Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
28/08.2TALLE.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
CONSUMAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I - O momento relevante para aferir se o prazo prescricional se apresenta decorrido, para efeito de procedimento por crime de abuso de confiança contra a segurança social, é o do termo do prazo legal para entrega da prestação devida, não obstante a punibilidade dos factos esteja sujeita à condição objectiva de que tenham decorrido mais de 90 dias sobre esse mesmo termo.
II – A data da consumação do ilícito não é alterada por via da consagração daquela condição, funcionando esta, apenas, como causa de restrição da pena, por afastamento pelo legislador das necessidades da aplicação desta.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 28/08.2TALLE.E1
*

Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora

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1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, o Ministério Público deduziu acusação contra A, B e C, imputando-lhes, em co-autoria, um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 107.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao art. 105.º, n.ºs 1 e 4, conjugados com os arts. 6.º e 7.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, com as sucessivas alterações, e 30.º, n.º 2, do Código Penal (CP).
Por seu lado, o Instituto da Segurança Social, I.P., deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de €25.641.59 (incluindo juros vencidos até à apresentação do pedido), acrescida de juros vincendos até integral pagamento.
Realizada instrução, os arguidos vieram a ser pronunciados em termos idênticos aos constantes da acusação.
O arguido A apresentou contestação, sustentando que nunca exerceu funções como gerente da sociedade, nem teve interferência no pelouro financeiro, na tesouraria ou na contabilidade da mesma.
Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se:
- absolver o arguido A da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada,
p. e p. pelo art. 30.º, n.º 2, do CP, e arts. 107.º, 105.º, n.ºs 1 e 4, e 7.º, n.º 1, do RGIT, de que era acusado;
- condenar o arguido B, pela prática, em co­autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art. 30,º, n.º 2, do CP e arts. 107.º, 105.º, nºs 1 e 4, 7.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, na versão actual, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros), ou seja, na multa de € 1.050,00;
- condenar a arguida C pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, do CP e arts. 107.º, 105.º, n.ºs 1 e 4, e 7.º, n.º 1, do mesmo RGIT, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis Euros), ou seja, na multa de € 1.800,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido B interpôs recurso, formulando as conclusões:
«A. O Arguido B não exerceu efectivamente a gerência da sociedade arguida, em conformidade com a nomeação, em nome e no interesse da sociedade arguida e, consequentemente, deve julgar-se não provado o facto 6.
B. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17: 19:32 e fim da inquirição a 17:23 :57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
C. O Arguido B não exerceu a gerência de facto da sociedade arguida entre Setembro de 2004 e Abril de 2005, nem a representou, nem decidiu sobre os seus destinos e, consequentemente, deve julgar-se não provado o facto 7.
D. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43 :06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
E. Para a retenção das quantias correspondentes às contribuições para a Segurança Social devidas pelos trabalhadores da sociedade arguida, durante o período de Setembro de 2004 e Abril de 2005, o Arguido B em nada contribuiu e, consequentemente, deve julgar-se não provado os factos 13, 14 e 15.
F. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
G. Não foi em virtude da actuação do arguido B que as folhas de remuneração dos trabalhadores da C foram entregues à Segurança Social e, consequentemente, deve julgar-se não provado o facto 18.
H. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17:15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. …dos autos.
I. O Arguido B não tomou qualquer decisão de gestão na C que determinasse a entrega da folha de remunerações dos trabalhadores à Segurança Social, a dedução desses montantes e a sua não entrega à referida entidade, nem tinha conhecimento de que tal sucedia na C, durante o período de Setembro de 2004 a Abril de 2005 e, consequentemente, deve julgar-se não provado os factos 19, 20, 21,22 e 23.
J. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
K. O Arguido B vive desde 1980, ou pelo menos desde 2002 em Moçambique e, consequentemente, deve julgar-se não provado o facto 25.
L. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
M. Era o Senhor H, quem, de facto, tomava conta da C, logo desde 2002, gerindo-a em todas as suas vertentes e determinava o destino dos dinheiros da arguida C e, consequentemente, deve julgar-se provado o vertido nos artigos 9.º, 18.º,28.º e 29.º da contestação;
N. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17: 15:41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
O. O Arguido B, apesar de ter sido nomeado gerente da empresa C, nunca actuou, de facto, como gerente, porquanto reside e trabalha em Moçambique desde 1988 e, consequentemente, deve julgar-se provado o vertido no artigo 11.º da contestação.
P. Para tanto contribuiu a análise do depoimento das testemunhas D gravado em CD, início a 16:20:41 e fim da inquirição a 16:43:06 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, E gravado em CD, início a 16:43:50 e fim da inquirição a 16:57:21 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos, F gravado em CD, início a 17:00:55 e fim da inquirição a 17:15 :41 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos e G gravado em CD, início a 17:19:32 e fim da inquirição a 17:23:57 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2011, a fls. ... dos autos.
Q. A reapreciação que se pede com o presente recurso não viola o princípio da liberdade de julgamento ou livre apreciação.
R. Em face da reapreciação da prova, o Arguido não praticou os crimes a que foi condenado, bem como não praticou qualquer acto ilícito civil.
S. Não se encontram reunidos os pressupostos quer para a condenação penal quer a condenação civil, pelo que as mesmas devem ser revogadas.
Nestes termos e mais de Direito aplicáveis requer-se a V. Exas. se dignem julgar procedente o recurso ora interposto e, desse modo, a:
a) reapreciar a matéria de facto provado e não provada julgada pelo Tribunal a quo e julgar como não provados os factos 6, 7, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 25 da sentença e julgar como provados os factos vertidos nos artigos 9°, 11°, 18°, 19°, 20°, 28° e 29° da contestação, que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo, e
b) consequentemente, absolver o Arguido B dos crimes de que foi condenado e do pedido de indemnização civil formulado pela Segurança Social.».

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
«1- A douta sentença impugnada sustenta-se nas provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento conjugadas com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, art.127º, do Código de Processo Penal.
2 - Fez o Tribunal um exame crítico das provas, tendo explicado o caminho lógico e funcional que o levou a formar a sua convicção e a valorar umas provas em detrimento de outras, culminando por condenar o arguido de modo adequado, norteando-se pela culpa.
3- Os excertos que o recorrente vai transcrevendo nas suas alegações atinentes às declarações das testemunhas, não passam de uma parte ínfima da prova testemunhal, pois ela na sua essência e na sua quase totalidade, aponta no sentido de o arguido B ter sido gerente de direito e de facto da Sociedade: ”C”, pelo menos nos anos de 2004 e 2005.
4- Face à tecnologia de que actualmente se dispõe, a circunstância de residir em Moçambique não impede ninguém e não impediu o arguido ora recorrente de ser gestor de facto e de direito da referida sociedade no período referido em 3º.
5- E como bem se diz na douta sentença que aqui transcrevemos: “Assim, considerou este tribunal, que o arguido B teve responsabilidade na tomada da decisão de reter as contribuições dos salários e pensões dos trabalhadores, devidos à segurança social, no período a que se reportam os factos e em que foi gerente da C”...
6- E é com a versão ínsita em 5º, que nós concordamos por se nos afigurar sensata, adequada às provas e à culpa do recorrente e conforme às normas legais aplicáveis.
7 - As conclusões do recorrente, não obstante serem elaboradas e metódicas, não se coadunam com a prova constante dos autos nem com a prova produzida e analisada em audiência de julgamento.
8- Não será demasiado inferir que o recorrente não desconhecerá que o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” (Prof Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 198~ 1. Q vol., fls. 211).
9- A verdade a que se chega no processo não é a verdade verdadíssima, mas uma verdade judicial e prática, uma «verdade histórico-prática e, sobretudo, não [é] uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida». Tratar-se de uma verdade aproximativa ou probabilística, como ocorre com a toda a verdade empírica, submetida a limitações inerentes ao conhecimento humano e adicionalmente condicionada por limites temporais, legais e constitucionais.
10- Estão de tal modo preenchidos todos elementos do tipo legal de crime p. e p. no art.107º, nº1, do RGIT, não tendo sido violado pela douta sentença nenhum legal
dispositivo.
11- Teve o Tribunal “a quo” em consideração para a escolha e medida da pena aplicada ao arguido todos os critérios referidos no art. 40º, 70º e 71 º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respectiva culpa, devendo manter-se a douta decisão.
12-Assim, por que não enferma de nenhum vício ou nulidade, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis da CRP., do Direito Criminal e Legislação Específica ...
13- Deverá manter-se na íntegra a douta decisão recorrida.».

O demandante não apresentou resposta.

O recurso foi admitido.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto, tão-só acrescentando, a título de parêntesis, prescrição do procedimento criminal.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

É pacifico que o objecto do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, como decorre do disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP (Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e outras nulidades que não se considerem sanadas e dos vícios da decisão, previstos nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, conforme, designadamente, jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série n.º 298/95, de 28.12.).
Reside, pois, em apreciar:
A) - da impugnação de matéria de facto;
B) - das consequências jurídicas a extrair quanto à responsabilidade do recorrente, quer no âmbito penal, quer na vertente cível.

Consta da sentença recorrida:
Matéria de facto provada:
1. A sociedade C tem o número de identificação de pessoa colectiva (…), sede em Areias de Almancil, em Almancil, encontra-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Loulé, e tem por objecto social a importação e comercialização de máquinas e equipamentos, produtos e materiais para desenho, construção e manutenção de campos de golfe, jardins e espaços verdes em geral, importação e comercialização de adubos, agro-químicos e produtos biológicos, prestação de serviços de limpeza, manutenção e decoração em casas e jardins.
2. Nos anos de 2004 e 2005, a gerência da sociedade arguida era exercida por uma ou mais pessoas a nomear, e a sociedade obrigava-se com a assinatura de apenas um gerente.
3. A 08.11.2002 foram nomeados gerentes o arguido B e E, facto levado ao registo a 22.11.2002.
4. A 25.08.2004 deu-se a destituição de E do cargo de gerente, data em que, a par disso, o ora arguido A foi nomeado para o cargo de gerente, passando então a constar como gerentes da sociedade ambos os sócios, os ora arguidos A e B, ambos com remuneração mensal clausulada.
5. Só a 09.05.2005, os arguidos B e A foram substituídos na qualidade de gerentes da sociedade arguida.
6. O arguido B exerceu efectivamente a gerência da sociedade arguida, em conformidade com a nomeação, em nome e no interesse da sociedade arguida.
7. Com efeito, a gerência de facto da sociedade entre Setembro de 2004 e Abril de 2005 esteve sempre unicamente a cargo do arguido B, que, representando-a e decidindo os seus destinos, exerceu real e efectivamente o cargo de gerente, durante o período a que os factos se reportam.
8. Apesar do arguido A, filho do arguido B, ter sido nomeado gerente de direito, nunca exerceu de facto a administração da sociedade.
9. A C encontra-se inscrita como contribuinte na segurança social.
10. No decurso da sua actividade, a C teve vários trabalhadores ao seu serviço, nomeadamente durante os anos de 2004 e 2005
11. Das remunerações mensalmente pagas aos trabalhadores da sociedade arguida, foram deduzidas, pela arguida C, as contribuições devidas à Segurança Social.
12. Essas contribuições deveriam ser entregues nos cofres da Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam
13. Porém, nos meses de Setembro de 2004 e de Novembro de 2004 a Abril de 2005, a sociedade arguida, por virtude da actuação do arguido B, que agia em nome e no interesse daquela sociedade, embora deduzisse às remunerações dos referidos trabalhadores as quantias correspondentes às contribuições para a Segurança Social devidas por estes, retendo-as, contudo, não as entregou na Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte aquele a que respeitavam.
14. Não o fez o arguido B, igualmente, nos 90 dias subsequentes.
15. Apesar de notificado, para proceder ao pagamento no prazo de 30 dias das quantias em dívida, acrescidas dos respectivos juros vencidos, o arguido B não o fez.
16. As contribuições/cotizações descontadas nas remunerações dos trabalhadores foram-no da forma a seguir descrita:
- por aplicação da taxa de 11% às remunerações base de incidência contributiva - relativamente a trabalhadores inscritos no regime geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem.
- por aplicação da taxa de 10% às remunerações base de incidência contributiva - respeitante a trabalhadores inscritos no sub-regime de Segurança Social de órgãos estatutários e equiparados,
17. Foram os seguintes os valores das cotizações deduzidas e não entregues à segurança social, referentes aos meses abaixo discriminados:
REGIME GERAL
Set-04 1.933,97 €
Nov-04 1.977,17 €
Dez-04 2.794,30 €
Jan-05 1.625,34 €
Fev-05 1.605,27 €
Mar-05 1.577,79 €
Abr-05 1.534,47 €
Total
13.048,32 €
MEMBROS DE ÓRGÃOS ESTATUTÁRIOS PESSOAS COLECTIVAS OU EQUIPARADAS
Período Dívida
Cotizações
Set-04 354,22 €
Nov-04 354,22 €
Dez-04 354,22 €
Jan-05 471,30 €
Fev-05 471,30 €
Mar-05 471,30 €
Abr-05 471,30 €
Total
2.947,86 €
18. Nos referidos períodos a sociedade arguida, por virtude da actuação do arguido B, entregou à Segurança social as respectivas folhas de remunerações.
19. O arguido B, na qualidade de gerente da sociedade arguida, e no interesse desta, quis e logrou agir do modo acima descrito, deduzindo do valor das remunerações dos trabalhadores da empresa as contribuições para a Segurança Social e não as entregando, bem sabendo que estava obrigado a entregá-las à Segurança Social
20. O arguido B tomou a decisão de não entregar tais importâncias à Segurança Social, apesar de a sociedade arguida ter disponibilidade económica suficiente para cumprir com os pagamentos em falta.
21. O arguido B sabia que tal conduta lhe estava vedada por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de a realizar agindo de forma livre, deliberada e conscientemente.
22. O arguido B actuou, no período temporal em causa nos autos, de forma idêntica, motivado sempre pelo facto de nenhuma acção inspectiva por parte dos Serviços da Segurança Social ter ocorrido nessa altura à sociedade e de a sua conduta não ter tido qualquer consequência.
23. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
24. A sociedade ora arguida foi declarada insolvente por decisão do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Loulé, no âmbito do Processo n.º 1641/08.3 TBLLE. [com relevância para a determinação da sanção]
25. O arguido B presentemente trabalha em Angola;
26. O arguido B não tem antecedentes criminais;
27. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais. [com relevância para o pedido cível]
28. A quantia em dívida assim se mantém.

Matéria de facto não provada:
Não se provou que o arguido A exerceu funções de gerente de facto na sociedade arguida, nem que tenha tido qualquer intervenção na gestão da sociedade, em particular na decisão de não entrega à segurança social das contribuições referidas na acusação.
Não se provaram igualmente os factos dos pontos 9., 11.a 12., 18. a 20., 28., 29., 33. a 36. e 39. a 41. da contestação.

Motivação da decisão de facto:
O Tribunal atendeu às declarações do arguido A, à prova testemunhal produzida em audiência e aos documentos juntos aos autos, analisados à luz das regras da experiência comum.
Concretizando,
Os factos relativos ao objecto e actividade da sociedade C foram fixados com base na certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 726 e ss. Quanto à decisão de insolvência, atendeu-se à certidão da decisão proferida pelo 2.º Juízo Cível de Loulé, junta aos autos a fls. 730 e ss e documentos anexos.
Os factos respeitantes às quantias descritas na acusação, não entregues pela sociedade arguida à Segurança Social, relativos aos salários dos seus trabalhadores, foram fixados com base no relatório de inspecção junto aos autos, em particular na descrição feita nos mapas dos anos e meses referidos na acusação, a fls. 168 e 169, e no extracto global da declarações de remunerações a fls. 56 a 83.
Tais valores foram também confirmados, na sua generalidade, pela testemunha I, técnica superior do Instituto de Solidariedade Social, IP, que comprovou os montantes em dívida, socorrendo-se de documentos desta instituição, e confirmou que até à presente data não foi feito qualquer pagamento.
Estas quantias, aliás, não foram postas em causa pelo TOC da C, F, que revelou conhecimento directo sobre os factos em causa, nem pelo arguido A que, não pondo em dúvida os montantes, apenas invocou que nunca exerceu efectivamente as funções de gerente, nem teve qualquer controlo sobre os pagamentos à segurança social.
No que diz respeito aos factos relativos ao exercício de funções de gerência e a quem tinha a seu cargo a direcção dos negócios e de toda a actividade da empresa, foram relevantes as declarações do arguido A e os depoimentos das testemunhas E, ex-gerente da empresa, e D, ex-funcionária da sociedade, F, TOC da sociedade, e G, empresário.
Da conjugação destes depoimentos concluiu o Tribunal que o arguido A nunca teve a seu cargo qualquer tipo de tarefas de gestão ou direcção.
Não logrou convencer este tribunal a versão apresentada pela Defesa do arguido B no sentido de que o mesmo era um gerente só de “nome” e não de facto, já que toda a gestão da sociedade estava nas ”mãos” de H. Aliás, ainda que se tenha em conta as relações familiares estreitas, seria no mínimo estranho que nenhum dos sócios gerentes da sociedade se assumisse como gerente e que fosse um terceiro, mero assalariado (embora irmão do arguido B), a exercer tais funções.
Aliás, a testemunha E, que foi gerente da sociedade, acabou por admitir que o arguido B, embora residisse em Moçambique, era dono, vinha algumas vezes, estava na empresa e ia acompanhando, confirmando que este arguido veio a Portugal no período a que se reportam os factos.
De igual forma, a testemunha G, empresário, identificou o arguido B como um dos sócios e dono da C.
Aliás, se tal não bastasse para infirmar a versão da Defesa de que o arguido B era apenas um gerente de “nome”, o arguido A, em sede de julgamento, admitiu que, em data que situou perto de Janeiro de 2005, teve conhecimento de pagamentos que não foram efectuados e avisou de imediato o arguido B da situação, referindo que, nessa sequência, este acabou por vir a Portugal.
Assim, considerou este tribunal, que o arguido B teve responsabilidade na tomada da decisão de reter as contribuições dos salários e pensões dos trabalhadores, devidos à segurança social, no período a que se reportam os factos e em que foi gerente da C.
Os factos relativos à situação económica e financeira da Sociedade e à circunstância desta dispor de meios financeiros para efectuar tais pagamentos, embora tenha sido necessário privilegiar outros pagamentos, designadamente a credores e trabalhadores, foi fixada com base nos depoimentos de F, TOC da C, e D, ex-funcionária da Sociedade.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se aos certificados que estão nos
autos.

Analisando:

A) - da impugnação de matéria de facto:
O recorrente impugna matéria de facto que foi dada por provada, reportando-se à que ficou a constar de 6., 7., 13. a 15., 18. a 23. e 25., no essencial insurgindo-se contra a circunstância de se ter dado como assente que fosse gerente de facto da sociedade arguida no período em causa e, consequentemente, com intervenção na ausência de entrega das quantias à Segurança Social, se bem que, relativamente ao provado em 25., este se refira unicamente a condição pessoal sua.
Preconiza que aqueles mencionados factos não se considerem provados e, ao invés, que outros, alegados em contestação apresentada, tidos por não provados pelo tribunal, se tenham por verificados, apesar de, aqui, se deva salientar que a contestação não foi por si oferecida, mas sim pelo arguido A (fls. 548), ainda que, como tal, se reconduza a matéria que foi objecto do julgamento e esteja intrinsecamente relacionada com a posição que assume no recurso, de que era H quem, então, exercia de facto a gerência da sociedade.
Decorre, para o efeito, ter convocado os depoimentos das testemunhas D, E, F e G, tendo transcrito excertos dos mesmos, por referência à respectiva localização no suporte de gravação, pelo que se afigura que deu cumprimento ao ónus de especificação imposto pelo art. 412.º. n.ºs 3 e 4, do CPP.
Como tal, a prova em que sustenta a sua posição acaba por ser, em grande parte, no aspecto controvertido, coincidente com aquela em que o tribunal se apoiou para sustentar que teve participação nos factos, sendo que, tendencialmente, a convicção extraída pelo julgador só deverá ser colocada em causa se se demonstrar que essas provas apontam inequivocamente em sentido diverso do decidido ou que o raciocínio reflectido na motivação contende com as regras da experiência.
Tanto mais quando, como é sabido, o recurso em matéria de facto não constitui um novo julgamento, mas apenas um remédio para os vícios de julgamento, através da reapreciação da prova, que não se destina, porém, a limitar (ou arredar) o princípio da livre apreciação consignado no art. 127.º do CPP, nem pode suprir a imediação e a oralidade de que o tribunal que julgou dispôs.
Como acentua Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo.
Não obstante, a liberdade de apreciação não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação (Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Criminal”, 1967/68, pág. 53).
Também, segundo Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” Editorial Verbo, 1993, vol. II, pág. 111, A livre apreciação da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
À luz destes parâmetros, se analisará a impugnação, reconduzida à efectiva intervenção do recorrente, que é questionada, tendo em conta as passagens indicadas e fazendo uso da faculdade a que alude o n.º 6 desse art. 412.º.
Dúvida não há de que o recorrente era formalmente gerente da sociedade no período em apreço, o que, por si só, consubstancia presunção de que o seria também de facto, a não ser que prova minimamente concludente aponte em sentido diferente.
Avaliando, então, os contributos carreados pelos elementos probatórios suscitados pelo recorrente, resulta, em síntese, que:
- a testemunha D, que, segundo disse, trabalhou na sociedade entre 1998 e Janeiro de 2005, como empregada de escritório, deu a ideia de que a pessoa que lhe dava ordens e com quem directamente contactava era H, embora referindo que o recorrente era visto como sendo o “patrão” e se recordar de que, aquando da assumpção de funções de A, teria estado na sociedade, como fez por poucas vezes, não sabendo, em concreto, se E terá chegado a ser gerente; mais, transmitiu, com interesse para o período em causa, que entre Janeiro e Setembro de 2004, esteve ausente da sociedade, devido a licença de maternidade e, a partir do seu regresso, lhe foram mudadas as funções que desempenhava;
- a testemunha E, que declarou ter sido gerente da sociedade até Agosto de 2004 e, assim, em período anterior ao que se analisa, referiu que, na prática, era H quem a geria, tendo explicado as circunstâncias em que assumiu a gerência, apenas formalmente, decorrente de convite que lhe foi feito pelo recorrente e por razões de confiança e maior proximidade, como que substituindo-o; acrescentou que o recorrente, encontrando-se em Moçambique, vinha várias vezes à sociedade, por períodos por vezes superiores a um mês, supondo que ia acompanhando o funcionamento da mesma, através de H;
- a testemunha F, que afirmou ter sido técnico oficial de contas da sociedade, assumiu ter tido contactos com H, que sabia não ser formalmente gerente, e com A, em algumas reuniões, expressando, contudo, que, dada a natureza das suas funções, não tinha propriamente conhecimento da realidade interna da sociedade;
- a testemunha G, que referiu ter um escritório ao lado da sede da sociedade, mencionou conhecer H, E e A, a quem via frequentemente, transmitindo que a imagem que tinha era a de que H fazia a gestão e era, também, sócio, mas admitindo que nunca presenciou qualquer acto dito de gestão.
Em breve avaliação, dir-se-á que os depoimentos de F e G pouco relevaram para a dilucidação da problemática suscitada, enquanto os restantes, de D e E, embora contribuindo em alguma medida para o efeito, se apresentam, ainda assim, algo escassos para concluir conforme o recorrente pretende.
Na verdade, no que respeita a D, é sintomático que, embora correspondendo ao sentido da afirmação de que era H quem lhe transmitia as ordens e estava sempre na sociedade, não deixou de transparecer que ao recorrente caberia importante papel, certamente não tendo sido por acaso que se terá recordado que aí tenha estado em momento de mudança de gerência, além de que, note-se, a testemunha esteve ausente da sociedade exactamente no período aqui relevante.
Quanto ao depoimento de E, denotou o relevo da intervenção do recorrente no funcionamento da sociedade, não só por ter motivado a sua entrada, como também pelo acompanhamento que ia fazendo.
E, neste âmbito, haverá que atentar, embora o recorrente o não refira, nas declarações do arguido A, ainda que, como é sabido, sem que este estivesse sujeito ao dever de verdade.
Apesar disso, a valoração dessas declarações suporta efectiva credibilidade, pelo menos no aspecto controvertido, permitindo constatar que a intervenção do recorrente não pode considerar-se como alheia à gerência da sociedade.
Com efeito, declarou que o recorrente, não estando permanentemente na sociedade, era informado por H que, diariamente, aí se encontrava e que, mormente, no período em causa, esteve pelo menos por duas vezes em Portugal, permanecendo na sociedade por algum tempo, com vista a resolver assuntos relacionados com dificuldades financeiras que a mesma atravessava, designadamente dívidas a fornecedores e à Segurança Social, intervindo na sua tentativa de resolução e em alguns despedimentos de trabalhadores.
A globalidade das considerações merecidas leva a descortinar que as conclusões extraídas pelo tribunal se compadecem com a prova produzida e examinada, reflectindo ponderação equilibrada, devidamente fundamentada, sem descurar estar-se em presença de sociedade tipo familiar, em que as relações entre os sócios, inevitavelmente projectando-se na gerência, assumem contornos que muitas vezes dificultam uma percepção individualizada de funções e de responsabilidades.
Assim, a convicção formada surge consentânea com a conjugação dos elementos disponíveis, além do mais, ao fundamentar-se, na sentença, que “ainda que se tenha em conta as relações familiares estreitas, seria no mínimo estranho que nenhum dos sócios gerentes da sociedade se assumisse como gerente e que fosse um terceiro, mero assalariado (embora irmão do arguido B), a exercer tais funções“, a que não foi estranha, certamente, a circunstância de que, não provada a gestão pelo arguido A, a condição de H, como assalariado, ficou patenteada no documento de fls. 105 (carta que lhe foi remetida pela sociedade, com data de 30.10.2005, comunicando a intenção de cessar a relação laboral, por extinção do posto de trabalho – Técnico Especialista de Vendas).
Além do mais, não decorre minimamente demonstrado que, mesmo que o recorrente, desde logo por se encontrar em Moçambique, estivesse menos frequentemente na sociedade e se admita, por isso, que o tratamento dos assuntos correntes pertencesse a H (embora com aquela categoria profissional), este tivesse, de algum modo, actuado sem o escrutínio e orientação daquele, nas decisões realmente relevantes à gestão da sociedade.
A matéria impugnada, atinente à intervenção do recorrente, deve, pois, persistir, alicerçando-se em prova bastante, avaliada dentro dos limites da livre apreciação, já que os elementos aduzidos não têm virtualidade para infirmar a convicção do tribunal, fundamentada quanto necessário em vista do objecto da causa, logrando afirmar a realidade intrínseca aos factos provados.
Só assim não será quanto ao facto provado em 25., na medida em que, além do declarado por A (seu filho), se colhe da morada que indicou nos autos (fls. 746), bem como da circunstância de ter requerido, por via da residência, que o julgamento se realizasse na sua ausência (fls. 712), que efectivamente, aquando da prolação da sentença, se encontraria a trabalhar em Moçambique, e não Angola, como, certamente por lapso, aí ficou a constar.
Destarte, o facto provado em 25. passa a ter a seguinte redacção:
O arguido B presentemente trabalha em Moçambique”.

B) - das consequências jurídicas a extrair quanto à responsabilidade do recorrente, quer no âmbito penal, quer na vertente cível:
A conduta do recorrente foi subsumida à co-autoria de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo art. 107.º do RGIT, na forma continuada, segundo o art. 30.º, n.º 2, do CP, não se divisando, neste aspecto, desacerto na fundamentação que a tanto presidiu.
Aqui, destaca-se, na sentença:
Comete este crime aquele que não entregar à segurança social, total ou parcialmente, prestação deduzida nos termos da lei, que estava legalmente obrigado a entregar.
De acordo com a disciplina legalmente prevista, as entidades empregadoras
procedem ao desconto no vencimento bruto dos trabalhadores que mensalmente remuneram do montante correspondente à percentagem legalmente fixada, montante esse que, estando originariamente afecto à segurança social, passam a deter de forma precária, a título de fieis depositárias.
Provou-se que o arguido B, enquanto gerente da sociedade, e no período entre Setembro de 2004 e Abril de 2005, não entregou à segurança social as prestações deduzidas nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.
Provou-se igualmente que actuou de forma voluntária, consciente e livre, bem sabendo que os montantes referente às contribuições, deveriam ser entregues nos cofres do Estado e não ignorando que a não entrega correspondia a conduta ilegal e punível.
Resulta ainda da factualidade provada que estão preenchidas as condições de punibilidade previstas no artigo 105.º do RGIT (condição de punibilidade que não existia na data da prática dos factos e que se encontra actualmente prevista no art. 105.º, n.º 4, alínea b) do RGIT, que se aplicou retroactivamente por ser mais favorável ao arguido).
Tendo em conta que o arguido actuou com base na mesma solicitação exógena (deficiente fiscalização, infelizmente, um facto notório), deverá ser punido pelo crime continuado.

Não obstante, afigura-se que, atenta a data dos factos provados, o respectivo procedimento se encontra prescrito, redundando em extinção do mesmo, impeditiva, como tal, da condenação criminal do recorrente.
Ainda que a situação não tivesse sido suscitada, impõe-se dela conhecer, já que, atenta a natureza e os efeitos da prescrição, seja na vertente do procedimento criminal, seja na da pena, ela é indissociável da renúncia à pretensão punitiva por via do decurso do tempo, com fundamento na ausência de verificação dos fins das penas, independentemente de se pugnar pela sua natureza substantiva, adjectiva ou mista.
Seja entendida como causa de anulação, desvanecendo-se a necessidade do castigo, conforme defendia Beleza dos Santos, in RLJ ano 77.º, pág. 322, ou como um simples obstáculo processual, de acordo com Cavaleiro de Ferreira, em “Curso de Processo Penal”, vol. III, pág. 61, ou, ainda, como sendo um instituto de natureza processual e material ao mesmo tempo, o que defendem Jescheck e Figueiredo Dias, respectivamente, em “Tratado de Derecho Penal”, Parte General, tradução espanhola, págs. 1327 e ss., e em “Direito Processual Penal”, pág. 32 – posição esta última que se nos parece a mais adequada -, sempre se depara com a sua natureza de obstáculo à punição.
Neste âmbito, é tão-só o tempo decorrido desde a prática da infracção que vai determinar essa desnecessidade, esse esquecimento, essa renúncia do Estado à perseguição ao infractor.
Em concreto, configurando-se o crime como omissivo, o momento da sua prática corresponde àquele em que o recorrente deveria ter actuado, ou seja, na data em que terminava o prazo para cumprimento dos respectivos deveres tributários, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, isto é, conforme resulta do provado em 13., “até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam”.
Por seu lado, atenta a natureza, concreta, de crime continuado, o prazo de prescrição, segundo o art. 119.º, n.º 2, alínea b), do CP, “ex vi” art. 3.º. alínea a), do RGIT, conta-se desde o dia da prática do ultimo acto, que, conforme provado em 17., se refere a Abril de 2005, sem prejuízo daquela obrigação legal de cumprimento até ao dia 15 do mês seguinte, ou seja, até 15 de Maio de 2005.
Este, em nosso entender, é o momento relevante para desde então aferir se o prazo prescricional se apresenta decorrido, não obstante a punibilidade dos factos esteja sujeita à condição objectiva prevista naquele art, 105.º, n.º 4, alínea b) (que se verificou), de que tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo daquele prazo legal de entrega da última prestação.
A este entendimento subjaz as circunstâncias de, por um lado, se adequar literalmente à aludida previsão desse art. 5.º, uma vez que o prazo para o cumprimento do dever tributário em causa é o fixado em conformidade com as normas atinentes ao mesmo e, por outro, daquele referido prazo de 90 dias se consubstanciar como condição de punibilidade que, por isso, não deve prevalecer sobre aquela fixação.
Com efeito, que se reconduz a essa condição, é questão que se apresenta tendencialmente pacífica, mormente na sequência da prolação do acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ) do STJ n.º 6/2008, de 09.04 (publicado in D. R. 1.ª série n.º 94, de 15.05.2008), segundo o qual, além do mais, A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade (…).
Da sua fundamentação, colhe-se importante contributo para a sua caracterização, designadamente:
A alteração legal produzida, repercutindo-se na punibilidade da omissão e ligada, de forma inextricável, ao tipo de ilícito, é, todavia, algo que é exógeno ao mesmo tipo. Importa, assim, caracterizar em termos dogmáticos a alteração produzida, o que entronca directamente com a da distinção entre condição objectiva de punibilidade e pressuposto processual.
Revisitando o que a propósito do tema oportunamente se escreveu (referindo-se ao acórdão do STJ de 21.02.2007, no proc. n.º 3086/06, relator Santos Cabral) e como referem Zipf e Maurach (“Derecho Penal, Parte General”, vol. I, pp.371 e seg.) o poder punitivo do Estado é fundamentalmente desencadeado pela realização do tipo imputável ao autor. Não obstante, em determinados casos, para que entre em acção o efeito sancionador requer-se a verificação de outros elementos para além daqueles que integram o ilícito que configura o tipo. Por vezes essas inserções ocasionais da lei, entre a comissão do ilícito e a sanção concreta, inscrevem-se no direito material - hipótese em que se fala de condições objectivas ou externas de punibilidade -, noutros casos constituem parte do direito processual e denominam-se pressupostos processuais.
As condições objectivas da punibilidade são aqueles elementos da norma, situados fora do tipo de ilícito e tipo de culpa, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências penais. Apesar de integrarem uma componente global do acontecer, e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção.
(…) para Jeschek (Tratado, p. 503), as condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que se encontram em relação directa com o facto mas que não pertencem nem ao tipo de ilícito, nem ao tipo de culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto. Adianta este autor, com pertinência para o tema que se debate, que as condições objectivas de punibilidade participam de todas as garantias do Estado de direito estabelecidas para os elementos do tipo, entre as quais a função de garantia do direito penal.
Estamos em crer que é inequívoco o entendimento de que a verdadeira essência das condições objectivas de punibilidade como categoria dogmática autónoma no marco dos pressupostos materiais de punibilidade é, na perspectiva substancial, a sua autonomização em relação à ilicitude. O que sucede dado que esta classe de condições se coloca à margem da conduta ilícita e, consequentemente, a sua verificação vem a colocar em relevo tão-somente a questão da necessidade da pena. Nessa sequência, e num plano de conceitos, os elementos do tipo de ilícito e condições objectivas de punibilidade são noções que se excluem mutuamente.
A origem histórica do instituto reflecte a necessidade de conciliar exigências contrapostas. Por um lado, existem desde sempre razões de conveniência prática e de oportunidade de política criminal que levam a subordinar a efectiva punibilidade de alguns tipos de comportamentos ao verificar de determinadas circunstâncias: proceder a uma punição incondicionada pode em certos casos conflituar efectivamente com a tutela de outros interesses merecedores de consideração ou, mais vulgarmente, provocar inconvenientes superiores às vantagens que do sancionamento se retiram. Por outro lado, vigorando em matéria penal o princípio da legalidade, as razões de conveniência ou de oportunidade não podem estar condicionadas ao poder discricionário do juiz: o princípio da legalidade impõe ao legislador a tipificação expressa das circunstâncias capazes de influenciar as opções relativas às concretas aplicações de pena.
As condições objectivas de punibilidade próprias são puras causas de restrição da pena, podendo ser perspectivadas como o contraponto objectivo das causas pessoais de exclusão ou de anulação da pena. Isto porque ainda que se verifiquem o ilícito e a culpa, o legislador rejeita, em determinados casos, a necessidade de pena quando não se verifique uma circunstância ulterior que possa referir-se ao próprio facto, ou à evolução subjacente, e lhe confere uma maior significação na relação com o mundo circundante. Como acentua Jeschek, o merecimento da pena pela prática do facto implica, em princípio, a necessidade da pena, sendo que circunstâncias existem em que, antes que possa reconhecer-se a necessidade político criminal da mesma, deve produzir-se, além do mais, uma particular deterioração dos valores protegidos pelo correspondente preceito penal.
São as circunstâncias que devem acrescentar à acção que realiza um ilícito responsável para que se gere a punibilidade e que têm subjacente uma ponderação de finalidades extrapenais que têm prioridade em relação à necessidade da pena.
Também, acerca da caracterização e do fundamento das condições objectivas de punibilidade, refere Figueiredo Dias, in ”Direito Penal, Parte Geral”, Coimbra, 2004, págs. 619/622:
A inteira categoria dos autênticos pressupostos de punibilidade – seja sob a forma de “condições objectivas de punibilidade”, seja sob a de “causas de exclusão da pena” – é dominada pela ideia básica da prevalência de imposições de finalidades extra-penais; é, por outras palavras, expressão de que, em tais casos, uma ponderação entre imposições finais extra-penais, por um lado, e carências de punição, por outro, conduzem a que aquelas prevaleçam sobre estas.
À questão de saber qual a ideia político-criminal e dogmática básica que dentro da categoria da punibilidade actua e lhe oferece unidade e consistência deve responder-se que essa é a da dignidade penal.
O facto ilícito-típico e culposo é também, em regra, facto digno de pena. Mas pode suceder excepcionalmente que o não seja, se nele se não verificarem ainda pressupostos de punibilidade; pressupostos que têm que ver directamente com a dignidade penal do facto, com exigências de prevenção, geral e especial, que nele radicam mas não esgotam o seu significado no tipo de ilícito ou no tipo de culpa (…) Nesta acepção pode dizer-se que a categoria da punibilidade deve ser tomada, no sentido de um funcionalismo normativo, como o elemento de ligação por excelência entre a dogmática do facto e a política criminal.
O momento da consumação do ilícito não é, pois, alterado por via da consagração daquela condição, funcionando esta, apenas, como causa de restrição da pena, por afastamento pelo legislador das necessidades da aplicação desta.
Aliás, de forma expressa isso ficou igualmente reflectido na fundamentação daquele AFJ, ao ter consignado que:
Sendo este o tipo de ilícito não se vislumbra o suporte da afirmação de que o mesmo foi afetado pela alteração legal produzida quando é certo que esta consigna uma condição que é exógena ao mesmo tipo.
É evidente o vício da argumentação produzida que, com inconsistência teórica e ao arrepio do que é entendimento doutrinário unitário, atribui à alteração legal introduzida reflexo directo e imediato no núcleo do tipo de ilícito para, então, poder dar o salto lógico, afirmando que a nova lei descriminalizou e, consequentemente, é aplicável aos processos pendentes, descriminalizando as condutas praticadas.
Diferente é a conclusão se, configurada a alteração legal como condição de punibilidade, se concluir que a mesma deixa intocado o tipo de ilícito num crime que, previamente, se consumou.
Como se referiu, reconduzir ao núcleo da ilicitude e da tipicidade o que são condições de exercício da acção penal, impressas com o intuito confessado de atribuir uma última oportunidade ao agente antes de desencadear o procedimento criminal, não está de acordo com o espírito ou a letra da lei.
Sufraga-se neste âmbito, em concordância com os fundamentos expostos, a posição já defendida, entre outros, no acórdão desta Relação de 16.04.2013, no proc. n.º 538/11.4TABJA.E1 (relatora, Ana Bacelar Cruz), in www.dgsi.pt, no qual se cita, de forma significativa, doutrina e jurisprudência (que ora se dispensa reproduzir) acerca da temática, denotando as divergências que vêm sendo manifestadas, a que se pode acrescentar, por mais recente, mas em sentido contrário, a do acórdão desta Relação de 05.11.2013, no proc. n.º 398/09.5TALGS.E1 (relatora, Ana Barata Brito), in www.dgsi.pt.
Assente, então, que a data revelante para a contagem do início do prazo de prescrição é, em concreto, 15.05.2005, esse prazo é fixado em cinco anos, nos termos do art. 21.º, n.º 1, do RGIT, cessando, como tal, decorrido esse período, sem prejuízo de verificação das causas de suspensão e interrupção previstas no regime penal (n.º 4 do mesmo preceito legal).
Ora, pela consulta dos autos conclui-se que, relativamente ao recorrente, apenas através da declaração de contumácia, em 10.08.2010, constante de fls. 523, se interromperia o prazo prescricional, ficando simultaneamente desde então suspenso (arts. 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do CP).
Deste modo, tal facto eventualmente interruptivo/suspensivo só se verificou já depois de decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, pelo que nenhum efeito teve no decurso do mesmo.
Outra solução não resta senão declarar extinto esse procedimento, com a consequência de que a pena aplicada seja dada sem efeito.

Apesar do decidido ao nível penal, subsistirá a condenação do recorrente ao pagamento da indemnização, dado se mostrarem preenchidos os pressupostos que condicionam a sua responsabilidade civil, conforme consta da sentença, de harmonia com o disposto no art. 377.º do CPP, na esteira, aliás, também, da fundamentação, aqui relevante, do AFJ n.º 1/2013, de 15.11.2012 (in D.R. 1.ª série, n.º 4, de 07.01.2013).
*

3. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se:
- sem prejuízo da operada modificação da matéria de facto e embora com fundamento diferente, mas de efeito idêntico, do preconizado, conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, B e, assim,
- declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal, dando sem efeito a pena a si aplicada;
- no mais, manter a sentença recorrida.

Sem custas (cfr. art. 513.º, n.º 1, do CPP).
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Processado e revisto pelo relator.
*

3.Junho.2014

Carlos Berguete Coelho
João Gomes de Sousa