Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Processo: |
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| Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | ABUSO DE CONFIANÇA À SEGURANÇA SOCIAL RESOLUÇÃO CRIMINOSA PRESCRIÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Nº do Documento: | RL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 02/23/2021 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | N | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Texto Parcial: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | PROVIDO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Sumário: | - O prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas», o que está em consonância com o disposto no n.º 7 do artigo 105.º, o qual é igualmente aplicável ao crime de abuso de confiança à Segurança Social, por força do n.º 2 do artigo 107.º, do RGIT, no qual se determina que, «Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária». - A prestação de declaração e o correspondente pagamento têm uma periodicidade mensal e cada prestação mensal que não é paga até á data limite, constitui um crime de abuso de confiança à Segurança Social. - Apesar da repetição mensal dos mesmos comportamentos ilícitos, jamais se poderá afirmar que estes se devem a uma só e única resolução criminosa inicial, formulada em Julho de 2009 e mantida até Janeiro de 2012, pois, em cada mês terá de haver pelo menos uma renovação dessa resolução, o que implica uma ação criminosa autónoma por cada prestação omitida. - Seriam estas as regras e princípios aplicáveis, ainda que não houvesse, quanto aos crimes tributários em questão, a regra expressa do n.º 7 do artigo 105.º, do RGIT que não deixa qualquer margem para outra solução diferente daquela que defendemos, demonstrando que foi opção clara do legislador consagrar o princípio de que, a cada declaração periódica e subsequente omissão do respetivo pagamento corresponderá um crime autónomo, neste caso, de abuso de confiança à Segurança Social. - Haverá, assim, tantos crimes desse tipo, quantos os meses cuja prestação estiver em falta e, uma vez que a última prestação omitida deveria ter sido paga em Fevereiro de 2012 e que o primeiro facto interruptivo da prescrição ocorreu apenas em 10 de Março de 2017, com a constituição de arguido, ou seja, depois de decorridos os aludidos cinco anos a contar da consumação do último ato ilícito, não tendo havido qualquer suspensão do prazo até àquela mesma data, conclui-se, pois, que ocorreu a prescrição, com a consequente extinção do procedimento criminal. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO: 1. Sob acusação do Ministério Público e após pronúncia, foram submetidos(as) a julgamento, em processo comum e perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal de Lisboa (J3) da Comarca de Lisboa, o arguido J. e a arguida “FS ,, Ld.ª”, também demandados(as) no correspondente pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto da Segurança Social, I.P, para pagamento da quantia de € 171 037,81, acrescida de juros. * Findo o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição): «Pelo exposto, decide-se julgar a pronuncia procedente por provada e, em consequência: a) Condenar a sociedade arguida "FS , Lda." pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7.º, 105°, n° l, n° 4 e n° 5 e 107°, n° l e n° 2, todos do RGIT - aprovado pela Lei n°15/2001, de 05.06, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros); b) Condenar o arguido J. pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6o, n° l, 105°, n° l, n° 4 e n° 5 e 107°, n° l e n° 2, todos do RGIT - aprovado pela Lei n°15/2001, de 05.06, na pena de 3 (três) anos de prisão; c) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais; d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil do Instituto da Segurança Social, LP. e em consequência condenar os arguidos/demandados no pagamento da quantia de €115.703,29 (cento e quinze mil, setecentos e três euros e vinte e nove cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do artigo 3o, n° l do Decreto-Lei n° 73/99, de 16.03, até efectivo e integral pagamento; e) Condenar os arguidos/demandados no pagamento de custas da parte cível. … » 2. O recurso: 2.1. Inconformado com o assim decidido, o arguido J. interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões: 1. O Tribunal recorrido faz notório uso de meios de prova/prova de que não pode socorrer-se para formar a sua convicção. 2. A lei impõe que a prova seja produzida em sede de audiência de discussão e julgamento onde será submetida a processo contraditório, conforme artigo 355.° do Código Processo Penal. 3. O Tribunal recorrido socorre-se do despacho de arquivamento parcial do processo de inquérito que deu origem à acusação/pronúncia para a partir deste formar convicção, o que deixa de forma expressa na sua motivação. 4. Nomeadamente dando por reproduzido o que resulta do inquérito a fls. 217, 224 e 360 do Inquérito, que exprime a "opinião" do MP quanto à prova resultante da inquirição de co-arguidos em sede de inquérito. 5. Com tal incorre o Tribunal recorrido em erro notório de apreciação da prova, o que impõe que a prova assim dada como assente seja dada como não provada in totum. 6. Ademais, foi pelo tribunal recorrido violadas as garantias de defesa do arguido, ao recorrer a prova não produzida em sede de audiência de julgamento e por isso não sujeita à contraditoriedade imposta pelo processo penal, artigo 355.° do CPP. 7. Foram assim violados os fins dos normativos constitucionais, de garantias de defesa e de processo equitativo com uso de contraditório, previstos nos artigos 20.° n.° 4, 32.° n.° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa o que, afeta a sentença recorrida de inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca. Sem prescindir, 8. O Tribunal recorrido dá como assente que o arguido recorrente exerce o cargo de gerência (de facto e de direito) da sociedade arguida desde a sua constituição - em 23/03/1961, quando é notório que o arguido nasceu a 8 de Abril de 1961, o que o faria gerente da sociedade sendo ainda um nascituro. 9. Compulsada a CRC da sociedade arguida (junta a fls. (...) dos autos) fácil é de perceber que o arguido exerceu esta gerência de direito entre 04/07/2005 e 12/01 /2010 - o que implica se altere o facto dado como provado n.° 2 em tal consonância, Sem prescindir, 10. Diz-se ainda no ponto n.° 2 dos factos dados como assentes que o arguido exerceu a gerência de facto na sociedade até aos dias de hoje, o que manifestamente excede o lapso temporal dos factos em apreciação nos presentes autos - reportados a Janeiro de 2012, 11. Resultando também evidente que a sociedade foi declarada insolvente em 19 de março de 2012, o que desde logo impossibilitaria qualquer gerência de facto após tal data. 12. Tal impõe também, e em consonância, a alteração do ponto n.° 2 da matéria de facto dada como assente, que neste conspecto tem que ser dada como não provada. Sempre sem prescindir, 13. Estão ainda incorretamente julgados, quer o ponto n.° 2 da matéria de facto dada como assente, quer pelas sobreditas razões quer ainda pelo que infra se dirá, quer os pontos n.° 3; 4; 5; 6; 7; 9; 10 e 14 da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido. 14. Quanto à questão central da gerência de facto e seu exercício, e no que tange aos pontos n.° 2; 3; 4 e 10 da matéria dada como assente, e tal como resulta da douta motivação do Tribunal recorrido, as testemunhas HC, RC, CF em nada contribuem para a apontada gerência de facto por parte do arguido. 15. Já a testemunha AC, e segundo a douta motivação explica que esta testemunha refere ter trabalhado para a sociedade arguida e que o arguido era o "patrão". 16. Pese embora se repudie a equivalência entre a função patrão e gerente de facto, certo é que do depoimento da testemunha não pode em nenhuma circunstância resultar ter esta atribuído a dita qualidade de gerente de facto ao aqui arguido - tal como resulta do depoimento da testemunha constante da ata de audiência de julgamento do dia 1/10/2019 - depoimento gravado entre os minutos 00:00.00 e os minutos 00:12:18. 17. Conforme resulta de tal depoimento - que terá que ser integralmente sindicado - é que a testemunha não consegue sequer identificar a sociedade arguida como a sua entidade patronal, antes refere um Grupo Empresarial, não logra localizar temporalmente a sua presença como funcionário na sociedade arguida - ata de audiência de julgamento do dia 1/l 0/2019 minutos 00:10:12 e o minuto 00:11:05, 18. E identifica apenas o arguido como alguém que lhe terão dito ser o patrão do Grupo para o qual trabalhou, embora não saiba dizer quem lho disse e com base em que lho disse. 19. A testemunha não identifica nenhuma atuação concreta ao arguido - ata de audiência de julgamento do dia 1/10/2019 - minutos 00:02:58 e 00:03:58 e 00:04:08 e 00:05:02. 20. Revisitado todo este depoimento e apesar do enfoque que lhe é dado na douta motivação - sobretudo à expressão patrão - certo é que sindicado todo o depoimento esta expressão é totalmente vazia de conteúdo sendo impossível e até contraditório com aquilo que a testemunha diz, que daí se forme convicção da gerência de facto do arguido. Sem prescindir, 21. Quanto à testemunha AC , também aqui o tribunal recorrido afirma ter colhido da expressão que o arguido seria o patrão para firmar convicção de que o arguido foi gerente de facto da sociedade arguida nos períodos sob julgamento. 22. Na verdade, sindicado todo o depoimento da testemunha prestado em audiência de julgamento e registado na respetiva ata de dia 1/10/2019 com um tempo de áudio de 00:15:10, não se logra entender como o Tribunal recorrido dele se socorre para formar convicção. 23. Mais, nem sequer se alcança como tendo o tribunal ficado "convencido" por via deste depoimento que os últimos meses não foram pagos, e que a testemunha tenha recebido tais valores através do fundo de garantia salarial ainda impute ao arguido o ter-se apropriado de verbas retidas ao trabalhador quando salário nenhum foi pago!. 24. O arguido apenas identifica uma empresa para a qual trabalhou e que seria detida pelo arguido - ata de audiência de julgamento do dia 1/l 0/2019 - minutos 00:01:16 a minutos 00:02:20 e minutos 00:05:32 a minutos 00:07:20 - tudo em períodos anteriores aos que estão sub iudice e mesmo assim teríamos qüe dar por bom que patrão é o mesmo que gerente, o que sem mais se não consente. 25. A testemunha não recebia ordens do arguido - ata de audiência de julgamento do dia 1/l 0/2019 depoimento entre os minutos 00:07:22 e os minutos 00:07:54, aliás quem lhe dava ordens (o gerente de facto) era o co-arguido em sede de inquérito JS . 26. Não obstante aquilo que dizem os documentos junto aos autos - folhas de declarações para a Segurança social é que esta testemunha só terá ido trabalhar para a sociedade aqui arguida em Novembro de 2011 - ata de audiência de julgamento do dia 1/10/2019 - depoimento de minutos 00:09:27 a minutos 00:09:51. 27. E consequentemente como nenhum salário lhe foi pago, para além de nenhuma retenção lhe poder ter sido feita, limita o seu "eventual" conhecimento sobre a gerência de facto a este período - ata de audiência de julgamento; do dia 1/l0/2019 depoimento de minutos 00:09:52 a minutos 00:10:12. 28. Mas deste depoimento resulta ainda muito claro que quem geriu de facto a sociedade aqui arguida foi o tal do JS - e que ao contrário do que resulta da certidão de registo comercial o terá feito depois de renunciar à gerência - ata de audiência de julgamento do dia 1/l0/2019 - depoimento gravado entre os minutos 00:09:52 a minutos 00:1 0:12. 29. Quanto ao depoimento da testemunha SA , parece ao arguido que do seu depoimento se lê exatamente aquilo que dele retira o tribunal recorrido, que afirma ter esta explicado que o arguido geria a sociedade arguida. 30. Para que se alcance o que disse esta testemunha, o seu depoimento deverá ser integralmente visitado, encontrando-se registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 com um tempo de áudio de 17:37 minutos. 31.Esta testemunha tem inteira razão de ciência - registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 - depoimento de minutos 00:00:00 a 00:02:25. 32. Entre os minutos 00:03:00 e 00:04:38 registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019, a testemunha dá conta de que o aqui arguido foi gerente de facto, em períodos que não os em apreciação nos autos, dando nota de que o cargo de gerente de facto em tais períodos foi assumido por JS . 33. Que o aqui arguido deixa a gerência de direito em Janeiro de 2010, período em que se desinteressa totalmente dos destinos da sociedade que continuaram a ser conduzidos por JS - registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 - depoimento de minutos 00:05:53 a minutos 00:08:05 34. Sociedade que conheceu ainda um novo gerente de facto e de direito a partir de maio de 2010 - registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019, depoimento de minutos 00:08:08 a 00:1 0:46. 35. JS que reconhece ser o gerente e ter que pagar a dívida notificado nos termos do artigo 105.° do RGIT - registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 - depoimento de minutos 00:10:55 a minutos 00:00:17:36. 36. Este depoimento ouvido integralmente contraria de forma frontal o que dele retira o tribunal recorrido. 37. O JS é o gerente de direito e de facto, liquida as contribuições notificado que foi nos termos do 105.° do RGIT até maio de 2010, em janeiro de 2010 com a saída da gerência de direito do aqui arguido afirma ser só com ele a partir dali, é ele que faz acordos de pagamento com a segurança social. 38. Assim o ponto n.° 2 dos factos provados terá que passar a ter a seguinte redação "O arguido J. exerceu as funções de gerente de direito da sociedade arguida desde 04/07/2005 até 12 de Janeiro de 2010", devendo a restante matéria passar a integrar o elenco dos factos não provados. 39. Consequentemente, e por via da falta de prova quanto à gerência de facto (aliás prova em sentido contrário) os pontos n.° 3; 4 terão também que passar a integrar o elenco dos factos não provados. 40. Quanto ao ponto n.° 5 - sindicada toda a prova - não logra o recorrente encontrar onde alicerça o tribunal a convicção de que desde Julho de 2009 o arguido tomou a resolução de nunca mais pagar as contribuições para a Segurança social. 41. Nem o tribunal na sua motivação o refere, pelo que inapelavelmente tal facto deve ser dado como não provado. 42. Isto porque quanto à prova documental o tribunal se limita a elencar os meios de prova sem a necessária análise critica dos mesmos, o que os torna inaptos a formar convicção, tornando nula nesta parte a decisão. 43. Por outro lado, resulta à saciedade que na sociedade, fosse quem fosse o gerente de facto, tal decisão de não mais pagar desde Julho de 2009 nunca foi tomada, pelo contrário. 44. Foram inclusive feitos diversos acordos de pagamento prestacionais que foram parcialmente cumpridos, em determinados períodos temos pagamentos a mais - di-lo a testemunha CM - ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 depoimento gravado entre os minutos 00:13:57 e 00:29:48. 45. Pelo que deve o ponto n.° 5 ser dado como não provado. 46. Quanto aos pontos n.° 7; 9 e 14 e uma vez que os salários não foram pagos em todo o período constante na acusação, nomeadamente nos últimos meses - 3 ou 4, os valores apurados estão incorretamente apurados. 47. Uma coisa são os valores em dívida à segurança social, coisa diversa é o valor de cada concreta prestação tributária para efeitos criminais. 48. Assim o diz a testemunha CC registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 - depoimento de minutos 00:06:15 a 00:23:31. 49. Deste depoimento resulta que há meses pagos, há meses apurados por DRS oficiosa, valores pagos a mais em certos meses e imputados a outros (sem intervenção dos arguidos) e valores recebidos por via de acordos de pagamento. 50. Não se alcança como logra o tribunal recorrido convicção segura dos valores de cada prestação tributária em dívida. 51. Depoimento ainda de CC registado na ata de audiência de julgamento do dia 30/10/2019 minutos 00:24:26 a minutos 00:30:19 - onde se denota a falta de rigor no apuramento dos valores em dívidas em que se confunde uma dívida tributária com o valor em dívida de cada período com relevo criminal. 52. Isto é reiterado pelas demais testemunhas - ata de audiência de julgamento do dia 1/10/2019 - depoimento de AN entre os minutos 00:10:12 a 00:11:31, ata de audiência de julgamento do dia 1/10/2019 - depoimento de AC - entre os minutos 00:09:27 e 00:13:49, 53. Inevitavelmente tais factos n.° 7; 9 e 14 devem ser dados como não provados. 54. A gerência de direito e a gerência de facto devem ser demonstradas, e em sede criminal o facto de alguém exercer a gerência de direito não pode fazer presumir a gerência de facto. 55. O exercício efetivo da gerência de uma sociedade exige a prática efetiva de determinados atos pré-ordenados à prossecução de certo fim - fim social da empresa. 56. O tribunal recorrido não logrou apurar factos que traduzam a gerência de facto do aqui arguido na sociedade também arguida nos períodos em que não foi feito o pagamento das prestações tributárias devidas. Sem prescindir, 57. A acusação/pronuncia é nula por violação do disposto no artigo 283.°, n.° 3 alínea b) do CPP. 58. Não há factos inscritos na acusação que permitam apontar uma só resolução criminosa ao arguido tomada em Julho de 2009 e também quanto às demais prestações tributárias. 59. Assim por falta de facto concretamente imputado ao arguido incorre a acusação no vício descrito. 60. Neste conspecto, andou mal o tribunal recorrido ao perante a inexistência da descrição factual necessária, dar como provado a existência de uma única resolução criminosa pelo arguido, violando com isso o direito que o arguido tem de obter um processo equitativo onde lhe são possibilitadas todas as garantias de defesa, direitos constitucionalmente previstos. 61. Com efeito, incorreu o tribunal a quo numa interpretação inconstitucional dos normativos 20.° n.° 4 e 32.° n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, a qual aqui expressamente se invoca. Sem prescindir, 62. Estamos perante uma pluralidade de crimes e não perante um crime único. 63. Não se demonstra que o arguido tenha tomado uma só resolução criminosa. 64. Não havendo também factos apurados que permitam fazer operar o crime continuado. 65. Assim cada descrito período de prestação tributária em falta há-de ser tratado como um crime. Sem prescindir, 66. O RGIT é norma especial em relação ao Código Penal, e não consente que se unifiquem prestações tributárias nos seus respetivos valores. 67. Assim está posta de parte a possibilidade de qualificar o crime de abuso contra a Segurança Social através da soma dos valores das prestações tributárias omitidas. 68. O crime será sempre o previsto no artigo 105.° n.° 1 do RGIT e não o previsto no artigo 105.° n.° 5, outro entendimento enferma de inconstitucionalidade que expressamente se invoca. Sem prescindir, 69. Foi violada a condição de procedibilidade prevista no artigo 105.° n.° 4 do RGIT. 70. Por um lado, os valores devidos e que se podem imputar ao arguido porque coincidentes com o seu período de gerência - o que apesar de tudo não se consente - encontram-se pagos. 71.Foi feita uma segunda notificação para pagamento do "remanescente das prestações tributárias omitidas", o que é ilegal e torna ilegal a primeira notificação feita nesses termos. 72. Apenas uma notificação é possível nos termos do artigo 105.° n.° 4 do RGIT, que sendo condição de procedibilidade não se encontra verificada. Sem prescindir, 73. As prestações tributárias omitidas estão prescritas nos termos do que vai prescrito no artigo 5.° n.° 2 e artigo 21.° n.° 1 do RGIT. 74. Decorreram já mais de 5 anos (já tinham decorrido aquando da constituição como arguido) sobre a prática infrativa. 75. Encontra-se assim indubitavelmente prescrito o procedimento criminal referente às prestações contributivas em apreciação nos autos, atento o prazo de 5 anos legalmente estabelecido no artigo 21.° n.° 1 do RGIT, prescrição que expressamente se invoca. 76. Por outro lado, o tribunal recorrido ao não ter-se pronunciado sobre a questão da prescrição das prestações tributárias à data da sua constituição como arguido, questão que decidiu "avocar" pese embora tal questão esteja pendente em Tribunal Tributário e pendente de Recurso interlocutório, incorre em clara omissão de pronúncia. Sem prescindir 77. Se ao arguido vier a ser aplicada uma pena de prisão deve a mesma ser suspensa na sua execução por se verificarem ainda e em concreto os pressupostos de que a lei faz depender a referida suspensão, desde logo por ser a solução que a lei prefere. Foram violados os artigos 283.º n.° 3 alínea b) e 355.º do Código de Processo Penal; 21.°, 105.° n.° 1, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias, 30.°, 40.º e 50.° do Código Penal e 20.° n.° 4, 32.° n.° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. * 2.2. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, tomando a seguinte posição: «No que respeita à alegada prescrição do procedimento criminal não assiste razão ao recorrente, pois que a extinção da dívida fiscal/à Segurança Social por prescrição não faz prescrever a responsabilidade criminal, mas apenas torna não exigível o montante da dívida em causa, sendo diversas as regras de prescrição do procedimento criminal por ilícito fiscal ou da Segurança Social. Encontrando-se o aqui recorrente acusado de um único crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.°, 7.°, n.° l, e 107.°, n.° l, e 2, por referência ao 105.°, n.° l, 4, e 5, do RGIT, o qual é punido com pena de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas, o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal é de dez anos (cfr. artigos 21.°, n °2, do RGIT e 118.°, n °1, alínea b), do Código Penal). Atenta a data em que o crime foi consumado e as causas de interrupção da prescrição ocorridas nos autos - constituição de arguido; notificação da acusação ao arguido (artigo 121°, n° l, al. a) e b) do Código de Processo Penal e ainda a causa de suspensão da prescrição ocorrida e prevista no artigo 121°, n° l, al. b) e n° 2 do citado diploma legal, o procedimento criminal não se encontra prescrito. Quanto à alegada violação do artigo 355° do Código Penal, rçsulta da análise da fundamentação da sentença que, efectivamente a Mma Juiz faz referências a declarações proferidas em sede de inquérito por então arguidos e ainda ao despacho de arquivamento. Contudo, consideramos que a formação da convicção do Tribunal baseou-se apenas nos depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento e cuja análise e apreciação crítica é feita na sentença, conjugados com os documentos especificados na motivação da sentença, não nos merecendo reparo a factualidade dada por provada na sentença. Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no artigo 127° do Código de Processo Penal, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação. A este respeito da livre apreciação da prova, afirma Maia Gonçalves "(...) como uniformemente expendem os autores, livre apreciação de prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica"[1]. Nesta esteira segue Marques Ferreira quando refere que " (... ) livre apreciação ou apreciação nunca poderá confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a meia impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova"[2]. In casu, da análise da sentença em crise não se encontram razões para censurar a convicção formada pelo tribunal a quo, tendo a Mma Juiz na fundamentação da decisão da matéria de facto analisado o teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, sendo bem explícito e claro o processo de formação da sua convicção. A decisão sobre esta matéria encontra-se devidamente motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, nenhuma delas proibidas por lei e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção, operando a sua análise crítica, sendo evidente que a convicção alcançada se mostra suficientemente objectivada e motivada, sendo manifesto que as razões que presidiram à motivação da prova … se apresentam lógicas, racionais e coerentes com o conjunto da prova produzida, pelo que bem andou a Mma Juiz em condenar o arguido pela prática do crime de que vinha acusado. No que respeita à medida da pena de prisão aplicada e não suspensão da sua execução, também não nos merece reparo, atentos os fundamentos invocados na sentença, mostrando-se a mesma proporcional e adequada. * 3. Subidos os autos, neste Tribunal da Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto, «acompanhando os fundamentos da resposta do MP», pugna igualmente «pela improcedência do recurso e a subsequente manutenção do decidido na sentença recorrida». 4. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado. 5. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mesmo Código, teve lugar a conferência, cumprindo decidir. *** II. FUNDAMENTAÇÃO: 1. Vejamos, em primeiro lugar, o teor da decisão recorrida no que concerne à matéria de facto (transcrição): «FACTOS PROVADOS Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: 1. A sociedade arguida "FS , Lda." é uma sociedade por quotas, titular do NIPC 000.000.000, com sede na Rua …, em Lisboa e que tem por objecto social a prestação de serviços de vigilância e controlo de entrada e saída de pessoas e bens em edifícios ou quaisquer outros prédios, prevenção contra actos ilícitos ou sinistros em geral; 2. O arguido J. exerceu as funções de gerente de facto e de direito da sociedade arguida desde a sua constituição até 12 de Janeiro de 2010, mantendo tais funções apenas de facto desde então e até à presente data; 3. Como gerente competia àquele arguido, em exclusivo, a direcção da actividade da sociedade "FS , Lda.", actuando sempre em nome e no interesse desta designadamente, cabia aquele proceder ao preenchimento mensal das folhas de remuneração e correspondente entrega das mesmas junto da Segurança Social; 4. Competia-lhe, de igual forma, proceder à entrega dos montantes deduzidos das remunerações pagas aos trabalhadores da sociedade arguida, a título de contribuições para a Segurança Social; 5. Porém, em Julho de 2009 o arguido decidiu deixar de pagar as quotizações devidas à Segurança Social; 6. Com efeito, no período compreendido entre os meses de Julho de 2009 a Janeiro de 2012, o arguido procedeu ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos trabalhadores, nas remunerações efectivamente pagas, mas não procedeu à sua entrega junto da Segurança Social, nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 (quinze) do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem decorridos os 90 (noventa) dias posteriores; 7. As referidas cotizações retidas nas remunerações efectivamente pagas totalizavam o montante de €240.051,53 (duzentos e quarenta euros cinquenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), assim discriminado:
8. No prazo previsto na alínea b) do n.°4 do artigo 105.°, ex vi artigo 107.°, n.°2, do RGIT, foram pagas apenas as quotizações referentes aos meses de Julho de 2009 a Maio de 2010; 9. No entanto, notificados para proceder ao pagamento do remanescente das quotizações retidas (no montante de €201.866,97 - duzentos e um oitocentos e sessenta e seis euros e noventa e sete cêntimos) e respectivos juros de mora, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do disposto no n.°4 do artigo 105.°, ex vi artigo 107.°, n.°2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento; 10. O arguido J. actuou em nome e no interesse da sociedade arguida "FS , Lda.", bem como no seu próprio interesse; 11. A sociedade arguida foi declarada insolvente, por sentença proferida em 19 de Março de 2012, no âmbito do processo de insolvência com o n.°828/11.6 TYLSB que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Lisboa; 12. Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado e único, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram; 13. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por Lei; 14. Actualmente, ainda está em dívida ao Instituto da Segurança Social a quantia de €115.703,29 (cento e quinze mil, setecentos e três euros e vinte e nove cêntimos); 15. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais; 16. O arguido é divorciado e tem 4 (quatro) filhos de 20 (vinte), 14 (catorze), 5 (cinco) e 3 (três) anos de idade que vivem com ele e dependem economicamente dele; 17. O arguido aufere mensalmente €5.000,00 (cinco mil euros) da sua actividade profissional de gestor; 18. O arguido tem a Licenciatura em Gestão e Contabilidade; 19. - Por sentença de 23.06.2005, transitada em julgado a 17.05.2006, proferida no âmbito do processo comum singular n° 472/02.9 TAVLG do 2o Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi o arguido condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros) pela prática em 17.10.2002 de um crime de injúria - por despacho de 17.11.2006 foi declarada extinta a pena pelo pagamento; - Por acórdão de 10.02.2011, transitado em julgado a 20.12.2012, proferida no âmbito do processo comum colectivo n° 336/04.1 IDPRT da 4a Vara Criminal do Porto, foi o arguido condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos com sujeição a deveres pela prática em 14.07.2003 de um crime de abuso de confiança fiscal - por despacho de 24.01.2017 foi declarada extinta a pena; - Por acórdão de 02.10.2014, transitado em julgado a 10.09.2016, proferido no âmbito do processo comum colectivo n° 9492/05.0 TDLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Criminal - Juiz 18, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática em 2013 de nove crimes de abuso de confiança fiscal; - Por acórdão de 09.02.2018, transitada em julgado a 06.01.2020, proferido no âmbito do processo comum colectivo n° 7656/15.8 TDLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Criminal - Juiz 24, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova pela prática em 01.01.2015 de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada; - Por sentença de 29.10.2019, transitada em julgado a 06.01.2020, proferida no âmbito do processo comum singular n° 1437/16.9 T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Criminal - Juiz 12, foi o arguido condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) pela prática em 08.03.2016 de um crime de denúncia caluniosa. * FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos não provados. * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (…) *** 2. Delimitação do objeto do recurso da decisão final: 2.1. Perante o conteúdo das conclusões formuladas pelo recorrente no final da respetiva motivação - as quais delimitam e fixam o objeto do recurso -, aquele submete à apreciação deste tribunal de segunda instância as seguintes questões: - Nulidade da acusação, por violação dos artigos 283.º, n.º 3 al. b) do CPP, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da CRP; - Ilegalidade da 2.ª notificação para pagamento do remanescente dos valores em dívida, violando a condição de procedibilidade do artigo 105.º, n.º 4, do RGIT; - No momento em que houve constituição de arguido e este foi notificado nos termos do aludido artigo 105.º, n.º 4 do RGIT, já havia ocorrido a prescrição do procedimento criminal e as prestações tributárias omitidas já se mostravam prescritas; - É nula a decisão, por ter omitido pronúncia sobre a aludida prescrição; - A decisão padece de erro notório na apreciação da prova; - O tribunal formou a sua convicção valorando prova proibida; - Impugnação da matéria de facto provada; - Há erro na qualificação jurídica dos factos provados, estando-se perante uma pluralidade de crimes e não perante um crime único; - A manter-se a condenação, deverá a respetiva pena de prisão ser suspensa na sua execução. 2.2. O recorrente declarou manter interesse nos dois recursos intercalares interpostos na sessão da audiência do dia 1/10/2019 (fls. 941/942), dos despachos de 30/09/2019 (fls. 934) e de 1/10/2019 (fls. 941) e ambos motivados a 11/10/2019 – fls. 956 a 960 e fls. 950 a 955, respetivamente -, requerendo que os mesmos subam com o recurso da decisão final e sejam apreciados. Está em causa, naquela primeira decisão, o indeferimento do pedido de suspensão do processo penal, ao abrigo do artigo 7.º, do CPP, por se encontrar pendente no tribunal tributário um pedido de reconhecimento da prescrição das prestações devidas à Segurança Social (Processo n.º 2241/18.5BELRS, do Tribunal Central Administrativo Sul), enquanto no segundo despacho o tribunal de primeira instância não reconheceu que o primeiro padecia de irregularidade, por falta de fundamentação. 3. Conhecendo das aludidas questões, impõe-se, antes de mais, apreciar os recursos intercalares. Assim: 3.1. Em 24/09/2019, o arguido J. apresentou o requerimento de fls. 885 a 888, pedindo a suspensão dos presentes autos, por existir questão prejudicial a decidir pelo tribunal tributário naquele referido processo do TCA Sul, referente à «prescrição das cotizações e contribuições fundamento do preenchimento do tipo de ilícito imputado ao arguido» e que por este fora suscitada junto do Instituto da Segurança Social I.P., bem como pelo facto de haver «oposição judicial com vista ao reconhecimento da prescrição das infrações tributárias em causa na acusação pública, referentes ao período de Julho de 2009 a Janeiro de 2012». O tribunal de primeira instância indeferiu tal pretensão nos seguintes termos (despacho de 30/9/2019): «Fls. 886 a 928 Já anteriormente o arguido suscitou questão idêntica, tendo o Tribunal se pronunciado pelo indeferimento e o Tribunal da Relação de Lisboa também negou provimento ao recurso do arguido que incidiu sobre tal despacho pelo que indefiro o requerido. Notifique.» O mesmo arguido veio invocar que o antecedente despacho padece de irregularidade, à luz do artigo 97.º, n.º 5, conjugado com o artigo 123.º, do CPP (cfr. requerimento de fls. 936/938), pedindo a sua substituição por outro devidamente fundamentado. Tal pretensão foi indeferida pelo despacho de 1/10/2019 (vd. ata da sessão da audiência, fls. 941), do seguinte teor: "O arguido vem de fls. 886 a fls. 928 requerer a suspensão dos autos para que fosse oficiado o Tribunal Tributário de tal despacho a fim de que seja conferida prioridade ao referido processo e ainda que seja dada sem efeito a presente audiência de julgamento agendada para o dia 1 de Outubro de 2019. Sobre esse requerimento foi proferido despacho a 30 de Setembro de 2019 que consta de fls. 934 em que o Tribunal refere que já anteriormente o arguido havia suscitado questão idêntica da suspensão dos autos tendo o Tribunal se pronunciado pelo indeferimento que, aliás, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa havia sido negado provimento ao recurso do arguido que incidiu sobre esse despacho e assim indeferiu o requerido. O despacho de fls. 934 está fundamentado e assim não padece de qualquer irregularidade ou nulidade nos termos dos art.ºs 97º, n.º 5 e 123º, ambos do C. P. P. Improcede a alegada falta de fundamentação. Notifique." Na primeira instância, o MP pronunciou-se pela improcedência de ambos os recursos. É manifesta a falta de razão do recorrente. Por um lado, aquele primeiro despacho não padece de irregularidade por falta de fundamentação, por outro, não há razões para a sua revogação. As exigências de fundamentação são, no presente caso, as decorrentes do artigo 97.º, n.º 5, do CPP, tal como é aceite pelo próprio recorrente, daquela norma resultando que «os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão». Ora, o despacho reclamado esclarece quais são as razões pelas quais indefere o requerimento do arguido, dele se apreendendo que a mesma pretensão já tinha sido anteriormente formulada, o tribunal tinha-a indeferido e o Tribunal da Relação de Lisboa, em recurso da respetiva decisão de indeferimento, confirmou-a, daí decorrendo que, na perspetiva do tribunal recorrido, já havia decisão transitada em julgado sobre a questão que lhe era de novo colocada, estando impedido de sobre ela proferir nova decisão. Tal fundamentação é, do nosso ponto de vista, suficiente, cumprindo as exigências legais enunciadas no normativo citado. Quanto ao respetivo mérito, a decisão também não merece censura. Tal como se refere na mesma, a questão já havia sido anteriormente decidida, tendo o tribunal indeferido a pretensão de suspensão do presente processo, requerida pelo mesmo arguido e com fundamentos idênticos aos que agora invoca, tendo-se pronunciado sobre a mesma esta Relação, de cujo acórdão transcrevemos o seguinte texto: «Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n° 2882/16.5TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 3), o arguido J. veio requerer a suspensão do processo, alegando que apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa acção de Intimação Judicial contra o Instituto de Segurança Social IP - Núcleo de Investigação Criminal, afim de que se reconheça a prescrição das prestações respeitantes a cotizações referentes aos períodos compreendidos entre o ano de 2009 e 2012 e que essas prestações são as mesmas que estão em causa nos presentes autos de processo crime, … O recorrente J. encontra-se pronunciado por um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (arts. 6, 7, n° l e 107°, n° l e n° 2, por referência ao artigo 105, n°s 1, 4 e 5, todos do RGIT), por retenção de cotizações não entregues à Segurança Social, relativas a remunerações dos meses de Julho de 2009 a Janeiro de 2012. Alega que intentou uma acção de Intimação Judicial contra o Instituto de Segurança Social IP - Núcleo de Investigação Criminal, a fim de ser reconhecida a prescrição das prestações respeitantes a cotizações referentes aos períodos compreendidos entre o ano de 2009 e 2012, período em causa nos presentes autos. … No caso, o recorrente refere-se ao conhecimento da “prescrição das prestações ...”, mas tem de ter presente que “a responsabilidade tributária não se confunde com a responsabilidade criminal pela conduta omissiva de entrega de prestações tributárias”. Nestes autos, considerando o seu objecto definido pelo despacho de pronúncia, está em causa a responsabilidade criminal do arguido, o que pode abranger apreciação da prescrição do respectivo procedimento criminal, questão da competência do tribunal criminal e para conhecimento da qual os autos fornecem todos os elementos, sendo evidente que nenhuma justificação existe para a suspensão do processo. … Ao contrário do alegado, não há qualquer risco de litispendência ou oposição de decisões, pois o objecto da instância penal é diferente do da instância tributária. Assim, é manifesto que o recurso não merece provimento.» Face ao invocado no requerimento que foi indeferido, não vemos razões para que o tribunal de primeira instância devesse ter tomado diferente posição daquela que tomou, inexistindo fundamento que justifique, à luz do artigo 7.º, do CPP, ou do artigo 47.º, do RGIT aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, a pretendida suspensão do presente processo penal tributário. Consequentemente, são improcedentes ambos os recursos intercalares. 3.2. Passemos, assim, ao recurso da decisão final. 3.2.1. A primeira questão a abordar é a que respeita à invocada nulidade da acusação, por violação dos artigos 283.º, n.º 3 al. b) do CPP, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da CRP. Segundo o recorrente: - Não há factos inscritos na acusação que permitam apontar uma só resolução criminosa ao arguido tomada em Julho de 2009 e também quanto às demais prestações tributárias. - Assim por falta de facto concretamente imputado ao arguido incorre a acusação no vício descrito. - Neste conspecto, andou mal o tribunal recorrido ao perante a inexistência da descrição factual necessária, dar como provado a existência de uma única resolução criminosa pelo arguido, violando com isso o direito que o arguido tem de obter um processo equitativo onde lhe são possibilitadas todas as garantias de defesa, direitos constitucionalmente previstos. Em matéria de nulidades vigora em processo penal o princípio da legalidade (artigo 118.º, n.º 1, do CPP), só sendo reconhecidas as que, como tal, estão expressamente previstas na lei. Relativamente à acusação, o n.º 3 do artigo 283.º, do CPP, fixa os respetivos requisitos em termos de conteúdo, sob pena de nulidade. Não dizendo a lei que se trata de nulidade insanável (art.º 119.º, do CPP), a conclusão é de que estamos perante uma nulidade dependente de arguição, pelo interessado, que terá de a invocar dentro de determinado prazo, concretamente, até ao encerramento do debate instrutório, ou, não havendo lugar a instrução, nos cinco dias após a notificação do próprio despacho de acusação (artigo 120.º, n.º 3, al. c), do CPP). A sua invocação perante o juiz de julgamento é claramente intempestiva. Em fase de julgamento, a ausência de algum dos elementos essenciais referidos no aludido n.º 3, do artigo 283.º, do CPP - nomeadamente, na sua alínea b), precisamente a que foi invocada pelo recorrente -, terá como consequência a improcedência da acusação, nunca a declaração da sua nulidade. Na verdade, saber se os factos alegados são ou não suficientes para o preenchimento do crime que é imputado ao arguido, ou para que a infração assuma a forma ou modalidade escolhida por quem deduziu a acusação, ou ainda, se as disposição legais nela referidas são corretas ou erradas, são questões que respeitam ao mérito da acusação e não à sua forma, conduzindo à absolvição ou à condenação, ou à alteração da respetiva qualificação jurídica, consoante as circunstâncias concretas do caso, nunca implicando a declaração de nulidade. Todavia, para que não restem quaisquer dúvidas, dir-se-á que a acusação deduzida nestes autos pelo MP, contra o ora recorrente, não padece de tal nulidade, porquanto, a mesma contém todos os elementos essenciais: identificação do arguido, narração dos factos que justificam a aplicação, a este, de uma pena, indicação das disposições legais aplicáveis, rol de testemunhas e indicação de outras provas a produzir, data e assinatura. Consequentemente, inexistiam razões para rejeição da aludida acusação, impondo-se conhecer da matéria nela alegada, em sede de decisão final, pronunciando-se o tribunal quanto ao respetivo mérito, como aconteceu. 3.2.2. Passando à segunda das questões enunciadas supra, invoca o recorrente que é ilegal a 2.ª notificação para pagamento do remanescente dos valores em dívida, tendo sido violada a condição de procedibilidade do artigo 105.º,n.º 4, do RGIT. Vejamos em que termos é colocada a questão: - Foi violada a condição de procedibilidade prevista no artigo 105.° n.° 4 do RGIT. - Por um lado, os valores devidos e que se podem imputar ao arguido porque coincidentes com o seu período de gerência - o que apesar de tudo não se consente - encontram-se pagos. - Foi feita uma segunda notificação para pagamento do "remanescente das prestações tributárias omitidas", o que é ilegal e torna ilegal a primeira notificação feita nesses termos. - Apenas uma notificação é possível nos termos do artigo 105.° n.° 4 do RGIT, que sendo condição de procedibilidade não se encontra verificada. Resulta dos autos que houve uma primeira notificação de António Jorge Tavares dos Santos para proceder ao pagamento das quantias em dívida pela sociedade arguida, no prazo de 30 dias, ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do RGIT, no pressuposto de que era ele o gerente dessa mesma sociedade. Aquele pagou as quantias respeitantes ao período de Julho de 2009 a Maio de 2010, alegando que as demais não eram da sua responsabilidade. Apurou-se, entretanto, no processo que o gerente de facto da sociedade no período correspondente às prestações ainda em falta seria o ora recorrente J., o qual foi constituído arguido em 10/03/2017, prestou termo de identidade e residência e, nessa mesma data, foi notificado, ao abrigo do artigo 105.º, n.º 4 alínea b), do RGIT, para proceder ao pagamento do valor remanescente das prestações que não haviam sido pagas, acrescido dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após tal notificação (cfr. fls. 359 a 361, dos autos). Em 7/4/2017 seria interrogado (fls. 367/368). As prestações em causa seriam necessariamente as correspondentes aos meses de Junho de 2010 a Janeiro de 2012. Não vislumbramos onde esteja a ilegalidade das notificações que foram feitas ao abrigo da aludida disposição legal, ou que tipo de ilegalidade daí poderia resultar, sendo que, cada uma delas se dirigiu a diferente pessoa singular que teria atuado na qualidade de gerente da sociedade devedora das quantias à Segurança Social, em momentos diversos. O facto de ter havido uma notificação naqueles termos a um gerente, não impede que posteriormente seja notificada, nos mesmos termos, uma outra pessoa que também teve essa qualidade, relativamente a quantias que não foram pagas pela primeira e que respeitam a período diverso, sendo suposto que esta segunda pessoa exercesse tal gerência no período respetivo. Assim como, esta segunda notificação não anula a primeira, sendo ambas válidas e eficazes. 3.2.3. Mais alega o recorrente que, no momento em que houve constituição de arguido e este foi notificado nos termos do aludido artigo 105.º, n.º 4 do RGIT, já havia ocorrido a prescrição do procedimento criminal e as prestações tributárias omitidas já se mostravam prescritas, sendo nula a decisão, por ter omitido pronúncia sobre a aludida prescrição. Quanto à prescrição destas últimas, sempre foi entendimento do tribunal recorrido que tal questão não se colocava neste processo, no qual estava em causa apenas a prescrição do procedimento criminal - sobre a qual o tribunal se pronunciou oportunamente -, porquanto, por um lado, tal como era referido pelo arguido, existia processo pendente na AT em que estava em causa a cobrança das mesmas, com base em impugnação do visado, que havia arguido aquela prescrição, por outro, porque o pedido de indemnização civil formulado neste autos tem como causa de pedir um facto ilícito criminoso, que é independente da obrigação de pagamento da dívida subjacente à omissão de entrega das prestações à Segurança Social. Diferença esta que justificou o indeferimento do pedido de suspensão desta instância criminal - decisão que obteve a confirmação desta relação, em recurso que dela foi interposto -, na medida em que, inexistia, desse ponto de vista, questão prejudicial que impedisse uma decisão de mérito. Todavia, a questão que nos é colocada neste momento em sede de recurso da decisão final tem contornos algo diferentes. Não se trata de suspender os termos do presente processo para aguardar a decisão a proferir no tribunal tributário quanto a uma eventual extinção da dívida, por prescrição, mas reconhecer que, no momento em que o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do aludido artigo 105.º, n.º 4 al.b), do RGIT, já inexistia obrigação de pagamento, porque prescrita a dívida. Inexistindo tal obrigação, o arguido não estaria obrigado a pagar no prazo que lhe foi fixado e, consequentemente, o não pagamento nunca poderia traduzir a condição de punibilidade que decorre daquela norma ao abrigo da qual foi feita a notificação. Note-se que a última prestação não paga respeita a Janeiro de 2012 e devia ter sido paga nos primeiros quinze dias do mês seguinte (Fevereiro de 2012). Ainda que se desconheça se houve outros atos administrativos anteriores com vista à cobrança da dívida e suscetíveis de interromper o prazo da prescrição – que é de cinco anos (artigo 60.º, n.º 3, da lei de Bases da Segurança Social) - o inquérito criminal a que respeita o presente processo já se havia iniciado em 11/05/2016, suspendendo a partir daí o aludido prazo até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, impedindo a prescrição pelo menos das prestações posteriores a Maio de 2011. Todavia, independentemente da solução dada à questão da prescrição das prestações em dívida à Segurança Social, temos como certo que ocorreu a prescrição do procedimento criminal, reconhecendo-se que o recorrente tem razão nesta parte. Tal afirmação, convém desde já esclarecer, é feita em função do tipo legal de crime que, na nossa perspetiva, se mostra preenchido pela conduta imputada ao arguido e que decorre dos factos considerados provados pelo tribunal recorrido. Na verdade, nesta fase processual, em que já decorreu o julgamento e foi proferida decisão final, a prescrição do procedimento criminal não pode ser vista única e exclusivamente em função do crime imputado na acusação, mas em função do crime efetivamente cometido pelo arguido, face à factualidade dada como assente pelo tribunal de julgamento. Se a qualificação jurídica dos factos que decorre da acusação e da sentença se mostrar errada, haverá que proceder à qualificação que se entende como correta e, em função do crime efetivamente cometido, analisar se tal prescrição ocorreu ou não. Ora, independentemente da procedência ou improcedência da impugnação de facto apresentada pelo recorrente, temos como certo que os factos considerados provados na sentença não preenchem a circunstância agravante do crime, prevista no n.º 5 do artigo 105.º, do RGIT, em conjugação com o subsequente artigo 107.º, n.º 1 - ser a prestação não entregue superior a 50000,00 euros -, o que determina que aqueles mesmos factos sejam puníveis com a pena prevista no n.º 1 daquele primeiro artigo, ou seja, com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Vejamos a redação de tais normas: Artigo 105.º - Abuso de confiança 1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja. 3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente. 4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. 5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas. 6 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro). 7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. Artigo 107.º - Abuso de confiança contra a segurança social 1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º 2 - É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º No que respeita a prescrição, rege o artigo 21,º, nos seguintes termos: 1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos. 2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos. 3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. 4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º. Há ainda a considerar o disposto no artigo 5.º, do mesmo diploma, com a epígrafe «Lugar e momento da prática da infracção tributária»: 1 - As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários. 3 - Em caso de deveres tributários que possam ser cumpridos em qualquer serviço da administração tributária ou junto de outros organismos, a respectiva infracção considera-se praticada no serviço ou organismo do domicílio ou sede do agente. Sobre esta matéria, há vária jurisprudência dos tribunais portugueses, não se notando discrepâncias relevantes. Assim, podem consultar-se, a título exemplificativo: - Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 2/2015 - in Diário da República n.º 35/2015, Série I de 2015-02-19: No crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107.º, número 1, e 105.º, números 1 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas, conforme dispõe o artigo 5.º, número 2, do mesmo diploma. Ac. TRC de 22.02.2017 : I - O crime de abuso de confiança contra a segurança social torna-se perfeito, isto é, consuma-se, com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, por estes devidas. Ac. TRE de 3-06-2014 : I. O momento relevante para aferir se o prazo prescricional se apresenta decorrido, para efeito de procedimento por crime de abuso de confiança contra a segurança social, é o do termo do prazo legal para entrega da prestação devida, não obstante a punibilidade dos factos esteja sujeita á condição objectiva de que tenham decorrido mais de 90 dias sobre esse mesmo termo. II. A data da consumação do ilícito não é alterada por via da consagração daquela condição, funcionando esta, apenas, como causa de restrição da pena, por afastamento pelo legislador das necessidades da aplicação desta. Ac. TRE de 16-04-2013: III. O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social consuma-se no momento da não entrega nos cofres do Estado das prestações tributárias deduzidas nos termos da lei e que se estava legalmente obrigado a entregar. Ac. TRC de 5-12-2012 (proc. 173/11.7TAMGR.C1: A circunstância de o crime - abuso de confiança contra a segurança social - ficar consumado no momento em que o agente devia proceder à entrega da prestação (último dia do prazo), mas não ser punível salvo depois de correrem 90 dias sobre o termo do prazo para a entrega, a natureza de condição objectiva de punibilidade de que se reveste este prazo (cfr. al. a), do n.º 4, do artigo 105º e n.º 2, do art.º 107º, do R.G.I.T.), aliado ao facto de estar por demonstrar que enquanto o mesmo não decorrer se encontra vedado o exercício da acção penal, a isto acrescendo que o contrário seria converter, à margem da lei, tal prazo numa causa de suspensão da prescrição, leva a que se perfilhe o entendimento de que tal prazo é irrelevante para o efeito de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, cujo início se verifica na data em que o crime se consumou. A regra é, pois, que «o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia imediato ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega das prestações contributivas devidas». O que está em consonância com o disposto no n.º 7 do artigo 105.º, o qual é igualmente aplicável ao crime de abuso de confiança à Segurança Social, por força do n.º 2 do artigo 107.º, do RGIT, no qual se determina que, «Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária». O valor de cada declaração não é, obviamente, o valor global de todas as declarações cujo pagamento esteja em falta. Os vencimentos dos trabalhadores são pagos mensalmente, sendo deduzidas naqueles vencimentos, pela entidade patronal, as quotizações e contribuições dos trabalhadores, para a Segurança Social. As declarações correspondentes a essa retenção na fonte têm de ser remetidas à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte, com o respetivo pagamento a esta das quantias deduzidas. Consequentemente, a prestação de declaração e o correspondente pagamento têm uma periodicidade mensal. Cada prestação mensal que não é paga até á data limite, constitui um crime de abuso de confiança à Segurança Social. Qualquer outro entendimento viola frontalmente não só as disposições legais acima citadas, em especial o n.º 7 do artigo 105.º, do RGIT, assim como contraria o disposto no artigo 30.º, n.º 1 do CP - salvo se verificados, no caso concreto, os pressupostos do crime continuado, nos termos do n.º 2 deste mesmo preceito -, e, para além disso, afronta os princípios definidos pela doutrina respeitantes à teoria geral do crime, ao considerar a existência de um crime único, quando se está perante uma pluralidade de condutas criminosas independentes entre si, com base numa formulação genérica de uma potencial resolução criminosa inicial formulada pelo arguido em data anterior aos factos, no sentido de que iria, a partir de então, «deixar de pagar as quotizações devidas à segurança Social (facto provado n.º 5). Se esta afirmação valesse como princípio geral e fosse suficiente para definir o número de crimes, reduzindo as várias ações criminosas a um só crime com base numa só resolução criminosa inicial, então, sempre que um arguido decidisse, em determinado momento da sua vida, passar a dedicar-se à prática de crimes - fosse qual fosse o tipo de ilícito que conjeturasse, homicídio, roubo, burla, furto, etc,… -, por mais crimes que cometesse ao longo da sua vida, de um ou de vários tipos, haveria sempre apenas um só crime ou, no máximo, um crime por cada um desses tipos legais. Trata-se de solução que é no mínimo absurda e que vai contra todos os ensinamentos da doutrina penal e da jurisprudência conceituada sobre esta matéria. A regra é, segundo o que dispõe o mencionado artigo 30.º, n.º 1, do CP, que «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente». Ressalva-se, como dissemos, a hipótese do crime continuado, previsto no n.º 2 do mesmo artigo, cujos pressupostos, porém, não se verificam no presente caso, porque nada foi alegado, nem se mostra provado, que permita integrá-los, nomeadamente, nada se extrai da factualidade apurada que permita concluir que o arguido agiu «no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa». É que, independentemente da formulação daquele seu propósito genérico inicial quanto ao seu eventual modo de vida no futuro, o agente do crime terá sempre de planear cada um dos atos ilícitos a executar em cada momento, planificar o modo de atuação, munir-se dos meios necessários à sua concretização, criar as condições ideais para que a sua ação criminosa seja bem sucedida. Em suma, tem de formular uma resolução criminosa dirigida ao crime concreto que pretende executar, dando início, de seguida, à sua execução. Aquele “pensamento” ou “decisão” inicial quanto ao que se propõe fazer no futuro, não o dispensa de formular a aludida resolução, ou de, pelo menos, renová-la, agora dirigida ao ato típico, concreto, que intenta executar. Apesar da repetição mensal dos mesmos comportamentos ilícitos, jamais se poderá afirmar que estes se devem a uma só e única resolução criminosa inicial, formulada em Julho de 2009 e mantida até Janeiro de 2012, pois, em cada mês terá de haver pelo menos uma renovação dessa resolução, o que implica uma ação criminosa autónoma por cada prestação omitida. Seriam estas as regras e princípios aplicáveis, ainda que não houvesse, quanto aos crimes tributários em questão, a regra expressa do n.º 7 do artigo 105.º, do RGIT. Esta, porém, não deixa qualquer margem para outra solução diferente daquela que defendemos, demonstrando que foi opção clara do legislador consagrar o princípio de que, a cada declaração periódica e subsequente omissão do respetivo pagamento corresponderá um crime autónomo, neste caso, de abuso de confiança à Segurança Social. Haverá, assim, tantos crimes desse tipo, quantos os meses cuja prestação estiver em falta. Conforme se refere no Ac. da Rel. de Coimbra de 1/6/2016, Proc. 41/14.0TACVL.C1: I - O número de crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social e de abuso de confiança fiscal ter-se-á necessariamente de aferir pelo equivalente número de prestações contributivas e tributárias intencionalmente (dolosamente) retidas pelo respectivo vinculado no termo final do prazo legal da respeitante entrega à Segurança Social e à Administração Tributária, e, no que concerne ao tipo-de-ilícito de abuso de confiança fiscal, ainda pelo concreto valor pecuniário de cada uma das devidas prestações tributárias (fiscais), por só para tanto relevarem as de montante superior a € 7.500,00. II - Apenas se legitimará juridicamente equacionar a sua unificação e subordinação à figura do concernente crime continuado caso na acusação se enuncie e em julgamento comprove a contemporânea – aquando de tais termos finais legais do cumprimento de cada uma das faltosas prestações contributivas e fiscais – existência dalgum específico, concreto e objectivo circunstancialismo fáctico externo/exógeno à pessoa do próprio obrigado cuja repetição ou manutenção reúna racional adequação à quebra do seu exigível sentido de atinente dever jurídico e cívico e ao comummente/empiricamente compreensível condicionamento da sua sucessiva queda em tentação de desobediência às correspectivas imposições legais e de indevida retenção/apropriação dos montantes pecuniários correspondentes a cada uma das devidas prestações, decorrentemente justificativa da simétrica redução da carga da respeitante censurabilidade. No presente caso, o valor de cada prestação é sempre inferior ao que é definido no n.º 5 do artigo 105.º (50 000,00 euros), pelo que, cada um desses crimes é punível pelo número 1 do mesmo artigo, com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Consequentemente, o prazo de prescrição do respetivo procedimento criminal é de cinco anos, conforme decorre do citado artigo 21.º, n.º 1, do RGIT. A última prestação omitida deveria ter sido paga em Fevereiro de 2012. Relativamente ao ora recorrente, o primeiro facto interruptivo da prescrição ocorreu apenas em 10 de Março de 2017, com a constituição de arguido, ou seja, depois de decorridos os aludidos cinco anos a contar da consumação do último ato ilícito, não tendo havido qualquer suspensão do prazo até àquela mesma data. Concluindo-se, pois, que ocorreu a prescrição, com a consequente extinção do procedimento criminal quanto a toda a conduta ilícita que é imputada ao arguido J. neste processo, implicando a sua absolvição do crime e do pedido de indemnização civil contra ele formulado após aquela data e o subsequente arquivamento dos autos na parte que lhe diz respeito. Nessa conformidade, o recurso é procedente, ficando prejudicadas as demais questões que haviam sido suscitadas. *** III. DECISÃO: Nos termos expostos: 1. Julgam-se improcedentes os dois recursos interlocutórios; 2. Julga-se procedente o recurso interposto da decisão final pelo arguido J., declarando-se extinto, pela prescrição, o procedimento criminal respeitante à factualidade que lhe é imputada neste processo, da qual se absolve, bem como do pedido de indemnização civil que contra ele foi formulado, determinando-se o subsequente arquivamento dos autos na parte que lhe diz respeito. *** Condena-se o recorrente nas custas dos dois recursos interlocutórios, com taxa de justiça que se fixa em três (3) euros, por cada um. Sem custas o recurso da decisão final, por não serem devidas. Notifique. Lisboa, 23/02/2021 José Adriano Vieira Lamim _______________________________________________________ [1] Código de Processo Penal Anotado, Almedina, Coimbra-1999, pag.325. [2] /rc. Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra - 1988, pag.228. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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