Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
373/14.8TMPDL-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR
INCUMPRIMENTO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Decorre das disposições conjugadas dos números 1 e 3 do art.º 989.º do CPC, 1880.º e 1905.º n.º 2 do Código Civil, que a requerente que se apresenta ao tribunal como progenitora que tem vindo a suportar, sozinha, as despesas com o sustento dos três filhos maiores, que têm menos de 25 anos de idade e se encontram ainda a completar a sua formação profissional, que beneficiam de sentença homologatória de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais no qual o ora requerido ficou obrigado a prestar pensões de alimentos a favor dos filhos e, segundo a requerente, não pretendem litigar, por si, contra o pai, tem legitimidade para, com recurso aos meios processuais concedidos aos menores pelo RGPTC, forcejar não só pelo pagamento das prestações alimentares respeitantes ao período da menoridade dos filhos (como foi reconhecido pelo tribunal a quo), mas também pelo pagamento das quantias correspondentes reportadas ao período posterior à aquisição da maioridade pelos filhos.
III. A requerente pode, pois, recorrer aos procedimentos previstos nos artigos 41.º e 48.º do RGPTC, para reclamar o pagamento, pelo progenitor/requerido, das quantias correspondentes à data posterior à aquisição da maioridade por cada um dos filhos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 08.6.2020 Judite deduziu, por apenso a processo de divórcio com mútuo consentimento, incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais contra José.
A requerente alegou que por sentença proferida em 22.01.2015 em processo de divórcio entre a requerente e o requerido, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais respeitantes aos três filhos menores de ambos, tendo as crianças ficado confiadas à guarda e cuidados da mãe e, além do mais, ficado estipulado que a título de alimentos aos menores o requerido pagaria, por transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de € 150,00 (€ 50,00 por menor), com início em fevereiro de 2015. O requerido nada pagou, pelo que está em dívida a quantia total de € 9 600,00. Os filhos da requerente e do requerido são, atualmente, maiores de idade, frequentam o ensino universitário, não exercem qualquer profissão remunerada, pelo que tem sido a requerente a suportar sozinha todas as necessidades dos filhos de ambos, designadamente as relativas, entre outras, à sua alimentação, saúde, vestuário e escolares.
A requerente terminou formulando o seguinte petitório:
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exa., se digne ordenar o cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 41.° do RGPTC, ou em alternativa, que seja apurada a situação pessoal e económica do Requerido, decretando-se, a final, e através do mecanismo previsto no artigo 48.° do referido diploma legal, as medidas necessárias ao cumprimento coercivo da quantia em dívida, bem como a condenação do Requerido em multa e em indemnização a favor dos filhos da Requerente e do Requerido.
Em 17.6.2020 determinou-se que a requerente fosse notificada para se pronunciar, querendo, sobre a sua ilegitimidade para reclamar as prestações de alimentos fixadas aos seus filhos na menoridade, após estes terem atingido a maioridade.
A requerente pronunciou-se no sentido da sua legitimidade processual ativa para intentar os presentes autos, “seja para pedir o pagamento coercivo de todas as quantias vencidas na menoridade dos filhos (independentemente dos autos apenas terem sido apresentados a juízo quando estes eram já maiores), quer seja ainda, para pedir o pagamento coercivo de todas as restantes quantias vencidas, devidas aos filhos maiores, à data da propositura dos autos, bem como, as vincendas, pois estes não querem apresentar-se em juízo contra o progenitor, aqui Requerido.”
Em 02.7.2020 foi proferida a seguinte decisão:
“Nos presentes autos solicita a progenitora a efetivação do pagamento da prestação de alimentos fixada na menoridade dos três filhos, todos já maiores de idade – ação prevista no artigo 48º do RGPTC.
Ora, tem sido discutido na jurisprudência se em referência a uma obrigação de alimentos fixada na menoridade, se a progenitora do filho beneficiário de alimentos tem legitimidade para em substituição do filho titular do direito a alimentos, e perante a inércia deste, instaurar a ação a que se reporta o artigo 48º do RGPTC, para efetivação da prestação de alimentos vencidas após o beneficiário de alimentos atingir a maioridade.
Assim, para uns “O art. 989.º, n.º 3, do CPC, introduzido pela Lei n.º 122/2015, remetendo para os termos dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, reconhece legitimidade ao progenitor com quem o filho maior coabita, quando se torne necessário providenciar judicialmente (seja para prosseguir, no confronto com o outro progenitor, a ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, seja para, depois desta, intentar ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efetivação do direito anteriormente acertado) sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional” (cf. Ac. TRG de 21-06-2018).
Para outros, com o advento da maioridade do filho beneficiário de alimentos deixa o progenitor convivente de ter legitimidade para recorrer aos procedimentos judiciais para efetivação do direito de alimentos do filho fixados na menoridade, relativamente às prestações vencidas após a maioridade, pelo que o progenitor terá que instaurar uma ação pedindo a comparticipação nas despesas com o sustento e a educação do filho maior, só assim obtendo título executivo e legitimidade processual (por a legitimidade reconhecida ao progenitor convivente pelo n° 3 aditado ao art 989° CPC ser extensível à fase executiva) para a cobrança coerciva daquele crédito (cf. Ac.TRL 12-06-2012; Ac. do TRC de 03-06- 2014).
Cumpre apreciar.
De acordo com o nº 1 do art. 48º RGPTC, quando o devedor de alimentos não prover à satisfação da obrigação de alimentos no prazo de 10 dias subsequentes ao seu vencimento, o credor pode lançar mão deste instituto, em que se veem deduzidas as respetivas quantias no vencimento ou ordenado, tendo em conta se se trata de um trabalhador em funções públicas (al. a)), um empregado por conta de outrem (al. b)) ou se em causa está a perceção de rendas, pensões, subsídios ou outras quantias de carácter periódico (al. c)), abarcando as quantias deduzidas tanto as prestações vencidas como as vincendas.
Ora, os credores de alimentos da prestação de alimentos fixada na menoridade em referências aos filhos das partes já maiores de idade, e a partir desta maioridade são os próprios, que aos 18 anos deixam de ser representados pelos pais. E assim sendo, não tem a sua progenitora legitimidade para impulsionar o pagamento coercivo de direito de que não é titular (a obrigação de alimentos fixada na menoridade e vencida na maioridade), em virtude de não se tratar de um direito próprio, mas antes o direito de que são apenas titulares os beneficiários das prestações de alimentos.
Pelo exposto, declaro a requerente parte ilegítima para em nome próprio instaurar ação para efetivação do cumprimento da obrigação de prestação de alimentos fixada na menoridade dos filhos, de que estes são exclusivos titulares, mas apenas relativamente às prestações vencidas após a maioridade dos mesmos, exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do requerido da instância, nesta parte, o que se determina, ao abrigo do disposto nos artigos 576º/2, 577º/e) e 578º, todos do CPC, prosseguindo os autos para efetivação das prestações de alimentos vencidas na menoridade dos beneficiários de alimentos até à respetiva maioridade, determinando, para este efeito que a secção oficie ao ISSA solicitando que informe se o requerido aufere subsídio de desemprego ou outra prestação social, e pesquisando-se junto da base de dados da autoridade tributária se o requerido tem rendimentos sujeitos a tributação.
Custas pela requerente, em proporção a fixar a final.
Notifique, sendo ainda a requerente para liquidar, em 10 dias, em referência a cada um dos beneficiários de alimentos, as prestações de alimentos vencidas e não pagas em referência a cada um dos filhos durante a respetiva menoridade.”
A requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido em 02/07/2020 que decidiu declarar a Recorrente parte ilegítima para em nome próprio instaurar acção para efectivação do cumprimento da obrigação da prestação de alimentos fixada na menoridade dos filhos, relativamente às prestações vencidas após a maioridade destes;
2. Não pode a Recorrente concordar com tal entendimento;
3. Ora, por douta sentença proferida aos 22/01/2015 foi homologado o acordo celebrado entre Recorrente e Recorrido referente à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos do casal, Francisco, nascido a 29/05/1997, Margarida, nascida a 29/09/1998 e Inês, nascida a 29/08/2000, que ficaram confiadas à guarda e cuidados da mãe, ora Recorrente;
4. Naquele acordo ficou ainda estipulado que a título de alimentos aos menores o progenitor pagaria a quantia mensal de 150,00€ (50,00€ por cada menor), à Recorrente, até ao dia 8 (oito) de cada mês, com início em Fevereiro de 2015;
5. Sucede que, o Recorrido não procedeu ao pagamento de nenhuma das prestações a que se encontrava obrigado, pelo que se encontram em dívida todas as prestações mensais, desde a data em que foi proferida a mencionada douta sentença;
6. Os filhos do casal atingiram entretanto a maioridade, frequentam o ensino universitário, não exercem qualquer profissão remunerada, pelo que, a Recorrente tem suportado sozinha todas as necessidades dos filhos de ambos, designadamente as relativas, entre outras, à sua alimentação, saúde, vestuário e escolares;
7. Assim, a Recorrente requereu a efectivação do pagamento da prestação de alimentos fixada na menoridade dos três filhos, já maiores de idade, nos termos dos artigos 41.° e 48.° do RGPTC, pedindo o pagamento de todas as quantias vencidas na menoridade dos filhos, bem como, as restantes quantias vencidas, após a maioridade;
8.No entanto, o douto Tribunal recorrido declarou a Recorrente parte ilegítima para em nome próprio instaurar acção para efectivação do cumprimento da obrigação de prestação de alimentos fixada na menoridade dos filhos, relativamente às prestações vencidas após a maioridade destes;
9. Sucede que, entende a Recorrente ter legitimidade activa processual para intentar os presentes autos, para pedir o pagamento coercivo de todas as quantias vencidas, devidas aos filhos maiores, à data da propositura dos autos, bem como, as vincendas, pois estes não querem apresentar-se em juízo contra o progenitor, aqui Recorrido;
10. Esta legitimidade é lhe conferida pelos artigos 1905.° do Código Civil e 989.° do Código de Processo Civil;
11. Com efeito, nos termos do artigo 1905.°, n.° 2 do Código Civil, havendo pensão de alimentos fixada na menoridade, a sua manutenção na maioridade e até aos 25 (vinte e cinco) anos de idade do beneficiário é automática, se a sua formação académica ou profissional não estiver concluída;
12. Por outro lado, o artigo 989.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil prevê que, nos casos dos artigos 1880.° e 1905.° do Código Civil, é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores e que, tendo sido fixada pensão ou estando o respectivo processo a decorrer, a maioridade não impede que o processo se conclua e que os incidentes de incumprimento sejam intentados por apenso;
13. Dispõe ainda o n.° 3 do referido artigo 989.° que, no caso dos números anteriores, o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos;
14. Assim, não há dúvida de que o artigo 989.° n.°3 do Código de Processo Civil atribui legitimidade para um dos progenitores intentar contra o outro incidente de incumprimento ao abrigo do artigo 41.° do RGPTC, sendo certo que, provendo ao sustento do filho maior, o progenitor tem interesse directo em demandar e, consequentemente, legitimidade, nos termos do artigo 30.° do Código de Processo Civil, para demandar o outro progenitor a contribuir para o mesmo sustento;
15. Deste modo, se nos termos do artigo 989.° do Código de Processo Civil é atribuída legitimidade activa ao progenitor residente de reclamar perante o outro, um valor a título de alimentos a filho maior, também é lógico atribuir-lhe a mesma legitimidade activa para reclamar o pagamento coercivo da pensão de alimentos e outras despesas, cujo valor foi fixado na menoridade, apesar do filho ser já maior e o seu incumprimento por parte do outro progenitor ter-se verificado na menoridade ou na maioridade - Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 4345/15.7 T8LRS-A.Ll-6, datado de 20/09/2018 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.° 458/18.1T8BCL.Gl, datado de 21/06/2018, ambos disponíveis in www.dgsi.pt ;
16. Deste modo, e atento o incumprimento por parte do Recorrido no pagamento das prestações de alimentos fixadas na menoridade, a Recorrente tem legitimidade para intentar os presentes autos com vista a exigir do Recorrido o pagamento coercivo de todas as quantias vencidas após a maioridade dos filhos, bem como, as vincendas.
Após as conclusões, a apelante terminou pelo seguinte modo:
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o douto despacho recorrido revogado e substituído por douto Acórdão que, acolhendo as razões invocadas, declare a Recorrente parte legítima nos presentes autos para em nome próprio instaurar acção para efectivação do cumprimento da obrigação de alimentos fixada na menoridade dos filhos, das relativamente às prestações vencidas após a maioridade dos filhos, devendo o processo seguir os ulteriores termos, assim se fazendo inteira Justiça.”
Não houve contra-alegações.
O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão que constitui objeto deste recurso é a legitimidade da requerente para instaurar ação de incumprimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto nos artigos 41.º e 48.º do Regime Geral de Proteção Tutelar Cível (RGPTC), para efetivação do pagamento da prestação de alimentos vencidos após cada um dos seus filhos, dela beneficiários, ter atingido a maioridade, sendo certo que a obrigação da prestação de alimentos foi fixada judicialmente durante a menoridade dos beneficiários.
Para além do que consta no Relatório, dos autos resulta a seguinte
Factualidade
1. Em 22.01.2015, no decurso de tentativa de conciliação realizada na ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge intentada pela ora requerente contra o ora requerido, as partes chegaram ao seguinte acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais:
5.1- Os menores, Francisco, nascido a 29-05-1997, Margarida, nascida a 29-09-1998 e Inês, nascida a 29-08-2000, ficam à guarda e cuidados da mãe, Judite, com quem terá residência habitual e que sobre eles exercerá as responsabilidades parentais nas questões do quotidiano, sendo sua encarregada de educação.
5.2- Nas questões de particular importância da vida dos menores, designadamente em matéria de intervenções médico-cirúrgicas, deslocações para o estrangeiro, representação patrimonial e judiciária, as responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
5.3- O pai poderá estar com todos os menores aos domingos e almoçar com estes às 13h00, desde o Francisco e a Margarida não manifestem oposição, vontade a considerar por força das respectivas idades.
5.4- O pai poderá ver e estar com a menor Inês no Ponto de Encontro Familiar, uma vez por semana, em moldes a coordenar com os técnicos respectivos e ambos os progenitores, pelo período que ali for estipulado. Informado o Tribunal pelo Ponto de Encontro Familiar de que existem condições para as visitas entre progenitor e menor fixa-se o seguinte regime de visitas a saber:
- O pai poderá ver e estar com a menor às 2.a feiras após o almoço, devendo para tal recolhê-la na escola e entregá-la em casa da mãe pelas 18h30.
4.5- Desde o pai autoriza a que a menor Margarida, nascida a 29- 09-1998 a viajar para Londres entre os dias 07-07-2015 e 07-08-2015.
5.6- A título de alimentos aos menores, o pai pagará o montante mensal de 150 euros (50,00€ a cada menor) o qual deverá ser entregue à mãe, através de depósito/transferência bancária, para conta da mãe com o NIB: (…); até ao dia 8 de cada mês, com inicio em Fevereiro. Tal montante será anual e automaticamente actualizado, em Fevereiro, segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma dos Açores.
No mês subsequente a ter sido efectuada a partilha, o pai começará a pagar a título de alimentos aos menores a quantia mensal de 700 euros (300 euros à menor Inês, 200 euros à menor Margarida e 200 euros para o menor Francisco).
2. O referido acordo foi homologado por sentença proferida na mesma data.
O Direito
Aquando da sua notificação para se pronunciar sobre a sua ilegitimidade para reclamar as prestações de alimentos fixadas aos seus filhos na menoridade, após estes terem atingido a maioridade, a requerente afirmou o seguinte:
1 A Requerente tem legitimidade activa processual para intentar os presentes autos, quer, seja para pedir o pagamento coercivo de todas as quantias vencidas na menoridade dos filhos (independentemente dos autos apenas terem sido apresentados a juízo quando estes eram já maiores), quer seja ainda,
2° para pedir o pagamento coercivo de todas as restantes quantias vencidas, devidas aos filhos maiores, à data da propositura dos autos, bem como, as vincendas, pois estes não querem apresentar-se em juízo contra o progenitor, aqui Requerido.
3° Esta legitimidade é lhe conferida pelos artigos 1905.° do Código Civil e 989.° do Código de Processo Civil.
Com efeito,
4° nos termos do artigo 1905.°, n.° 2 do Código Civil, havendo pensão de alimentos fixada na menoridade, a sua manutenção na maioridade e até aos 25 (vinte e cinco) anos de idade do beneficiário é automática, se a sua formação académica ou profissional não estiver concluída.
Por outro lado,
5º o artigo 989.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil prevê que, nos casos dos artigos 1880.° e 1905.° do Código Civil, é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores e que, tendo sido fixada pensão ou estando o respectivo processo a decorrer, a maioridade não impede que o processo se conclua e que os incidentes de incumprimento sejam intentados por apenso.
6° Dispõe ainda o n.° 3 do referido artigo 989.° que, no caso dos números anteriores, o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos.
Assim,
7º não há dúvida de que o artigo 989.° n.°3 do Código de Processo Civil atribui legitimidade para um dos progenitores intentar contra o outro incidente de incumprimento ao abrigo do artigo 41.° do RGPTC,
8° sendo certo que, provendo ao sustento do filho maior, o progenitor tem interesse directo em demandar e, consequentemente, legitimidade, nos termos do artigo 30.° do Código de Processo Civil, para demandar o outro progenitor a contribuir para o mesmo sustento.
Deste modo,
9° se nos termos do artigo 989.° do Código de Processo Civil é atribuída legitimidade activa ao progenitor residente de reclamar perante o outro, um valor a título de alimentos a filho maior,
10° também é lógico atribuir-lhe a mesma legitimidade activa para reclamar o pagamento coercivo da pensão de alimentos e outras despesas, cujo valor foi fixado na menoridade, apesar do filho ser já maior e o seu incumprimento por parte do outro progenitor ter se verificado na menoridade ou na maioridade.
11º Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 4345/15.7 T8LRS-A.Ll-6, datado de 20/09/2018, disponível in www.dgsi.pt: "A progenitora que provém ao sustento do filho maior, cujo direito a alimentos se mantém nos termos do artigo 1905° n°2 do CC, tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor o incidente de incumprimento deduzido ao abrigo do artigo 41° do RGPTC e do artigo 989° n°3 do CPC."
12° Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.° 458/18.1T8BCL.G1, datado de 21/06/2018, disponível in www.dgsi.pt: "1 - Com a alteração introduzida no art. 1905.° do Cód. Civil, mediante o aditamento do n.° 2 pela Lei n.° 122/2015, os filhos passam a ter automaticamente direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos; II - Para possibilitar a concretização desta modificação ao regime substantivo, a referida Lei n.° 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, atribuindo agora também ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respetiva contribuição; III - O art. 989.°, n.° 3, do CPC, introduzido pela referida lei, remetendo para os termos dos n°s 1 e 2 do mesmo artigo, reconhece legitimidade ao progenitor com quem o filho maior coabita, quando se torne necessário providenciar judicialmente (seja para prosseguir, no confronto com o outro progenitor, a ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, seja para, depois desta, intentar ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efetivação do direito anteriormente acertado) sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional."
Face ao exposto,
13° requer-se a V. Exa. que se digne considerar legítima a intervenção da Requerente para instaurar o presente incidente de incumprimento, seguindo-se os ulteriores termos do processo.”
Julgamos que a pronúncia da requerente, efetuada a convite do tribunal a quo, acerca da sua legitimidade para o referido incidente, é bastante para se lhe reconhecer a invocada legitimidade.
Durante a menoridade dos filhos, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” (n.º 1 do art.º 1878.º do Código Civil, sob a epígrafe “Conteúdo das responsabilidades parentais”).
A obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos menores e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação cessa “na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos” (art.º 1879.º do Código Civil).
Em princípio, dir-se-ia que, atingida a maioridade dos filhos, cessaria a responsabilidade parental dos progenitores em relação àqueles, incluindo a vertente prevista  no art.º 1879.º (art.º 130.º do Código Civil).
Porém, o art.º 1880.º do Código Civil estipula, sob a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, o seguinte:
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Este preceito, introduzido pelo diploma que reduziu a idade de obtenção da maioridade dos 21 para os 18 anos de idade (Dec.-Lei n.º 496/77, de 25.11, art.º 130.º do CC), teve em consideração que hoje em dia muitos jovens atingem a maioridade, ou seja, a plena capacidade legal para o exercício dos seus direitos e o cumprimento das suas obrigações, numa fase que é ainda de formação, isto é, de obtenção dos conhecimentos e competências, por via do ensino e aprendizagem, que lhes permitirão futuramente reunir condições pessoais e materiais para regerem com verdadeira autonomia a sua pessoa e os seus bens. Tal situação de formação profissional exige, as mais das vezes, disponibilidade que não é compatível com o ónus de percecionar rendimentos pelo trabalho, que por sua vez nem sempre – e hoje, cada vez menos – está acessível, pelo que, não dispondo o filho de outros rendimentos próprios que lhe permitam fazer face às suas despesas, justifica-se que se prolongue a responsabilidade parental dos pais a este nível. Porém, apenas “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Como é sabido, acerca da interpretação a dar ao art.º 1880.º formou-se jurisprudência, maioritária, que considerava que, atingida a maioridade do filho beneficiário de alimentos, o poder paternal extinguia-se e, com ele, caducava a obrigação do progenitor alimentante. Cabia ao filho, que se encontrasse na situação prevista no art.º 1880.º, demandar o(s) progenitor(es) a fim de lhe ser reconhecido o direito à prestação alimentar, devendo alegar e demonstrar os respetivos pressupostos (v.g., Rel. do Porto, 20.11.2001, processo 0120781; Rel. de Lisboa, 10.0.2009, 6251/08-2; STJ, 22.4.2008, 08B389; STJ, 12.01.2010, 158-B/1999.C1.S1; Rel. de Évora, 11.6.2015, 400/13.6TMFAR.E1 – todos consultáveis, bem como os adiante indicados, salvo referência em contrário, em www.dgsi.pt).
Mas também havia quem sustentasse, suportado na letra do art.º 1880.º, que a obrigação alimentar se mantinha após a maioridade do filho, devendo o(s) progenitor(es) onerado(s) com a obrigação alimentar demonstrar(em) em juízo que não se verificavam os pressupostos previstos no art.º 1880.º para a permanência da obrigação e, consequentemente, a obrigação de prestação da pensão alimentar que tivesse sido fixada na menoridade do filho (v.g., STJ, 06.7.2005, 04B1171; Rel. de Coimbra, 20.09.2011, 590-H/2002.C1; Rel. do Porto, 9.09.2013, 442-E/2000.P1).
A Lei n.º 122/2015, de 01.9, alterou o n.º 2 do art.º 1905.º do Código Civil, aí consignando que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
As razões dessa alteração estão expressas na Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 975/XII/4.ª, do grupo parlamentar do Partido Socialista, que esteve na origem deste preceito:
É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe.
Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial. Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional. Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.
A dita intervenção legislativa na redação do art.º 1905.º do CC, com o aditamento do n.º 2 supratranscrito, tem maioritariamente sido qualificada como lei interpretativa, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 13.º do Código Civil (na jurisprudência, v.g., Rel. do Porto, 16.6.2016, 422/03.5TMMTS-E.P1; Rel. do Porto, 06.3.2017, 632/14.0T8VNG.P1; Rel. de Évora, 09.3.2017, 26/12.1TBPTG-D.E1; Rel. de Guimarães, 08.6.2017, 991/14.4T8GMR-F.G1; Rel. de Coimbra, 26.9.2017, 1092/16.6T8LMG.C1, confirmado pelo STJ, 08.02.2018, 1092/16.6T8LMG.C1.S1; contra, Rel. de Lisboa, 02.6.2016, 47/16.5T8CSC.L1-6; Rel. de Lisboa, 30.6.2016, 6692/05.7TBSXL-C.L1.2).
Do ponto de vista da legitimidade processual, antes desta alteração legislativa entendia-se que cabia ao filho maior, enquanto titular do respetivo direito, a legitimidade para reclamar do progenitor o seu crédito alimentício, seja em sede de incidentes de incumprimento, seja nas ações de fixação de alimentos após a maioridade, aceitando-se, embora com bastante controvérsia ao nível dos tribunais da primeira instância, que o progenitor que convivera com o filho durante a sua menoridade tinha legitimidade para exigir e efetivar contra o progenitor devedor as prestações alimentícias vencidas durante a menoridade do filho (v.g., Rel. de Lisboa, 05.12.2002, CJ XXVII, t. V, p. 90; Rel. Lisboa, 09.12.2008, 7602/2008-1; Rel. do Porto, 20.4.2009, 2907/05.0TBPRD-A.P1; Rel. de Lisboa, 10.9.2009, 6251/08-2; Rel. de Lisboa, 04.3.2010, 20002-D/1992.L1-8; STJ, 25.3.2010, 7957/1992.2.P1.S1; Rel. de Coimbra, 28.01.2014, 989/08.1TBPMS-A.C1; Rel. de Coimbra, 03.6.2014, 1810/05.8TBTNN-E.C1; STJ, 15.4.2015, 200080-C/1996.L1.S1; Rel. de Guimarães, 15.10.2015, 387/15.0T8BCL-A.G1).
A legitimidade do progenitor, em regra a mãe, para peticionar do progenitor devedor a efetivação do pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade do filho que entretanto atingira a maioridade era fundamentada, como decorre dos acórdãos acima citados, no facto de o progenitor convivente com o menor ter, no cumprimento do seu dever legal, suportado (exclusivamente ou maioritariamente) as despesas do menor com o seu sustento, segurança, saúde e educação, assim ficando legalmente sub-rogado nos direitos do credor, o filho, para reclamar do devedor, o outro progenitor, o que suportara a mais no seu património (art.º 592.º n.º 1 do CC). Invocava-se, também, o disposto no n.º 2 do art.º 1412.º do CPC de 1961, equivalente ao n.º 2 do art.º 989.º do atual CPC, do qual decorria, e decorre, uma ideia de continuidade dos processos referentes à prestação alimentícia fixada ou a fixar no decurso da menoridade do filho beneficiário, pese embora a sua superveniente maioridade.
Entendia-se (em alguns casos implicitamente) que, nestas situações, o progenitor credor poderia utilizar os meios processuais que considerasse melhor ajustados ao interesse prosseguido, embora, como é evidente, sujeito ao controle do juiz, sendo possível, pois, em abstrato, o recurso aos incidentes de incumprimento previstos nos artigos 181.º e 189.º da OTM, agora correspondentes aos artigos 41.º e 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9, e bem assim a execução especial por alimentos, prevista nos artigos 1118.º e seguintes do CPC de 1961, atualmente artigos 933.º e seguintes do CPC (cfr., v.g., supracitados acórdãos da Rel. de Lisboa, 05.12.2002; Rel. de Lisboa, 09.12.2008; Rel. do Porto, 20.4.2009; STJ, 08.10.2009, 305-H72000.P1.S1; Rel. de Lisboa, 04.3.2010; STJ, 25.3.2010; Rel. de Coimbra, 28.01.2014; Rel. de Coimbra, 03.6.2014; STJ, 15.4.2015; Rel. de Guimarães, 15.10.2015).
Relativamente aos alimentos devidos a filho maior, a Lei n.º 122/2015 alterou o art.º 989.º do CPC, de molde a conferir ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, legitimidade para exigir ao outro, em juízo, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, em termos idênticos ao regime previsto para os menores (n.º 3 do art.º 989.º).
Conforme consta na já transcrita Exposição de Motivos do respetivo projeto de lei (Projeto de Lei n.º 975/XII/4.ª), o legislador quis enfrentar a omissão dos filhos maiores, que no referido texto é descrita como decorrente do “temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, assim “conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.
Assim, o art.º 989.º do CPC passou, a partir de 01.10.2015 (art.º 4.º da Lei n.º 122/2015), a ter a seguinte redação:
Alimentos a filhos maiores e emancipados
1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.
Isto é, afirma-se agora, expressamente, que o progenitor que, em regra, convive com o filho maior e o continua a sustentar nas condições previstas no art.º 1880.º do Código Civil, tem legitimidade para reclamar judicialmente do outro progenitor as quantias correspondentes à quota parte do progenitor demandado, quota parte essa cujo valor o progenitor convivente tem vindo e, previsivelmente, continuaria a suportar (não fora a interpelação judicial do devedor), total ou parcialmente.
Quanto à questão da qualificação, do ponto de vista do direito substantivo, do sentido desta norma (art.º 989.º n.º 3 do CPC) que suporta a atuação processual do progenitor convivente, que demanda o outro progenitor para obter a dita comparticipação nas despesas com o sustento do filho maior, têm surgido diversas propostas: direito a ressarcimento assente na responsabilidade civil por omissão ilícita (cfr. acórdão da Relação do Porto, 16.6.2016, processo 422/03.5TMMTS-E.P1); gestão de negócios (Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior, Almedina/Colectânea de Jurisprudência, 2020, máxime pp. 75-80); espécie de direito de regresso de um progenitor sobre o outro (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, p. 442, nota 5), direito do progenitor convivente à comparticipação nos encargos da vida familiar, no período pós-rutura familiar, análogo ao que se encontra vertido no art.º 992.º do CPC para a contribuição do cônjuge para as despesas domésticas na pendência da vida familiar (Delgado de Carvalho, O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9, Blog do IPPC, 14.9.2015, pp. 4-6), sub-rogação legal (acórdão da Rel. de Guimarães, de 11.10.2018, processo 2343/15.2T8BCL-B.G1; citado acórdão da Rel. do Porto, de 16.6.2016, a título subsidiário), legitimidade indireta, na modalidade substitutiva, para o exercício do direito a alimentos do filho maior (Gonçalo Oliveira Magalhães “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, in Julgar On-line, março de 2018, pp. 13 e 14).
A questão que nos ocupa neste recurso não obriga a que se tome posição sobre o fundamento, de direito substantivo, da intervenção da ora requerente.
Note-se, de resto, que ainda que se defenda que o n.º 3 do art.º 989.º do CPC se reporta a um direito próprio do progenitor convivente, distinto das prestações alimentares a que o filho maior tem direito, não haverá dúvida de que a tradução material das prestações correspondentes a cada um desses direitos é idêntica, não havendo lugar a cumulação ou a diferença entre o respetivo conteúdo (cfr. Delgado de Carvalho, “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9 (2)”, Blog do IPPC, 29.9.2015; Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior, ob. cit., pp. 93 e 94, 97 e 98).
O que releva é que, como claramente decorre das disposições conjugadas dos números 1 e 3 do art.º 989.º do CPC, a requerente/apelante, ao apresentar-se como progenitora que tem vindo a suportar, sozinha, as despesas com o sustento dos três filhos maiores, que têm menos de 25 anos de idade e se encontram ainda a completar a sua formação profissional, que beneficiam de sentença homologatória de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais no qual o ora requerido ficou obrigado a prestar pensões de alimentos a favor dos filhos e, segundo a requerente, não pretendem litigar, por si, contra o pai, tem legitimidade para, com recurso aos meios processuais concedidos aos menores pelo RGPTC, forcejar não só pelo pagamento das prestações alimentares respeitantes ao período da menoridade dos filhos (como foi reconhecido pelo tribunal a quo), mas também pelo pagamento das quantias correspondentes reportadas ao período posterior à aquisição da maioridade pelos filhos.
A requerente pode, pois, recorrer aos procedimentos previstos nos artigos 41.º e 48.º do RGPTC, para reclamar o pagamento, pelo progenitor/requerido, das quantias correspondentes à data posterior à aquisição da maioridade por cada um dos filhos (neste sentido, cfr., v.g., Rel. de Guimarães, 21.6.2018, processo 458/18.1T8BCL.G1; Rel. de Lisboa, 20.9.2018, proc. n.º 4345/15.7T8LRS-A.L1-6; Rel. de Guimarães, 11.10.2018, proc. 2343/15.2T8BCL-B.G1; Rel. de Lisboa, 24.10.2019, proc. 238/17.1T8SXL.L1-8; Rel. de Lisboa, 21.11.2019, proc. 5100/05.8TBSXL-B.L1-8).
Cabendo ao tribunal a quo concretizar, à luz dos factos e da lei, as quantias que efetivamente serão devidas pelo requerido.
A apelação é, assim, procedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que negou à requerente legitimidade para reclamar o pagamento das prestações alimentícias vencidas e vincendas após a maioridade dos filhos identificados nos autos e, consequentemente, determina-se o prosseguimento dos autos também nessa parte.
Quanto às custas da apelação: inexistem custas (custas de parte – art.º 533.º do CPC) devidas.

Lisboa, 17.12.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins (vencido)
_______________________________________________________
Voto vencido:
Hoje já não há dúvida de que a introdução, pela Lei 122/2015, dos n.ºs 3 e 4 do art. 989 do CPC criou um novo direito substantivo do progenitor que está a pagar as despesas do filho maior. Tais normas não têm, por isso, nada a ver com a legitimidade processual para a cobrança de pensões fixadas ao filho maior.
(neste sentido, já o voto de vencido [publicado aqui, com outros elementos] no ac. do TRP de 16/06/2016, proc. 422/03.5TMMTS-E.P1 [sendo que o voto de vencido não se reporta a esta questão, sobre a qual não houve divergência, porque o próprio acórdão do TRP reconhece que o art. 989/3 do CPC criou um direito substantivo do progenitor e não do filho]), a declaração de voto no ac. do TRL de 04/04/2019, proc. 769/15.8T8LRS.1.L1, e o estudo de Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a filho maior, Almedina, Junho 2019)
É certo que não foi este o objectivo visado pelo legislador, que tentou resolver um problema processual pela importação de um regime que vigorava em França. Só que o legislador incorreu no erro de copiar um artigo do Código Civil francês (art. 373-2-5) que atribui um direito ao progenitor e que não trata da legitimidade processual para este exercitar o direito do filho [pelo que, a dar-se relevo à vontade do legislador, essa vontade seria a vontade do legislador francês; mas o que interessa é antes a vontade da lei e essa só pode ser a da lei francesa já que a vontade da lei portuguesa decorre, notoriamente de um acto falhado do legislador português].
Erro do legislador que acabou por criar um direito substantivo importante (do progenitor, não do filho) que não deve ser perdido nem adulterado com a sua interpretação como um direito processual para exercitar um direito do filho maior.
E deveria ser por via deste direito que o progenitor, que está a pagar mais do que a sua parte na obrigação, devia acautelar a sua posição, via mais natural e lógica, agora que ela existe, do que a de pretender exercer o direito do filho maior.
Mas quando ele não siga aquela via, e pretenda cobrar do outro progenitor aquilo que pagou da parte da obrigação alimentar devida por este, o problema que existia continuou a existir e tem de continuar a ser resolvido nos mesmos termos do direito anterior à Lei 122/2015.
Sendo que esse problema processual tem uma base substantiva.
É que, relembre-se, o direito à pensão é do filho (veja-se, com referências suficientes, o ac. do TRC de 12/06/2012, proc. 21-E/1997.C1; há outros acórdãos em que se segue posição contrária, mas sem fundamentação legal e com invocação de doutrina que aponta em sentido contrário, isto é, precisamente, de que o direito é do filho), que é maior, pelo que já não é representado pelo progenitor. E muito estranho seria que um direito do filho maior pudesse ser exercitado por um seu progenitor (como se aquele não tivesse ainda capacidade de exercício de direitos e continuasse a ser representado pelo progenitor).
Pelo que, o que pode ser exercitado é apenas o direito do progenitor ao valor da parte das pensões por ele paga a mais e este só existe no caso de se ter sub-rogado no direito do filho maior, através do comprovado pagamento das pensões e apenas no limite deste pagamento (artigos 589, 590, 592 e 593 do CC).
A construção da possibilidade da sub-rogação, a considerar-se que a obrigação alimentar dos progenitores para com os filhos não será solidária (o que parece resultar dos artigos 513/1 e 2010/1 do CC), para colmatar o facto de o interesse moral não preencher o requisito do interesse directo exigido pelo art. 592 do CC, passará pelo recurso às normas, com os respectivos pressupostos, do art. 477 do CC ou do art. 472 do CC, ou talvez por considerar que aquele interesse directo resulta das normas do art. 2010/2 do CC, quando os pressupostos daquelas se verificarem (estas vias de fundamentação resultam do que é dito por Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, no CC anotado, Direito da Família, coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2020, páginas 1080-1082, especialmente anotações 5II e 6 ao art. 2010, e por Rute Teixeira Pedro, em anotação ao art. 2010 do CC anotado, vol. II, Almedina, coordenação Ana Prata, 2017, páginas 917-918, em conjugação com a posição já invocada de Paulo Olavo Cunha quanto à sub-rogação no voto de vencido no ac. do TRL de 2019).
E a exigência da verificação processual dos pressupostos da sub-rogação levará a que o direito dos filhos não seja arbitrariamente postergado pela actuação dos progenitores (por exemplo, com o progenitor que apenas pagou a sua parte nos alimentos dos filhos, a reclamar do outro, para si, o pagamento da outra parte; sendo que não há base legal para presumir que um progenitor pagou a parte do outro apenas porque o diz ter feito. Até porque, e é o que na maior parte das vezes se verificará, pode não ter tido condições económicas para o fazer, tendo sido os filhos que sofreram privações pela falta de pagamento da pensão, pelo que o que é justo é que sejam eles, nestes casos, a exigir esse pagamento, para eles).
Ora, no caso dos autos considero que não há elementos para dizer que estejam alegados ou indiciados os pressupostos da sub-rogação ou que os filhos não serão prejudicados com a exigência, pelo progenitor exequente, do pagamento, para si, daquilo que era devido aos filhos.
Pelo que confirmaria a decisão recorrida.

Pedro Martins