Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
599/14.4TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 5.º, N.º 1, B), J) E O), E 6º, N.º 1, 43.º, 211.º E 212.º, DA LEI N.º 110/2009, DE 16-09; ART. 107.º, N.º 1 DO RGIT
Sumário: I - O crime de abuso de confiança contra a segurança social torna-se perfeito, isto é, consuma-se, com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, por estes devidas.

II - Existindo legislação especial, quer quanto a taxas de juro de mora, quer quanto à forma do seu cálculo, o que incluiu, necessariamente, a determinação do início da mora, relativamente às dívidas por contribuições à segurança social, é esta a legislação aplicável aos pedidos de indemnização deduzidos em processo de natureza criminal que tenha por objecto crime de abuso de confiança contra a segurança social, e não a legislação geral.

III - O prazo de contagem dos juros de mora que integram o pedido de indemnização civil formulado pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, se inicia, até Dezembro de 2009, no décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, e a partir de 1 de Janeiro de 2010, no vigésimo dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Local – Secção Criminal – J2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A... e B... , ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. pelos arts. 107º, nº 1 do RGIT e 26º e 30º, nº 2 do C. Penal.

            O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia global de € 10.80751, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

            Por sentença de 9 de Junho de 2016, foi cada um dos arguidos condenado, pela prática, em co-autoria material, de um crime de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. pelo art. 107º, nº 1 do RGIT, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7, perfazendo a multa global de € 1.400.

Mais foram os arguidos condenados, solidariamente, no pagamento ao Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, da quantia de € 10.807,51, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido, à taxa legal de 5,168%, prevista para os juros moratórios das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, até efectivo e integral pagamento, e absolvidos do mais peticionado.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1.ª – Os demandados procederam, nos períodos indicados "entre Maio de 2010 a Junho de 2012"-, ao pagamento das remunerações laborais devidas pela prestação de trabalho tendo procedido aos descontos legais referentes às quotizações à SS de € 10.807,51 e € 2.978,00.

2.ª – Sabiam que deviam pagar esses descontos legais na SS, até 31 de Dezembro de 2010 - este pagamento devia ser efectuado até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disser respeito (art. 5° n.º 3 do DL 103/80, de 9 de Maio e art. 10° n.º 2 do DL 199/99, de 8 de Junho), e a partir daquela data deve ser efectuado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disser respeito (artigos 43.° da lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro), ou nos 90 dias seguintes

3.ª – Tinha, assim, esse pagamento e entrega na SS, prazo certo, nos termos do art.º 805.°, nº 2 a) do C. Civil.

4.ª – Os mesmos apelados demandados não procederam a essas entregas/pagamento.

5.ª – No seu PIC, a apelante demandante liquidou o montante de juros de mora – mora em que os apelados incorreram –, devidos, até aí, como se lhe impunha.

6.ª – Os apelados foram condenados em juros de mora, desde a notificação do PIC – interpelação judicial –, nos termos do art. 805.° nº 1 do C. Civil (indevidamente).

            7.ª – A decisão apelada não actualizou esses juros de mora – havendo indevido recurso ao acórdão uniformizador nº 4 de 2002, de 27 de Junho.

8.ª – Foi claramente violado o art. 805.° nº 2 al. a) do C. Civil

Termo em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve dar-se procedência ao recurso, revogando-se a douta decisão apelada, na parte em que não condena nos juros de mora vencidos e liquidados, aquando do PIC, condenado os apelados nesses juros, só assim se fazendo JUSTIÇA!


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            Não houve resposta.

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            O Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber quando se iniciou a mora dos demandados civis e portanto, a partir de quando são devidos juros de mora, sobre a quantia peticionada no pedido de indemnização civil.


*

            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1 – A sociedade C... , L.DA, com sede na Rua (...) , em Coimbra, encontra-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Coimbra sob o n.º (...) ;

2 – E exerce a actividade de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção;

3 – E tinha e tem como sócios e gerentes os arguidos, A... e B... ;

4 – E que exerciam as funções de administração e de gestão da sociedade;

5 – No âmbito das suas funções, incumbia aos arguidos proceder ao pagamento dos salários devidos aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, previamente descontando nos valores a pagar as quotizações e contribuições a entregar à Segurança Social e proceder a tal entrega;

6 – A partir de maio de 2010, decidiram os arguidos deixar de entregar à Segurança Social os valores retidos nos salários dos trabalhadores da sociedade arguida a título de contribuições e quotizações para aquela entidade;

7 – Entre Maio de 2010 e Junho de 2012, a sociedade C... , L.DA, através dos arguidos, pagou os salários dos seus trabalhadores, tendo auto-liquidado e descontado os correspondentes valores das contribuições e quotizações para a Segurança Social, no total de € 10.807,51 (dez mil oitocentos e sete euros e cinquenta e um cêntimos);

8 – Tais valores não foram entregues à Segurança Social;

9 – Os arguidos não remeteram, nem fizeram remeter, à Segurança Social os valores que mensalmente liquidaram, até ao dia 15 do mês seguinte ao termo do mês a que respeitavam;

10 – Nem nos 90 dias seguintes ao termo de tal prazo;

11 – Os arguidos, em representação da C... , L.DA, passaram a dispor dos referidos montantes em benefício desta, integrando as disponibilidades financeiras provenientes da falta de entrega daquelas prestações tributárias no normal giro comercial desta sociedade;

12 – O arguido A... foi, em 16 de Setembro de 2014, por si e em representação da sociedade C... , L.DA, notificado para proceder ao pagamento dos valores em dívida, respectivos juros e coimas aplicáveis no prazo de 30 (trinta) dias, ao abrigo do disposto no art. 105°, n.º 4, al. b), do Regime Geral das Infracções Tributárias;

13 – A arguida B... foi, em 16 de Setembro de 2014, notificada para proceder ao pagamento dos valores em dívida, respectivos juros e coimas aplicáveis no prazo de 30 (trinta) dias, ao abrigo do disposto no art. 105°, n.º 4, al. b), do Regime Geral das Infracções Tributárias;

14 – Os arguidos e a sociedade C... , L.DA, não efectuaram qualquer pagamento, na sequência de tais notificações;

15 – Os arguidos sabiam que os referidos valores não lhes pertenciam, nem à sociedade sua representada, e que eram pertença do Estado, bem como que deviam entregar cada um dos referidos montantes nos prazos legais, mas não se abstiveram de omitir a sua entrega, o que quiseram;

16 – Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, no interesse e em representação da sociedade arguida, sabendo que praticavam actos criminalmente puníveis;

17 – O arguido A... tem inscritas no seu registo criminal as condenações constantes do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos (fls. 250 e 55.) e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido;

18 – A arguida B... tem inscritas no seu registo criminal as condenações constantes do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos (fls. 246 e ss.) e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

(…)”.

B) Nela foi considerado não provado o seguinte facto:

“ (…).

1 – Os arguidos aproveitaram a situação de nenhuma consequência imediata ter advindo da não entrega dos valores liquidados e retidos a título de contribuições e quotizações para a Segurança Social no primeiro dos períodos mencionados, para prosseguirem, omitindo tais condutas que lhes eram exigíveis.

(…)”.

C) Dela consta a seguinte fundamentação quanto à obrigação de juros:

“ (…).

O devedor constitui-se em mora, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito (art.º 805.°, n.º 2, al. b), do Cód. Civil), como sucede, havendo constituição em mora desde a citação (in casu, desde a notificação à arguida para contestar o pedido de indemnização civil) – cfr. art.º 805.°, n.º 3, segunda parte, do Cód. Civil – não se vislumbrando anterior liquidação geradora de mora.

Destarte, o devedor da obrigação de indemnização fixada em quantitativo monetário, consistindo esta em uma obrigação pecuniária – desde que não actualizada [tratando-se de indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco, que tenha sido calculada de forma actualizada. os juros de mora vencem-se apenas a partir da sentença (cfr. Ac. de Uniformização de Jurisprudência 4/2002, de 27/06 – DR I-A. de 27/06/2002: "Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado. nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação")] terá que pagar ao credor os juros calculados sobre aquele montante desde o dia da constituição em mora (art.º 806.°, n.º 1, do Cód. Civil), os quais são os juros legais, fixados em portaria (art.ºs 806.°, n.º 2, e 559.°, n.º 1, do Cód. Civil).

A taxa dos juros legais e dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo, aplicável à situação, é de 4 % (Portaria 291/2003, de 08/04).

Sucede, todavia, que, no caso, terão aplicação as taxas dos juros moratórios previstos para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, que se encontram estabelecidas no art.º 3.°, n.º 1, do Dec.-Lei 73/99, de 16/03 – "A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior".

Para 2016, a taxa de juro é de 5,168 % – Aviso 87/2016 da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E. P. E. – DR II-S, de 06/0112016.

Procede, pois, todavia, parcialmente, o pedido de indemnização civil deduzido.

(…)”.

D) E do Dispositivo consta, quanto ao pedido de indemnização civil, o seguinte:

“ (…).

Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por Instituto da Segurança Social, IP/Centro Distrital de Coimbra contra os demandados A... e B... , e, consequentemente, condeno os mesmos, solidariamente, a pagarem àquele a quantia de € 10.807,51 (dez mil oitocentos e sete euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da notificação aos arguidos do pedido de indemnização civil, à taxa legal de 5,168 % ou outra ou outras que, entretanto, sobrevierem, previstas para os juros moratórios das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.

(…)”.


*

            Do início da mora dos demandados civis

1. O C. de Processo Penal consagra o princípio da adesão segundo o qual, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art. 71º).  

            Em termos substantivos, dispõe o art. 129º, do C. Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada pela lei civil.

            O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, conforme o alegado, fundou o pedido de indemnização que deduziu contra os arguidos no acto ilícito e doloso que praticaram, preenchedor do tipo do crime p. e p. pelo art. 107º, nº 1 do RGIT – dedução e apropriação de contribuições obrigatórias para a segurança social – do qual resultaram danos consistentes no não recebimento das quantias retidas e não entregues. E por isso, para além do pedido de condenação no pagamento do somatório destas quantias, pede também a condenação no pagamento de juros de mora calculados de acordo com a legislação especial por dívidas ao Estado ou seja, e em síntese, existe mora e são devidos juros, a partir do décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que respeitam as contribuições não entregues.

            Porém, na sentença em crise, para além da condenação dos arguidos pelo cometimento do crime referido, foram considerados verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, designadamente que o dano resultante da não entrega ao demandante das contribuições devidas ascendeu a € 10.807,51, bem como a mora dos demandados a partir da notificação daqueles para contestarem o pedido, por se ter entendido ser aplicável o disposto no nº 3 do art. 805º do C. Civil, à taxa de 5,168%, nos termos do art. 3º, nº 1 do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março e do Aviso 87/2016, da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE (DR, II, de 6 de Janeiro de 2016), para o ano de 2016.

            2. Vejamos então a partir de quando, em nosso entender, devem ser contados os juros de mora.

O Dec. Lei nº 103/80, de 9 de Maio – regime jurídico das contribuições para a Previdência – estabelece no seu art. 5º, nº 3, que o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor.

Relativamente a juros de mora, dispõe no seu art. 18º:

1 – Decorrido o prazo estabelecido para o pagamento das contribuições são devidos juros de mora.

2 – A taxa de juros de mora por cada mês de calendário ou fracção é igual à estabelecida para as dívidas de contribuições e impostos ao Estado.”.  

Por sua vez, o art. 10º, nº 2, do Dec. Lei nº 199/99, de 8 de Junho, estabelece que as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.

Ainda relativamente a juros de mora, estabelece o art. 16º, do Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro:

1 – Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês do calendário ou fracção.

2 – A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma.”.

Por último, nos termos do art. 1º, do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março, estão sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não sejam empresas públicas, provenientes designadamente, de contribuições. E dispõe o art. 3º, nº 1, do mesmo diploma:

A taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês do calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.”.

Este o regime em vigor até 31 de Dezembro de 2010.

A partir desta data, por força da entrada em vigor [1 de Janeiro de 2010] do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [CRCSPSS], aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, e que revogou o Dec. Lei nº 103/80, de 9 de Maio, o Dec. Lei nº 199/99, de 8 de Junho e o Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro (cfr. arts. 5º, nº 1, b), j) e o) e 6º, nº 1 da referida lei), as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (art. 43º), sendo devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção, pelo não pagamento das contribuições nos prazos legais (art. 211º), sendo a taxa de juros de mora igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas do Estado e outras entidades públicas, e aplicada nos mesmos termos (art. 212º).  

Por sua vez, o nº 1 do art. 3º do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março, com a alteração introduzida pela Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, passou a ter a seguinte redacção:

A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior.

            Assim, até 31 de Dezembro de 2010 a taxa de juros de mora é de 1%, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2011 é de 6,351% [Aviso nº 27831-F/2010], de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2012 é de 7,007 % [Aviso nº 24866-A/2011], de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2013 é de 6,112 % [Aviso nº 17289/2012], de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2014 é de 5,535 % [Aviso nº 219/2014], de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2015 é de 5,476% [Aviso nº 130/2015], de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2016 é de 5,168% [Aviso nº 87/2016] e a partir de 1 de Janeiro de 2017 é de 4,966 % [Aviso 139/2017]. E aqui, um esclarecimento, relativo ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, cumpre fazer: sendo os juros de mora devidos mês a mês e sendo anuais as taxas mencionadas nos avisos supra identificados, o cálculo dos juros mensais é feito com base em 1/12 da taxa anual aplicável, o que explica as taxas de 0,52%, 0,58%, 0,51%, 0,46% e 0,46%, indicadas como aplicáveis aos anos de 2011 a 2015, respectivamente, no art. 8º do pedido.

            Posto isto.

            O cumprimento da obrigação jurídica contributiva em questão tem, como vimos, prazo certo.

Por outro lado, o crime de abuso de confiança contra a segurança social torna-se perfeito isto é, consuma-se, com a omissão de entrega, dentro dos prazos fixados na lei, dos montantes que o agente deduziu aos valores das remunerações pagas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais, por estes devidas. Com efeito, entendemos que as categorias do crime são a tipicidade, a ilicitude e a culpa pois que, com a sua verificação o facto, em regra, é também punível.

A apropriação pelos arguidos das quantias deduzidas e não entregues à segurança social integra portanto, a prática do crime, ao mesmo tempo que a privação de tal recebimento corresponde ao dano de ‘capital’ sofrido pelo titular e aos juros de mora que, como se sabe, correspondem à indemnização devida pelo incumprimento de obrigação pecuniária (art. 806º, nº 1, do C. Civil).

Assim, por força do disposto no art. 129º do C. Penal, quer a mora, quer os juros de mora, são regulados pela lei civil.

In casu, existe, como vimos, lei especial que regula a matéria, havendo, por isso, que afastar as normas gerais, quando contrárias àquela, que constam do C. Civil (cfr. art. 7º, nº 3 do C. Civil). 

Existindo legislação especial, quer quanto a taxas de juro de mora, quer quanto à forma do seu cálculo, o que incluiu, necessariamente, a determinação do início da mora, relativamente às dívidas por contribuições à segurança social, é esta a legislação aplicável aos pedidos de indemnização deduzidos em processo de natureza criminal que tenha por objecto crime de abuso de confiança contra a segurança social, e não a legislação geral. Aliás, mal se entenderia que estando em causa a indemnização devida pela prática de um crime, os juros demora fossem mais ‘benévolos’, do que os devidos pela constituição em mora pelo atraso no cumprimento, ainda possível, da prestação devida.

Em todo o caso, as dívidas originadas pela omissão de entrega das contribuições devidas à segurança social estão determinadas, sendo por isso, líquidas, no momento em que a entrega deveria ter ocorrido e portanto, antes da dedução do pedido de indemnização civil. Por outro lado, como já tivemos oportunidade de dizer, é esta omissão de entrega das contribuições que corporizam o facto ilícito típico. Significa isto que há lugar à aplicação do nº 2 do art. 805º do C. Civil [e não, do seu nº 3, como foi decidido na sentença em crise], existindo mora independentemente de interpelação do devedor, quer porque se trata de obrigação com prazo certo, quer porque ela provém de facto ilícito.    

No sentido que fica exposto, vem uniformemente decidindo esta Relação (cfr. entre outros, acs. de 30 de Novembro de 2005, processo nº 3500/05, de 17 de Março de 2009, processo nº 1461/07.2TACBR.C1, em que foi relator o aqui relator, e de 21 de Abril de 2010, processo nº 930/04.0TACBR, todos in www.dgsi.pt). E também assim tem decidido o nosso mais Alto Tribunal (cfr. ac. do STJ de 21 de Junho de 2012, processo nº 10987/05.1TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).

 

Revertendo para a questão concreta, o que fica dito significa que, o prazo de contagem dos juros de mora que integram o pedido de indemnização civil formulado pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, se inicia, até Dezembro de 2009, no décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, e a partir de 1 de Janeiro de 2010, no vigésimo dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito.

            3. Em conclusão, sobre o montante da indemnização de € 10.807,51 acrescem juros de às taxas que seguem, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, contados do vigésimo dia do mês seguinte àquele a que as contribuições mensais respeitam [e que o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra liquidou, até Novembro de 2015 – tendo o pedido de indemnização civil sido deduzido em 30 deste mesmo mês – em € 2.978, tudo conforme fls. 231 e verso]:

            - Até Dezembro de 2010, 1%;

- De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2011, 0,52% [1/12 de 6,351%];   

- De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2012, 0,58% [1/12 de 7,007 %];

            - De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2013, 0,51% [1/12 de 6,112 %];

            - De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2014, 0,46% [1/12 de 5,535 %];

            - De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2015, 0,46 % [1/12 de 5,476 %];

            - De 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2016, 0,43 % [1/12 de 5,168 %];

            - A partir de 1 de Janeiro de 2017, 0,41% [1/12 de 4,966 %].


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III. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Em consequência, decidem:

            A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os arguidos e demandados civis no pagamento ao Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido e até integral e efectivo pagamento, à taxa de 5,168%.

B) Condenar os arguidos e demandados civis no pagamento, ao Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, de juros de mora, contados nos termos e às taxas indicadas em II., 3 que antecede, sobre os montantes das contribuições mensais a que respeitam, até efectivo e integral pagamento.

C) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou em custas [na proporção do decaimento] o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Coimbra, condenando agora os arguidos e demandados civis na totalidade das custas do pedido de indemnização civil.

            D) Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.


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            E) Custas do recurso pelos demandados civis (arts. 523º do C. Processo Penal e 527º, nºs 1 e 2 do C. Processo Civil).

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Coimbra, 22 de Fevereiro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)