Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2800/25.0YRLSB-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGISTO CIVIL
LEGITIMIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Os processos de revisão de decisões estrangeiras que se limitaram a, por mútuo acordo, dar origem ao divórcio, em que não existe réu e em que a revisão se destina a determinar o averbamento do novo estado no registo civil português, não têm de ser propostos contra o outro requerente de tal divórcio, nem contra o Estado.
II – Aqueles que decidiram ou requereram o divórcio por mútuo acordo e que não tenham interesse em tal registo não têm de ser requerentes nos processos de revisão, até porque não podem ter interesse legítimo em pôr em causa uma decisão que foi por eles proferida ou que foi proferida num processo em que foram parte (estando assim vinculados por ela sob pena de abuso de direito por agirem contra facto próprio: art. 334 do CC; tal como o estão os seus sucessores enquanto tais).
III – A revisão da sentença estrangeira com vista ao averbamento do registo civil do novo estado da pessoa, imposta pelo art. 7/1 do CRC, basta-se com a intervenção do MP para garantia da não contraditoriedade aos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado (art. 982/1 e 985/2 do CPC) e da verificação de alguns dos requisitos referidos a seguir, e com o controlo oficioso pelo tribunal da verificação dos requisitos exigidos pelo art. 980 do CPC, previsto no art. 984 do CPC.
IV – Em suma, um divorciado pode pedir sozinho a revisão de uma decisão estrangeira de divórcio puro, sem ter de estar acompanhado do seu ex-cônjuge (ou dos seus herdeiros se este entretanto tiver falecido) e sem ter de deduzir o pedido de revisão contra ele ou contra os seus herdeiros ou contra o Estado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:

AA, cidadã luso-brasileira, intentou contra o seu ex-marido RR, cidadão brasileiro, a presente acção especial, pedindo que seja revista e confirmada a decisão tomada por eles de se divorciarem, constante da escritura de divórcio consensual, outorgada em 26/10/2016, no Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos, da cidade e comarca de C, do Estado de São Paulo, da República Federativa do Brasil, do que resultou o seu divórcio com a consequente dissolução do vínculo conjugal (tudo conforme certidão da dita escritura, junta aos autos com o requerimento inicial; o casamento está registado em Portugal sob o assento 0000/2016 do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, tudo conforme certidão desse assento também junta; quer o casamento quer a escritura de divórcio estão registados também no registo civil brasileiro conforme certidão brasileira de casamento também junta).
A 15/09/2025 foi facultado o processo para alegações ao MP com base num despacho da mesma data com o seguinte teor: Visto que se trata de rever um simples divórcio por mútuo consentimento, obtido num processo sem réu, e que a revisão imposta pelo art. 7/1 do CRP se basta com a intervenção do MP e do juiz, sem necessidade de réu, nem a presença do outro requerente/autor do divórcio, tal como defendido no ac. deste TRL de 26/05/2025, proc. 1179/25.4YRLSB-2, faculte desde já o processo para alegações ao MP.
A 26/09/2025, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta veio, nos termos dos artigos 981, 188/1-a e 630/2, todos do CPC, arguir a nulidade de falta de citação do requerido, com a seguinte fundamentação, na parte que importa:
Foi dispensada/ omitida a citação do requerido por despacho de 15.9.2025 do qual o Ministério Público discorda, sendo que, além do mais, a acção foi configurada pela requerente/ autora, como tendo do lado passivo o seu ex-marido.
A falta de citação do requerido colide com o princípio do contraditório (artigo 630/2 do CPC).
Assim, requer-se que seja verificada a referida nulidade processual […] e subsequentemente, se ordene a citação do requerido.
*
Os factos relevantes para a decisão da pretensão da requerente e da arguição da nulidade são os que antecede e os daquela são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.
*
Da nulidade
A arguição da nulidade improcede porque o que pode estar em causa é um erro de interpretação da lei pelo juiz e não uma nulidade. Se o juiz entende que o processo não tem de ser intentado contra nenhum réu, não tem razão de ser exigir a citação do réu, porque, senão, está-se a dar como pressuposto que a interpretação do juiz está errada, sendo necessária a existência de um réu no processo.
Assim, não se verifica a nulidade da falta de citação do réu, sem prejuízo de poder estar errada a sentença que se segue, por dispensar a existência de um réu.
*
Posto isto, vai-se fundamentar melhor a posição que levou a que fosse desde já facultado o processo para alegações ao MP.
E para o efeito vai-se partir daquela que é a verdadeira objecção do MP.
Parafraseando a posição assumida pelo MP no processo 1179/25.4YRLSB-2, que foi contrariada por um acórdão já transitado em julgado porque o MP não recorreu contra ele, o MP diria:
Concordamos com a jurisprudência que tem vindo a defender que neste tipo de acções é indiferente que as partes figurem todas no lado activo, sem existência de requeridos (por haver coincidência de interesses), ou que figurem umas no lado activo e outras no lado passivo (neste sentido, ver a decisão singular do TRL de 04/10/2011, proc. 529/11.5YRLSB-1).
O importante é que que todos os afectados estejam na acção, como também se defende nessa jurisprudência.
A legitimidade é o pressuposto processual através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo, e afere-se pelo interesse em demandar ou contradizer a acção (artigo 30.º, n.º 1 e 2 do CPC).
A legitimidade afere-se por um juízo ex ante, feito em abstracto, em face da acção tal como o autor a configura.
Neste caso, tal como a requerente configurou a acção, tem interesse na demanda e/ou em contradizê-la, a parte que figura na acção que se pretende rever e que pode ser, de alguma forma, “afectadas” pelo seu reconhecimento, independentemente de na acção original terem sido autores ou réus, requerentes ou requeridos.
A relação diz respeito, neste caso, a 2 pessoas e são essas pessoas que têm de figurar nesta acção (ou caso de uma delas já ter falecido, os restantes herdeiros).
Em suma, verifica-se, neste caso, uma situação de litisconsórcio necessário, que exige a intervenção no processo dos titulares da relação material em questão, sendo a falta de algum deles motivo de ilegitimidade, nos termos dos art. 30 e 33/1 do CPC, uma vez que ambos foram parte no processo onde foi proferida a sentença cuja revisão é requerida e a sua revisão e confirmação em território português é algo que diz respeito a ambos, não lhes sendo indiferente.
Ou seja, o MP entende que um processo de revisão de sentença de divórcio tem de ser intentado contra o ex-cônjuge que não é requerente do processo de revisão, ou contra os seus herdeiros no caso de ele já ter falecido. Ou, pelo menos, que os dois divorciados (ou os seus herdeiros) têm de ser requerentes do processo de revisão, para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal, sendo que esta só produz o seu efeito útil normal se, não vinculando embora os restantes interessados, puder regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado e só o pode fazer se ambos intervierem no processo. Isto tendo em conta o disposto no art. 33/2-3 do CPC.
*
Antes de mais, tenha-se em conta que esta acção existe apenas por força do art. 7/1 do Código do Registo Civil: As decisões dos tribunais estrangeiros relativas ao estado ou à capacidade civil dos Portugueses, depois de revistas e confirmadas, são directamente registadas por meio de averbamento aos assentos a que respeitam.
E, tendo em conta o teor do art. 6/1 do CRC -: Os actos de registo lavrados no estrangeiro pelas entidades estrangeiras competentes podem ingressar no registo civil nacional, em face dos documentos que os comprovem, de acordo com a respectiva lei e mediante a prova de que não contrariam os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português – e dos artigos 980 e 982, 984 e 985 do PC, vê-se o porquê da exigência do processo de revisão: o Estado português tem interesse no respeito pelos princípios fundamentais da sua ordem pública internacional e na verificação dos requisitos da revisão e daí que imponha o processo de revisão, onde o MP e o juiz vai intervir para controlar em conjunto a verificação dos requisitos do art. 980 do CPC e a não violação daqueles princípios fundamentais.
Aquele art. 7/1 do CPC não exige, por isso, a intervenção de nenhum réu neste processo, nem exige litisconsórcio entre todas os requerentes do processo de estado ou como réus ou como autores. A eventual intervenção de algum réu ou de outra pessoa para além do requerente, só poderá decorrer da exigência de outras normas.
*
Quanto à necessidade da existência de um réu:
Réu na acção de revisão de sentença estrangeira “é a pessoa contra a qual se pretende fazer valer a sentença a rever e confirmar, e que é, naturalmente, a parte contra quem foi proferida a sentença (ou a pessoa que lhe sucedeu).” (Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág. 197).
Mas, se nem sempre a sentença é proferida contra alguém – assim, por exemplo, num processo sem réus, como o processo de divórcio por mútuo consentimento (em Portugal, artigos 994 a 999 do CPC) - não tem de haver sempre um réu num processo de revisão de sentença estrangeira.
É esta, de há muito, a posição consensual da jurisprudência das relações, depois de se ter estabilizada a posição defendida no ac. do TRP de 12/06/1984, com sumário publicado no BMJ 338, pág. 471, Recurso n.º 18710 (com 2 votos de vencido em 5): I - A lei não prevê a hipótese de a confirmação da sentença estrangeira ser pedida por todos os interessados na decisão a rever, mas também a não proíbe. II - O tribunal limita-se a fiscalizar o preenchimento dos requisitos legais necessários à confirmação, não importando que as partes estejam de acordo ou em desacordo quanto a essa confirmação. III - Assim, não obsta à confirmação de sentença estrangeira de divórcio, o facto de a mesma ter sido requerida por ambos os cônjuges.
Assim, veja-se, por exemplo, o ac. do TRC de 03/10/2006, proc. 11/06.2YRCBR; a decisão singular do TRL de 04/10/2011, proc. 529/11.5YRLSB-1, para um tipo de situação paralelo: “1\ Na acção de revisão de sentença estrangeira não é imprescindível a existência de demandados. 2\ Os adoptantes e adoptado devem requerer em conjunto, e sem indicação de requerido, a revisão e confirmação da sentença estrangeira de adopção.” Assim, nesta decisão singular, tinham sido demandados os pais biológicos, a decisão singular julgou-os parte ilegítima (ficando sem réu na acção), absolveu-os da instância e facultou o processo ao MP para alegações.; a decisão sumária do TRC de 06/10/2020, proc. 136/20.1YRCBR; o acórdão do TRL de 24/10/2024, proc. 2202/24.5YRLSB-2, com um voto de vencido mas não sobre esta questão; o ac. do TRL de 21/11/2024, proferido no processo 2588/24.1YRLSB-2; o ac. do TRE de 13/03/2025, proc. 3/25.2YREVR; o ac. do TRE de 07/11/2024, proc. 198/24.2YREVR; e o ac. do STJ de 25/03/2025, proc. 3260/24.8YRLSB.S1, que se pronunciou contra a desnecessidade de os pais biológicos serem parte no processo de revisão, num processo em que só eles tinham sido demandados, pelo que, em consequência, o processo também seguiu sem réus.
Isto porque, como se diz na decisão singular de 2011, “nem sempre a atribuição de eficácia à sentença estrangeira visa a possibilidade de a fazer impor a outrem; de a fazer valer contra outrem. Com efeito, situações há em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro. Ora, nesses casos, a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. Pelo que a mesma não terá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade e dos princípios de ordem pública)”.
Isto é assim apesar da posição de Alberto dos Reis que diz que naqueles casos, apesar de não haver propriamente um vencido nem um vencedor, continuaria a haver um réu, que é a pessoa contra quem a revisão é pedida (mesma obra e local citados acima). Ou seja, este Professor pressupõe que tem de haver sempre um réu, e por isso força a qualificação do réu, que, afinal, deixa de ser aquele contra quem se pretende fazer valer a sentença, para passar a ser aquele contra quem é requerida a revisão, mesmo que a sentença não tenha sido proferida contra ele, mas não demonstra a necessidade de assim ser e, por isso, como se disse, a posição em causa não tem sido considerada obstáculo à tese da desnecessidade de réu (de qualquer modo, a posição deste autor teria sentido para outras situações, pois que na maior parte dos casos de divórcio por mútuo consentimento, para mais no tempo em que a obra em causa foi escrita – 1955 -, a sentença não decreta só o divórcio, decidindo outras questões, em relação às quais se pode facilmente dizer que haverá normalmente interesse em fazer valer tal sentença contra com o outro ex-cônjuge).
E visto que há processos sem réus, como por exemplo, já se viu, o processo de divórcio por mútuo consentimento, não pode ser uma posição de princípio a impor a tese de que tem de haver sempre réus, esquecendo-se a realidade de que o processo de revisão de sentença estrangeira pode dizer respeito a sentenças proferidas sem réus ou seja, sentenças que não são proferidas contra ninguém. Ou dito de outro modo, não há razão para que não se aceite que um processo de revisão de sentença diga respeito a sentenças obtidas em processos de jurisdição voluntária, caso em que se impõem as devidas adaptações, no caso, a desnecessidade da existência de réu, se for o caso.
*
Quanto à necessidade do outro ex-cônjuge também ser autor:
A imposição da presença de alguém como autor/requerente da revisão, só pode decorrer da existência de uma norma, um negócio ou a natureza da relação a impor essa intervenção (art. 33 do CPC).
Tem-se entendido que quem quer que tenha sido parte no processo que deu origem à sentença a rever é necessariamente parte na relação que está em causa no processo que tenha por objecto a revisão dessa sentença e que, por isso, tem de ser parte nesta acção, como requerente, isto com base no raciocínio já acima exposto, de que, se assim não for, a sentença de revisão não produz o seu efeito útil normal, ou seja não regula definitivamente a situação daquele que pediu a revisão, porque não vincula os outros interessados nessa relação (ou seja, haveria um litisconsórcio activo necessário natural – art. 33/2-3 do CPC).
Aceitando-se que assim é, na normalidade dos casos, no caso do tipo de sentenças que está em causa nos autos, tal entendimento não deve levar à necessidade da intervenção do outro ex-cônjuge.
É que ex-cônjuge está vinculado pelo comportamento que assumiu no processo de divórcio e por isso não pode ter interesse legítimo em pôr em causa a pretensão do requerente da revisão da decisão de divórcio em a fazer valer noutro país. O interesse que pudesse ter nisso seria ilegítimo e não poderia ser invocado, por abuso de direito (art. 334 do CC). E o mesmo se diga dos sucessores daquele, já que estes apenas interviriam neste processo nessa qualidade, de sucessores, pelo que não poderiam defender interesses diferentes daqueles a quem sucederam.
Neste sentido, por exemplo, veja-se o ac. do STJ de 29/02/2024, proc. 2985/22.7YRLSB.S1: IV. Age em abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, o requerido ao afirmar que estava no seu direito ao ter intentado a acção de divórcio nos tribunais competentes, tendo de seguida requerido o Talaq, pretendendo com isso salvaguardar “as suas convicções religiosas”, e, simultaneamente, deduzindo oposição ao reconhecimento dessa mesma decisão Talaq.; foi confirmado o ac. do TRL de 06/07/2023, proc. 2985/22.7YRLSB-6.
Em suma: aquele que tomou parte activa na decisão de divórcio ou que foi requerente de um processo sem requerido em que foi proferida uma sentença de divórcio, não pode querer que ela se aplique só num dado país ou que não se aplique apenas num certo país. Ele está vinculado pela decisão de divórcio e nunca poderia vir invocar em Portugal que foi preterido indevidamente da intervenção no processo de revisão porque teria o direito de se opor à mesma, para que a decisão brasileira de divórcio não pudesse ter eficácia em Portugal.
Assim, a sentença de revisão, no caso de decisões proferidas num processo sem réu, produz o seu efeito útil normal mesmo sem a intervenção daqueles que participaram no processo que levou à sentença.
Pelo que é desnecessária a participação do outro ex-cônjuge no processo de revisão.
*
Assim, neste tipo de processos e casos (em que é feito valer um estado da pessoa resultante de uma decisão proferida num processo sem partes), é apenas a pessoa que tiver interesse na revisão da decisão que tem de intervir na acção, não qualquer outro participante na relação subjacente para o qual o registo e a eficácia da sentença noutro país lhe é completamente indiferente.
Isto deve levar ao entendimento de que nos processos de divórcio por mútuo consentimento, em que a decisão diga respeito exclusivamente ao divórcio e se pretenda a revisão apenas para o registo da sentença no registo civil português, não é necessária a intervenção do ex-cônjuge para quem é indiferente a revisão.
Daí que, por exemplo, no CPC brasileiro, diferentemente do que dispõe para as outras sentenças estrangeiras, se disponha, no art. 961 § 5º, que “A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.”, pelo que pode ser registada no registo civil sem mais nada. Neste sentido, veja-se a notícia de 19/05/2016 publicada no sitio do STJ brasileiro: “A sentença estrangeira de divórcio consensual, que não precisa mais ser homologada pelo STJ, deve ser levada diretamente ao cartório de registro civil, pelo próprio interessado, para averbação. O procedimento dispensa a assistência de advogado ou defensor público.” (a notícia para além do mais remete para o Provimento n.º 53, de 16/05/2016, que “Dispõe sobre a averbação direta por oficial de registro civil das pessoas naturais da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, no assento de casamento, independentemente de homologação judicial.”) E nada disto, evidentemente, exige a participação do outro ex-cônjuge.
Em Espanha, tendo em conta o artigo 96 da Ley 20/2011, de 11/06, do Registro Civil (está-se a utilizar a versão consolidada em 2021), um divórcio consensual estrangeiro, transitado em julgado ou definitivo, em que ambos os cônjuges participaram, pode ser registado mediante requerimento ao registo civil, desde que não seja conflituante com a ordem pública espanhola (se o oficial registo civil entender que conflitua decide nesse sentido e os interessados ou afectados poderão recorrer judicial ou contenciosamente), sem ter que passar por um reconocimiento y ejecución de resoluciones judiciales y documentos públicos extranjeros, del procedimiento de exequátur y de la inscripción en registros públicos, regulado na Ley 29/2015, de 30 de julio, de cooperación jurídica internacional en materia civil, ou seja, sem exigência de acção judicial nem de qualquer notificação do ex-cônjuge (desde que não seja afectado por ele, por exemplo, com uma condenação qualquer).
(Aqui como de seguida, utilizou-se, quase sempre sem modificações, a tradução automática google dos textos estrangeiros; mais à frente, para não tornar demasiado extenso esta sentença, deixaram-se de transcrever os textos estrangeiros porque todos eles constam dos sítios para os quais se colocaram links)
Aquele artigo 96 tem o seguinte teor:
Artículo 96. Resoluciones judiciales extranjeras.
1\ Sólo procederá la inscripción en el Registro Civil español de las sentencias y demás resoluciones judiciales extranjeras que hayan adquirido firmeza. Tratándose de resoluciones de jurisdicción voluntaria, éstas deberán ser definitivas. En el caso de que la resolución carezca de firmeza o de carácter definitivo, únicamente procederá su anotación registral en los términos previstos en el ordinal 5.º del apartado 3 del artículo 40 de la presente Ley.
2\ La inscripción de las resoluciones judiciales extranjeras se podrá instar:
1.º Previa superación del trámite del exequátur contemplado en la Ley de Enjuiciamiento Civil de 1881. Hasta entonces sólo podrán ser objeto de anotación en los términos previstos en el ordinal 5º del apartado 3 del artículo 40 de la presente Ley.
2.º Ante el Encargado del Registro Civil, quien procederá a realizarla siempre que verifique:
a) La regularidad y autenticidad formal de los documentos presentados.
b) Que el Tribunal de origen hubiera basado su competencia judicial internacional en criterios equivalentes a los contemplados en la legislación española.
c) Que todas las partes fueron debidamente notificadas y con tiempo suficiente para preparar el procedimiento.
d) Que la inscripción de la resolución no resulta manifiestamente incompatible con el orden público español.
El Encargado del Registro Civil deberá notificar su resolución a todos los interesados y afectados por la misma. Contra la resolución del Encargado del Registro Civil los interesados y los afectados podrán solicitar exequátur de la resolución judicial o bien interponer recurso ante la Dirección General de los Registros y del Notariado en los términos previstos en la presente Ley. En ambos casos se procederá a la anotación de la resolución en los términos previstos en el ordinal 5º del apartado 3 del artículo 40, si así se solicita expresamente.
3\ El régimen jurídico contemplado en el presente artículo para las resoluciones judiciales extranjeras será aplicable a las resoluciones pronunciadas por autoridades no judiciales extranjeras en materias cuya competencia corresponda, según el Derecho español, al conocimiento de Jueces y Tribunales.
[Artigo 96.º Decisões de Tribunais Estrangeiros. 1\ Apenas as sentenças e outras decisões judiciais estrangeiras transitadas em julgado podem ser registadas no Registo Civil Espanhol. No caso de decisões sob jurisdição voluntária, estas devem ser definitivas. Caso a decisão não seja não tenha transitado em julgado ou não seja definitiva, só será anotado no registo nos termos previstos no n.º 5 do artigo 3.º do artigo 40.º da presente Lei. 2\ O registo de decisões judiciais estrangeiras pode ser requerido: 1.º Após a conclusão do procedimento de exequatur previsto na Lei de Processo Civil de 1881. Até então, só poderão ser registados nos termos previstos no n.º 5 do artigo 3.º do artigo 40.º da presente Lei. 2.º Perante o Oficial do Registo Civil, que o fará desde que verifique: a) A regularidade formal e a autenticidade dos documentos apresentados. b) Que o tribunal de origem fundamentou a sua competência internacional em critérios equivalentes aos previstos na legislação espanhola. c) Que todas as partes foram devidamente notificadas e tiveram tempo suficiente para preparar o processo. d) Que o registo da decisão não seja manifestamente incompatível com a ordem pública espanhola. O Oficial de Registo Civil deve notificar a sua decisão a todos os interessados ​​​​e aos afetados por ela. Os interessados ​​​​e os afetados podem requerer o exequatur da decisão judicial contra a decisão do Oficial de Registo Civil ou interpor recurso para a Direção-Geral dos Registos e do Notariado, nos termos previstos nesta Lei. Em ambos os casos, a decisão deverá ser averbada nos termos previstos no n.º 5 do artigo 40.º, se expressamente solicitado. 3\ O regime jurídico previsto neste artigo para as decisões judiciais estrangeiras aplica-se às decisões proferidas por autoridades não judiciais estrangeiras em matérias cuja competência, segundo a legislação espanhola, seja da competência dos juízes e dos tribunais.]
Teve-se em conta, entre outros o artigo de Nuria Marchal Escalona, Catedrática de Derecho Internacional Privado de la Universidad de Granada, de 24/06/2021, De la inscripción en el Registro Civil español de las sentencias y resoluciones extranjeras [https://www.legaltoday.com/practica-juridica/derecho-civil/civil/de-la-inscripcion-en-el-registro-civil-espanol-de-las-sentencias-y-resoluciones-extranjeras-2021-06-24/]; e o post Inscripcion de las resoluciones judiciales extranjeras en el registro civil publicado a 29/07/2021 no blog https://www.litigiosdepareja.com/nueva-regulacion-del-exequatur/ em que se transcreve uma decisão de um tribunal superior que revoga o auto nº 249/2022 de fecha 8 de julio de 2022, dictado por el Juzgado de Primera Instancia nº 29 de Madrid, en Autos de Exequatur nº 144/2022, que não considerou a possibilidade de duas vias alternativas para a pretensão da inscrição da decisão boliviana no registo civil. A decisão só revela a presença de uma interessada em todo o processo, mesmo estando, no caso, em causa o processo de exequatur e não o requerimento perante o oficial de registo civil.
*
Em Itália aplicam-se os artigos 64, 65, 66 e 67 da Lei 218/1995 (Código de Direito Internacional privado), um decreto presidencial e o art. 125 da Lei do Registo Civil, referidos abaixo, do que resulta que a transcrição das sentenças ou resoluções de divórcio estrangeiras (entre outras) é feito directamente no registo civil italiano, a pedido de qualquer dos cônjuges interessados, sem qualquer referência à comparticipação do outro ou à necessidade de citação dele. Só quando surge um incumprimento ou um litígio é que é necessário recorrer ao tribunal, para certificar a verificação dos requisitos de reconhecimento.
Isto tendo em conta o que decorre do que segue:
No sítio da ANUSCA (Associação Nacional de Oficiais de Registro Civil e Estado Civil) https://www.anusca.it/flex/cm(pages)ServeBLOB.php/L/IT/IDPagina/11189 diz-se
As sentenças proferidas por uma autoridade judiciária estrangeira ou as disposições estrangeiras relativas ao estado civil podem ser tornadas efectivas na Itália por meio de transcrição nos Registros de Estado Civil: o Oficial de Estado Civil do Município italiano responsável pelo exame do conteúdo das sentenças ou disposições estrangeiras procede à verificação da existência das condições estabelecidas pela lei e, em caso de resultado positivo, procede à sua transcrição nos registros de estado civil .
E segue com a referência seguinte:
Do site do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, "Reconhecimento de Sentenças Estrangeiras (Divórcio, Adopção, Mudança de Nome ou Sobrenome, ou Outros):
O Direito Internacional Privado nº 218/1995 prevê, como regra geral, a eficácia automática na Itália de sentenças estrangeiras que atendam a certos requisitos básicos de compatibilidade com o direito italiano. Uma excepção é o reconhecimento na Itália de sentenças estrangeiras relativas à adopção de menores, para o qual consulte a seção dedicada. As decisões de jurisdição voluntária devem ser registradas no município italiano competente. As sentenças estrangeiras, desde que legalizadas e traduzidas para o italiano, podem ser submetidas para registro na Itália: ao município italiano, directamente pelo interessado; ou ao Consulado Italiano em cuja jurisdição a sentença foi proferida. Para solicitar o registro, é necessário apresentar um documento de identidade válido e apresentar: um pedido de transmissão da sentença na forma de uma autocertificação nos termos do art. 47 do Decreto Presidencial 445/2000, certificando a existência dos requisitos estabelecidos no artigo 64 da Lei 218/1995, declarando que a sentença não é inconsistente com outras sentenças proferidas por um juiz italiano e que não há nenhum processo pendente perante um juiz italiano sobre a mesma matéria e entre as mesmas partes; uma cópia integral da sentença, devidamente autenticada e traduzida, que atenda aos requisitos estabelecidos no artigo 64. […]
*
Do sítio “normativa” tira-se do CDIP https://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1995-05-31;218 o seguinte
Artigo 64
(Reconhecimento de sentenças estrangeiras)
1. A sentença estrangeira é reconhecida na Itália sem necessidade de qualquer procedimento quando:
a) o juiz que a proferiu poderia ter apreciado a causa segundo os princípios de jurisdição próprios do ordenamento jurídico italiano;
b) o documento que deu início ao processo foi levado ao conhecimento do réu de acordo com as disposições da lei do local onde o processo ocorreu e os direitos essenciais da defesa não foram violados;
c) as partes compareceram em juízo de acordo com a lei do local onde ocorreu o julgamento ou a revelia foi declarada de acordo com essa lei:
d) tenha se tornado definitiva segundo a lei do lugar onde foi proferida;
e) não for contrária a outra sentença proferida por juiz italiano que tenha transitado em julgado;
f) não haja processo pendente perante juiz italiano sobre a mesma matéria e entre as mesmas partes, iniciado antes do processo estrangeiro;
g) suas disposições não produzam efeitos contrários à ordem pública.
Artigo 65
(Reconhecimento de resoluções estrangeiras)
1\ As decisões de jurisdição voluntária estrangeiras relativas à capacidade das pessoas, bem como à existência de relações familiares ou direitos de personalidade, têm efeito na Itália quando proferidas pelas autoridades do Estado cuja lei é referida nas disposições desta lei ou produzem efeitos no sistema jurídico desse Estado, mesmo que proferidas pelas autoridades de outro Estado, desde que não sejam contrárias à ordem pública e os direitos essenciais de defesa tenham sido respeitados.
Artigo 66
(Reconhecimento de
disposições de jurisdição voluntária estrangeira)

1\ As decisões de jurisdição voluntária estrangeira são reconhecidas sem necessidade de qualquer processo, desde que atendidas as condições previstas no artigo 65, quando aplicáveis, quando forem emitidas pelas autoridades do Estado cuja lei é referida nas disposições desta lei, ou produzirem efeitos no ordenamento jurídico desse Estado, mesmo que emitidas pelas autoridades de outro Estado, ou forem emitidas por uma autoridade competente com base em critérios correspondentes aos do direito italiano.
Artigo 67
(Execução de sentenças e despachos estrangeiros de jurisdição voluntária e impugnação de reconhecimento)
1\ Em caso de incumprimento ou impugnação do reconhecimento da sentença estrangeira ou da disposição de jurisdição voluntária estrangeira, ou quando seja necessário proceder à execução forçada, qualquer interessado poderá requerer ((à autoridade judiciária ordinária)) a verificação dos requisitos de reconhecimento.
1-bis. Os litígios referidos no parágrafo 1 são regidos pelo artigo 30 do Decreto Legislativo n.º 150 de 1 de setembro de 2011.
2\ A sentença estrangeira ou a disposição de jurisdição voluntária estrangeira, juntamente com a disposição que aceita o pedido referido no parágrafo 1, constituem o título de execução e execução forçada.
3\ Se a disputa ocorrer durante um julgamento, o juiz que ouve o caso tem efeito limitado ao julgamento.
No sítio diritto.it
Reconhecimento de sentenças estrangeiras de separação e divórcio na Itália e sentenças italianas no exterior diz-se:
[…]
As novas regras que regem a eficácia de sentenças estrangeiras, estabelecidas no Título IV da lei de reforma, substituíram o procedimento de execução anterior. Essas regras também se aplicam ao reconhecimento e à execução em nosso ordenamento jurídico de documentos e ordens estrangeiras de separação e divórcio.
O artigo 64 introduz o reconhecimento automático de sentenças estrangeiras, em virtude do qual a jurisprudência estrangeira é incorporada ao nosso ordenamento jurídico sem a necessidade de qualquer outro procedimento. Isso, é claro, está sujeito às condições expressamente estabelecidas no mesmo artigo. Portanto, a sentença estrangeira pode ser automaticamente incorporada ao direito italiano quando proferida por um juiz competente, de acordo com as atribuições jurisdicionais específicas do nosso ordenamento jurídico.
O artigo 65 da mesma lei prevê que as disposições estrangeiras* relativas à capacidade das pessoas, bem como à existência de relações familiares ou direitos de personalidade, são directamente eficazes na Itália quando emitidas pelas autoridades do Estado cuja lei é referida nas disposições desta lei, desde que não sejam contrárias à ordem pública e os direitos essenciais de defesa tenham sido respeitados.
Esta disposição, portanto, por um lado, permite que a disposição seja reconhecida como um acto jurisdicional estrangeiro e, por outro, permite que a disposição estrangeira também tenha relevância no que diz respeito às relações familiares e ao status do cidadão italiano, uma vez que a jurisdição nesta matéria não pertence mais exclusivamente ao direito nacional.
O mecanismo de reconhecimento automático aplica-se, nos termos da disposição expressa do artigo 66.º desta lei, também às ordens de jurisdição voluntária estrangeira, desde que tenham sido cumpridas as condições impostas pelo artigo 65.º e as ordens tenham sido emitidas pelas autoridades do Estado, cuja lei é referida nas disposições da Lei 218/1995.
Assim, por exemplo, se um cidadão italiano se casa com uma mulher americana e o casal se muda para os Estados Unidos, o decreto de separação ou divórcio, emitido pelas autoridades judiciais dos EUA, pode ser reconhecido directamente na Itália, mesmo que tenha sido emitido por razões desconhecidas pelo nosso sistema jurídico.
[…]
Em última análise, o principal obstáculo ao reconhecimento de sentenças estrangeiras de separação e divórcio continua sendo a ordem pública, conforme contemplado tanto no artigo 64 da lei de reforma quanto no subsequente artigo 65, entendida não como ordem pública interna, mas sim como ordem pública internacional constituída unicamente pelos princípios fundamentais que caracterizam a postura ética e jurídica do sistema jurídico em um determinado período histórico.
Nesse ponto, a jurisprudência amenizou seu rigor original, reconhecendo inclusive o divórcio estrangeiro com base na mera vontade unânime das partes, desde que proferido por órgão judicial.
O artigo 67 estabelece os procedimentos para execução de sentenças estrangeiras e ordens de jurisdição voluntária em casos de descumprimento ou litígio, casos em que a execução é necessária.
A lei prevê, portanto, que qualquer interessado pode requerer ao Tribunal de Recurso do local onde a decisão deve ser executada que se certifique dos requisitos de reconhecimento, a fim de obter a fórmula do exequatur.
A disposição que aceita o pedido, juntamente com a disposição estrangeira, constituirá o título de execução e execução forçada.
Surgiu a questão de saber se o procedimento em questão também era necessário para registrar ou averbar a disposição estrangeira no registro civil.
De facto, o artigo 125 da Lei do Registro Civil [DECRETO REAL 9 de Julho de 1939, n. 1238, Entrada em vigor da disposição: 01/01/1940 (Última actualização do documento publicado em 27/01/2017) - TRL] prevê o registro e a averbação de sentenças que executam sentenças estrangeiras de anulação ou dissolução de casamento no Estado. Assim, esclareceu-se que o Oficial do Registro Civil é obrigado a processar adequadamente o pedido de transcrição, registro ou averbação se considerar que os requisitos estabelecidos na lei alterada, nos artigos 64, 65 e 66, estão preenchidos.
O art. 125 tem, na parte que interessa, o seguinte teor:
Na mesma série C são transcritos:
[…]
6) sentenças definitivas que declarem um casamento nulo ou que rectifiquem de qualquer forma uma certidão de casamento já registrada, e aquelas que tornem executórias no Reino sentenças estrangeiras que declarem a nulidade ou a dissolução de um casamento;
No sítio da embaixada italiana na Argélia https://ambalgeri.esteri.it/it/servizi-consolari-e-visti/servizi-per-il-cittadino-italiano/stato-civile/riconoscimento-di-sentenze-straniere/, diz-se sobre o
Reconhecimento de sentenças estrangeiras (divórcio, adopção, mudança de nome ou sobrenome, ou outras)
- A Lei de Direito Internacional Privado n.º 218/1995 prevê, como regra geral, que as sentenças estrangeiras que preencham certos requisitos básicos de compatibilidade com o direito italiano são automaticamente eficazes na Itália.
No entanto, as disposições estrangeiras devem ser transcritas no município italiano competente.
As sentenças estrangeiras, desde que legalizadas e traduzidas para o italiano, podem ser submetidas para transcrição na Itália:
- ao Município Italiano, directamente do interessado;
- ou ao Consulado Italiano em cuja jurisdição a sentença foi proferida.
Para solicitar a transcrição, você deve apresentar um documento de identidade válido e apresentar:
- Pedido de transmissão da sentença na forma de declaração juramentada feita nos termos do artigo 47 do Decreto Presidencial 445/2000 certificando a existência dos requisitos estabelecidos no artigo 64 da Lei 218/1995, declarando que a sentença se tornou definitiva (se isso não estiver declarado no texto da sentença), que não é contrária a outras sentenças proferidas por um juiz italiano e que não há nenhum processo pendente perante um juiz italiano sobre a mesma matéria e entre as mesmas partes;
- cópia integral e autenticada da sentença, que atenda aos requisitos previstos no artigo 64, devidamente legalizada e traduzida;
- certidão de não interposição de recurso para divórcio no tribunal argelino, legalizada e com tradução oficial para o italiano;
- certidão de execução da sentença de divórcio emitida pelo tribunal argelino, legalizada e com tradução oficial para o italiano;
- fotocópia do passaporte italiano.
O Oficial de Estado Civil italiano também deve verificar se a sentença não produz efeitos contrários à ordem pública.
*
Na Bélgica, um dos ex-cônjuges pode requerer a inscrição no registo civil belga do seu divórcio decidido no estrangeiro, sem ter que o fazer com o outro ou contra o outro. Só em caso de recusa do oficial do registo civil é que há recurso para o tribunal e isso com um processo simples, já que não é uma demanda principal levada ao juiz pelo meio de uma citação (Livro II, título I, capítulo I, secção I, do “CPC” belga: arts. 700 e segs), nem um requerimento contraditório (arts. 1034bis e seguintes, para os pedidos introduzidos por um requerimento notificado à parte contrária), mas um requerimento unilateral a ser decidido com brevidade (arts. 1025 a 1034 do “CPC” belga).
É o que logo decorre de um sítio oficial do governo Belga (FPS Affaires étrangères) - https://diplomatie.belgium.be/en/belgians-abroad/registry/divorce
1\ Meu divórcio estrangeiro é válido na Bélgica?
Um divórcio obtido no exterior pode, no que diz respeito à dissolução do casamento em si, ser reconhecido na Bélgica sem qualquer intervenção de um tribunal belga.
2\ Quais condições meu divórcio estrangeiro deve atender?
Todas as seguintes condições devem ser atendidas:
A decisão estrangeira não pode contrariar a ordem pública belga.
O direito de defesa deve ter sido respeitado.
A decisão não deve ter sido obtida com o único propósito de evadir a implementação de direitos designados por lei.
A decisão deve ser definitiva, de acordo com a lei do país em que foi proferida. Portanto, não deve haver possibilidade de interposição de recurso, e você deve comprovar isso por meio de um certificado emitido pela autoridade competente (geralmente o escrivão do tribunal), que inclua a data em que a decisão se tornou definitiva.
A decisão não deve ser incompatível com uma decisão proferida na Bélgica ou com uma decisão anteriormente proferida no estrangeiro e reconhecida na Bélgica.
A mesma petição, com o mesmo propósito e entre as mesmas partes não pode ter sido apresentada no exterior após uma petição apresentada na Bélgica que ainda esteja pendente.
Os tribunais belgas não tinham jurisdição exclusiva para ouvir a petição;
A jurisdição do tribunal estrangeiro não pode ser baseada apenas na presença do réu ou de seus bens no país estrangeiro, sem vínculo directo com a disputa.
A certidão de divórcio emitida no exterior deve ser legalizada.
Vejam-se os artigos 31 e os artigos a que este se refere, todos do Código do DIP belga (utilizou-se a tradução inglesa: Law of 16 july 2004 holding the code of private international law [English translation by: Caroline Clijmans (LLM, NYU), Assistant, Department of Private International Law, University of Ghent, Belgium and Prof. dr. Paul Torremans, Department of Private International Law, University of Ghent, Belgium and University of Nottingham, England] consultado no https://share.google/j6ido6A40N2LYzvsB:
Artigo 31.º
Menção e transcrição de sentenças estrangeiras e instrumentos autênticos relativos ao estado e à capacidade
§ 1. O instrumento autêntico estrangeiro relativo ao estado civil só pode ser mencionado na acta do registo civil, ser transcrito no registo civil ou servir de base à inscrição no registo de população, no registo de estrangeiros ou no registo de espera, após a verificação das condições previstas no artigo 27.º, § 1.
A menção ou transcrição de sentença estrangeira só pode ter lugar após a verificação das condições previstas nos artigos 24.º e 25.º e, se for caso disso, nos artigos 39.º, 57.º e 72.º.
Caso o detentor se recuse a proceder à menção ou transcrição, cabe recurso para o tribunal de primeira instância da comarca onde se mantém o registo, de acordo com o procedimento previsto no artigo 23.º.
§ 2.º O detentor do instrumento ou registo é responsável por essa verificação.
O Ministro da Justiça pode elaborar orientações com vista à aplicação uniforme das condições referidas no n.º 1.
Em caso de dúvida na determinação das condições referidas no n.º 1, o titular do instrumento ou do registo pode submeter o instrumento ou a sentença ao advogado-geral para parecer. Se necessário, o advogado-geral procede a uma investigação mais aprofundada.
§ 3. O Rei pode abrir e organizar um novo registo para as sentenças e instrumentos que preencham as condições referidas no § 1, quando se refiram a um cidadão belga ou a um estrangeiro residente na Bélgica.
Artigo 27.º
Reconhecimento e força executiva de instrumentos autênticos estrangeiros
§ 1. Um instrumento autêntico estrangeiro é reconhecido por qualquer autoridade na Bélgica sem necessidade de qualquer procedimento se a validade for estabelecida de acordo com a lei aplicável em virtude do presente estatuto e, mais especificamente, com a devida observância dos artigos 18 e 21.
[…]
Art.º 18.º
Evasão à lei
Para a determinação da lei aplicável numa matéria em que as partes não possam dispor livremente dos seus direitos, não são considerados factos e actos praticados com o único propósito de evadir a aplicação da lei designada pela presente lei.
Artigo 21.º
Excepção de ordem pública
A aplicação de uma disposição da lei estrangeira designada pela presente lei é recusada na medida em que conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
Na determinação desta incompatibilidade, considera-se especialmente o grau de ligação da situação com o ordenamento jurídico belga e a importância das consequências produzidas pela aplicação da lei estrangeira.
Se uma disposição da lei estrangeira não for aplicada devido a essa incompatibilidade, aplica-se outra disposição relevante dessa lei ou, se necessário, da lei belga.
Artigo 24.º
Documentos a apresentar para efeitos de reconhecimento e execução
§ 1.º A parte que invoque o reconhecimento ou pretenda declarar executória uma sentença estrangeira deve apresentar os seguintes documentos:
1° cópia autenticada da decisão que, segundo a lei do Estado onde foi proferida, reúna os requisitos necessários à sua autenticidade;
2° se se tratar de decisão à revelia, o original ou cópia autenticada do documento que comprove que o acto que deu início ao processo ou documento equivalente foi citado ou levado ao conhecimento da parte revel, de acordo com a lei do Estado onde a decisão foi proferida;
3° qualquer documento com base no qual se possa provar que, segundo a lei do Estado onde a decisão foi proferida, a decisão é executória e foi citada ou levada ao conhecimento.
§ 2. Na falta da apresentação dos documentos mencionados no § 1, o juiz pode impor um prazo para a sua apresentação ou aceitar documentos equivalentes ou, se se considerar suficientemente informado, conceder a dispensa.
Artigo 25.º
Fundamentos para a recusa de reconhecimento e execução
§ 1.º Uma sentença estrangeira não será reconhecida ou declarada executória se:
1° o resultado do reconhecimento ou da executoriedade for manifestamente incompatível com a ordem pública; ao determinar a incompatibilidade com a ordem pública, seja dada especial consideração à medida em que a situação esteja relacionada com a ordem jurídica belga e à gravidade das consequências que daí advirão.
2° os direitos de defesa tiverem sido violados;
3° em matéria em que as partes não possam dispor livremente dos seus direitos, a sentença for obtida apenas para subtrair-se à aplicação da lei designada pela presente lei;
4° de acordo com a lei do Estado onde a sentença foi proferida e sem prejuízo do artigo 23°, n° 4, a sentença é ainda susceptível de recurso ordinário no referido Estado;
5° a sentença for inconciliável com uma sentença belga ou com uma sentença estrangeira anterior susceptível de reconhecimento na Bélgica;
6° a acção foi proposta no estrangeiro após uma acção ainda pendente entre as mesmas partes e com a mesma causa de pedir ter sido proposta na Bélgica;
7° os tribunais belgas tinham competência exclusiva para apreciar a acção;
8° a competência do tribunal estrangeiro baseou-se exclusivamente na presença do arguido ou dos bens situados no Estado desse tribunal, mas sem qualquer relação directa com o litígio; ou;
9° o reconhecimento ou a executoriedade seriam contrários aos fundamentos de recusa previstos nos artigos 39°, 57°, 72°, 95°, 115° e 121°.
§ 2.º Em caso algum a sentença estrangeira será revista quanto ao mérito.
Art.º 23.º
Competência e procedimento de reconhecimento e execução
§ 1.º Salvo nos casos previstos no artigo 121.º, o tribunal de primeira instância é competente para conhecer das acções de reconhecimento e execução de sentença estrangeira.
[…]
§ 3.º A acção é proposta e corre de acordo com a tramitação prevista nos artigos 1025.º a 1034.º do Código de Processo Civil. O autor deve escolher domicílio na comarca do tribunal. O juiz decide num breve prazo.
§ 4.º A sentença estrangeira objecto ou susceptível de recurso ordinário pode ser executada provisoriamente. O juiz pode condicionar a execução à prestação de caução.
§ 5. Ao contrário do disposto no artigo 1029.º do Código de Processo Civil, só podem ser adoptadas medidas conservatórias relativamente aos bens da parte contra a qual se pretende a execução durante o prazo previsto para recurso da decisão que concede a execução e até que seja proferida decisão sobre o recurso. A decisão que concede a execução contém a autorização para a adopção destas medidas.
Os artigos 39 (Determinação ou alteração de apelido e nomes em países estrangeiros) 57 (Divórcio estrangeiro baseado na vontade do marido); 72 (Reconhecimento de adopções estabelecidas no estrangeiro), 95 (Efeitos de sentenças relativas a direitos de propriedade intelectual), 115 (Efeitos de sentenças estrangeiras... [relativas à validade, ao funcionamento, à dissolução ou à liquidação de pessoa colectiva com personalidade jurídica distinta]) e 121 (Efeitos de sentenças estrangeiras de insolvência) não têm interesse para o caso
O “CPC” belga (ou melhor, o Code judiciaire) foi consultado aqui:
https://www.droitbelge.be/codes.asp#jud
https://www.ejustice.just.fgov.be/cgi_loi/article.pl?language=fr&sum_date=&pd_search=1967-10-31&numac_search=1967101055&page=1&lg_txt=F&caller=list&1967101055=3&trier=promulgation&view_numac=2022b30600fx1804032130fr&dt=CODE+JUDICIAIRE&fr=f&choix1=ET
https://www.ejustice.just.fgov.be/cgi_loi/article.pl?language=fr&sum_date=&pd_search=1967-10-31&numac_search=1967101055&page=1&lg_txt=F&caller=list&1967101055=3&trier=promulgation&view_numac=2022b30600fx1804032130fr&dt=CODE+JUDICIAIRE&fr=f&choix1=ET#LNK0086
*
Em suma: nada justifica que se exija a um ex-cônjuge, que tem o seu divórcio simples ou puro (isto é, sem mais nada) obtido por acordo com o outro cônjuge, num processo ou procedimento sem réu, já registado no registo civil do país onde o divórcio foi decidido, no caso há quase 10 anos (e em muitos outros há mais de 30 e 40 anos), que dirija o pedido de revisão da decisão estrangeira para registo do divórcio no país de que é nacional contra o outro ex-cônjuge que não é nacional desse país ou que tenha que obter a sua comparticipação nesta acção especial. Tanto mais que a exigência da revisão resulta só do art. 7/1 do CRC, sem se prever que ela tenha que ser pedida pelos dois ou por um contra o outro. E cujo processo já assegura, por si só, por via da intervenção do MP e do juiz, o controlo da ordem pública internacional do Estado português, bem como a verificação dos outros requisitos do reconhecimento.
Isto sem esquecer o lado prático da questão, isto é, que, para obter a citação do outro ex-cônjuge, se terá de emitir uma carta rogatória que leva sempre mais de um ano a cumprir. E que esse outro ex-cônjuge, naturalmente, nunca se manifesta contra a pretensão do outro, porque ela lhe é indiferente e porque sabe que não o podia fazer sem má-fé. Pelo que todo este processado seria um absurdo e uma inutilidade.
*
Os factos relevantes para a decisão são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.
A revisão pedida é necessária (art. 978 do CPC) e, parafraseando o decidido no acórdão do TRL de 21/11/1983, BMJ 338/471, bem como o ac. do STJ de 25/06/2013, proc. 623/12.5YRLSB.S1 (entre muitos outros, como por exemplo o ac. do TRE de 26/11/2018, proferido no proc. 149/18.8YREVR), o conteúdo deste artigo tem amplitude suficiente para abranger decisões, ainda que não provindas de tribunal, quando no país estrangeiro seja outra a entidade a quem competem essas decisões (mesmo que essas decisões, acrescenta-se agora, sejam dos próprios particulares, que a tomam na forma de declarações de vontade conjuntas exaradas em escrito, com uma qualquer intervenção de uma autoridade não jurisdicional [neste sentido também o ac. do TRL de 21/11/2019, processo 1429/19.6YRLSB-2; e, ainda, por exemplo, os acórdãos do STJ de 09/03/2021, proc. 241/20.4YRPRT.S1, de 07/06/2022, proc. 1181/21.5YRLSB-A.S1, de 07/07/2022, proc. 2201/21.9YRLSB-A.S1, de 20/09/2023, proc. 3185/22.1YRLSB.S1 e de 12/10/2023, proc. 2810/22.9YRLSB.S1].
Este tribunal é o competente para o efeito (art. 979 do CPC).
Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão nem sobre a inteligibilidade desta, nem o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-a-f do CPC).
Não existem dados que indiciem que a escritura provenha de órgão cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei, ou que esteja pendente ou já tenha sido proferida outra decisão em Portugal sobre a mesma questão (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-c-d-e do CPC).
Pelo que, nada obsta à revisão e confirmação da decisão a rever.
*
Pelo exposto, julga-se (i) que este processo não comporta a intervenção do outro ex-cônjuge e que a indicação daquele é um acto inútil e, por isso, a petição é liminarmente indeferida quanto a ele, (ii), procedente a pretensão da requerente e, em consequência, decide-se rever e confirmar a decisão tomada pelos dois cônjuges na escritura pública supra-referida, da qual resulta o divórcio do casal, divórcio que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Valor da causa: 30.000,01€.
Tendo em conta o disposto no art. 14-A/1c do RCP, não há, no caso, lugar ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça.
Se e quando esta decisão estiver transitada em julgado, comunique-a ao registo civil.

Lisboa, 27/09/2025
Pedro Martins