerente que podendo, ab initio, ter lançado mão da acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, optou pelo instrumento da injunção, na expectativa, que não merece tutela, de, na falta de oposição, logo obter, ilícita ou ilegitimamente, um título executivo e, por outro, que importa obstar à fraude das normas injuntivas reguladores do procedimento de injunção e à ilicitude da obtenção, por essa via, daquele título”. Donde, ter-se sumariado que o “procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância” (sublinhado nosso). Ora, exposto o entendimento prevalecente no âmbito injuntivo declarativo, qual a solução a adoptar na situação em que se apresenta como título executivo injunção, da qual resulte abranger quantias relativamente às quais o procedimento de injunção não é o meio processual próprio e adequado ? Situação que, prima facie, é reconduzível ao caso sob apreciação. Defende-se no douto Acórdão da RP de 27/09/2022 – Relatora: Anabela Dias da Silva, Processo nº. 418/22.8T8VLG-A.P1, in www.dgsi.pt -, após um historiar cronológico do regime da injunção, não se definir nos sucessivos diplomas legais “o que é “…o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos…”. Logo há que interpretar a lei civil no seu todo, e concretamente analisar o que consta dos art.ºs 550.º a 558.º, 774.º e 806.º, todos do C.Civil. Da interpretação que se tem feito desses preceitos legais pode concluir-se que as obrigações pecuniárias são uma modalidade de obrigações genéricas, cuja prestação consiste numa quantia em dinheiro; e podem distinguir-se como obrigações de quantidade, se têm por objecto uma pura e simples quantia pecuniária, e como obrigações de moeda específica, se além do montante da prestação, é especificada a moeda nacional em que o pagamento deve ser feito, podendo ainda especificar-se a própria moeda ou o metal da moeda. Mas não se pode olvidar que a lei refere, se forma talvez lata, “obrigações pecuniárias emergentes de contratos” e assim há que decidir se aqui se subsumem as obrigações pecuniárias de quantidade (dívida em dinheiro) e também as obrigações de valor, ou apenas aquelas”. Respondendo ao quesitado, aduz-se que “a lei ao expressar “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos de contratos cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste na obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro, pondo de parte ou como não subsumível ao procedimento de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor, quer a título de prestação principal, sejam enquanto prestação acessória ou como obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris, como sucede com as obrigações emergentes de cláusulas penais, ainda que pecuniárias. Consequentemente, entendemos que é irrelevante a distinção entre cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsória, pois a cobrança de ambas está arredado do procedimento de injunção, até porque as cláusulas penais não constituem a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, são sim, cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade”. Assim, acrescenta, quer no que concerne ao valor peticionado a título de cláusula penal indemnizatória, quer no que concerne ao valor peticionado a título indemnizatório pelos encargos com a cobrança da dívida, ocorreu “o uso indevido do procedimento de injunção, o que configura erro na forma de processo e como decorre do art.º 193.º do C.P.Civil, o que constituiu uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, cfr. art.ºs 576.º, n.º2, 577.º n.º 1 al. b) e 578.º, todos do C.P.Civil e art.º 14.º-A n.º 2 al. a) do Regime dos Procedimentos a que se refere o art.º 1.º do DL n.º 269/98 de 1.09, e “… importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei”, todavia, “…não devem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”. Destarte nenhuma censura nos merece a decisão de 1.ª instância ao indeferir liminar e parcialmente o título executivo dado à execução”. Donde, a prolacção de sumário, no qual se consignou que “o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. II - Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar o erro na forma de processo, excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminar e parcialmente, em conformidade, o requerimento executivo” (sublinhado nosso). Em idêntico sentido, defendeu-se no douto Acórdão da RP de 08/11/2022 – Relatora: Alexandra Pelayo, Processo nº. 901/22.5T8VLG-A.P1, in www.dgsi.pt -, dever-se indagar e apurar se as quantas peticionadas no procedimento injuntivo relativamente à cláusula por incumprimento contratual e a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida, devem ou não integrar o conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, enformador do espírito legislativo associado ao processo de injunção. Em resposta, referencia entender, conforme a jurisprudência maioritária, “que o pedido de pagamento de tais montantes não se enquadra no âmbito de aplicação do procedimento de injunção, definido no art. 7º do anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro”, pois, este é aplicável “às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), pois, como decorre da lei, o mesmo é destinado “a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contatos…”, sendo certo, que tal prestação obrigacional só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património)”. Apreciando o normativamente fixado na alín. e), do artº. 10º, do procedimento injuntivo, acrescenta que o “legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo se ressarça dos juros referentes ao atraso no pagamento”, no que não inclui a indemnização pelas despesas ocasionadas pela cobrança da dívida. Pelo que, aduz, dever-se-á concluir que “tendo a ora exequente, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, (onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida), não sendo tal atuação compatível com a natureza do procedimento, existe um efetivo vício que constitui exceção dilatória inominada, afetando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. (ver neste sentido o Ac STJ 14/2/2012, no processo 295/04.OTBOFR.C1.S1, pois, caso contrário, «estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.)”. Donde, quer no que respeita às quantias referentes à indemnização por incumprimento contratual, quer às relativas à indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, “reclamadas no procedimento de injunção contra a ora Executada, não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao procedimento de injunção e em que, portanto, a ora Recorrente, “está a fazer um uso indevido e inadequado deste meio de exigir o cumprimento das obrigações (a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro). Constata-se pelo exposto, a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é a falta de título exequendo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ter passado a fase liminar. Na situação dos autos está-se perante uma cumulação objetiva de pedidos, a que é aplicável, ex vi do disposto no art 555ºnº 1 do CPC, a disposição do art 37º, referente aos obstáculos à coligação, onde se dispõe que «a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes». É o caso do pedido referente à cláusula penal e da indemnização pelas despesas peticionadas, pois, como acima já se acentuou, tal pedido não pode “tout court” ser exigido através de injunção – corresponde-lhe forma de processo diferente do procedimento processual da injunção, o que sucede por razões de finalidade. O recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, acarreta erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso que pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, implicando o indeferimento liminar parcial da execução, nos termos dos artigos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC” (sublinhado nosso). Por fim, no recente douto Acórdão, ainda da RP, de 18/06/2024 – Relatora: Anabela Dias da Silva, Processo nº. 7006/22.7T8MAI.P1, in www.dgsi.pt -, após fixação da questão a conhecer – saber se o requerimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória, é título executivo para o pedido exequendo -, e qualificar tal título como ““título judicial impróprio”, “especial” ou “atípico”, formado ao abrigo do DL n.º 269/98 de 1.09”, consignou-se que dos vários elementos legislativos cronologicamente equacionáveis não resulta a definição do que sejam obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Seguidamente, após várias referências doutrinárias, citou João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho - Injunções e Ações de Cobranças, pág. 15 -, no sentido de que “enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação, as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. Sendo o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito que é o pressuposto nos diplomas que regulam o procedimento de injunção. “In casu” está a questão de se saber se as quantias reclamadas no título executivo como “cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato” e seus derivados deverão integrar aquele conceito obrigações pecuniárias emergentes de contratos, sob pena de se defender um entendimento contrário ao “espírito” legislativo associado à criação do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro”, ou não. Pois, como vimos, a exequente, ora apelante, escolheu o meio processual de injunção para peticionar a cláusula penal estabelecida em contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações como valor relativo à quebra do vínculo contratual e pressupondo, pois, necessariamente, o incumprimento definitivo desse contrato”. Em resposta, aduziu dever entender-se “que a cláusula penal que vise uma finalidade puramente indemnizatória do objeto do procedimento da injunção está excluída do âmbito da injunção, “desde logo porque não estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito, mas sim perante uma indemnização pré-fixada, e depois porque a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória”. Pois não se pode olvidar que a lógica primordial que preside ao mecanismo da injunção é a da simples cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança. Ou seja, no dizer de Salvador da Costa” - Injunção e as Conexas Ação e Execução, pág. 156 – “pela sua própria natureza, implicam uma “tendencial certeza da existência do direito de crédito” e no dizer de João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, in obra citada, pág. 23 “quando esteja em causa uma obrigação secundária derivada do incumprimento do contrato, e não se vise o seu cumprimento, estar-se-á a extravasar o âmbito deste procedimento”, pelo que, apenas nos resta concluir que “esta não é a via processual adequada para acionar cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato”. Acrescentando que, em idêntico sentido, entende a jurisprudência maioritária “que o pedido de pagamento de tais montantes a título de cláusula penal, não se enquadra no âmbito de aplicação do procedimento de injunção”, aduz não merecer censura a decisão apelada, no sentido de “tendo a ora exequente/apelante, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, tal atuação manifestamente não é compatível com a natureza de tal procedimento, verificando-se “ab initio” um vício que constitui exceção dilatória inominada, inquinando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”. Donde, adita, tais vícios, inquinadores do requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, “destroem a natureza de título executivo do mesmo, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva pretendida, porque a ora exequente/apelante, fez um uso indevido e inadequado do procedimento de injunção, cfr. art.º 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02. E assim sendo, estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ultrapassar a fase liminar porque, em sede execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do C.P.Civil”. Ou seja, segundo o entendimento deste aresto, tal indeferimento liminar da execução é total, e não parcial, não se aproveitando a parcela da quantia reclamada que tenha devidamente observado, estando conforme, com o procedimento injuntivo. Donde, em súmula, ter-se sumariado que o “procedimento de injunção só pode ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. II - O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro, ou seja, obrigações pecuniárias em sentido estrito. III - Tendo a ora exequente, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, tal atuação manifestamente não é compatível com a natureza de tal procedimento, verificando-se “ab initio” um vício que constitui exceção dilatória inominada, inquinando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização. IV - Tais vícios que inquinam o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, destroem a natureza de título executivo do mesmo, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva pretendida. V - Estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ultrapassar a fase liminar porque, em sede execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do C.P.Civil” (sublinhado nosso). Ora, conforme resulta claramente do despacho sob sindicância, foi considerado, como tendo sido peticionado através da factura em equação, um valor correspondente a cláusula penal associada á inobservância de período de fidelização contratualmente outorgado, acrescido por um valor correspondente à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, ou seja, o valor de 262,58 €. É claramente o que decorre não só do introito de tal despacho, como ainda do seu corpo argumentativo, no qual o Julgador a quo sublinhou as referências efectuadas a tal indemnização, explicitando-a por várias vezes. Assim, e no que concerne á vertente recursória sob apreciação, para além da definição ora consignada, urge então apreciar se a indemnização por tal incumprimento contratual (cláusula penal), bem como os encargos associados à cobrança da dívida, são pertinentemente exercitáveis no âmbito do procedimento injuntivo, ou se, ao invés, não o sendo, quais as consequências daí advenientes, tendo em consideração a argumentação recursória suscitada, nomeadamente quais as decorrências advenientes para o ulterior tramitar do processo executivo. Ora, conforme resulta da exposição jurisprudencial exposta, sendo mais pacífica a questão relativamente à cláusula penal, constatámos que existem, no que respeita aos encargos associados à cobrança da dívida, fundamentalmente dois entendimentos acerca de tal matéria. Assim, para parte da jurisprudência – exemplificativamente, os citados arestos da RL de 15/10/2015 e da RP de 15/01/2019 -, os valores peticionados em procedimento injuntivo referentes a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, ainda que não correspondendo propriamente a obrigações pecuniárias emergentes do contrato, no sentido estrito que deve ser adoptado, constituem expressão da indemnização devida pelo não cumprimento atempado da obrigação pecuniária directamente emergente e prevista no contrato. Donde, no apelo ao estatuído na alínea e), do nº. 2, do artº. 10º, do regime da injunção, por identidade de considerações relativamente ao aduzido para os juros, tornam extensível a sua admissibilidade no procedimento injuntivo. Ou seja, apesar do reconhecimento de tais despesas constituírem obrigações de indemnização, tendo as mesmas directa origem no ressarcimento das dívidas pecuniárias em demanda, e não levantando normalmente problemas de quantificação, decorrente da sua natureza padronizada e pouco relevante, entendem inexistir, no que às mesmas concerne, qualquer impedimento que se façam valer através do procedimento de injunção, afastando assim a existência de qualquer erro na forma do processo utilizada. Numa expressão abreviada, a finalidade a que o legislador destinou o processo injuntivo é susceptível de abranger tais despesas, ou seja, subjaz ao procedimento injuntivo uma lógica de rápida e simples cobrança de dívidas pecuniárias em sentido estrito, mas também das suas consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias desse acto de cobrança, em que se traduzem as despesas necessariamente a despender em tal acto (para além dos juros), que assim são eivadas, pela sua própria natureza, de tendencial certeza quanto à sua existência. Pelo que, neste entendimento, nada impediria o exercitar de tais despesas no âmbito do procedimento injuntivo. Todavia, num segundo entendimento jurisprudencial – exemplificativamente, os citados arestos da RC de 14/03/2023 e da RP de 27/09/2022, 08/11/2022 e 18/06/2024 -, no âmbito do procedimento injuntivo apenas é exigível o cumprimento de obrigações pecuniárias em sentido estrito, não sendo, assim, o instrumento processual adequado e pertinente a exigir o cumprimento de obrigações indemnizatórias constituídas com o desiderato de reparar os danos ou perdas sofridas pelo credor com despesas, entre as quais figuram os encargos associados à cobrança da dívida, realizados no intuito de assegurar a satisfação do seu crédito. Pelo que, e no que ora releva, no que concerne ao valor peticionado a título indemnizatório pelos encargos com a cobrança da dívida, verifica-se um uso indevido do procedimento injuntivo (ocorrendo, desde logo, indevida cumulação objectiva de pedidos, por existir obstáculo à coligação, decorrente do facto dos pedidos corresponderem a formas diferenciadas de processo – cf., o artigo 37º, ex vi do artigo 555º, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil) com uma duplicidade de consequências possíveis: ou traduz erro na forma do processo, nos termos expostos no artº. 193º, do Cód. de Processo Civil, o que constitui excepção dilatória nominada de nulidade de todo, ou parte, do processo, de oficioso conhecimento, conducente à absolvição da instância ; ou traduz excepção dilatória inominada tout court, afectadora de todo o procedimento injuntivo (e consequente aposição da fórmula executória) e destruidora da natureza do título executivo, determinante de consequente falta de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, o que conduz ao necessário indeferimento liminar da execução, nos termos dos artigos 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do Cód. de Processo Civil. Ora, conforme vimos, a decisão recorrida, quer no que concerne à cláusula penal/indemnização, quer no que respeita às despesas associadas à cobrança, optou por este segundo entendimento. E, ponderando os argumentos esgrimidos, não vemos motivação para dele divergir. Com efeito, tendo fundamentalmente em conta que para a legitimação de recurso ao procedimento injuntivo devemos estar perante o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contratos, não pode a lei deixar de reportar-se a tipologia contratual cuja prestação principal, a onerar o devedor, consista numa estrita obrigação pecuniária de quantidade, ou seja, numa dívida em pecunia ou dinheiro. O que determina que o processo de injunção não se configura como adequado para o ressarcimento indemnizatório por incumprimento contratual, o qual abrange não só as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, como ainda a própria indemnização pelas despesas originadas pela cobrança da dívida, em virtude de, em ambas as situações, não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade. Pelo que, peticionando-se no âmbito do requerimento injuntivo, ao qual foi aposta fórmula executória, indemnização por incumprimento contratual/cláusula penal e indemnização por despesas decorrentes da cobrança da dívida, estamos perante excepção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afectadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou, o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, com necessária repercussão nos ulteriores termos processuais executivos, de acordo com o estatuídos nos artigos 726º, nº. 2, alín. a) e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil. Todavia, tal viciação afectará in totum o título executivo apresentado, determinando o indeferimento total do requerimento executivo, ou limitar-se-á tal afectação aos valores indevidamente objecto do procedimento injuntivo ? Analisemos. V) Da POSSIBILIDADE da EXCEPÇÃO do USO INDEVIDO de PROCEDIMENTO INJUNTIVO NÃO DETERMINAR o INDEFERIMENTO TOTAL do REQUERIMENTO EXECUTIVO Por fim, referencia a Recorrente que caso se entenda que o procedimento injuntivo não se configura como meio adequado a peticionar o pagamento dos valores relativos à cláusula penal e despesas de cobrança, e que tal apreciação pode ser oficiosa em sede de instância executiva, tal excepção de uso indevido do procedimento injuntivo não determina o indeferimento total do requerimento executivo, mas somente a recusa do título executivo relativamente aos valores que integram a injunção com tal natureza. O que se impõe, adita, por força dos princípios da economia processual, do aproveitamento dos actos processuais e da proporcionalidade. Analisemos No já identificado douto Acórdão da RP de 27/09/2022, consignou-se que ocorrendo, relativamente a determinados valores, o uso indevido do procedimento de injunção, tal configura “erro na forma de processo e como decorre do art.º 193.º do C.P.Civil, o que constituiu uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, cfr. art.ºs 576.º, n.º2, 577.º n.º 1 al. b) e 578.º, todos do C.P.Civil e art.º 14.º-A n.º 2 al. a) do Regime dos Procedimentos a que se refere o art.º 1.º do DL n.º 269/98 de 1.09, e “… importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei”, todavia, “…não devem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu””. Donde, decidiu no sentido de não censurar a decisão recorrida, “ao indeferir liminar e parcialmente o título executivo dado à execução” (sublinhado nosso). Por sua vez, no igualmente já referenciado douto aresto da mesma RP de 08/11/2022, defendeu-se, relativamente a duas quantias peticionadas em procedimento injuntivo, ocorrer “falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é a falta de título exequendo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ter passado a fase liminar. Na situação dos autos está-se perante uma cumulação objetiva de pedidos, a que é aplicável, ex vi do disposto no art 555ºnº 1 do CPC, a disposição do art 37º, referente aos obstáculos à coligação, onde se dispõe que «a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes». É o caso do pedido referente à cláusula penal e da indemnização pelas despesas peticionadas, pois, como acima já se acentuou, tal pedido não pode “tout court” ser exigido através de injunção – corresponde-lhe forma de processo diferente do procedimento processual da injunção, o que sucede por razões de finalidade. O recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, acarreta erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso que pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, implicando o indeferimento liminar parcial da execução, nos termos dos artigos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC, tal como se entendeu na decisão recorrida que urge confirmar” (sublinhado nosso). Perfilhando idêntico entendimento, referencia-se no douto Acórdão da RE de 15/09/2022 – Relator: Tomé de Carvalho, Processo nº. 2274/20.1T8ENT.E1, in www.dgsi.pt – que havendo inadequação do procedimento de injunção para a formulação de um pedido de indemnização, o vício traduz-se numa excepção dilatória inominada. Desta forma, a injunção à qual foi aposta fórmula executória, nestas circunstâncias, está afectada do vício que constitui excepção dilatória inominada, justificativa do indeferimento liminar da execução. Pelo que, aduz-se, tendo por base o prescrito nos artigos 726º e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil, importa aferir se a execução se extingue in totum, ou apenas em parte. Ora, “neste particular, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e se encontra apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada. (…). Em síntese, esta pretensão extravasa o objecto contratual admissível nos procedimentos de injunção, dá origem a uma excepção dilatória inominada e isso implica que nesta parte a decisão seja mantida, mas na parte restante a empresa recorrente dispõe de um título válido e suficiente para prosseguir a acção executiva (sublinhado nosso). Em sentido divergente, concluindo pelo não aproveitamento do título executivo, na parte em que os valores nele elencados respeitam a autênticas e efectivas obrigações estritamente pecuniárias, pronunciou-se o douto Acórdão da RE de 28/04/2022 – Relator: Mata Ribeiro, Processo nº. 2948/21.0T8LLE.E1, in www.dgsi.pt. Referenciou-se neste que, tendo a exequente “optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, não sendo tal atuação compatível com a natureza do procedimento, existe um efetivo vício que constitui exceção dilatória inominada, afetando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. Resulta, assim, que a formação do título dado à execução está, como salienta o Julgador a quo, inquinada, que tem como consequência a sua invalidade, donde não possui os requisitos legalmente exigidos para alicerçar a pretensão executiva” (sublinhado nosso). Este entendimento é perfilhado pelo já identificado douto aresto da RP de 18/06/2024, que, corroborando a decisão ali apelada, referencia que “tendo a ora exequente/apelante, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, tal atuação manifestamente não é compatível com a natureza de tal procedimento, verificando-se “ab initio” um vício que constitui exceção dilatória inominada, inquinando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção (…). (…) E assim sendo, estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ultrapassar a fase liminar porque, em sede execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do C.P.Civil (sublinhado nosso). Expostos os diferenciados entendimentos, quid júris ? Estando-se perante excepção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afectadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou (tendo por base o requerimento injuntivo), o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, a repercussão no processo executivo deve ser a de indeferimento liminar total da execução ? Ou, impõe-se antes a aproveitabilidade e utilização do título na parte remanescente, relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de um pedido não admissível, com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial ? Ora, somos sensíveis ao imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como à adopção de um princípio de aproveitabilidade dos actos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relativa ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo. Tal solução parece, ainda, justificada pela circunstância de, em muitas situações, a parte do pedido afectadora do procedimento injuntivo configurar-se, relativamente à parte remanescente válida, de muito menor relevância, o que acentua a necessidade de salvaguarda do título constituído na parte em que o mesmo se reporta à tutela do incumprimento de concretas obrigações pecuniárias estritamente emergentes de um contrato. Todavia, in casu, analisando-se o requerimento injuntivo, constata-se que o montante peticionado reporta-se a apenas uma alegada factura em dívida – no valor de 1.312,91 €, datada de 11/10/2014 e vencida em 01/11/2014. Resulta com evidência do teor das alegações recursórias, que a Exequente Apelante não nega que através dessa factura, que fundamenta o procedimento injuntivo, é peticionado o pagamento de valor relativo a cláusula penal (para além das despesas de cobrança que figuram no mesmo requerimento de injunção), antes aceitando tal realidade. Porém, não constando a mesma factura dos autos, desconhece-se se parte do valor total peticionado na mesma se reporta a pedido e valor admissível no âmbito injuntivo (verdadeira prestação pecuniária) e, na afirmativa, qual a parcela do valor total correspondente. Ónus que, claramente, incumbia à Exequente Recorrente, mas que o não cumpriu minimamente, pelo que não pode o presente Tribunal reconhecer uma qualquer parte remanescente válida do título em execução, de forma a concluir, apenas, pela sua parcial rejeição, com consequente determinação do prosseguimento dos autos executivos relativamente ao valor com legal suporte. Tal como sumariado no já identificado aresto desta Relação e Secção de 10/10/2024 – Processo nº. 5765/24, Relator: João Paulo Vasconcelos Raposo, no qual figuraram como Adjuntos o ora Relator e 2ª Adjunta -, “quando da literalidade do requerimento injuntivo, havendo referência a cláusula penal, não seja possível estabelecer que não foram computados valores relativos à mesma, ou não seja possível segmentar as obrigações diretamente emergentes do contrato, deve a execução ser rejeitada na totalidade, não havendo lugar à sua redução”. O que determina, neste contexto, e ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, juízo de total improcedência das conclusões recursórias. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas da presente apelação serão suportadas por Exequente/Recorrente/Apelante. *** IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Exequente/Recorrente/Apelante NOS COMUNICAÇÕES, S.A., em que figura como Executado/Recorrido/Apelado A..............................; b) Em consequência, e ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, confirma-se a decisão apelada ; c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas da presente apelação serão suportadas por Exequente/Recorrente/Apelante. -------- Lisboa, 05 de Dezembro de 2024 Arlindo Crua Susana Mesquita Gonçalves Rute Sobral (vencida, conformo voto infra) VOTO DE VENCIDA: Voto vencida por entender que o juiz da execução não dispõe da faculdade de conhecimento oficioso da exceção de recurso indevido a procedimento (declarativo) de injunção, considerando que não se enquadra na apreciação de “manifesta falta ou insuficiência do título”, prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 726º, CPC, ou em qualquer outro dos fundamentos de indeferimento do requerimento executivo previstos naquela norma. Assim, embora aderindo ao entendimento francamente maioritário de que o procedimento de injunção foi legalmente configurado para a formação de título executivo quanto a obrigações estritamente pecuniárias (em que não se incluem as decorrentes de cláusula penal contratualmente estipulada), entendo que uma vez conferida força executória a requerimento de injunção, o controlo judicial, no processo executivo, a efetivar por via do regime do artigo 726º CPC (que pode ocorrer até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, nos termos do artigo 734º, CPC) é, efetivamente, um controlo formal, de desconformidade entre o título executivo e o direito que o exequente pretende efetivar, ou de formação daquele título executivo sem observância dos pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito. Porém, julgo que se mostra vedada uma apreciação substantiva da formação de tal título à margem da oposição à execução por parte do executado. As alterações operadas pela Lei 117/2019, de 13-09, ao artigo 857º, CPC, bem como a introdução do artigo 14ºA no Dl 269/98, resolvendo questões de inconstitucionalidade que vinham sendo suscitadas, evidenciam que foi intenção do legislador conferir maior amplitude aos meios de defesa que o executado pode invocar quando o título executivo seja constituído por requerimento de injunção (em linha com a consideração legalmente assumida de que não se trata de ato jurisdicional, mas sim de título obtido em fase desjurisdicionalizada). Certo é que, não obstante tais alterações no âmbito do alargamento dos fundamentos de defesa, não foi efetuada qualquer alteração legal que permita concluir que o uso indevido de procedimento de injunção tenha passado a ser objeto do controlo oficioso do juiz de execução. Afigura-se, pois, que a possibilidade de tal controlo oficioso não resulta do artigo 726º, nº 2, CPC, designadamente da sua alínea a) e, a ser admitido, permitirá uma apreciação jurisdicional sobre a exigibilidade da quantia exequenda à margem dos incidentes declarativos legalmente previstos para o efeito, suscetível de descaraterizar os fundamentos e a tramitação própria da ação executiva, cujo ponto de partida é a realização de uma prestação já declarada ou “acertada” no título executivo, e que apenas pode ser abalada com a introdução em juízo (e em incidente declarativo) dos - amplos – fundamentos de defesa legalmente estabelecidos. No caso, perante a absoluta coincidência entre a obrigação exequenda constante do título executivo (injunção) e a quantia exequenda mencionada no requerimento executivo, não pode afirmar-se que ocorre a falta ou insuficiência do título ou qualquer exceção dilatória não suprível, de conhecimento oficioso. Com interesse para a questão em análise, refere Joel Timóteo, Revista Julgar nº 18, setembro-dezembro de 2012, p. 114: “Assim, salvo se a fórmula não estiver adequadamente aposta ou o despacho respetivo não estiver datado, assinado e autenticado pela entidade à qual foi atribuída competência para o efeito, não será admissível a recusa do requerimento executivo fundado na insuficiência do título executivo, porque este basta-se com o preenchimento dos requisitos previstos no art. 14.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ex vi art. 46.º, al. d), do CPC.” Pelo exposto, aderindo aos fundamentos do voto de vencida proferido no processo nº 5660/24.4T8SNT.L1 deste Tribunal e Secção em 21-11-2024, bem como ao decidido no Acórdão da Relação do Porto proferido no processo nº 2432/20.9T8VLG-Ap1, junto pelo recorrente, julgaria procedente o recurso, revogando a decisão recorrida que rejeitou a execução, ordenando o seu prosseguimento. Rute Sobral _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma. [3] Cf., o douto Acórdão desta Relação de 17/12/2015, Relatora: Maria Teresa Albuquerque, Processo nº. 122528/14.9YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt . [4] Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 126 e 127. [5] Idem, pág. 135 a 137. [6] Referem, ainda, o mesmo Autor e obra – fls. 138, nota 27 -, que os tribunais franceses vêm recusando a aplicação do princípio do contraditório “nos casos em que o tribunal se limita a retificar a qualificação feita pelas partes”. Acrescenta, porém, que tal só é de aceitar na medida em que “não acarrete a aplicação duma norma jurídica diversa ou, acarretando-a, os efeitos desta norma não sejam substancialmente diversos dos da norma precedentemente considerada, caso em que é indiscutível que nos encontramos perante uma nova questão de direito” (sublinhado nosso). [7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 19 e 20. [8] Idem, pág. 20. [9] A nulidade processual cometida está a coberto de decisão judicial “que se lhe seguiu, que a sancionou e confirmou, pelo que o meio processual próprio para a arguir não é a reclamação, podendo o vício em causa ser objecto de recurso e ser declarado por esta Relação” – assim, o douto aresto da RP de 24/09/2015 - Relatora: Judite Pires, Processo nº. 128/14.0T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt -, o qual cita jurisprudência e doutrina neste sentido. [10] Doutrinariamente, no mesmo sentido, referencia Manuel de Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 183 - que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”. Referenciava, igualmente, Antunes Varela - Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, p. 393 - que, “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. Ainda perfilhando idêntica posição, defendia Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, p. 134 - que, “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”. |