Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
149/18.8YREVR
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DECISÃO ADMINISTRATIVA
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 11/26/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO/CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Sumário:
O facto da lei processual brasileira consagrar (art.º 733.º do CPC da República Federativa do Brasil) a possibilidade da dissolução do casamento, por divórcio consensual, ser efectivada por via administrativa, através de escritura pública, não obsta à aplicação dos artigos 978.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 149/18.8YREVR

*
Considerando a simplicidade da questão a decidir, a mesma será julgada sumariamente pela Relatora (art.ºs 652.º, n.º 1, al. c) e 656.º, aplicáveis ex vi art.º 982.º, n.º 2, todos do CPC).
*
I. Relatório
BB, de nacionalidade portuguesa, residente em Setúbal, requereu contra CC, de nacionalidade portuguesa, a presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, com processo especial, pedindo que seja revista e confirmada a decisão que decretou o divórcio entre requerente e requerido, para que produza efeitos em Portugal.
Para tanto alegou, em síntese, que requerente e requerido casaram, em 26.10.2013, no Registo Civil de Pessoas Naturais, 2.º Subdistrito de Sorocaba, São Paulo Brasil.
Porque Requerente e Requerido não desejavam manter o seu casamento, celebraram em 08.03.2018 escritura pública através da qual dissolveram a sociedade conjugal.
Mais alega que tal decisão, proferida por autoridade administrativa a que a lei brasileira atribui competência para o efeito, transitou em julgado, pelo que nada obsta a que seja confirmada, para que produza efeitos em Portugal, estando o assento de casamento transcrito na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa.
O Requerido, citado, não deduziu oposição.
Facultado o processo para alegações nos termos do art.º 982.º, n.º 1, do CPC, a Digna Magistrada do Ministério Público não verificou obstáculo à procedência do pedido.

II. Pressupostos processuais.
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, do território e da hierarquia.
Requerente e Requerido são dotados de personalidade e capacidade judiciárias, de legitimidade ad causam e a primeira encontra-se regularmente patrocinada
Inexistem nulidades, questões prévias ou outras excepções de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III. Fundamentação de facto.
Considerando a prova documental produzida, considero assente a factualidade seguinte:
1. BB e CC casaram um com outro no dia 26 de Outubro de 2013, no Registo Civil de Pessoais Naturais do 2.ª Subdistrito de Sorocaba, Brasil, casamento que se mostrava averbado por anotação na Conservatória dos Registos Centrais (doc. n.ºs 1 a 4);
2. No dia 08.03.2018, foi lavrada escritura pública, lavrada pelo 2.ª Tabelião de Notas da cidade e comarca de Sorocaba, Estado de S. Paulo, Brasil, nos termos da qual: “Aos oito de Março de dois mil e dezoito (…) e nesta unidade de serviço extrajudicial (…) lavro a presente escritura pública de divórcio direto sem partilha de bens, na qual compareceram: como primeiro outorgante e reciprocamente outorgado: A) CC (…), como segunda outorgante e reciprocamente outorgada: BB (…) neste ato representa por seu procurador DD (…) E como advogada assistente, doravante denominado simplesmente Advogada: Drª Maria S… (…) todos identificados pelos documentos apresentados e cuja capacidade reconheço e dou fé. A seguir, os outorgantes e reciprocamente outorgados, assistidos por uma advogada constituída e de maneira uniforme, me declararam que de sua espontânea vontade, livres de qualquer coação, sugestão ou induzimento, resolveram realizar de modo consensual o divórcio extrajudicial, nos termos do artigo 733.º do Novo Código de Processo Civil e pela Emenda Constitucional n.º 66, de 13 de Julho de 2010 (….), o que fazem conforme as seguintes cláusulas: PrimeiroDo casamento : (…); SegundoDos Filhos: que os outorgantes e reciprocamente outorgados não possuem filhos comuns menores ou incapazes: TerceiroDos Requisitos do Divórcio: que não desejando mais os outorgantes e reciprocamente outorgados manter o vínculo conjugal, declaram, de sua espontânea vontade, livre de qualquer coação, sugestão ou induzimento de quem quer que seja, o seguinte: 3.1. – que a convivência conjugal entre eles tornou-se intolerável, sem aqui atribuir culpa a qualquer dos outorgantes e reciprocamente outorgados, não havendo possibilidade de reconciliação; (…); QuartoDo Aconselhamento e Assistência Jurídica: pelo assistente, advogado constituído pelos outorgantes e reciprocamente outorgados, foi dito que, tendo ouvido ambas as partes, aconselhou e advertiu das consequências do divórcio. As partes declararam perante o assistente jurídico e este tabelião estarem convictos de que a dissolução do casamento é a melhor solução para ambos; Quinto Do Divórcio: assim, em cumprimento ao pedido e vontade dos outorgantes e reciprocamente outorgados, atendidos os requisitos legais, pela presente escritura, nos termos do artigo 733.º do Novo Código de Processo Civil Brasileiro e à luz da interpretação que lhe possa ser dada em razão do advento da Emenda Constitucional n.º 66 fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles que passam a ter o estado civil de divorciados: SextoDos Efeitos do Divórcio: em decorrência deste divórcio ficam extintos os deveres decorrentes do casamento (…); SétimoDo nome das Partes (…) ; Oitavoda Inexistência de Bens: As partes declaram que não possuem bens comuns a serem partilhados. NonoDa pensão Alimentícia: os outorgantes e reciprocamente outorgados estabelecem que não haverá pagamento de pensão (…), dispensando assim, reciprocamente, o pagamento de pensão alimentícia (…) Décimo – Declarações Finais (…)” (doc. n.º 5).

IV. Fundamentação jurídica
A única questão que importa apreciar é a de saber se estão ou não verificados os requisitos legais para a revisão e confirmação da “decisão” proferida no dia 08.03.2018, que dissolveu o casamento celebrado entre requerente e requerido, já que o tribunal conhece oficiosamente das condições de revisão e confirmação, em conformidade com o previsto no art.º 984.º do CPC.
Estando em causa uma sentença estrangeira incidindo sobre direitos privados, a sua eficácia em Portugal, i.e., o reconhecimento no Estado do foro dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem depende da sua revisão e confirmação por um tribunal português (n.º 1 do art.º 978.º do CPC).
São três os sistemas puros de revisão de sentenças estrangeiras:
- reconhecimento de plano, no qual a sentença é reconhecida directamente no estado onde se pretende produza os seus efeitos, independentemente de qualquer intervenção dos tribunais nacionais ou de qualquer processo de exequatur;
- sistema de revisão meramente formal ou delibação, em que o tribunal se limita a verificar se a sentença obedece aos requisitos de forma de uma sentença e se estão verificadas certas condições de regularidade, como o trânsito em julgado ou se os demandados foram citados;
- sistema de revisão de mérito em que o tribunal conhece do mérito da causa, procedendo a novo julgamento[1].
O sistema de revisão nacional que assenta numa revisão meramente formal ou delibação mitigado, ou seja, um sistema que controlando essencialmente os elementos formais da sentença revidenda, e não os seus elementos de mérito, apresenta, todavia, alguns desvios que traduzem incursões numa revisão de mérito, verificando os elementos elencados nas seis alíneas do art.º 980.º do CPC, designados como “requisitos necessários para a confirmação”, sendo que estes requisitos são cumulativos e distinguem-se dos fundamentos da impugnação do pedido de revisão, constantes do art.º 983.º do CPC, que são alternativos[2], assistindo ao tribunal o poder de negar oficiosamente a confirmação quando pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das sua funções apurar que falta algum deles.
De acordo com o disposto no art.º. 980.º do CPC, são os seguintes os requisitos necessários para a confirmação da sentença:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a excepção da litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Na espécie, considerando que não estamos em presença de uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro, mas antes perante uma escritura pública, celebrada por um Tabelião de Notas da cidade de Coroaba, Estado de São Paulo, e outorgada por Requerente e Requerido, nos termos da qual foi dissolvido o casamento entre ambos celebrado, importa, desde logo, averiguar se o acto, com natureza administrativa, que consubstancia o divórcio entre Requerente e Requerido, pode ser equiparado a uma sentença para efeitos da sua revisão e confirmação.
Dispõe o Código Processo de Processo Civil da República Federativa do Brasil, aprovado pela Lei n.º 13.105/2015, de 16 de Março de 2015:
“(…)
Art.º 731.º - A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e
IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.
Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos art.º 647 e 658.
Art.º 732.º - As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável.
Art.º 733. - O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art.º 731.º.
§ 1o - A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2o - O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
(…)”.
Por outro lado, encontram-se previstas no Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002:
“Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.
Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.
Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.
Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida.
Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.
Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.
Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III - dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1o O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2o Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.
Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.
Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo.
Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.
§ 1o A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.
§ 2o O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.
Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges.
Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.
(….)
Contudo a Emenda Constitucional n.º 66, promulgada em 13 de Julho de 2010 alterou o § 6º do art.º 226.º da Constituição Federal, que previa a dissolução do casamento pelo divórcio, mas exigia a separação judicial prévia, com a decorrência do prazo de um ano, ou uma separação de facto de dois anos.
Pela referida emenda Constitucional suprimiu-se o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de facto por mais de dois anos, ou seja, excluíram-se do texto constitucional a separação judicial, o divórcio por conversão, bem como a necessidade de prazos para a dissolução do vínculo.
O divórcio passou ser o exercício de um direito potestativo, podendo ser exercido por qualquer dos cônjuges que não queira permanecer unido ao outro.
Quanto ao divórcio extrajudicial, os efeitos da emenda também relevam, uma vez que deixou de existir também a exigência de observância dos prazos ou de separação prévia para o divórcio por meio de escritura pública.
Tendo em conta o teor da escritura pública, lavrada em 08.03.2018, onde se lê, nomeadamente, “(…) assim, em cumprimento ao pedido e vontade dos outorgantes e reciprocamente outorgados, atendidos os requisitos legais, pela presente escritura, nos termos do artigo 733.º do Novo Código de Processo Civil Brasileiro e à luz da interpretação que lhe possa ser dada em razão do advento da Emenda Constitucional n.º 66 fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles que passam a ter o estado civil de divorciados”, e do que deixámos exposto, resulta que a escritura pública mencionada tem força igual à das sentenças que decretam o divórcio por mútuo consentimento.
Por essa razão, cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 733.º do Código de Processo Civil da República Federativa do Brasil e da Emenda Constitucional 66/10, foi decretado o divórcio consensual entre Requerente e Requerido e extinto o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados, por escritura pública de divórcio, outorgada em 8 de Março de 2018.
Esta decisão foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito.
“Para estas situações em que a autoridade administrativa estrangeira decreta o divórcio, desde há muito que se sedimentou a interpretação jurisprudencial no sentido de que a decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 1094º (actualmente art.º 978.º), n.º 1 do Código de Processo Civil, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal”[3] .
Tal como se considerou no Ac. do STJ de 22.05.2013[4], “a interpretação do acórdão sob recurso do que seja uma decisão da autoridade administrativa estrangeira peca por demasiado restritiva.
O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados.
Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa.
Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo.
Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à produção desse acto, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais «contratual» apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 1/06/1970).
Acresce que se, assim não fosse, “estava-se a denegar a força do dito acto, como idóneo para produzir os seus efeitos, como se de sentença fosse. Ou seja, estava-se a denegar a competência da entidade que o produziu, quando é certo que a competência para o acto, como é de jurisprudência, é definida pela lei nacional dessa entidade”, além de que, continua o citado acórdão, “esta natureza meramente contratual da escritura não resulta dos seus termos.
Os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o Tabelião – notário – não se limita a testar as suas declarações, declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais.
Estamos, pois, perante uma decisão homologatória, logo constitutiva do divórcio”.
“A decisão revidenda não consta de uma sentença, mas sim de uma escritura pública notarial. Todavia, não se pode ignorar que, em muitos Estados, a dissolução do casamento por mútuo consentimento é feita em sede administrativa, donde, como se entendeu no Ac. do STJ, de 12-07-2005, Proc. 05B1880 (rel: Moitinho de Almeida), publicado «in» www.dgsi.pt, deve considerar-se aplicável o processo regulado nos arts. 1094° (actualmente art.º 978.º) e seguintes do Código de Processo Civil, de modo a que tal decisão, sendo válida segundo o ordenamento do país onde foi proferida, possa produzir os seus efeitos em Portugal, porquanto vincula um cidadão português”[5].
A referida escritura pública pode, por isso, servir de base à presente revisão.
Aliás, no ordenamento jurídico interno, o divórcio por mútuo consentimento é requerido na Conservatória do Registo Civil, onde corre termos e é decretado o divórcio e declarada a dissolução do casamento pelo Conservador do Registo Civil, verificados determinados circunstancialismos (cfr. art.º 14.º do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro).
Na espécie, procedendo à verificação dos requisitos constantes do art.º 980.º do CPC, constata-se, relativamente aos elementos decisórios da decisão revidenda, a sua total compatibilidade com as aludidas condições (requisitos necessários) de confirmação de sentença estrangeira.
Em face dos elementos constantes dos autos não se suscita qualquer dúvida sobre a autenticidade do instrumento notarial revidendo, nem sobre a inteligibilidade do seu conteúdo.
A dissolução por divórcio do vínculo matrimonial foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para esse efeito e tal competência não foi provocada em fraude à lei.
Acresce que a decisão revidenda já não é passível de recurso, segundo a lei do país em que foi proferida - República Federativa do Brasil - e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.
Pelo exame de todo o processo, não se pode concluir que ocorram as excepções de litispendência ou de caso julgado, com fundamento em causa afecta a qualquer tribunal português.
A decisão revidenda foi proferida por expresso acordo de ambos os então ainda cônjuges, outorgantes da escritura, e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Por fim, também a decisão revidenda não conduz a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
São de "ordem pública (ordem pública interna) aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos" (Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 2.ª ed. pp. 254).
"Para determinar se a lex fori deve ou não ser considerada de ordem pública internacional, pode dizer-se que são de ordem pública internacional as leis relativas à existência do Estado e essencialmente divergentes (divergência profunda) da lei estrangeira normalmente competente para regular a respectiva relação jurídica, as quais devem ser leis rigorosamente imperativas e que consagram interesses superiores do Estado. E os interesses que estão aqui em causa são os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa"[6], evitando-se, assim, “(…) que situações jurídicas dependentes de um direito estrangeiro e incompatíveis com os postulados basilares de um direito nacional venham inserir-se na ordem socio-jurídica do Estado do foro e fiquem a poluí-la"[7].
A sentença proferida pela autoridade brasileira competente dissolveu, constitutivamente, o estado jurídico anteriormente existente entre requerente e requerido, situação que a lei portuguesa vigente admite independentemente do fundamento que determina a dissolução do casamento ou da apreciação da culpa dos cônjuges.
A decisão revidenda preenche, pois, todos os requisitos previsos no art.º 980.º do CPC, não se verificando, assim, razões que, em sede de revisão, obstem à sua confirmação integral.
As custas serão suportadas pela requerente.

Sumário
O facto da lei processual brasileira consagrar (art.º 733.º do CPC da República Federativa do Brasil) a possibilidade da dissolução do casamento, por divórcio consensual, ser efectivada por via administrativa, através de escritura pública, não obsta à aplicação dos artigos 978.º e seguintes do Código de Processo Civil.

V. Decisão
Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, decido conceder a revisão da decisão revidenda, constante da escritura pública de 8 de Março de 2017, lavrada a fls. 228 do Livro de Notas 1841 do Segundo Tabelião de Notas, da cidade e comarca de Sorocaba, Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, que declarou a dissolução do casamento entre BB e CC, por “divórcio consensual”, confirmando-a integralmente, passando essa decisão a produzir todos os seus efeitos em Portugal.
Custas pela requerente.
Registe.
Notifique.
*
Valor da causa: € 30.000,01 (art.ºs 296.º e 303.º, n.º 1, do CPC, e 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
*
Após trânsito, cumpra o disposto nos art.ºs. 7º, nº 1 e 78º, nº 1 e 2 do Código de Registo Civil.
*
26.11.2018
Florbela Moreira Lança (Relatora)

__________________________________________________
[1] cfr., Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, II, pp. 141-143, e Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, pp. 91-101
[2] cfr. António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997, Alterações ao Regime Anterior, Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pp. 108-109, nota 22 e pp. 115-116
[3] Ac. do STJ de 25.06.2013, proferido no proc. n.º 623/12.5YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt
[4] Proferido no proc. n.º 687/12.1YRLSB.S1, citado no Ac. do STJ referido na nota 3
[5] Ac. da RG de 11.05.2010, proferido no proc. n.º 45/10.2 YRGMR, acessível em www.dgsi.
[6] Ac. do STJ de 26.05.09, proferido no proc. n.º 43/09.9YFLSB, acessível em www.dgsi.pt
[7] FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, I, pp. 405