Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | CUSTAS DE PARTE NOTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | A nota justificativa e discriminativa das custas de parte a que se refere o artigo 25 do RCP só tem de ser notificada ao advogado da parte vencida. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: S e P requereram uma execução para pagamento de quantia certa contra M (executada), com base numa nota discriminativa de custas de parte (resultante de uma acção declarativa em que foram partes exequentes e executada e onde esta foi condenada, com trânsito em julgado, nas custas de parte) que foi notificada apenas ao mandatário da executada. A executada deduziu oposição, mediante embargos de executado, por apenso à execução, alegando, em síntese, que inexiste título executivo, porque a nota discriminativa de custas de parte foi apenas notificada ao mandatário e não à própria parte. No despacho saneador, os embargos foram julgados procedentes, extinguindo-a execução contra a embargante. Os exequentes recorrem deste saneador-sentença porque entendem que a nota discriminativa só tem que ser notificada ao mandatário da parte. A executada defendeu o decidido, por entender, tal como já tinha alegado, que a nota tem de ser notificada à própria parte. * Questão que importa decidir: se para a formação do complemento do título executivo, basta que a nota discriminativa das custas de parte seja notificada ao mandatário da parte condenada. * Os factos que interessam à decisão desta questão são os que constam do relatório supra (sem prejuízo de se darem por reproduzidos aqueles que foram expressamente discriminados na decisão recorrida e de para eles se remeter). * O saneador sentença tem a seguinte fundamentação: Nos termos do art.º 26 do RCP, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas e são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora. Para o efeito, o art.º 25/1 do RCP prescreve que até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser rectificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas. O título executivo é composto pela sentença condenatória e pela nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada nos termos previstos nas citadas disposições legais. No caso dos autos, a embargante alega que deveria ter sido pessoalmente notificada da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, e não apenas através do seu mandatário no processo, através da apresentação de mero requerimento. Com efeito, o art.º 25/1 do RCP prescreve que a parte vencedora remete a nota discriminativa de custas de parte para o processo e para a parte vencida. […] O art.º 31/1 do RCP dispõe que a conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento. Por conseguinte, na economia do RCP, a conta de custas tem de ser notificada à própria parte [responsável pelo pagamento], ainda que esta esteja representada por advogado. Não basta a notificação ao mandatário da parte […]. Daí que a jurisprudência venha entendendo que a inexiste razão plausível para que a conta seja sempre notificada à própria parte responsável pelo pagamento e que o não seja a nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Tal como a conta, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve ser notificada também à própria parte responsável pelo pagamento (cf., neste sentido os acórdãos do TRP de 18/04/2017, proc. 13884/14.6T8PRT-A.P1, do TRL de 10/10/2019, proc. 1242/12.1TVLSB-C.L1.L1-6 e do TRC de 05/05/2020, proc. 1310/16.0T8PBL-A-C1). […] Assim, importa concluir que os exequentes não cumpriram de forma integral e efectiva as exigências do citado art. 25/1 do RCP, pelo que os embargos de executado terão que ser julgados procedentes, extinguindo-se a execução contra a embargante. Contra isto, os exequentes dizem que: Com o que consta do art.º 26/1 do RCP, o legislador considerou que se trata de questão a dirimir directamente entre a parte devedora e a parte credora, embora de acordo com as regras processuais aplicáveis. Ou seja, não obstante a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, integrar a condenação em custas, o legislador parece ter considerado aplicável um regime diferenciado quanto à sua notificação e cobrança, atenta a natureza de cada parte envolvida e a natureza do credor respectivo. Ora, nos termos do disposto no art.º 247/1 do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários. Por outro lado, não parece ser ao caso aplicável o disposto no art.º 247/2 do CPC, uma vez que o acto em causa (pagamento de custas de parte) não é um acto pessoal. Finalmente, o mandato forense é um mandato com especiais características uma vez que o mandatário está especialmente habilitado a analisar a nota de custas de parte, a sua correcção e adequação, e a responsabilidade pelo pagamento. Deste modo a notificação da nota de custas de parte ao mandatário da parte, constitui o formalismo suficiente para a constituição da respectiva responsabilidade de pagamento, sem qualquer violação do disposto no art.º 25/1 do RCP. Neste mesmo sentido, militam os acórdãos do TRC de 20/04/2016, proc. 2417/07.0TBCBR-C.C1, do TRG de 21/10/2021, proc. 3222/19.7T8VNF-B.G1, do TRL de 18/11/2021, proc. 2766/16.7T8VFR-A.L1-2, e do TRC de 08/03/2022, proc. 2083/14.0T8CBR.C3, Apreciação: O saneador-sentença sintetiza as razões da doutrina e de uma parte minoritária da jurisprudência sobre a questão. No mesmo sentido, pode apontar-se Salvador da Costa, As custas processuais, 8.ª edição, Almedina, Jan2022, pág. 166, o qual lembra ainda um outro ac. do TRE de 2018, mas este vai em sentido contrário como se verá; outros acórdãos no mesmo sentido: do TRL de 26/03/2019, proc. 14650/14.4T8LSB-F.L1-1; do TRE de 21/09/2021, proc. 45/15.6JAFAR-D.E1.E1; e do TRC de 15/02/2022, proc. 2312/20.8T8SRE-A.C1. As conclusões do recurso sintetizam as razões da corrente contrária (e maioritária) da jurisprudência e no mesmo sentido vai também o ac. do TRE de 11/11/2021, proc. 964/21.0T8ENT.E1 (embora com um voto de vencido). Mas a posição seguida pelo saneador-sentença e pela corrente minoritária jurisprudencial (insiste-se nisto, porque se tem visto dizer o contrário, chegando-se mesmo ao ponto de se dizer que a jurisprudência é uniforme neste sentido e utilizar isso como argumento; ora, retirando os acórdãos mal interpretados e somando-os no lugar certo é esta a conclusão correcta) que ele adopta resulta de um equívoco. Como explica, com pormenor, o acórdão do TRG de 21/10/2021, até 2019 não havia divergência sobre o assunto, sendo que o primeiro acórdão publicado sobre a questão foi o do TRC de 2016 que seguiu a posição contrária, divergência que só surgiu com os dois acórdãos do TRL de 2019, que incorreram no equívoco (potenciado pelo texto e sumário dos mesmos) de lerem, nos dois acórdãos do TRP de 2017 e num outro do TRE de 2018, o contrário do que deles decorria. Ou seja, os acórdãos do TRP de 09/01/2017, proc. 1388/09.3TBPVZ-A.P1, e de 18/04/2017, proc. 13884/14.6T8PRT-A.P1, e acórdão do TRE de 12/04/2018, 716/17.2T8SLV-A.E1 resolviam uma questão completamente diferente, qual seja: se bastava enviar a nota discriminativa para o tribunal e dar conhecimento desse envio ao advogado da parte vencida; estes três acórdãos entendiam que não bastava dar conhecimento desse acto, tinha que ser enviada a nota discriminativa ao advogado da parte vencida, como diz expressamente o primeiro acórdão do TRP e implicitamente os outros dois, do TRP e do TRE. Equívoco que também é salientado pelo ac. do TRL de 18/11/2021 e referido no parecer 18/PP/2017-C, do CRCOA de 22/09/2017 lembrado por aquele acórdão do TRL, que transcrevem a seguinte passagem daquele acórdão do TRP de Jan2017: a “parte credora deve remeter uma comunicação dirigida pessoalmente à parte (ao seu advogado) devedora exigindo o pagamento”. Assim, embora estes três acórdãos (do TRP e do TRE) tenham decidido uma questão diferente, apontavam no sentido da solução a dar ao caso dos autos e que é de que basta dar o devido conhecimento da nota ao advogado da parte vencida. Note-se: da nota, não do acto do envio da nota ao tribunal. O que parece evidente: dizendo a lei que a parte deve comunicar a nota também ao tribunal, está a pressupor que essa notificação é feita pelo mandatário (quando exista), como qualquer outro acto processual, pelo que lhe atribui poderes para o efeito. E se o advogado da parte vencedora pode decidir a prática desse acto, também o advogado da parte vencida tem poderes para receber a notificação, ou seja, a lei está a dar ao advogado da parte poderes para receber a notificação da nota, pelo que o acto serve de interpelação para o cumprimento. Por outro lado, o facto de ser possível reclamar da nota justificativa e de a questão ser resolvida num incidente do processo, reforça a ideia de que se trata de um acto processual, apesar de o processo já ter a sua questão principal decidida e por isso já não estar pendente. Ora, os mandatários são os representantes das partes no processo e podem praticar actos em nome delas, incluindo o de receber notificações, que podem ter a natureza de interpelações. Ainda: o art. 25/1 do RCP só fala na notificação da parte vencida e não faz a distinção entre a parte que tem advogado e a que o não tem, e isto numa fase do processo em que ainda se praticam actos em que quem é notificado é o advogado, quando exista, e não a própria parte. Pelo que, não distinguindo a lei e não impondo uma dupla notificação, a notificação a fazer é ao advogado e não à parte. Se não fosse assim e se só se notificasse a parte, embora o advogado ainda pudesse ter que praticar actos no processo, não se lhe dava conhecimento de um acto que podia implicar a prática desses actos, o que é um absurdo. Como lembra o ac. do TRC de 20/04/2016: “O art.º 25/1 do RCP não determina que o envio da nota justificativa de custas de parte não possa ser remetido ao mandatário constituído pela parte vencida, nem tal restrição decorre do aludido art.º 44/1 do CPC. Assim, recebendo o mandatário a nota discriminativa, naturalmente recebê-la-á na qualidade de representante da parte. Nem, por outro lado, a interpretação que a recorrente faz do art.º 247/1 do CPC, de que o processo não estava pendente, e por isso não pode haver notificação ao mandatário judicial porque o seu mandato já cessou (com o trânsito em julgado da sentença) tem o valor que aparenta. Na verdade, após o trânsito em julgado da sentença, a lei prevê expressamente a notificação aos mandatários das partes da conta de custas (cf. art.º 31/1 do RCP), por entender naturalmente ou ficcionar que o mandatário da parte continua a ser o seu representante. A ser levada à letra tal interpretação, tal notificação não devia acontecer, mas não é isso que se passa. O que se compreende, pois tal notificação acautela os interesses da parte já que o seu mandatário sempre estará em melhores condições para avaliar se a conta está em harmonia com as disposições legais, e, eventualmente reclamar da conta ou mesmo recorrer (cf. n.ºs 3 e 6 do referido artigo 31). O mesmo ocorre com o pedido de custas de parte, pois o respectivo mandatário sempre estará, também, em melhores condições para decidir se as mesmas são ou não devidas, e, eventualmente reclamar da mencionada nota justificativa ou mesmo recorrer (cf. art.º 33/1-3, da Portaria 419-A/2009, de 17/4, que regulamenta o RCP). Concluímos, por isso, que havendo mandatário constituído no processo a nota justificativa das custas de parte pode e deve ser remetida ao mandatário da parte vencida. (...).” Para mais completa fundamentação remete-se para o ac. do TRG de 21/10/2021, do qual ainda se salienta o seguinte, por dar resposta mais que suficiente a questões que têm sido colocadas pela jurisprudência contrária: “Devendo as notificações às partes em processos pendentes ser feitas “na pessoa” dos seus mandatários judiciais (artigo 247/1, CPC) e estas directamente “entre mandatários” (artigos 221 e 255, CPC), bastará a “remessa” da nota ao da parte vencida? Não se tratando de chamar esta “para a prática de acto pessoal” (o exercício do direito de reclamação é eminentemente acto da competência do mandatário e não é condição do pagamento que este seja efectivado pelo próprio mandante bem podendo sê-lo, prática, desejável e até estatutariamente […], pelo seu advogado, desde que provisionado com os fundos para o efeito), nem resultando expressamente da lei, apesar da sua letra, que se esteja perante um “caso especial” de “notificação pessoal” à parte, tudo, na redacção dos preceitos e no sistema de relacionamento processual em que pontifica o mandato, apontando no sentido de que, tendo o devedor um mandatário constituído, a nota justificativa das custas de parte pode e deve ser remetida pessoal e directamente a este, assim produzindo todos os efeitos, mormente o de liquidação e de consolidação do título executivo originado pela sentença condenatória nas custas de parte. […] Em face do regime legal vigente sobre as custas, maxime as custas de parte, é de todo peregrina […] a alusão a que não ocorre interpelação. Esta consuma-se inequivocamente com a remessa da nota discriminativa das quantias devidas e indicação nela do “valor a receber”. O procedimento legalmente previsto tal pressupõe e nada mais exige. […] Não colhe o argumento de que se a conta de custas também é, nos termos da lei [artigo 31/1 do RCP], notificada à própria parte responsável, igualmente deve sê-lo a nota das de parte. Além do que a esse propósito se refere no ac. do TRC quanto à distinta relação jurídica em causa, importa ponderar que se trata de resquício de antigo procedimento remontante ao Código das Custas Judiciais que não tem a ver com a formação do título executivo mas se destina a assegurar a informação do responsável sobre a obrigação de pagamento de tributo ao Estado que, como colateral ao objecto do litígio e portanto não coincidente com o cerne do mandato forense considerado na perspectiva mais estrita, serve para aquele se precaver e prover (por si próprio ou através do patrono) ao respectivo pagamento, já que, na hipótese de haver lugar a reclamação, a decisão de a apresentar e a avaliação dos necessários fundamentos (técnicos e jurídicos) para tal caem melhor na competência do respectivo advogado. […]” * Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando o saneador sentença recorrido e determinando que a execução prossiga os seus ulteriores termos. Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pela executada (que perde o recurso). Lisboa, 22/06/2023 Pedro Martins Inês Moura Higina Castelo |