Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13644/12.9YYLSB-E.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO EM PROCESSO EXECUTIVO
OBRIGAÇÃO DE JUROS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A pretensão de ampliação do pedido constitui uma das modificações objetivas previstas na lei (cfr. artigo 265.º, n.º 2, do CPC), podendo assumir, ainda que não obrigatoriamente, forma articulada.
II) Assim, não tendo o respetivo requerimento de ampliação do pedido de obedecer a um especial ritualismo na forma de apresentação, não tem que ser notificado à contraparte com as formalidades da citação, pelo que, não se verifica nulidade se, encontrando-se cumprido o contraditório, tais formalidades não foram observadas, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 728.º, n.º 4, do CPC.
III) A obrigação de pagamento dos juros de mora é uma consequência directa da mora do devedor, correspondendo à indemnização pelo incumprimento da obrigação principal, sendo acessória desta.
IV) Só há lugar ao pagamento de juros de mora, à taxa legal, se expressamente peticionados, não dispensando a formulação pelo exequente, no processo executivo, em sede própria, do respetivo pedido, no quadro do princípio geral do dispositivo (cfr. arts. 3.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1, do CPC).
V) O título executivo é o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos, nele se considerando abrangidos os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante (artigo 703.º, n.º 2, do CPC), o que se compatibiliza com o facto de ser em função do título que se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, n.º 5, do CPC).
VI) Da omissão de formulação do pedido de pagamento de juros de mora vincendos no requerimento executivo não se retira que a exequente tenha prescindido ou renunciado ao cumprimento da correspondente obrigação pela executada e que estivesse impossibilitada de ulteriormente o peticionar. Tal teria de resultar de expressa declaração nesse sentido, ou de advir, de algum modo, de um facto que inequivocamente o assim revelasse (cfr. artigos 217.º e 218.º do CC), o que não sucedeu.
VII) Não se vislumbra nenhum obstáculo, material ou formal, inarredável à possibilidade de o instituto jurídico da ampliação do pedido, previsto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC - disposição de aplicação geral e não específica do processo de declaração - , verificados que sejam os respetivos pressupostos, ter lugar numa ação executiva, sendo que, razões relacionadas com a economia processual, com o denominado princípio pro actione – visando a concretização de uma tutela jurisdicional não formalista, efetiva e eficaz, nos termos constitucionalmente consagrados - poderão determinar a aplicação de um tal instituto no âmbito da realização coativa da prestação.
VIII) Se pode o exequente cumular pedidos contra o mesmo executado, com fundamento em títulos diversos, na pendência da execução (cfr. artigos 709.º e 711.º, n.º 1, do CPC), por maioria de razão e, por uma questão de economia processual, há que admitir a ampliação do pedido, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do CPC - quanto ao pagamento de juros vincendos de mora à taxa legal – contra o mesmo executado, quando o título já dado à execução viabiliza e incorpora a exigência da obrigação objeto da ampliação (cfr. artigo 703.º, n.º 2, do CPC) e a execução ainda se encontra pendente, por tal pretensão ocorrer ainda no decurso da discussão verificada na 1.ª instância e, a mesma, traduzindo um pedido qualitativamente idêntico ao pedido de juros de mora vencidos, constitui um mero desenvolvimento da pretensão inicialmente formulada.
IX) Quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros — como sucede com os juros legais —, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, constituindo cada obrigação de juros uma obrigação autónoma, sendo aplicável o prazo de prescrição a cada uma delas (e não à dívida global), considerando-se prescritos os juros que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos (cfr. artigo 310.º, al. d) do CC).
X) A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do artigo 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo o recorrido a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente. A ampliação do âmbito do recurso não é idónea para o recorrido impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido sendo, para tal, necessária a interposição de recurso (independente ou subordinado), nos termos previstos no artigo 633.º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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HE, LDA. instaurou em 19-07-2012 contra CAIXA…, autos de execução, para pagamento de quantia certa – de que os presentes constituem o apenso E - , então liquidada, de € 1.965.637,45.
Apresentou como título executivo uma garantia bancária emitida pela executada, que esta não teria honrado.
No requerimento executivo, a exequente exarou o seguinte:
- No campo “Tribunal competente, título executivo e factos”:
“(…)
Valor da Execução: 1.965.637,45 € (Um Milhão Novecentos e Sessenta e Cinco Mil Seiscentos e Trinta e Sete Euros e Quarenta e Cinco Cêntimos)
Objecto da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida comercial [Cível]
Título Executivo: Documento Particular
Factos:
Em 12 de Março de 2008, a Executada prestou, a pedido da DLI – Distribuição e Logística para a DI, S.A. (“…”), uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, a favor da Exequente, no montante total de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) - cfr. cópia da garantia bancária n.º 000-43.010093-3 que aqui se junta como Doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. A referida garantia bancária foi prestada por forma a caucionar o bom e pontual pagamento de qualquer aquisição de equipamento informático e/ou prestação de serviços pela DI à Exequente.
Sucede que a DI incumpriu, definitivamente, as obrigações assumidas junto da Exequente, designadamente em virtude do não pagamento, atempado, de facturas relativas a fornecimentos feitos pela Exequente à DI (sendo certo que a dívida da DI à Exequente ascende, actualmente, a mais de 3.8 milhões de euros).
Nestes termos, perante o incumprimento das obrigações da DI, a Exequente, em 16 de Maio de 2012, interpelou a Executada para proceder ao pagamento de parte do montante titulado pela supra referida garantia bancária, mais precisamente do montante de € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos) – cfr. cópia da comunicação de interpelação que aqui se junta como Doc. 2.
Não obstante, até à data, a Executada não procedeu, conforme era sua obrigação - designadamente nos termos do disposto na garantia bancária prestada - ao pagamento de qualquer montante à Exequente.
Resulta assim do exposto que a Executada deve à Exequente o montante constante da carta de interpelação remetida, ou seja, € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos). Ao montante em dívida acrescem juros de mora no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento da garantia bancária até à data de entrada do presente requerimento executivo.
O crédito é certo, líquido e exigível, encontrando-se devidamente titulado, pelo que a quantia exequenda ascende, na presente data, a € 1.965.637,45.”
- No campo “Liquidação da obrigação”:
“Valor Líquido: € 1.941.803,80
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 23.833,65 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 1.965.637,45 €
Capital em dívida referente ao valor da garantia bancária = € 1.941.803,80
Ao montante de capital em dívida acrescem juros de mora, à taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento, até à data de entrada do presente requerimento executivo.”
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Em 10-11-2017 o agente de execução liquidou a quantia exequenda em € 2.720.299,94, sendo € 745 931,97 de “juros comerciais de 20/07/2012 a 10/11/2017”.
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A executada reclamou de tal nota de liquidação, alegando que os aludidos juros não constavam no título executivo e não haviam sido requeridos.
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A exequente respondeu à reclamação, pugnando pela sua improcedência, defendendo que os juros de mora estavam abrangidos pelo título executivo e que a execução abrangia os juros vincendos, que deviam ser calculados a final pelo agente de execução, como foram. Subsidiariamente, requereu que se admitisse a ampliação do pedido quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, determinando-se, igualmente, o prosseguimento da ação executiva.
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Por requerimento de 03-01-2018, a executada, notificada do teor de requerimento apresentado pela exequente, veio “ao abrigo do princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º do CPC”, reiterou pela “REFORMULAÇÃO DA CONTA ENVIADA À EXECUTADA, SUBTRAINDO AO VALOR ALI APURADO, A IMPORTÂNCIA COMPUTADA A TÍTULO DE JUROS DE MORA VINCENDOS, NÃO COMPREENDIDOS NO TÍTULO EXECUTIVO, NÃO PETICIONADOS NA PRESENTE AÇÃO EXECUTIVA, NEM CONSTANTES DA CAUÇÃO APRESENTADA CONFORME SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO, PROFERIDA NO APENSO B”.
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Em 13-07-2018, foi proferido despacho do seguinte teor:
“Requerimento ref 27485610 de 28.11.2017 (reclamação da nota do SR AE), requerimento ref 27646271 de 14.12.217 (resposta), req. ref 27775399 de 3.01.2018 e req. 2804555 de 29.1.2018 (requerimento e respostas complementares):
Está em causa a inclusão pelo Sr AE na liquidação da responsabilidade da executada dos juros de mora vencidos a partir da data de apresentação do requerimento executivo, entendendo a executada que os mesmos não deverão ser incluídos, e a exequente que o deverão ser.
A nota de liquidação inclui tais juros (cf nota anexa ás notificações de 24.11.217)
Dispõe o art 703 nº2 do CPC que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, á taxa legal, da obrigação dele constante; complementarmente, dispõe o art 716º nº1 do CPC que sempre que for ilíquida a quantia em divida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido liquido, sendo que quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita afinal, pelo agente de execução, em face do titulo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade ou sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
Ou seja, o pedido que o exequente deve formular na p.i. deve abranger os juros vencidos até esse momento. Assim “(…) se o exequente não efectuou no requerimento executivo a liquidação dos juros vencidos, só deverá receber os que se vencerem após a data da instauração da execução (…)” - A acção executiva Anotada e Comentada, Virgínio da Costa Ribeiro e Sergio Rebelo, Almedina, ed 2016 (2º ed), pag 140.
In casu a exequente, na parte do requerimento executivo respeitante á liquidação da obrigação, referiu que ao montante do capital em divida acrescem juros de mora á taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento até á data do requerimento executivo.
Ou seja, referindo que ao capital acresciam juros de mora á taxa legal, liquidou os juros vencidos, cumprindo o ónus que lhe incumbe nos termos do art 716º nº1 do CPC, o que não significa que prescinda dos juros de mora que se vencessem a partir da data do requerimento executivo. Esses, que não carecem de ser expressamente qualificados no requerimento executivo como vincendos, estarão aliás compreendidos na expressão “ao montante de capital em divida acrescem juros de mora, á taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais (…)” que consta do requerimento executivo.
Nessa sequência, por terem cabimento legal (art 703 nº2 do CPC) devem tais juros ser incluídos na liquidação da responsabilidade da executada, pelo que improcede a reclamação (da nota do Sr AE) que a executada deduziu.
Custas do incidente de reclamação pela reclamante.
Notifique”.
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Desse despacho foi interposto recurso, que foi tramitado no apenso C aos presentes autos e em 11-07-2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, que julgou a apelação improcedente, revogando o despacho recorrido e, em sua substituição, dando “provimento à reclamação apresentada contra a nota de liquidação elaborada pelo Sr. agente de execução e, em consequência, determina-se que a mesma seja reformulada tendo em consideração o ora decidido, ou seja, dela se excluindo os juros de mora vencidos posteriormente à instauração da execução, se a tal não obstar o que vier a ser decidido pelo tribunal a quo quanto à requerida ampliação do pedido”.
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Baixando os autos à 1.ª instância, em 24-09-2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Atento o teor do Ac. do TRL de 08.10.2019 que consta do apenso C, cabe apreciar o ampliação do pedido exequendo requerida pela exequente na resposta que apresentou em 14.12.2017 à reclamação da executada contra a nota de liquidação elaborada pelo SR AE (ampliação do pedido exequendo quanto aos juros de mora, calculados á taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento), o que, uma vez já observado o contraditório quanto a tal pretensão, conforme req. de 21.02.2020, se passará ora a fazer.(…).
Por requerimento de 14.12.2017 a exequente requereu a ampliação do pedido exequendo quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento.
A parte contraria veio, na sequencia do Acórdão suprarreferido, exercer o contraditório a 21.02.2020, invocando, para além da inadmissibilidade legal, a prescrição.
A exequente respondeu a esta invocação de prescrição por requerimento de 05.03.2020.
Cumpre decidir:
Está em causa a pretensão de ampliação do pedido na parte referente quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, ampliação que foi pedida supletivamente no requerimento de resposta à reclamação da nota de liquidação elaborada pelo Sr Ae.
No requerimento executivo da presente execução (cujo titulo é uma garantia bancaria), a exequente não formulou pedido de pagamento de juros de mora vincendos desde a propositura da execução até integral pagamento.
Veio posteriormente, em fase de incidente de reclamação da nota de liquidação elaborada pelo Sr Ae, formular ampliação do pedido executivo relativamente a tais juros vincendos.
A pretensão da exequente decorre do titulo dado à execução (garantia bancaria), reportando-se aos juros vincendos sobre o capital peticionado com base nessa garantia.
Veja-se que nos termos do art 703 nº 2 do CPC consideram-se abrangidos pelo titulo executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação nele constante.
Não há duvida, pois, de que embora a obrigação de juros seja autónoma da obrigação de capital, ambas decorrem do mesmo titulo executivo, in casu a garantia bancaria.
Nos termos do artigo 265º, nº 2 do CPC, o pedido pode ser ampliado na réplica e ainda até ao encerramento da discussão e 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. E nos termos do nº 6 é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A questão está em saber se este artigo tem aplicação na ação executiva.
Nos termos do artº 551º, nº 1, do CPC, são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva.
Mas na ação executiva não existem aquelas fases do processo, nem se prevê expressamente a “ampliação do pedido”. No entanto, parece-nos que, por maioria de razão, deve ser admitida a “ampliação” requerida, como se tentará demonstrar.
Estabelece o artigo 10º, nº 5, do CPC, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é, pois, a base da execução, e por ele se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Já vimos que o título dado à execução suporta a pretensão referente aos juros sobre a divida de capital que dele decorre.
Nos termos do artigo 709º CPC, é permitido ao credor cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, salvo quando se verifique alguma das circunstâncias referidas nas suas três alíneas.
Por outro lado, preceitua o artigo 711º CPC que enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação...
Temos, pois, que o exequente pode cumular pedidos (títulos executivos) contra o(s) mesmos(s) executado(s). E esta cumulação tanto pode ser inicial como sucessiva, desde que se verifiquem os respetivos pressupostos, enquanto não estiver extinta a execução. É inicial quando a ação executiva é logo instaurada com base em vários títulos. E é sucessiva quando em execução já pendente se requer a junção de novo(s) título(s), assim formulando novo pedido.
No presente caso trata-se de um único título executivo e as obrigações em causa (capital e respetivos juros, designadamente os vincendos ora em questão) podiam ter sido peticionadas em simultâneo na petição, o que não suscitaria qualquer questão de ordem formal.
Ora, se é permitida durante a pendencia da execução a cumulação de pedidos fundados em títulos diferentes (art 711º do CPC), não parece que exista qualquer obstáculo a que o exequente requeira a “ampliação do pedido” com base no mesmo título, ou seja, exigir no mesmo processo, em momentos diferentes, a totalidade da dívida contida no título executivo, por maioria de razão e, até, por uma questão de economia processual.
A requerida ampliação reporta-se a um desenvolvimento do pedido inicialmente formulado e está contido nos limites definidos pelo título executivo.
Adere-se pois à jurisprudência firmada no Ac. do TRC de 22.10.2013, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumario é o seguinte “No âmbito duma ação executiva podem ser peticionados juros vincendos (bem como, liquidados juros vencidos) no âmbito de uma ampliação do pedido”.
Sendo legalmente admissível, em nosso entendimento, a pretensão de ampliação do pedido no que respeita aos juros vencidos e vincendos desde a propositura da ação até pagamento, importa agora analisar a exceção de prescrição invocada pela executada, defendendo esta que tendo a exequente interpelado a executada parar pagar a garantia bancaria em 16.05.2012, e sendo o prazo de prescrição dos juros o de cinco anos, quando foi pedida pelo exequente a ampliação do pedido, em 14.12.2017, o respetivo direito já se encontrava prescrito.
A exequente opôs-se, considerando que o prazo de prescrição se interrompeu a 28.11.2017, data em que foi apresentado requerimento no processo onde se reconheceu serem devidos juros de mora após a apresentação da ação executiva, e que ainda que assim não entenda, apenas estariam prescritos os juros desde a propositura da ação até cinco anos antes da formulação de pretensão de ampliação do pedido.
Efetivamente, os juros prescrevem no prazo de cinco anos – art 310 al. d) do CC.
Em causa estão os juros desde a propositura da ação, juros que só nascem a partir dessa data, não podendo, pois, o prazo de prescrição sere contado desde data anterior (a da interpelação para pagamento da garantia bancária) como pretende a executada, pois o prazo de prescrição inicia-se à medida que os juros se vão vencendo.
Logo, quando em 14.12.2017 foi requerida a ampliação do pedido no que tange aos juros desde a propositura da ação até integral pagamento, apenas se encontravam prescritos os juros que se venceram entre a data da propositura da ação executiva (19.07.2012) e 14.12.2012 (cinco anos antes do seu pedido).
Ao contrario do que pretende a exequente, entendemos que não houve lugar à interrupção do prazo prescricional através da apresentação do requerimento de 28.11.2017, porquanto este requerimento, e designadamente o trecho referido pela exequente (ponto 29 do referido requerimento, que ora se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), não contém qualquer reconhecimento inequívoco pela executada da obrigação de pagamento de tais juros, mas tão só a alusão à possibilidade de os mesmos poderem ser pedidos pela exequente noutra ação por inexistir caso julgado quanto a essa matéria.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, admito a ampliação do pedido deduzida pelo exequente, mas apenas na parte referente aos juros de mora à taxa legal comercial sobre o capital indicado no requerimento executivo vencidos e vincendos a partir de 14.12.2012 até integral pagamento.
Custas do incidente por exequente e executada na proporção do decaimento (…)”.
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Não se conformando com esta decisão, dela apela a executada, pugnando pela revogação do despacho recorrido - por inadmissibilidade do pedido de ampliação da exequente – e sua substituição por outro que a absolva do pagamento dos juros de mora vencidos após a entrada do requerimento executivo e vincendos, ou pela revogação do despacho recorrido, sendo declarado prescrito o exercício do direito e absolvendo a executada do pagamento dos referidos juros, ou pela declaração de nulidade do despacho recorrido, formulando na alegação que apresentou, as seguintes conclusões:
“A)
1. Vem a CE recorrer do douto despacho proferido em primeira instância, que a condenou a liquidar os juros de mora vencidos, a partir da data de 14/12/2012, até integral pagamento, por considerar que a ampliação do pedido, formulada pela exequente nos autos, é inadmissível, não estando prescrito o exercício do direito (pedido de juros) - no que a recorrente, salvo o imenso respeito devido não pode conceder.
2. No caso concreto, dos autos, o título executivo – Garantia Bancária - não prevê o pagamento de juros.
3. A exequente, como decorre do requerimento executivo, não formulou pedido de pagamento dos juros de mora vincendos,
4. A exequente absteve-se de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução tal crédito vincendo;
5. Como bem observou o Tribunal da Relação de Lisboa: não existia, ou existiu, qualquer impedimento à inclusão desse pedido no formulário eletrónico de requerimento executivo, por parte da exequente.
6. Não se alcança, como a alteração ao pedido inicialmente formulado, no requerimento executivo (no caso, atinente aos juros de mora vincendos que ali não foram pedidos), pela exequente e nas precisas circunstâncias em que o foi, possa ser encarada como uma ampliação do pedido.
7. E muito menos, como possa essa alegada ampliação, ser enquadrada num normal desenvolvimento, ou numa consequência do pedido primitivo - no sentido e para os efeitos em que a lei os consagra - no art. 265.º, n.º 2 CPC.
8. Porque estabelecendo o título executivo os limites e o fim da execução, é manifesto que este, não pode ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta.
a. O título executivo é pressuposto indispensável da execução – art.º 10.º, n.º 5 do CPC – porquanto, possibilita o recurso imediato à ação executiva, define o seu fim e fixa os seus limites.
b. o título executivo apresentado à execução - a Garantia Bancária - não prevê o pagamento de juros de mora.
c. Por conseguinte, estabelecendo o título executivo os limites e o fim da execução, é manifesto que este, não pode ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta.
d. E ainda que se entendesse, que nos termos do art. 703.º, n.º 2 do CPC - conforme perfilha a decisão recorrida - estão “abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”, tal nunca implicaria – como veremos - que o exequente não tenha a obrigação de os pedir, na ação executiva!
9. Porque à data do requerimento executivo, a exequente não só renunciou ao pedido dos juros que agora reclama, como demonstrou que aquela era a quantia exequenda que efetivamente pretendia ver cobrada.
10. A própria decisão em crise refere expressamente: “Mas na ação executiva não existem aquelas fases do processo, nem se prevê expressamente a “ampliação do pedido”, não se compreendendo como o argumento “por maioria de razão” possa ser aplicado à matéria em questão, sobremaneira considerando as especificidades do caso concreto.
a. Há a recordar que, nos termos do art.º 751.º, n.º 7 do CPC, o valor da caução fixada nos autos, para garantir os fins da execução, foi no valor de €2.063.919,32.
b. A exequente oportunamente notificada para se pronunciar, quanto à caução proposta pela executada, até deduziu oposição, mas à idoneidade da garantia, nunca impugnou o valor da caução – sentença transitada em julgado, proferida no apenso B, do Proc. Nº….
c. E de acordo com a sentença proferida “(…) a quantia caucionada (montante seguro) ficará afeta à execução (dívida exequenda, juros vencidos, e custas) até à decisão transitada em julgado sobre a oposição à execução.”
d. Motivo pelo qual, tendo presente o teor da sentença proferida no âmbito do incidente de prestação de caução a exequente estava bem ciente do seu pedido formulado e do valor da dívida exequenda, cujo reembolso pedira.
e. Termos em que, tendo presente o teor de art. 751.º, n.º 7 do CPC, sempre improcederia a pretensão da exequente e o entendimento perfilhado pela decisão recorrida.
11. Porque os juros são de acordo com a lei substantiva um direito de carácter disponível, impendendo, simultaneamente, sobre a exequente, sempre que for ilíquida a quantia em dívida, a obrigação de especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento com um pedido liquido – a exequente, ao pedir expressamente o pagamento de juros, apenas até à entrada da ação, abdicou de exercer o direito de pedir qualquer crédito de juros (vencidos/vincendos).
a. A obrigação acessória de juros é diferente da obrigação de capital – art.º 561.º CC. Conforme ensina o Professor Antunes Varela: “A obrigação de juros é diversa da obrigação decorrente do crédito principal”.
b. A obrigação de juros integra uma indemnização de natureza disponível, sendo mero acessório do capital, acompanhando a natureza deste, incumbindo ao exequente:
i. Pedir a resolução do conflito, enunciando os factos que fundamentam o pedido, face à alegada violação do direito,
ii. Carrear aos autos o respetivo título executivo,
iii. Formular todos os pedidos correspondentes à causa de pedir.
c. Na linha de pensamento do que vem sendo entendido acolhido pela nossa jurisprudência, “O credito de juros não constitui um direito indisponível, e extingue-se pelas causas gerais de extinção das obrigações, estando, como tal, sujeito a prescrição.”
d. O pedido do exequente conforma o objeto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito, não podendo a executada ser condenado a pagar um valor a que a exequente renunciou – cf. arts. 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) do CPC;
e. Não podendo o pedido da exequente, vir agora a ser justificado pelo recurso ao teor do art. 703.º, n.º 2 do CPC, conforme perfilha a decisão recorrida, porque o facto de estarem “abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”, não implica que o exequente não tenha de os pedir na ação executiva.
f. Não podemos confundir título executivo e ação executiva.
g. A entender-se, como na decisão recorrida, que um exequente, ao abrigo de uma qualquer ação executiva, poderia executar um título, limitando-se a pedir o capital, abstendo-se de pedir/liquidar juros, pois os mesmos, por força do art.º 703.º, n.º 2 do CPC estariam automaticamente abrangidos pelo título e nessa medida obrigariam o executado ao seu pagamento, independentemente de não terem sido pedidos na ação!
h. Solução inaceitável face aos preceitos legais aplicáveis, da lei substantiva (art.º 561.º do CC – natureza acessória da obrigação de juros), adjetiva (arts. 3.º, n.º 1; 8.º, n.º 2; 10.º, n.º 5; 260.º, arts. 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) todos do CPC) e fundamental (20.º, n.º 4 da CRP).
i. A própria lei esclarece que, “sempre que for ilíquida a quantia em divida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido liquido” - art. 716.º n.º 1 do CPC.
j. Sendo que “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita, a final, pelo agente de execução, em face do titulo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade ou sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.” - art. 716.º n.º 2 do CPC.
k. Salvo o devido respeito, existe confusão/contradição, do Tribunal recorrido, com efeito:
i. Uma - é a obrigação legal de pedir os juros
ii. Outra - é a obrigação legal de liquidar juros, isto é, a de contabilizar os juros que, depois de expressamente pedidos, é possível contabilizar (juros mora vencidos) e relegar para liquidação futura.
l. Como a este propósito bem sintetizou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão apenso a estes autos:
m. Em síntese: não pode ser admitido o exercício do direito do pedido de crédito de juros vencidos (depois da data de apresentação do requerimento executivo) e vincendos (até integral pagamento), quando esse direito não foi exercido em tempo, sem que para tal houvesse impedimento, e a que assim, o exequente expressamente renunciou - dado o caráter disponível da obrigação de juros (561.º CC) e a obrigação de liquidação desses juros a que a exequente estava sujeita (716.º, n.º 1 CPC).
12. Porque o pedido formulado nos autos pela executada em 14/12/2017, não configura uma ampliação de pedido
a. Depois da executada ter reclamado da conta final, elaborada pelo agente de execução, a exequente veio aos autos, pedir subsidiariamente uma alegada “ampliação” do pedido.
b. O que fez, já na fase de pagamento, pretendendo isso sim, alterar o pedido inicialmente formulado:
i. já não pretende o pedido inicialmente formulado (de pagamento de capital e juros de mora vencidos até à entrada do requerimento executivo – como ali expressamente declarou),
ii. pretende agora, um pedido de pagamento de juros, até integral pagamento.
c. Ora, como é manifesto, não se trata aqui de uma ampliação do pedido inicial, mas de uma substituição do pedido inicial.
d. Um pedido formulado nestas circunstâncias concretas, elaborado ao arrepio do inicialmente apresentado, não deve, nem pode ser entendido como uma ampliação.
e. E muito menos, um pedido que visa substituir o primeiro - dada a obrigação de liquidação de juros, a que a exequente estava sujeita (716.º, n.º 1 CPC) e o caráter disponível da obrigação desses mesmos juros (561.º CC) - pode ser entendido como um pedido que é natural desenvolvimento, ou consequência do primeiro!
f. Em boa verdade, a exequente fez o pedido que queria no requerimento executivo - receber capital e especificamente juros de mora, exclusivamente até à entrada do requerimento executivo,
g. Tanto assim é, que não se opôs à idoneidade da caução apresentada pela executada, mas não se opôs ao seu valor,
h. Depois muda de posição,
i. O primeiro pedido já não lhe serve,
j. E tenta fazer outro pedido, travestindo-o de “ampliação”.
k. Não foi seguramente esta situação que o legislador pretendeu tutelar com a redação do art. 265.º, n.º 2 do CPC,
l. Mas antes, proporcionar às partes uma adequada tutela dos seus direitos, na pendência do processo, por forma a que o desenvolvimento da lide lhes não impedisse de alcançar um resultado razoável.
m. Sublinhe-se que é pressuposto da apresentação de uma petição inicial, ou de um requerimento executivo, que o demandante exponha os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação - art 552.º, nº 1, alínea d) do CPC - e formule os correspondentes pedidos,
n. O acesso ao direito e aos tribunais constitucionalmente consagrado é uma garantia que deve ser exercida responsavelmente,
o. Era exigível a qualquer homem médio, colocado na posição da exequente, até mais à exequente – uma empresa de referência, integrada num grande grupo multinacional, apetrechada com todos os meios e recursos técnicos - que antes de apresentar o requerimento executivo, diligenciasse por averiguar os correspondentes pressupostos de facto e direito reclamados e verificar que pedidos eram necessário formular, com vista ao reconhecimento, a final, da titularidade do invocado direito.
p. Não havendo justificação razoável para a não inclusão do pedido, que ora se quer travestir de “ampliado”, no requerimento executivo.
q. Como refere o Tribunal da Relação de Guimarães supra citado, a ampliação do pedido diz apenas respeito a: “factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que sejam supervenientes ou de que a parte apenas deles tenha conhecimento já depois de ter apresentado os articulados normalmente previstos na lei.”
r. Ora, nenhum facto superveniente, ou evento posterior, ocorreu na pendência da lide, que fundamente a invocada “ampliação” do pedido.
s. As circunstâncias que o exequente tinha à data do requerimento executivo, são exatamente as mesmas que hoje tem.
t. Não sendo intenção do legislador, nem desiderato do julgador, permitir um uso manifestamente reprovável do instituto de “ampliação” do pedido, permitindo, como sucede nos autos, “fazer entrar pela janela, aquilo que não se conseguiu fazer entrar pela porta” - em violação dos mais basilares princípios de direito, designadamente da boa fé processual – art. 8.º CPC.
u. A verdade é que basta o recurso às regras da experiência comum, para perceber que, no caso vertente, o pedido de juros – decorrente do requerimento da invocada “ampliação” do pedido – a querer ser feito, tinha de ter sido formulado, logo, no requerimento executivo – em obediência ao principio do ónus das partes, decorrente do art. 5.º do CPC – como bem observou o Tribunal da Relação de Lisboa em apenso a estes autos.
v. Assim não tendo acontecido, não será depois:
i. De a executada ter apresentado caução, nos autos, pelo valor reclamado na execução, sem que a exequente a ele se opusesse – tendo presentes as finalidades da caução (art. 751.º, n.º 7 do CPC);
ii. De a executada ter apresentado os seus embargos à execução e a correspondente decisão ter transitado em julgado;
iii. Do AE ter elaborado nota final de liquidação e a executada dela ter reclamado,
iv. Da CE ter liquidado a quantia exequenda (peticionada no requerimento executivo)
v. Que este poderá ser admitido, com o argumento de que representa o normal desenvolvimento, ou a consequência do pedido primitivo.
w. O pedido do direito de crédito a juros vincendos (à data do requerimento executivo não pedidos), a querer ser efetuado, devia ter sido formulado no pedido primitivo, não podendo ser entendidos como normal desenvolvimento/consequência desse pedido – quando:
i. o CPC obriga a que a parte que pretenda a sua cobrança deste crédito, proceda à sua liquidação no requerimento executivo - 716.º, n.º 1 do CPC e,
ii. o CC estipula que a obrigação de juros integra uma indemnização de natureza disponível, sendo mero acessório do capital, acompanhando a natureza deste, importando o seu não pedido, a sua renúncia – 561.º do CC
13. Resultando manifesto que o que se mostra em causa nos autos não é desenvolvimento da lide nem consequência do pedido primitivo, que são, ao fim e ao cabo, as situações tuteladas pelo art.º 265.º, n.º 2 do CPC.
14. Não podendo o art. 265.º, n.º 2 do CPC servir para acobertar pedidos, que no requerimento executivo não encontram amparo, dados os expressos termos em que inicialmente o pedido foi redigido.
15. Sendo até mesmo abusivo, pedir tais juros, mais de cinco anos após ter sido instaurada a execução, quando a eles se renunciou no requerimento executivo – nada, à data, obstando ao seu pedido.
16. Tudo razões pelas quais o pedido formulado nos autos de ampliação é a nosso ver legalmente inadmissível.
17. Inadmissibilidade que aqui se invoca, a fim de ser reconhecida e declarada por V. Exas., Venerandos Desembargadores, nos presentes autos - substituindo, em consequência, a decisão recorrida que ordenou o pagamento da importância computada a título de juros de mora vencidos, na presente ação, desde 12/2017.
Sem conceder, por dever de patrocínio e a título subsidiário, da prescrição do exercício do direito,
18. É entendimento acolhido pela nossa jurisprudência, que “O crédito de juros não constitui um direito indisponível, e extingue-se pelas causas gerais de extinção das obrigações, estando, como tal, sujeito a prescrição.”
19. E efetivamente dispõe o art. 298.º, n.º 1 do CC que “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”
20. O pedido de pagamento dos juros de mora vincendos está sujeito a prazo prescricional próprio, sendo esse prazo o consagrado no artigo 310.º, al. d), do CC, a saber:
“Prescrevem no prazo de cinco anos: d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;”
21. Sendo efeito da prescrição, o previsto no art. 304.º, n.º 1 do CC: “Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.”
22. Resulta dos autos que:
a. A exequente interpelou a executada para proceder ao pagamento da garantia bancária em 16/05/2012;
b. A exequente apresentou a presente execução, em 19/07/2012, por requerimento, ref. citius 8251946, pedindo o capital constante do título executivo acrescido dos juros de mora vencidos, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento, até à data de entrada do requerimento executivo;
c. A exequente, só por requerimento datado de 14/12/2017, veio requerer a invocada ampliação do pedido executivo (ref. citius 17264006), quanto aos juros que se haviam vencido desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento.
23. Em face das datas apuradas, apenas se poderá extrair uma conclusão: na medida em que, na data em que foi apresentado em juízo o pedido subsidiário de “ampliação”, o exercício do direito de crédito ali peticionado, já se encontrava prescrito, uma vez que já tinham decorrido 5 anos, contados do momento em que o direito podia ser exercido pela exequente – pois como se referiu a obrigação de juros tem carater acessório (art. 561.º do CC) à obrigação de capital, razão pela qual assume natureza de direito disponível conforme refere o Supremo Tribunal de Justiça,
24. Ao contrário do que foi decidido no despacho recorrido, tendo a obrigação de juros carater acessório e correspondendo a direito que, em tempo (310.º CC), não foi exercido pela exequente, sempre terá de ser declarada prescrita a faculdade do exercício do direito (304.º, n.º 1 CC),
25. Estando, também por esta via, prejudicado o pedido de “ampliação” apresentado nos autos,
26. Prescrição e todos os factos que a enformam, que à cautela, subsidiariamente aqui se invocam, a fim de ser reconhecida e declarada, nos termos do art. 310.º, al. d), “ex vi” 298.º, n.º 1 do CC, indeferindo-se, em consequência, o pedido de pagamento da importância computada a título de juros de mora vencidos, na presente ação, desde a entrada do requerimento executivo.
Sem prescindir, da nulidade do despacho recorrido:
27. Sem prejuízo de se considerar que a ampliação do pedido agora decidida em primeira instância, é legalmente inadmissível, por falta de pressupostos de facto e direito, a verdade é que sempre terá de se ter presente que a ampliação do pedido, sendo uma modificação objetiva da instância funciona, na parte do alargamento do pedido como uma nova petição inicial.
28. Tendo presente a norma remissiva do art. 551.º do CPC, que prevê a aplicação subsidiária ao processo de execução, das disposições do processo de declaração e acerca da petição inicial: diz o art. 219.º n. º1 do CPC que “a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender”.
29. No ato da citação (art. 227.º do CPC) deverá ser entregue o duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanham comunicando-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere.
30. Diz, ainda, o n.º 2 do art. 219.º do CPCivil que “a notificação serve para, em quaisquer outros casos chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
31. Revertendo para o caso concreto e ainda que o Tribunal de 1.ª instância considerasse, como considerou, que a ampliação do pedido requerida pela exequente era admissível - no que não se concede e apenas aqui se admite para efeito de elaboração de hipótese meramente académica – tendo presente que tal decisão implica uma modificação objetiva da instância, funcionando na parte do alargamento do pedido, como uma nova petição inicial, a verdade é que:
a. uma vez admitida a ampliação do pedido, sempre teria de ter sido ordenada a notificação da executada, para querendo se opor a este novo pedido, nos termos da que a lei de processo prevê.
b. tanto mais que, a CE, aqui recorrente, já procedeu ao pagamento integral da quantia exequenda.
32. Havendo, no caso, lugar a notificação e não citação pela simples razão de que a executada já foi citada no âmbito deste processo.
33. Omitindo-se a notificação da executada, para querendo, nos termos da lei de processo, opor-se à nova petição da exequente, verifica-se a falta de citação geradora de nulidade principal (arts. 187.º a), 188.º, 1, a) do CPC).
34. A falta de notificação da executada para o exercício do contraditório, no que concerne a este novo requerimento inicial, gera a nulidade dos atos posteriores à entrada do requerimento de ampliação do pedido que deste dependam essencialmente.
35. Ou seja, no caso concreto e atendendo, ainda ao art. 851º do CPC, é nula a execução, na parte que se refere ao montando ampliado, porquanto o despacho recorrido não ordenou a notificação da executada, acompanhada de requerimento da ampliação do pedido, para se opor, querendo, à referida ampliação.
36. Nulidade que aqui se invoca, para todos os legais efeitos, requerendo a V. Exas. seja declarada”.
*
A recorrida/exequente contra-alegou, pugnando no sentido de ser negado provimento ao recurso, sendo mantida a decisão recorrida e tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente interpôs recurso de apelação do despacho através do qual o Tribunal a quo admitiu “a ampliação do pedido deduzida pelo exequente, mas apenas na parte referente aos juros de mora à taxa legal comercial sobre o capital indicado no requerimento executivo vencidos e vincendos a partir de 14.12.2012 até integral pagamento.”
2. Na decisão recorrida, decidiu, e bem, o Tribunal a quo que “se é permitida durante a pendencia da execução a cumulação de pedidos fundados em títulos diferentes (art 711º do CPC), não parece que exista qualquer obstáculo a que o exequente requeira a “ampliação do pedido” com base no mesmo título, ou seja, exigir no mesmo processo, em momentos diferentes, a totalidade da dívida contida no título executivo, por maioria de razão e, até, por uma questão de economia processual.
A requerida ampliação reporta-se a um desenvolvimento do pedido inicialmente formulado e está contido nos limites definidos pelo título executivo.
Adere-se pois à jurisprudência firmada no Ac. do TRC de 22.10.2013, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte “No âmbito duma ação executiva podem ser peticionados juros vincendos (bem como, liquidados juros vencidos) no âmbito de uma ampliação do pedido”.
3. A decisão em causa não é susceptível de recurso, tendo em conta o quadro legal vigente, devendo o mesmo ser julgado inadmissível.
4. Em todo o caso, deve ser negado provimento ao recurso da Recorrente.
5. Em 19 de Julho de 2012, a Recorrida apresentou requerimento executivo contra a Recorrente, cumprindo, como lhe competia, o ónus de liquidação da quantia exequenda – na qual se incluem os juros de mora – até à data da apresentação do requerimento executivo.
6. Após julgamento definitivo da oposição à execução e tendo sido notificada da nota de liquidação do Agente de Execução, a Recorrente deduziu, em 28.11.2017, reclamação da nota de liquidação do Agente de Execução, por entender que os juros de mora vencidos após a apresentação do requerimento executivo não poderiam ser incluídos na mesma.
7. Com efeito, a Recorrente requereu que fosse subtraído ao valor ali apurado a importância computada a título de juros de mora vincendos – i.e., desde a data do requerimento executivo até à data de emissão da nota de liquidação –, em virtude de estes, alegadamente, não estarem compreendidos no título executivo e não terem sido peticionados na presente acção.
8. Em resposta a tal requerimento/reclamação, a Recorrida apresentou, em 14.12.2017, um requerimento, nos termos do qual pugnou pela improcedência da reclamação, e, à cautela, a Recorrida requereu a ampliação do pedido quanto aos juros de mora que se venceram desde a data da apresentação do requerimento executivo até efectivo e integral pagamento.
9. A obrigação de pagamento dos juros é consequência directa da mora do devedor, correspondendo à indemnização pelo incumprimento da obrigação principal.
10. No caso dos autos, verifica-se o seguinte:
i) Em 12.03.2008, a Recorrente prestou, a pedido da DLI – Distribuição e Logística para a Informática, S.A. (“DLI”), uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, a favor da Recorrida, no montante total de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros);
ii) Em 16.05.2012, a Recorrida interpelou a Recorrente para proceder ao pagamento de parte do montante titulado pela referida garantia bancária, mais precisamente do montante de € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos);
iii) Apesar de interpelada, a Recorrente não procedeu, conforme era sua obrigação – “no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data da referida solicitação”– ao pagamento de qualquer montante à Recorrida.
11. Resulta, por isso, inequívoco que estamos perante uma obrigação vencida em 23.05.2012.
12. Não tendo a obrigação de pagamento da garantia bancária sido cumprida no seu vencimento (em 23.05.2012), são inequivocamente devidos juros de mora desde tal data (i.e., vencimento da obrigação) até efectivo e integral pagamento.
13. Resulta claríssimo do n.º 2 do artigo 703.º (anterior 46.º) do CPC que, por força da lei, os juros se encontram compreendidos no título executivo.
14. Como bem aponta o Tribunal a quo, “A pretensão da exequente decorre do título dado à execução (garantia bancária), reportando-se aos juros vincendos sobre o capital peticionado com base nessa garantia”, não havendo, assim, dúvida “de que embora a obrigação de juros seja autónoma da obrigação de capital, ambas decorrem do mesmo título executivo, in casu a garantia bancária.”
15. No requerimento executivo, a Recorrida liquidou, como lhe competia, os juros de mora vencidos até tal data, formulando, assim, um pedido líquido, afigurando-se evidente que, no caso dos juros de mora, os mesmos continuaram a vencer-se até efectivo e integral pagamento.
16. A Recorrida jamais renunciou ou abdicou do pedido de pagamento dos juros de mora vencidos após a apresentação do requerimento executivo.
17. Além de, nos termos dos artigos 703.º e 716.º do CPC, se considerarem abrangidos pelo título executivo os juros de mora, sempre a Recorrida poderia, como fez, ampliar o pedido quanto àqueles que se venceram desde a data da apresentação do requerimento executivo até efectivo e integral pagamento.
18. Isto porque, nos termos da lei aplicável e ao abrigo da economia processual, nada obsta a que a referida ampliação do pedido seja, como foi, admitida (o n.º 2 do artigo 265.º do CPC aplica-se ao processo executivo por via do disposto no n.º 1 do artigo 551.º do CPC).
19. No caso dos autos, sendo certo que estamos perante o mesmo título executivo e a mesma causa de pedir, não só a Recorrida estava em tempo (i.e., “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância”), como podia, como fez, ampliar o pedido formulado quanto aos juros de mora vencidos após a instauração da acção executiva (por ser, claramente, o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo).
20. E nem se diga que o título não prevê o pagamento de juros moratórios, pois estamos perante uma obrigação pecuniária vencida, que, por força da lei, vence juros de mora a partir do momento em que a Recorrente entrou em mora, como confessadamente sucedeu.
21. O pedido dos juros de mora vencidos após a instauração da acção executiva é claramente o desenvolvimento e consequência do pedido primitivo (obrigação de pagamento da garantia acrescido dos juros de mora vencidos até à data do requerimento executivo), falecendo em toda a linha a argumentação da Recorrente.
22. “I - Uma das modificações da instância, de caracter objectivo, que a lei permite e a possibilidade de o autor ampliar o pedido ate ao encerramento da discussão em 1 instancia, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo artigo 273, n. 2 do Código de Processo Civil).
II - O disposto no artigo 273, n. 2 do Código de Processo Civil e subsidiariamente aplicável, ao processo de execução, por força do disposto no artigo 801 do mesmo diploma, pois que em relação ao processo executivo não há disposição expressa relativa a ampliação do pedido.
III - E pois possível que, uma acção executiva em que no pedido inicial se peticiona o pagamento de quantia certa (letras aceites pelo executado e não pagas na data do vencimento), se venha posteriormente, alegando o vencimento de juros, pedir o pagamento destes, o que constitui sem duvida desenvolvimento do pedido primitivo.
IV - Essa ampliação do pedido baseia-se na mesma causa de pedir, no mesmo título executivo, nisso se distinguindo da acumulação sucessiva de pedidos (artigo 54 do Código de Processo Civil) que pressupõe a existência de mais um título.”
23. “No âmbito duma acção executiva podem ser peticionados juros vincendos (bem como, liquidados juros vencidos) no âmbito de uma ampliação do pedido.
(…)
Ora, se pode o exequente cumular pedidos (títulos executivos) contra o(s) mesmos(s) executado(s), sendo que esta cumulação tanto pode ser inicial como sucessiva, verificados que sejam os respetivos pressupostos e, enquanto não estiver extinta a execução, por maioria de razão e, por uma questão de economia processual, há que admitir a ampliação do pedido contra o mesmo executado, quando o título já dado à execução, por um lado, contenha a dívida que depois se liquida (juros vencidos) e por outro, permita, desde o início, a exigência da dívida não vencida.” (realce e sublinhado nossos).
24. “Sendo permitida no processo de execução a cumulação de pedidos ainda que fundados em títulos diferentes, não existe obstáculo a que o exequente requeira a ampliação do pedido, com base no mesmo título.” (realce e sublinhado nossos).
25. A Recorrida tinha, como fez, o direito de ampliar o pedido quanto aos juros de mora que se venceram desde a data da apresentação do requerimento executivo até efectivo e integral pagamento, na medida em que estamos perante a mesma causa de pedir e o mesmo título executivo, não estando, assim, em causa qualquer “substituição do pedido inicial”.
26. Deve, por isso, manter-se a decisão recorrida, que, do ponto de vista adjectivo, admitiu a ampliação do pedido.
27. Quanto à prescrição dos juros de mora, a tese da Recorrente não pode, uma vez mais, vingar.
28. Tendo a Recorrida intentado a presente acção executiva em 19.07.2012 – no âmbito da qual pediu e liquidou os juros de mora vencidos até tal data –, resulta evidente que não decorreu qualquer prazo prescricional,
29. Na medida em que a apresentação do requerimento executivo – sendo um acto que exprime directamente a intenção de exercer o direito, ou melhor, através do qual se exerce efectivamente tal direito – interrompeu o prazo em curso quanto aos juros de mora devidos a partir do vencimento da obrigação principal.
30. E, em todo o caso, a Recorrente, no seu requerimento de 28.11.2017, acaba por reconhecer serem devidos juros de mora após a apresentação da acção executiva, entendendo apenas que os mesmos não podem ser incluídos na nota de liquidação (i.e., “tal resultado não terá a relevância que aparenta, uma vez que não implica a perda do direito do exequente aos juros não pedidos, pois, precisamente por não terem sido pedidos, não há caso julgado sobre essa questão (art. 619º do CPC), podendo se o entender, peticionar esses juros em nova ação.”).
31. Assim, existiu igualmente um reconhecimento do direito da Recorrida aos juros de mora, declaração que obsta à verificação da prescrição no caso concreto, porquanto, nos termos do n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil, “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”
32. Por esse motivo, entende a Recorrida que não se verifica qualquer prescrição dos juros de mora, nem mesmo quanto aos que se venceram “entre data da propositura da ação executiva (19.07.2012) e 14.12.2012 (cinco anos antes do seu pedido).”
33. Deve, assim, este Tribunal de Recurso rectificar a decisão recorrida nesse sentido, admitindo a ampliação do objecto do recurso, com a consequência de admitir a ampliação do pedido de forma a que sejam incluídos os juros de mora vencidos desde 19.07.2012 até à data do efectivo e integral pagamento.
34. Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se admite, sempre deverá manter-se a decisão recorrida e reconhecer-se que, tendo a Exequente requerido a ampliação do pedido em 14.12.2017, apenas estariam prescritos os juros de mora vencidos entre 19.07.2012 (data da apresentação do requerimento executivo) e 13.12.2012 (i.e., até 5 anos antes do pedido de ampliação formulado em 14.12.2017).
35. Bem andou o Tribunal recorrido ao admitir a ampliação do pedido deduzida pela Exequente/Recorrida.
36. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por falta de fundamento legal, mantendo, assim, a decisão que entendeu pela admissibilidade da ampliação do pedido da Recorrida quanto aos juros de mora”.
*
Em 10-12-2020 foi proferido despacho a admitir o recurso no qual o Tribunal recorrido se pronunciou sobre nulidade nos seguintes termos:
“- Entende-se que o despacho recorrido não se encontra afetado pela invocada nulidade por omissão da notificação da executada para querendo se opor a este novo pedido, o que se consigna para os efeitos previstos no art 641º nº1 do CPC.
O despacho foi precedido de contraditório quanto à pretensão nele apreciada (ampliação do pedido exequendo), e foi exatamente no exercício desse contraditório que a ora recorrente invocou a inadmissibilidade legal da ampliação do pedido e arguiu a exceção de prescrição (cf req. de 21.02.2020 referido no despacho), questões que foram apreciadas no despacho recorrido.
O requerimento de 14.12.2017 onde foi pedida a ampliação do pedido exequendo foi logo notificado à ora recorrente pela contraparte, bem como o requerimento que a contraparte apresentou no apenso D em 20.02.2020 a prescindir do prazo de reclamação para a conferencia e a pedir a remessa imediatos dos autos à primeira instancia no sentido de ser decidida a requerida ampliação do pedido, e foi na sequencia deste ultimo requerimento que a ora recorrente apresentou o requerimento de 21.02.2020 onde se pronunciou sobre a questão (arguindo a inadmissibilidade legal e a prescrição), não se compreendendo, pois, que tendo já apresentado a sua posição quanto ao “novo” pedido, (posição que foi apreciada no despacho recorrido) pretenda ser notificada pelo Tribunal para o mesmo efeito.
O despacho foi proferido após pronúncia de ambas as partes sobre as questões nele apreciadas, inexistindo, pois, qualquer omissão de notificação prévia ao despacho suscetível de determinar a nulidade deste.”.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC?
B) Se o despacho recorrido - e os actos subsequentes – é nulo (artigos 187.º, al. a) e 188.º, n.º 1, al. a), 219.º, n.º 2, 227.º e 851.º do CPC), por falta de notificação da executada para, querendo, exercer o contraditório sobre o requerimento de ampliação do pedido de pagamento de juros formulada pela exequente?
C) Se a ampliação do pedido de pagamento de juros formulada pela exequente, deveria ter sido julgada inadmissível?
D) Se deveria o Tribunal recorrido declarado prescrita, nos termos do artigo 310.º, al. d), “ex vi” do artigo 298.º, n.º 1 do CC, a pretensão da exequente de pagamento de importância de juros de mora vencidos, na presente ação, desde a entrada do requerimento executivo?
E) Da ampliação do objeto do recurso pela recorrida – Se a decisão recorrida deve ser alterada, sendo admitida a ampliação do pedido de forma a que sejam incluídos os juros de mora vencidos desde 19-07-2012 até à data do efectivo e integral pagamento?
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3. Enquadramento de facto:
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São elementos factuais relevantes para a apreciação do recurso os termos processuais constantes do relatório.
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4. Enquadramento de Direito:
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A) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC?
Na respetiva alegação, a recorrente veio invocar, incidentalmente, que “o pedido do exequente conforma o objeto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito, a proferir não podendo a executada ser condenado a pagar um valor que objetivamente, o exequente prescindiu/abdicou de pedir na ação”, aludindo, entre outros, aos normativos dos artigos 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) do CPC.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A recorrente não invoca expressamente a ocorrência da aludida nulidade, relativamente ao despacho proferido, mas, ao aludir a que o pedido do exequente conforma o objeto do processo, condicionando a decisão de mérito e ao aludir expressamente à norma do artigo 615.º do CPC, imputa implicitamente à decisão recorrida o cometimento de nulidade.
A questão de saber se o juiz condenou em quantidade superior à pedida ou em objeto diverso do formulado contende com o princípio do dispositivo.
Referia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 372) que “o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado".
Surpreendem-se, pois, dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
O princípio do pedido tem consagração expressa no n.º 1 do artigo 3.º do CPC: O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
É ao demandante/autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º/1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção" (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 1985, p. 234, nota 2).
É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final.
Neste sentido, dispõe o art. 609,º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Como salienta Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 788) “não suscita, em regra, problema relevante a existência de um limite quantitativo à decisão de mérito”.
Já assim não sucede, porém, relativamente ao limite qualitativo.
“O processo civil é obviamente regido pelo princípio dispositivo: a iniciativa do processo e a conformação do respectivo objecto incumbem às partes; pelo que – para além do processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.
Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia” (cfr. Lopes do Rego; “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 789).
Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Ob. Cit., p. 657).
É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível" (Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo; Coimbra Editora, 2003, p. 263.).
É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (ob. Cit., p. 583).
Procurando determinar as “exactas balizas” à actuação nesta sede do juiz, admitindo casos de convolação do objecto do pedido para a providência ou efeito jurídico judicialmente decretado, tido como mais adequado aos interesses em confronto e à justa composição do litígio, Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 790) identifica, algumas situações particulares, designadamente, as referenciadas nos n.ºs. 2 e 3 do artigo 609.º e do n.º 3 do artigo 376.º do CPC, concluindo, todavia, que inexiste um princípio geral de adequação da sentença ao pedido.
Mas, ao invés, quanto ao pedido, refere o mesmo Autor (ob. Cit., p. 796) que “o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado”.
Contudo, como salienta Lopes do Rego (ob. Cit., p. 796), nesse caso, não será possível ao julgador atribuir ao autor bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, não sendo de admitir a convolação sempre que entre a pretensão formulada e a que seria adequado decretar judicialmente exista uma essencial heterogeneidade, implicando diferenças substanciais que transcendam o plano da mera qualificação jurídica.
Do mesmo modo, não será possível operar licitamente uma reconfiguração normativa do resultado pretendido pelo autor, nos casos em que, certo efeito jurídico pressupunha o exercício de um direito potestativo que o interessado não curou de exercitar ou de acautelar atempadamente durante o processo.
“Assim, peticionada indemnização por incumprimento contratual, não pode o tribunal convolar tal pretensão indemnizatória para a que decorreria de uma possível resolução do contrato, apesar de demonstrada a verificação de todos os pressupostos de que dependeria o direito a resolver tal relação contratual, já que, por um lado, os próprios danos a ressarcir, num caso e noutro, seria materialmente diversos, correspondendo a indemnização por resolução a uma indemnização pelo interesse contratual negativo; e, por outro lado, por a resolução do contrato depender inelutavelmente do exercício de um verdadeiro direito potestativo pela parte afetada pelo incumprimento, não podendo ser judicialmente decretada se tal direito não tiver sido exercitado pelo interessado, no âmbito da ação constitutiva proposta ou extrajudicialmente, antes desta ser desencadeada” (cfr. Lopes do Rego; “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 799).
Todavia, ao invés, já se mostraria possível que, “intentada acção constitutiva de resolução ou de anulação do contrato, o tribunal pudesse convolar de tal pedido constitutivo para o decretamento, no plano da simples apreciação, da resolução ou anulação prévia e extrajudicial do negócio, por se ter apurado, perante a matéria de facto fixada, que, afinal o contrato já se mostrava eficazmente anulado ou resolvido antes de tal acção ter sido proposta: é que, neste caso, o resultado prático e económico da acção acabará por ser inteiramente coincidente, radicando a convolação apenas numa alteração da matéria de facto integradora da causa de pedir, conjugada com o decretamento de um efeito jurídico perfeitamente homogéneo em relação ao peticionado” (aut. Cit., ob. Cit., pp. 799-800).
Revertendo ao caso dos autos e aplicando as considerações expendidas, verifica-se que, ao invés do invocado pela recorrente, o Tribunal recorrido não conheceu – indevidamente – de objeto diverso ao da causa.
Na realidade, conforme resulta cristalino da decisão recorrida, a mesma ateve-se a apreciar e decidir sobre a questão incidental suscitada pela exequente, atinente à ampliação do pedido formulada, conformando, nesse conspecto, com atinência a tal correspondente pretensão, o objeto da lide:
“Atento o teor do Ac. do TRL de 08.10.2019 que consta do apenso C, cabe apreciar o ampliação do pedido exequendo requerida pela exequente na resposta que apresentou em 14.12.2017 à reclamação da executada contra a nota de liquidação elaborada pelo SR AE (ampliação do pedido exequendo quanto aos juros de mora, calculados á taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento), o que, uma vez já observado o contraditório quanto a tal pretensão, conforme req. de 21.02.2020, se passará ora a fazer.(…).
Por requerimento de 14.12.2017 a exequente requereu a ampliação do pedido exequendo quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento.
A parte contraria veio, na sequencia do Acórdão suprarreferido, exercer o contraditório a 21.02.2020, invocando, para além da inadmissibilidade legal, a prescrição.
A exequente respondeu a esta invocação de prescrição por requerimento de 05.03.2020.
Cumpre decidir (…)”.
A apreciação realizada pelo Tribunal recorrido, a este respeito, circunscreveu-se ao conhecimento dos fundamentos da pretensão de ampliação apresentada pela exequente.
Assim, não se verifica que a decisão recorrida tenha sido prolatada em desrespeito ao consignado no artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
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B) Se o despacho recorrido - e os actos subsequentes – é nulo (artigos 187.º, al. a) e 188.º, n.º 1, al. a), 219.º, n.º 2, 227.º e 851.º do CPC), por falta de notificação da executada para, querendo, exercer o contraditório sobre o requerimento de ampliação do pedido de pagamento de juros formulada pela exequente?
Alega a apelante no ponto II.III da sua alegação de recurso o seguinte:
“II.III) DA NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO
Porque os juros de mora vincendos não constam do título executivo, e sobretudo, porque o seu pagamento não foi requerido no requerimento executivo, para o período de tempo compreendido entre a data de entrada do requerimento executivo e o efetivo e integral pagamento, a instância ficou estabilizada, naqueles precisos termos, ao abrigo do art.º 260º CPC.
O processo executivo correu termos, tão somente, com vista com à realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pela exequente, no requerimento executivo, isto é, o pagamento da quantia de €1.965.637,45, conforme pedido do requerimento executivo.
Em face do exposto, e sem prejuízo de se considerar que a ampliação do pedido agora decidida em primeira instância, é legalmente inadmissível, por falta de pressupostos de facto e direito, a verdade é que sempre terá de se ter presente que a ampliação do pedido, sendo uma modificação objetiva da instância funciona, na parte do alargamento do pedido como uma nova petição inicial.
Ora, tendo presente a norma remissiva do art. 551.º do CPC, que prevê a aplicação subsidiária ao processo de execução, das disposições do processo de declaração e acerca da petição inicial: diz o art. 219.º n. º1 do CPC que “a citação” é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender”.
No ato da citação (art. 227.º do CPC) deverá ser entregue o duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanham comunicando-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere.
Diz, ainda, o n.º 2 do art. 219.º do CPC que “a notificação serve para, em quaisquer outros casos chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
Como refere Rodrigues Bastos (Notas, I, pág.432) “a citação e a notificação têm um laço comum: ambas são atos judiciais destinados a dar conhecimento a alguém da ocorrência de um certo facto, mas a primeira destinando-se especificamente a prevenir o réu de que contra ele foi proposta uma ação, possibilitando-lhe a defesa e a chamar, pela primeira vez, à lide, qualquer pessoa interessada nela, tem muito maior importância e, por isso, depende de um formalismo mais complexo”.
Revertendo para o caso concreto, e ainda que o Tribunal de 1.ª instância considerasse, como considerou, que a ampliação do pedido requerida pela exequente era admissível - no que não se concede e aqui apenas se admite para efeito de elaboração de hipótese académica – tendo presente que tal decisão implica, uma modificação objetiva da instância, funcionando na parte do alargamento do pedido, como uma nova petição inicial, a verdade é que:
- uma vez admitida a ampliação do pedido, sempre teria de ter sido ordenada a notificação da executada, para querendo se opor a este novo pedido, nos termos da que a lei de processo prevê.
Tanto mais que, a CEMG, aqui recorrente, já procedeu ao pagamento integral da quantia exequenda.
Havendo, no caso, lugar a notificação e não citação pela simples razão de que a executada já foi citada no âmbito deste processo.
Sendo assim, omitindo-se a notificação da executada, para querendo, nos termos da lei de processo, opor-se à nova petição da exequente, verifica-se a falta de citação geradora de nulidade principal (art. 187.º a), 188.º, 1, a) do CPC).
A falta de notificação da executada para o exercício do contraditório, no que concerne a este novo requerimento inicial, gera a nulidade dos atos posteriores à entrada do requerimento de ampliação do pedido que deste dependam essencialmente.
Ou seja, no caso concreto e atendendo, ainda ao art. 851º do CPC, é nula a execução, na parte que se refere ao montando ampliado, porquanto o despacho recorrido não ordenou a notificação da executada, acompanhada de requerimento da ampliação do pedido, para se opor, querendo, à referida ampliação.
Nulidade que aqui se invoca, para todos os legais efeitos, requerendo a V. Exas. seja declarada.”.
E, nas conclusões de recurso 27.ª e ss., a apelante conclui o seguinte:
“27. (…) a ampliação do pedido, sendo uma modificação objetiva da instância funciona, na parte do alargamento do pedido como uma nova petição inicial.
28. Tendo presente a norma remissiva do art. 551.º do CPC, que prevê a aplicação subsidiária ao processo de execução, das disposições do processo de declaração e acerca da petição inicial: diz o art. 219.º n. º1 do CPC que “a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender”.
29. No ato da citação (art. 227.º do CPC) deverá ser entregue o duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanham comunicando-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere.
30. Diz, ainda, o n.º 2 do art. 219.º do CPCivil que “a notificação serve para, em quaisquer outros casos chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
31. Revertendo para o caso concreto e ainda que o Tribunal de 1.ª instância considerasse, como considerou, que a ampliação do pedido requerida pela exequente era admissível - no que não se concede e apenas aqui se admite para efeito de elaboração de hipótese meramente académica – tendo presente que tal decisão implica uma modificação objetiva da instância, funcionando na parte do alargamento do pedido, como uma nova petição inicial, a verdade é que:
a. uma vez admitida a ampliação do pedido, sempre teria de ter sido ordenada a notificação da executada, para querendo se opor a este novo pedido, nos termos da que a lei de processo prevê.
b. tanto mais que, a CE, aqui recorrente, já procedeu ao pagamento integral da quantia exequenda.
32. Havendo, no caso, lugar a notificação e não citação pela simples razão de que a executada já foi citada no âmbito deste processo.
33. Omitindo-se a notificação da executada, para querendo, nos termos da lei de processo, opor-se à nova petição da exequente, verifica-se a falta de citação geradora de nulidade principal (arts. 187.º a), 188.º, 1, a) do CPC).
34. A falta de notificação da executada para o exercício do contraditório, no que concerne a este novo requerimento inicial, gera a nulidade dos atos posteriores à entrada do requerimento de ampliação do pedido que deste dependam essencialmente.
35. Ou seja, no caso concreto e atendendo, ainda ao art. 851º do CPC, é nula a execução, na parte que se refere ao montando ampliado, porquanto o despacho recorrido não ordenou a notificação da executada, acompanhada de requerimento da ampliação do pedido, para se opor, querendo, à referida ampliação.
36. Nulidade que aqui se invoca, para todos os legais efeitos, requerendo a V. Exas. seja declarada.”.
No despacho de 10-12-2020, o Tribunal recorrido pronunciou-se no sentido de que não se verifica a nulidade arguida.
Vejamos:
Considera a recorrente que sendo a ampliação do pedido uma modificação objetiva da instância, funcionando “o alargamento do pedido como uma nova petição inicial”, em face do disposto nos artigos 219.º e 227.º do CPC (que considera aplicáveis por força do disposto no artigo 551.º do CPC) deveria ter sido operada a sua notificação para, querendo, se opor a este novo pedido, o que, em seu entender, não sucedeu.
Ora, não se encontra fundamento para a procedência da nulidade arguida.
Com efeito, se bem que se conceda que o requerimento de ampliação do pedido se insira no âmbito das modificações objetivas da instância (cfr. capítulo I, do título II, do livro II do CPC; neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2016, Pº 1827/09.5TBBCL-A.G1, rel. MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO, disponível – assim como os demais citados infra, salvo indicação em contrário - em https://www.dgsi.pt), daí não decorre, tal como não decorre da consideração da norma do artigo 551.º do CPC, que o pedido de ampliação que seja formulado pelo exequente tenha que ser notificado à executada com as formalidades da citação.
Na realidade, a doutrina vem assinalando que a pretensão de ampliação não tem que obedecer a um especial ritualismo na forma de apresentação, não carecendo, aliás, tal pretensão de corporizar um articulado.
Conforme refere Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2015, p. 171): “Para além dos articulados supervenientes propriamente ditos, outras peças existem que, apesar de terem a sua sede própria fora da fase dos articulados, desempenham algumas das funções destes, as quais por isso, alguma doutrina subordina também à epígrafe de articulados supervenientes. Peças essas que podem também assumir (ainda que não obrigatoriamente) forma articulada.
É o caso dos requerimentos avulsos para: a) modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 265.º (…)”.
Compreende-se que assim seja, pois, ao contrário do que sucede com o momento inicial em que o réu, requerido ou executado é chamado- citado - pela primeira vez a confrontar-se com o processo (situação em que, conforme decorre do disposto no artigo 219.º do CPC, se exigem cautelas específicas no que concerne à comunicação e transmissão do acto que foi proposta uma ação contra o mesmo) tal não sucede nas situações em que tal citação já teve lugar, aqui se englobando a ampliação do pedido dos autos que ocorreu em momento em que a executada já tinha sido citada para os autos de execução.
Não se afigura, pois, que a dedução da pretensão de ampliação do pedido determine a notificação pessoal do requerido para que o contraditório se mostre cabalmente cumprido, pelo que não se segue o entendimento do acórdão proferido no âmbito de anterior versão do CPC, pelo Tribunal da Relação de Évora (cfr. acórdão de 15-04-1999, Pº 1596/97-3, rel. RODRIGUES DOS SANTOS), onde se aduz como determinativa de tal notificação pessoal apenas o seguinte: “Como refere Rodrigues Bastos (Notas, I, pág.432) “a citação e a notificação têm um laço comum : ambas são actos judiciais destinados a dar conhecimento a alguém da ocorrência de um certo facto, mas a primeira destinando-se especificamente a prevenir o réu de que contra ele foi proposta uma acção, possibilitando-lhe a defesa e a chamar, pela primeira vez, à lide, qualquer pessoa interessada nela, tem muito maior importância e, por isso, depende de um formalismo mais complexo”. Concluímos daqui que, requerida a ampliação do pedido, os agravante- executados teriam de ser, do mesmo, pessoalmente notificados, porque se está perante uma modificação objectiva da instância. E, no caso, há lugar a notificação e não citação pela simples razão de que os executados e requeridos já tinham sido citados uma vez no âmbito do mesmo processo”.
Não nos parece que a existência de uma modificação objetiva da instância determine que alguma específica modalidade de notificação. Tem é que existir notificação, mas a mesma não tem que obedecer às formalidades da citação, não se verificando os pressupostos – desde logo, não ocorrendo cumulação de execução com título diverso – de aplicação do disposto no artigo 728.º, n.º 4, do CPC.
De todo o modo, impõe-se, isso sim, que seja observado o princípio do contraditório sobre a pretensão de ampliação que seja formulada, dado que, não ocorre, quanto à correspondente pretensão, assim deduzida, qualquer desvio à consideração do princípio fundamental ínsito no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos –no âmbito da alegação fáctica, das provas e quanto ao direito –, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas as partes condições de absoluta igualdade ou paridade.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2019 (Processo 208/10.0TBRDD-B.E1, rel. JAIME PESTANA): “O exercício do contraditório é sempre justificável e desejável se puder gerar o efeito que, com ele, se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal”.
Mas, não existindo obstáculo substantivo à admissão da ampliação e “garantido que esteja o respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes (arts. 3.º e 4.º), quando a alteração objetiva da instância permite conciliar melhor os princípios da celeridade, da adequação e da economia processuais, este na vertente da economia de processos, deve ela ser admitida (arts. 5.º e 547.º)” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os artigos da reforma; Vol. I, Almedina, Coimbra, 2013, p. 234).
Ora, neste ponto, no caso em apreço, o contraditório foi plenamente observado.
Efetivamente, previamente à prolação da decisão recorrida, foi a executada notificada – servindo, como se sabe, a notificação para “chamar alguém a juízo ou dar a conhecer um facto” (cfr. artigo 219.º, n.º 2, do CPC) – da pretensão de ampliação do pedido formulada pela exequente no requerimento apresentado em 14-12-2017 e a mesma veio, na sequência, no exercício do contraditório que entendeu efetuar, pronunciar-se (cf. requerimento de 03-01-2018) e – conforme se dá conta no despacho de 10-12-2020 – “(…) foi exatamente no exercício desse contraditório que a ora recorrente invocou a inadmissibilidade legal da ampliação do pedido e arguiu a exceção de prescrição (cf req. de 21.02.2020 referido no despacho), questões que foram apreciadas no despacho recorrido.
O requerimento de 14.12.2017 onde foi pedida a ampliação do pedido exequendo foi logo notificado à ora recorrente pela contraparte, bem como o requerimento que a contraparte apresentou no apenso D em 20.02.2020 a prescindir do prazo de reclamação para a conferencia e a pedir a remessa imediatos dos autos à primeira instancia no sentido de ser decidida a requerida ampliação do pedido, e foi na sequencia deste ultimo requerimento que a ora recorrente apresentou o requerimento de 21.02.2020 onde se pronunciou sobre a questão (arguindo a inadmissibilidade legal e a prescrição), não se compreendendo, pois, que tendo já apresentado a sua posição quanto ao “novo” pedido, (posição que foi apreciada no despacho recorrido) pretenda ser notificada pelo Tribunal para o mesmo efeito”.
Uma nova notificação para o efeito constituiria, aliás, a prática de um acto inútil, que se mostra vedado pela lei processual (cfr. artigo 130.º do CPC).
Não se mostra, pois, violado qualquer dos preceitos legais invocados pela apelante a este propósito.
Pelo exposto, concluindo-se inexistir omissão de notificação que deve ter tido lugar, improcede a nulidade arguida, soçobrando as conclusões (27.ª a 36.ª) em contrário deduzidas pela apelante.
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C) Se a ampliação do pedido de pagamento de juros formulada pela exequente, deveria ter sido julgada inadmissível?
Com labor e alinhando diversas considerações e dedicando-lhe um capítulo (II.I) das alegações, a recorrente pugna no sentido de que o Tribunal recorrido deveria ter julgado inadmissível a pretensão da exequente de ampliação do pedido, por entender que a mesma não tem cabimento no âmbito de uma ação executiva.
Para chegar a uma tal conclusão, a executada invoca, em suma, os seguintes argumentos:
1) Os juros são um direito de natureza disponível, sujeito a prescrição, sendo mero acessório do capital (art.º 561.º do CC), acompanhando a natureza deste, incumbindo ao exequente formular o correspondente pedido, que conforma o objeto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito, a proferir não podendo a executada ser condenada a pagar um valor que objetivamente, o exequente prescindiu/abdicou de pedir, sob pena de violação dos arts. 3.°, n.° 1; 8.°, n.° 2; 10.°, n.° 5; 260.°, 609.° e 615°, n° 1, e) do CPC, "ex vi" dos arts. 551.° e 724.° e), f) do CPC e 20.°, n.° 4 da CRP;
2) A exequente não formulou – sem que existisse impedimento a que o fizesse - no requerimento executivo pedido de pagamento dos juros de mora vincendos;
3) A exequente absteve-se de integrar no referido requerimento, por meio de pedido ilíquido, tal crédito vincendo, tendo renunciado ao pedido dos juros que agora reclama, sendo que, no apenso B (caução) deduziu oposição à idoneidade da garantia oferecida, mas não impugnou o seu valor, que se destina a cobrir a quantia exequenda e juros;
4) O título executivo fixa os limites e o fim da execução, não podendo ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta, sendo que, o titulo dado à execução - a Garantia Bancária - não prevê o pagamento de juros de mora;
5) Ainda que se entendesse que estão abrangidos no título os juros de mora à taxa legal (cfr. art. 703.°, n.° 2 do CPC), a exequente tinha obrigação de os pedir;
6) Por falta da formulação do correspondente pedido, a presente execução não compreende juros posteriores aos liquidados no requerimento executivo.
7) A ampliação do pedido é inadmissível numa ação executiva (citando o Ac. do TRL de Lisboa de 28-04-2005, P. 9254/2004-8), por neste tipo de processo “não terem cabimento duas realidades processuais que, por tal motivo, a excluem - por um lado, a "réplica" e de outro a própria discussão da causa em primeira instância, a terminar o chamado 'encerramento’";
8) O pedido formulado nos autos pela exequente em 14-12-2017, não configura uma ampliação do pedido, mas uma substituição do pedido inicial, sendo que a ampliação do pedido apenas diz respeito a “factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que sejam supervenientes ou de que a parte apenas deles tenha conhecimento já depois de ter apresentado os articulados normalmente previstos na lei." (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 1827/09.5TBBCL-A.G1), não se destinando “a suprir eventuais 'falhas' da petição inicial” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 7072/15.1T8VIS-A.C1), o que, no caso, não aconteceu, porque nenhum facto superveniente, ou evento posterior, ocorreu na pendência da lide, que fundamente a ampliação sendo, as circunstâncias que o exequente tinha à data do requerimento executivo, as mesmas que hoje tem.
9) Não pode ser admitido o exercício do direito do pedido de crédito de juros vencidos (depois da data de apresentação do requerimento executivo), e vincendos (até integral pagamento), quando esse direito não foi exercido em tempo, sem que para tal houvesse impedimento, e a que, assim, o exequente expressamente renunciou - dado o caráter disponível da obrigação de juros (561.° CC) e a obrigação de liquidação desses juros, a que a exequente estava sujeita (716.°, n.° 1 CPC).
10) A situação dos autos não merece a tutela do art. 265.°, n.° 2 do CPC (preceito que se destina a proporcionar às partes uma adequada tutela dos seus direitos, na pendência do processo, por forma a que o desenvolvimento da lide lhes não impedisse de alcançar um resultado razoável), não podendo a ampliação ser admitida depois de a executada ter apresentado caução pelo valor reclamado na execução, sem que a exequente a ele se opusesse, de ter apresentado embargos à execução e a correspondente decisão ter transitado em julgado, de o AE ter elaborado nota final de liquidação e a executada dela ter reclamado e da CEMG ter liquidado a quantia exequenda; e
11) O pedido formulado não representa o normal desenvolvimento, ou a consequência do pedido primitivo, sendo que, a parte que pretenda a sua cobrança tem de proceder à sua liquidação no requerimento executivo - 716.°, n.° 1 do CPC – e a obrigação de juros integra uma indemnização de natureza disponível, sendo mero acessório do capital, acompanhando a natureza deste, importando o seu não pedido, a sua renúncia - 561.° do CC.
Não desconhecendo a diferença entre “argumentos” e “questões” a decidir, vejamos, ainda assim, os argumentos invocados:
1) Os juros são um direito de natureza disponível, sujeito a prescrição, sendo mero acessório do capital (art.º 561.º do CC), acompanhando a natureza deste, incumbindo ao exequente formular o correspondente pedido, que conforma o objeto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito, a proferir não podendo a executada ser condenada a pagar um valor que objetivamente, o exequente prescindiu/abdicou de pedir, sob pena de violação dos arts. 3.°, n.° 1; 8.°, n.° 2; 10.°, n.° 5; 260.°, 609.° e 615°, n° 1, e) do CPC, "ex vi" dos arts. 551.° e 724.° e), f) do CPC e 20.°, n.° 4 da CRP;
2) A exequente não formulou – sem que existisse impedimento a que o fizesse - no requerimento executivo pedido de pagamento dos juros de mora vincendos;
3) A exequente absteve-se de integrar no referido requerimento, por meio de pedido ilíquido, tal crédito vincendo, tendo renunciado ao pedido dos juros que agora reclama, sendo que, no apenso B (caução) deduziu oposição à idoneidade da garantia oferecida, mas não impugnou o seu valor, que se destina a cobrir a quantia exequenda, juros vencidos e custas;
4) O título executivo fixa os limites e o fim da execução, não podendo ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta, sendo que, o titulo dado à execução - a Garantia Bancária - não prevê o pagamento de juros de mora;
5) Ainda que se entendesse que estão abrangidos no título os juros de mora à taxa legal (cfr. art. 703.°, n.° 2 do CPC), a exequente tinha obrigação de os pedir;
6) Por falta da formulação do correspondente pedido, a presente execução não compreende juros posteriores aos liquidados no requerimento executivo.
Conforme decorre do artigo 212.º, n.º 2, do CC, os juros são frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital cujo montante varia em função dos factores seguintes: o valor do capital devido, o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (cfr. Correia das Neves, Manual dos Juros: estudo jurídico de utilidade prática, 2ª. ed., Almedina, Coimbra, 1969, p. 23).
“São, por outras palavras, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, sendo o seu montante em regra previamente determinado como uma fração do capital correspondente ao tempo da sua utilização” (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, p. 839).
“A obrigação de juros pressupõe a dívida de capital, visto os juros constituírem o rendimento do capital ou a remuneração da sua cedência e, nesse aspecto, pode considerar-se uma obrigação acessória.
A relação de dependência entre as suas obrigações não obsta, no entanto, a que, uma vez constituído, o crédito de juros se autonomize. Pode, na verdade, o credor ceder, no todo ou em parte, o seu crédito de juros e conservar o crédito relativo ao capital; pode, pelo contrário, ceder a outrem o crédito do capital e manter para si, no todo ou em parte, o crédito dos juros vencidos.
É perfeitamente possível, por outro lado, que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegro o primeiro.
Quanto à prescrição, resulta claramente do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 310.º e no artigo 307.º a possibilidade de os créditos periódicos dos juros e das quotas de amortização prescreverem, independentemente da extinção da dívida de capital” (assim, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, pp. 845).
Distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e convencionais, sendo os primeiros aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa, e os segundos, correspondendo aos que têm a sua taxa estipulada pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos.
A classificação dos juros no tocante à sua função ou finalidade económica e social distingue entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios.
Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência.
Os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado.
Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.
E, por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor (cfr. Luís Menezes Leitão; Direito das Obrigações, vol. I, 5.ª ed., Almedina, pp. 160 e 163).
“[O]s juros, quaisquer que sejam, são ou constituem um rendimento do capital, logo a obrigação respectiva está intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital, ou, para sermos mais expressivos, não se concebem sem uma obrigação de capital, como refere Almeida Costa in Direito das Obrigações, 11.ª ed., p. 751.
Na mesma linha ensina Menezes Cordeiro (op. cit., p. 529) que a inerente obrigação de juros pressupõe uma outra, a de capital, sendo por esta determinada, como já vimos, em função do seu montante, da sua duração e da taxa legal ou convencionada aplicável.
Sem ela, repete-se, a obrigação de juros não pode constituir-se, dispondo depois de constituída, de alguma autonomia (artigo 561.º do Código Civil), mas mantendo ambas forte conexão, sendo, além do mais, uma obrigação por sua própria natureza temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, n.º 55, p. 162), visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (neste sentido, em especial, o Acórdão deste Supremo de 12 de Setembro de 2006, processo n.º 2338/06)” (assim, o Acórdão do STJ n.º 7/2009, publicado no DR, I, n.º 86, de 05-05-2009, pp. 2530-2538).
Os juros, enquanto frutos civis têm carácter periódico.
Como referem Maria Clara Sottomayor e Ana Teresa Ribeiro (anotação ao artigo 212.º do CC, in Comentário ao Código Civil; Parte Geral; Universidade Católica Portuguesa; 2014, p. 478), “a periodicidade é relevante, pois o regime dos frutos foi moldado segundo a ideia de que estes vão surgindo regularmente”.
Considerando essa natureza periódica, compreende-se a previsão contida no artigo 310.º, al. d) do CC, no sentido de que “os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos” prescrevam no curto prazo de cinco anos.
De harmonia com o disposto no artigo 805.º do CC:
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo”.
E, de acordo com o disposto no artigo 806.º do CC, preceito referente as obrigações pecuniárias:
“1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.”.
A obrigação de pagamento dos juros de mora é, assim, uma consequência direta da mora do devedor, correspondendo à indemnização pelo incumprimento da obrigação principal.
Por outro lado, impõe a compatibilização desta obrigação de pagamento de juros de mora, com o princípio do pedido ou do dispositivo (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do CPC).
No âmbito de uma ação declarativa, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para n.º 9/2015 (publicado no DR, I, n.º 121, de 24 de junho de 2015, pp. 4420-4427) defrontou-se já com a seguinte questão: “O tribunal pode condenar no pagamento de juros de mora se o autor não formulou o correspondente pedido na petição inicial?”
Conforme aí se escreveu:
“(…) o que se discute é se o tribunal podia condenar em juros de mora sem ter sido formulado o respectivo pedido na petição inicial.
(…) A questão, nesta perspectiva, tem cariz essencialmente adjectivo e implica com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva e, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações - o princípio do pedido.
Ensinava Manuel de Andrade que "o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado" (9).
Compreendem estas afirmações os dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e, no que nos interessa, o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
Correspondência que, na questão aqui analisada, se discute apenas quanto ao limite quantitativo que resulta da petição inicial, problema que, diga-se, não tem gerado controvérsia (10).
O princípio do pedido tem consagração inequívoca no artigo 3.º, n.º 1, do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes [...].
É ao autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido - artigo 552.º, n.º 1, e) do CPC -, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção" (11).
É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final.
Com efeito, como dispõe o artigo 609.º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (12). É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível" (13).
É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (14).
A violação da referida regra - se o juiz condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido - determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, e), do CPC.
"Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte" (15).
Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cf. artigo 265.º, n.º 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos (16).
Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC (…)”.
E, na apreciação do caso concreto, teceram-se no referido Acórdão do STJ n.º 9/2015, as seguintes considerações:
“(…) Assim, não tendo sido formulado pedido de condenação em juros de mora (arts. 3.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, e), do CPC), o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação para além do pedido, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido (artigo 609.º, n.º 1, do CPC).
Fazendo-o, violou o princípio do pedido, como acima se expôs, ferindo de nulidade a sentença (artigo 615.º, n.º 1, e), do CPC).
Crê-se que, mesmo a não relevar a distinção acima apontada entre indemnização pelos danos efectivos e indemnização pela mora, nem assim se poderia concluir de forma diferente: não será pelo facto de entender que o dano deve ser avaliado em 100 que o juiz pode condenar neste valor, se o lesado pediu apenas 50; do mesmo modo - a situação seria equiparável - não é pelo facto de entender que o lesado tem direito a juros de mora que o juiz pode condenar nesses juros, se o lesado não os pediu (21).
Saliente-se que, sendo omitida pelos autores a referência a juros de mora, a parte contrária não tomou, obviamente, posição sobre tal questão, vindo a ser surpreendida com a decisão depois proferida, que a condenou nesses juros. Decisão que assim, nesse âmbito, constituiu uma verdadeira decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório que, como vimos, o princípio do pedido também acautela.
Por outro lado, a existir a indesejada deficiência ou omissão na petição inicial, quanto ao pedido de juros de mora, os autores poderiam, com razoável amplitude temporal, ter corrigido o pedido formulado por forma a incluir nele esses juros.
Com efeito, sendo de considerar que o pedido de juros constitui desenvolvimento do pedido de condenação na indemnização por equivalente (22), os autores, mesmo sem o acordo da parte contrária, poderiam ter ampliado o pedido até ao encerramento da discussão na 1.ª instância (artigo 273.º, n.º 2, do CPC então em vigor), contemplando aqueles juros.
Não o fizeram, como se exigia que o fizessem para fazer valer essa pretensão, sendo-lhes vedado requerer a ampliação depois do referido encerramento. Mas, então, se os autores não o podem fazer a partir desse momento, daí decorre que a omissão não pode também ser depois sanada, oficiosamente, na decisão final.
Repare-se que, apesar da significativa relevância que, sobretudo nas últimas reformas processuais, tem sido reconhecida ao princípio da cooperação, concorrendo para uma gradual desformalização do processo, o artigo 266.º, n.º 1, do CPC (como o actual artigo 7.º, n.º 1, que o repete) limita-se a consagrá-lo como princípio geral: a cooperação tem em vista obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Mas, como tal, não é passível de aplicação imediata, carecendo de concretização.
Isso significa que, com base nesse princípio, o tribunal "não pode adoptar uma qualquer conduta interventiva que seja imediatamente justificada pela justa composição do litígio" (23). Essa intervenção tem de ser intermediada por norma que a permita ou imponha.
Ora, dos múltiplos deveres em que tal princípio se desdobra, pareceria pertinente convocar aqui o dever de prevenção. Só que este dever não é concebido em termos genéricos ou como "cláusula geral", estando apenas previsto para a remoção de obstáculos de natureza formal ao fim substancial do processo e para o suprimento da insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto (cf. artigo 590.º, n.os 3 e 4, do CPC).
Está, assim, arredada a possibilidade de o tribunal sugerir a correcção ou o suprimento de deficiências ou omissões que afectem o conteúdo do pedido formulado (24).
Quer dizer: ao longo do processo o juiz não pode, sponte sua, convidar o autor a suprir qualquer omissão que vislumbre no conteúdo do pedido; no caso, portanto, não poderia sugerir a inclusão do pedido de condenação em juros de mora que entendesse devidos.
Mas, se assim é, parece que, por maioria de razão, não pode ele próprio suprir depois, oficiosamente, essa omissão no momento da decisão final (25).
Poderá dizer-se que, desse modo, se sobrepõem razões formais ao regime substantivo da obrigação de indemnizar e defender-se que, por esse motivo, a aplicação de juros "não se encontra na dependência do princípio do pedido" (26).
O caminho que tem sido seguido, como acima se aflorou, é realmente no sentido de uma gradual desformalização e menor rigidez do processo, visto como mero instrumento para ser alcançada a verdade material, dando-se prevalência à decisão de mérito sobre a decisão de forma. É inegável que a evolução é nesse sentido, e desejável que o seja, na procura de um processo mais justo, não apenas formalmente, mas também substancialmente. O percurso, porém, não estará ainda concluído (27).
No caso, a questão a resolver, que respeita ao limite quantitativo à decisão, é subsumível na previsão das normas legais acima referidas, que, a nosso ver, não permitem solução diferente da que ficou indicada.
Essas normas (ainda) existem e, com o devido respeito, apesar da natureza formal, não parece que possam ser postergadas; pelo menos, apenas com o fundamento de poderem conduzir a resultados injustos (cf. artigo 8.º, n.º 2, do CC).
De todo o modo, esse resultado não será definitivo, nem necessário, não tendo, em termos de dimensão, a relevância que aparenta.
Não é definitivo, uma vez que não implica a perda do direito do lesado aos juros não pedidos: é que, precisamente por não terem sido pedidos, não se forma caso julgado sobre essa questão (artigo 619.º do CPC), podendo o lesado, se o entender, peticionar esses juros em nova acção.
Nem é necessário, se a indemnização por equivalente for fixada (e actualizada) considerando a data mais recente que puder ser atendida (artigo 566.º, n.º 2, do CC), sendo certo que, com a sentença, o lesado passa a dispor de título executivo, desde logo com direito a juros de mora (que se consideram abrangidos pelo título, como dispõe o artigo 703.º, n.º 2, do CPC), mesmo que venha a ser interposto recurso da sentença (artigo 704.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma legal) (…)”.
E concluiu-se do seguinte modo em tal aresto: “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”.
Assim, “só há lugar ao pagamento de juros de mora à taxa legal se expressamente peticionados no requerimento executivo, por força do princípio do pedido (arts. 3.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1” (neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os artigos da reforma; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2014, p. 195), não dispensando “a formulação pelo exequente, em sede própria, do respetivo pedido, no quadro do princípio geral do dispositivo” (assim, o Acórdão do STJ de 23-04-2008, Pº 07S2894, rel. MÁRIO PEREIRA).
Ora, no caso dos autos, 12-03-2008, a executada prestou, a pedido da DI - S.A. ("…"), uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, a favor da exequente, no montante total de € 2.000.000,00.
Em 16-05-2012, a exequente interpelou a executada para proceder ao pagamento de parte do montante da referida garantia bancária, não tendo a executada pago o mesmo, "no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data da referida solicitação”.
Instaurada a presente execução, a ora exequente, no requerimento inicial que apresentou, invocou tais factos e concluiu o seguinte:
“Resulta assim do exposto que a Executada deve à Exequente o montante constante da carta de interpelação remetida, ou seja, € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos). Ao montante em dívida acrescem juros de mora no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento da garantia bancária até à data de entrada do presente requerimento executivo.
O crédito é certo, líquido e exigível, encontrando-se devidamente titulado, pelo que a quantia exequenda ascende, na presente data, a € 1.965.637,45.”.
E, no campo referente à “Liquidação da obrigação” mencionou, nomeadamente:
“Capital em dívida referente ao valor da garantia bancária = € 1.941.803,80
Ao montante de capital em dívida acrescem juros de mora, à taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento, até à data de entrada do presente requerimento executivo.”.
Ora, se é certo que, à data da entrada do requerimento executivo, a exequente não formulou então pedido de pagamento de juros de mora vincendos e se apenas liquidou os juros de mora vencidos – desde a data de vencimento da obrigação de pagamento da garantia bancária e até à data da entrada do requerimento executivo – não se pode concluir, automaticamente, que a exequente tenha prescindido ou abdicado de pedir os juros vincendos.
Da omissão de formulação do pedido de pagamento de juros de mora vincendos do requerimento executivo não se retira, ipso facto, que a exequente tenha prescindido ou renunciado ao cumprimento da correspondente obrigação pela executada e, daí não decorre, também, que estivesse impossibilitada de ulteriormente o efetuar.
É que, se é certo que, a exequente não formulou no requerimento executivo pedido de pagamento de juros de mora vincendos e, que, também é certo – o que, aliás, foi evidenciado no acórdão prolatado no apenso C, em 11-07-2019 – não se vislumbra que existisse motivo a que a exequente então o fizesse, daí não decorre, sem mais, que a então requerente não mais pudesse formular uma tal pretensão.
Tudo passaria por saber – se e quando fosse tal pretensão formulada – se a mesma era ou não substantiva e processualmente admissível, o que, o tribunal recorrido apreciou no despacho recorrido, mas sem que antes a exequente tivesse dado mostras nos autos de tenha renunciado à pretensão que ulteriormente veio a formular.
A executada invoca que tal renúncia se patenteia em face do apenso B, onde a executada se ofereceu para prestar caução, que a exequente não contestou no valor pelo qual foi oferecida, que se destina a cobrir a quantia exequenda e juros vencidos e custas.
Ora, “a finalidade da prestação de caução- garantia especial das obrigações regulada nos art.ºs 623º e seguintes do CC - é a de facultar ao credor um meio através do qual se poderá fazer pagar. A particular função da caução prevista no art.º 733º, n.º 1, alínea a) do CC é a de garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando ou prevenindo os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo, garantindo ao exequente a satisfação do seu direito, caso os embargos improcedam. A caução para que seja eficaz há-de ser idónea (i. é, prestada por meio adequado) e suficiente (apta a cobrir o crédito exequendo e demais acréscimos que resultem da suspensão do processo executivo)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-01-2017, Pº 5211/15.1T8PBL-B.C1, rel. FONTE RAMOS).
Ou seja: “A suficiência de uma caução, para suspensão de acção executiva, deverá corresponde ao valor peticionado na execução (v.g. quantia exequenda e juros vencidos), acrescido das despesas previsíveis da mesma (calculadas de acordo com o art. 735, nº 3 do C.P.C), e dos juros vincendos (os que, de uma forma previsível, se vençam nos autos, tendo em conta a demora na resolução das questões enunciadas na oposição deduzida)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-10-2016, Pº 7091/15.8T8VNF-A.G1, rel. PEDRO DAMIÃO CUNHA).
Assim, a eventual insuficiência da garantia que a caução representa (cfr. artigo 626.º do CC), apenas terá consequência ao nível da sua eficácia, não afetando o direito que se destina a ser objeto da aludida garantia.
Deste modo, da ausência de pronúncia da exequente sobre o valor da caução oferecida (cfr. artigo 913.º, n.ºs. 2 e 3 e 915.º, do CPC) não se pode concluir – expressa ou tacitamente (cfr. artigos 217.º e 218.º do CC, preceitos aplicáveis ao ato jurídico de pronúncia da exequente sobre a idoneidade da garantia oferecida, ex vi do artigo 295.º do CC) - que a exequente tenha renunciado a formular pretensão correspondente ao pagamento pela executada de juros de mora vincendos. Tal teria de resultar de expressa declaração nesse sentido, ou de advir, de algum modo, de um facto que inequivocamente o assim revelasse, o que não sucedeu.
No que respeita à invocação de que o título executivo não pode ser utilizado para realizar outra obrigação que não a que documenta, por o mesmo fixar os limites e o fim da execução, subscreve-se o entendimento exposto pelo Tribunal de 1.ª instância no despacho recorrido:
“(…) A pretensão da exequente decorre do titulo dado à execução (garantia bancaria), reportando-se aos juros vincendos sobre o capital peticionado com base nessa garantia.
Veja-se que nos termos do art 703 nº 2 do CPC consideram-se abrangidos pelo titulo executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação nele constante.
Não há duvida, pois, de que embora a obrigação de juros seja autónoma da obrigação de capital, ambas decorrem do mesmo titulo executivo, in casu a garantia bancaria. (…)
Estabelece o artigo 10º, nº 5, do CPC, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é, pois, a base da execução, e por ele se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Já vimos que o título dado à execução suporta a pretensão referente aos juros sobre a divida de capital que dele decorre (…).”.
Ou seja: A fonte da obrigação deriva da existência do título em que se funda a execução, o qual, por força da lei – artigo 703.º, n.º 2, do CPC – incorpora juros de mora à taxa legal da obrigação que nele assenta.
Na realidade, conforme sublinha Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 84) “o título executivo é o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, no requisitos legalmente prescritos. Esses requisitos não são dados por normas materiais, mas por normas processuais; entre outras, pelas normas dos artigos 703.º a 708.º” do CPC.
Assim, o documento que legitima a realização coactiva da prestação, por um processo executivo, conforma-se com as normas legais, aqui se incluindo a do artigo 703.º, n.º 2, do CPC, pela qual se considera estarem abrangidos pelo título executivo – ou seja, serem exequíveis – os juros de mora, à taxa legal, da obrigação constante do título.
Não procede, pois, o argumento de que a obrigação de juros de mora não encontra fundamento bastante no título dado à execução, por a mesma não se encontra expressa na garantia bancária dada à execução.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 21-22):
“No domínio da ação executiva enquadra-se, como é natural, o pedido acessório de juros de mora, vencidos e vincendos, desde que expressamente solicitados pelo exequente que, aliás, deve integrar no requerimento inicial o cálculo dos juros vencidos (art. 716.º, n.º 1). Tal preceito não contradiz a prioridade que deve ser dada ao conteúdo do próprio título: prevendo-se aí a data da constituição em mora ou a taxa de juros aplicável, é a estes elementos que deve atender-se no pedido executivo e na respetiva liquidação. (…).”.
Conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-05-2018 (Pº 1348/15.5T8PBL-A.C1, rel. FONTE RAMOS): “O disposto no n.º 2 do art.º 703º do CPC (normativo introduzido pelo DL n.º 38/2003, de 08.3, por aditamento ao art.º 46º do CPC de 1961) ampliou o âmbito do título executivo, de modo a considerar nele compreendidos - qualquer que seja a sua natureza - os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, sendo, deste modo, possível ao exequente requerer a execução de tais juros moratórios - mas já não dos juros convencionais - mesmo quando o título executivo (judicial ou extrajudicial) seja omisso quanto à respectiva obrigação acessória, decorrente directa e automaticamente da lei”.
Quanto ao mais, reafirma-se que não ocorreu desrespeito do princípio do dispositivo porque, como se viu, a exequente que não os pediu no requerimento executivo, veio peticionar o pagamento de juros de mora vincendos (posteriormente à data de apresentação do requerimento executivo) à taxa legal, no requerimento de ampliação.
Assim, não se afiguram violados- pelo acolhimento que o Tribunal recorrido deu à pretensão da exequente- qualquer dos normativos invocados pela recorrente, sendo certo que, para assim se concluir seria necessário que se concluísse que o Tribunal conheceu de questão que não poderia conhecer – o que, como resulta da resposta à questão A) supra enunciada, não sucedeu.
Foi na sequência da iniciativa processual – consubstanciando o exercício do dispositivo processual da exequente – de ampliação do pedido formulada pela exequente, contraditada pela executada, que o Tribunal recorrido conheceu, legitima e congruentemente com o decidido no apenso C, da questão suscitada.
Os referidos argumentos aduzidos pela executada são, pois, improcedentes.
Vejamos os demais:
7) A ampliação do pedido é inadmissível numa ação executiva (citando o Ac. do TRL de Lisboa de 28-04-2005, P. 9254/2004-8), por neste tipo de processo “não terem cabimento duas realidades processuais que, por tal motivo, a excluem - por um lado, a "réplica" e de outro a própria discussão da causa em primeira instância, a terminar o chamado 'encerramento’";
A recorrente considera errada a decisão recorrida por considerar que não tem cabimento a ampliação do pedido em sede de ação executiva.
Na decisão recorrida lê-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Nos termos do artigo 265º, nº 2 do CPC, o pedido pode ser ampliado na réplica e ainda até ao encerramento da discussão e 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. E nos termos do nº 6 é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A questão está em saber se este artigo tem aplicação na ação executiva.
Nos termos do artº 551º, nº 1, do CPC, são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva.
Mas na ação executiva não existem aquelas fases do processo, nem se prevê expressamente a “ampliação do pedido”. No entanto, parece-nos que, por maioria de razão, deve ser admitida a “ampliação” requerida, como se tentará demonstrar.
Estabelece o artigo 10º, nº 5, do CPC, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é, pois, a base da execução, e por ele se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Já vimos que o título dado à execução suporta a pretensão referente aos juros sobre a divida de capital que dele decorre.
Nos termos do artigo 709º CPC, é permitido ao credor cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, salvo quando se verifique alguma das circunstâncias referidas nas suas três alíneas.
Por outro lado, preceitua o artigo 711º CPC que enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação...
Temos, pois, que o exequente pode cumular pedidos (títulos executivos) contra o(s) mesmos(s) executado(s). E esta cumulação tanto pode ser inicial como sucessiva, desde que se verifiquem os respetivos pressupostos, enquanto não estiver extinta a execução. É inicial quando a ação executiva é logo instaurada com base em vários títulos.
E é sucessiva quando em execução já pendente se requer a junção de novo(s) título(s), assim formulando novo pedido.
No presente caso trata-se de um único título executivo e as obrigações em causa (capital e respetivos juros, designadamente os vincendos ora em questão) podiam ter sido peticionadas em simultâneo na petição, o que não suscitaria qualquer questão de ordem formal.
Ora, se é permitida durante a pendencia da execução a cumulação de pedidos fundados em títulos diferentes (art 711º do CPC), não parece que exista qualquer obstáculo a que o exequente requeira a “ampliação do pedido” com base no mesmo título, ou seja, exigir no mesmo processo, em momentos diferentes, a totalidade da dívida contida no título executivo, por maioria de razão e, até, por uma questão de economia processual.
A requerida ampliação reporta-se a um desenvolvimento do pedido inicialmente formulado e está contido nos limites definidos pelo título executivo.
Adere-se pois à jurisprudência firmada no Ac. do TRC de 22.10.2013, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumario é o seguinte “No âmbito duma ação executiva podem ser peticionados juros vincendos (bem como, liquidados juros vencidos) no âmbito de uma ampliação do pedido”.”.
Na fundamentação deste Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2013 (Pº 129-F/2001.C1, rel. ANABELA LUNA DE CARVALHO) questiona-se se podem ser peticionados juros vincendos, bem como, liquidados juros vencidos, no âmbito de uma ampliação do pedido, depois de no requerimento executivo terem sido pedidos juros vencidos, mas não liquidados, tecendo-se as seguintes considerações:
“Os juros vencidos foram pedidos no requerimento executivo, sendo que, apenas não foram liquidados. A liquidação foi pedida em ampliação do pedido e admitida pelo tribunal a quo.
Quanto aos juros vincendos a exequente apenas formulou o respetivo pedido, na referida ampliação, tendo esta sido, igualmente, admitida.
Quanto aos juros vencidos, não se trata de pedir um crédito não pedido, mas antes de liquidar um crédito pedido no requerimento executivo.
Neste caso, a liquidação, porque possível, deveria ter sido efetuada no requerimento executivo, em conformidade com o disposto no art. 805 nº 1 do CPC “ Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido”. 
Apenas a liquidação de juros que continuem a vencer-se, deve ser feita, a final pela secretaria, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
Nos termos do artigo 273º, nº 2 do CPC, o pedido pode ser ampliado na réplica e ainda até ao encerramento da discussão e 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
E nos termos do nº 6 é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A questão está em saber se este artigo tem aplicação na ação executiva.
Nos termos do artº 466º, nº 1 são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva.
Na ação executiva não existem, como sabemos aquelas fases do processo, nem está prevista expressamente a figura da “ampliação do pedido”.
Argumento utilizado por alguma jurisprudência para não admitir tal ampliação.
No entanto, parece-nos que, por maioria de razão e por razões de economia processual, deve ser admitida a “ampliação” requerida, como se tentará demonstrar.
Estabelece o artigo 45º, nº 1 do CPC que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é, pois, a base da execução, e por ele se determinam o fim e os limites da ação executiva.
No requerimento inicial não terá sido liquidada a importância dos juros vencidos, nem pedidos (para futura liquidação) os juros vincendos.
Nos termos do artigo 53º nº 1 do CPC é permitido ao credor cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, salvo quando se verifique alguma das circunstâncias referidas nas suas três alíneas imediatas, as quais, no caso, não se verificam.
Por outro lado, dispõe o artigo 54º que enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação (...).
Finalmente determina o artigo 919º, nº 1 que a extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.
Ora, se pode o exequente cumular pedidos (títulos executivos) contra o(s) mesmos(s) executado(s), sendo que esta cumulação tanto pode ser inicial como sucessiva, verificados que sejam os respetivos pressupostos e, enquanto não estiver extinta a execução, por maioria de razão e, por uma questão de economia processual, há que admitir a ampliação do pedido contra o mesmo executado, quando o título já dado à execução, por um lado, contenha a dívida que depois se liquida (juros vencidos) e por outro, permita, desde o início, a exigência da dívida não vencida.
Assim sendo, parece-nos que formalmente nada obsta ao prosseguimento da execução para cobrança dos montantes liquidados a título de juros vencidos, desde logo peticionados, bem como dos juros vincendos, apenas peticionados em sede de ampliação”.
Também neste sentido se pronunciaram – quer à luz do precedente artigo 273.º, n.º 2, do CPC de 1961, quer à do seu correspondente e vigente artigo 265.º, n.º 2, do CPC de 2013 - os seguintes arestos:
- Acórdão do STJ de 07-11-1990 (Pº 078939, rel. LEITE MARREIROS): “I - Uma das modificações da instancia, de caracter objectivo, que a lei permite é a possibilidade de o autor ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instancia, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo artigo 273, n. 2 do Código de Processo Civil). II - O disposto no artigo 273.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e subsidiariamente aplicável, ao processo de execução, por força do disposto no artigo 801.º do mesmo diploma, pois que em relação ao processo executivo não há disposição expressa relativa a ampliação do pedido. III – É, pois, possível que, uma acção executiva em que no pedido inicial se peticiona o pagamento de quantia certa (letras aceites pelo executado e não pagas na data do vencimento), se venha posteriormente, alegando o vencimento de juros, pedir o pagamento destes, o que constitui sem duvida desenvolvimento do pedido primitivo”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-1992 (Pº 082249, rel. AMÂNCIO FERREIRA): “O crédito de juros, para além da sua acessoriedade com o crédito do capital, tem uma certa autonomia em relação a este, como se encontra expresso no artigo 561 do Código Civil. Daí poder ser objecto de uma acção diferente da destinada à procedência do pedido do capital que lhe deu vida, sem prejuízo, de harmonia com o disposto no n. 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil, de caber no desenvolvimento deste pedido”;
- Acórdão do STJ de 11-05-2006 (Pº 3930/05, rel. ARMINDO LUÍS): “O disposto no art. 273.º, n.º 2, do CPC é aplicável ao processo executivo por força do preceituado no art. 466.º, n.º 1, do mesmo Código; assim, numa acção executiva em que no pedido inicial se peticionou apenas o pagamento do capital, é legalmente admissível que se venha posteriormente pedir o pagamento dos juros constantes do mesmo título executivo, embora tivesse sido mais curial tê-los integrado logo no requerimento inicial. II - É ainda aqui aplicável o princípio da economia processual, que não envolve, no caso concreto, ofensa de princípios de valor superior. III - A ampliação do pedido formulada pelo recorrente baseia-se na mesma causa de pedir, no mesmo título executivo, nisso se distinguindo da acumulação sucessiva de pedidos prevista no art. 54.º do CPC, que pressupõe a existência de mais um título”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-07-2003 (Pº 5203/2003-7, rel. PIMENTEL MARCOS): “Sendo permitida no processo de execução a cumulação de pedidos ainda que fundados em títulos diferentes, não existe obstáculo a que o exequente requeira a ampliação do pedido, com base no mesmo título”.
Cumpre referir que, mesmo no Acórdão citado pela recorrente – da Relação de Lisboa de 28-04-2005, P. 9254/2004-8 – citando-se o acórdão do STJ de 07-11-1990 supra referido, se admite a possibilidade de a ampliação do pedido ser formulada, no caso de a mesma “ser o resultado do desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
Ou seja: Não se vislumbra nenhum obstáculo, material ou formal, inarredável à possibilidade de o instituto jurídico da ampliação do pedido ter lugar numa ação executiva, sendo certo que, razões relacionadas com a economia processual, com o denominado princípio pro actione – visando a concretização de uma tutela jurisdicional não formalista, efetiva e eficaz, nos termos constitucionalmente consagrados - poderão determinar a aplicação de um tal instituto no âmbito da realização coativa da prestação.
Note-se, aliás, que integrando-se o artigo 265.º do CPC, no título II do Livro II do CPC, a disposição em causa tem aplicação geral, não sendo disposição normativa específica do processo de declaração, pelo que, não parece, sequer, necessário lançar mão do comando normativo constante do n.º 1 do artigo 551.º do CPC, para o referido artigo 265.º do CPC ter aplicação a processos de natureza executiva.
E, como se viu, exigências de economia processual legitimam a que se mostre admissível a formulação de pedidos de ampliação ou de redução da pretensão exequenda, nada obstando, por princípio, a que o artigo 265.º, n.º 2, tenha aplicação ao processo executivo.
Importa referir, ainda, que deixou de constar do artigo 265.º, n.º 2, do CPC vigente, ao invés do sucedia no precedente e correspondente artigo 273.º, n.º 2, do CPC de 1961, alguma referência à réplica, sendo possível interpretar – como infra se explicitará – o momento até ao qual pode o pedido exequendo ser ampliado ou reduzido, em plena compatibilidade com o disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC.
Improcede, pois, em conformidade com o exposto, também este argumento da recorrente.
8) O pedido formulado nos autos pela exequente em 14-12-2017, não configura uma ampliação do pedido, mas uma substituição do pedido inicial, sendo que a ampliação do pedido apenas diz respeito a “factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que sejam supervenientes ou de que a parte apenas deles tenha conhecimento já depois de ter apresentado os articulados normalmente previstos na lei." (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 1827/09.5TBBCL-A.G1), não se destinando “a suprir eventuais 'falhas' da petição inicial” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 7072/15.1T8VIS-A.C1), o que, no caso, não aconteceu, porque nenhum facto superveniente, ou evento posterior, ocorreu na pendência da lide, que fundamente a ampliação sendo, as circunstâncias que o exequente tinha à data do requerimento executivo, as mesmas que hoje tem.
Considera também a recorrente que o pedido formulado pela exequente não traduz uma verdadeira ampliação – que não se destina a suprir falhas da petição inicial e apenas respeita a factos que sejam supervenientes ou de que a parte apenas teve conhecimento depois de apresentados os articulados normalmente previstos - , mas comporta uma substituição do pedido inicial, não se tendo verificado qualquer facto superveniente ou posterior que a fundamente.
Vejamos:
Numa ação declarativa o pedido deve ser formulado na petição inicial (cfr. al. e) do n.º 1 do art. 552.º do CPC).
E, conforme decorre do artigo 260.º do CPC, citado que seja o réu, a instância deve manter-se, em princípio, a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.
De todo o modo, a própria lei – artigo 260.º do CPC – ressalva, como exceções ao princípio da estabilidade da instância, “as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
E, conforme decorre dos artigos 261.º e ss., a lei admite diversas situações em que ocorrem modificações subjetivas ou objetivas da instância.
Na categoria das modificações objetivas da instância enquadram-se as modificações do pedido e da causa de pedir.
O CPC em vigor, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, veio introduzir profundas alterações no regime de alteração do pedido e da causa de pedir.
O artigo 264.º do vigente CPC vem repetir o que já surgia consagrado no artigo 272.º do Código anterior. Com a concordância das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução discussão e julgamento da causa.
No regime de alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo das partes, com o novo Código desaparece a possibilidade de alteração ou ampliação da causa de pedir na réplica. A modificação apenas pode ter lugar quando seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (cfr. artigo 265.º, n.º1, do CPC). Também o pedido deixa de poder ser alterado ou ampliado na réplica.
Assim, quanto à redução do pedido (passa a pedir-se menos do que se pedia), o autor pode fazê-la em qualquer altura do processo (art. 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), correspondendo a uma desistência parcial do pedido (cfr. art. 283.º, n.º 1, do CPC).
Por seu turno, quanto à ampliação (pede-se mais do que inicialmente) e alteração (pede-se coisa diversa da inicialmente pedida) do pedido, a lei admite-as em qualquer altura do processo, mesmo em segunda instância, se houver acordo das partes (art. 264.º do CPC). Não havendo acordo, o autor só pode ampliar o pedido, “até ao encerramento da discussão em primeira instância”, mas, neste caso, somente se a ampliação for desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (art. 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Como escreveu Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 94), tecendo considerações plenamente aplicáveis ao vigente artigo 265.º do CPC: “A ampliação do pedido prevista na 2ª parte do nº 2 do artº 273º pressupõe que o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.”.
Ora, tem sido discutido se a ampliação do pedido pode comportar a formulação de uma pretensão que já poderia ter integrado a pretensão inicialmente deduzida, ou seja, saber se tal meio processual é apto à introdução no processo de factos que já poderiam ter sido apresentados anteriormente, ou se, pelo contrário, apenas tem cabimento quanto a verdadeiros factos supervenientes.
A jurisprudência tem admitido, de forma consistente, que a ampliação do pedido coenvolve uma alteração do pedido inicial, podendo ser formulada para além dos estritos termos em que tem lugar a apresentação de articulado superveniente, admitindo que tal mecanismo processual – a ampliação – possa ser utilizado mesmo para factos que já eram conhecidos ou passíveis de inclusão no processo na data de apresentação da pretensão inicialmente formulada, citando-se, entre outros, as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-10-2019 (Pº 38/18.1T8VRL-A.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA): “A ampliação do pedido pode envolver a formulação de um pedido diverso. Ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos. Quando essa transformação do pedido importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente (art. 588.º do CPC), devendo a parte produzir prova da superveniência subjetiva/objetiva”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2008 (Pº 0831515, rel. DEOLINDA VARÃO): “Quando a ampliação do pedido, nos termos da 2ª parte do nº2 do art. 273º do CPC, não implique a alegação de factos novos (v. g., o pedido de juros ou de actualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente, em audiência de julgamento. Já quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo nº2 do art. 506º do CPC e se forem alegados nos termos e nos prazos previstos no nº3 do mesmo preceito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-05-2011 (Pº 1150/08.0TBVCT-A.G1, rel. HELENA MELO): “Constitui desenvolvimento do pedido primitivo o pedido em que se pede a ampliação do valor de obras, invocadas na petição inicial, decorrente de uma perícia realizada no processo. A ampliação do pedido é admissível mesmo quando o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado na petição inicial”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-07-2012 (Pº 151/11.6TBMLG-A.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE): “Constitui desenvolvimento do pedido primitivo, a ampliação da lista de bens furtados, não discriminados na petição inicial, para efeito da sua inclusão no pedido de condenação da seguradora com quem se celebrou contrato de seguro multi-riscos, cuja apólice cobria o furto. A lei não proíbe que se formule uma ampliação do pedido, ainda que esse valor já pudesse ter sido contemplado na petição inicial, por ser a solução que melhor salvaguarda o princípio da economia processual, evitando a propositura de uma nova acção”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2020 (Pº 992/18.3T8GMR.G1, rel. ANIZABEL SOUSA PEREIRA): “(…) O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º,nº 2 do CPC), ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos: a) quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos (como acontece no caso de pedido de juros ou de atualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento; b) quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito (…)”.
Ora, considerando que, no caso, a formulação da pretensão de pagamento de juros de mora vincendos não comporta a inclusão de quaisquer factos, a mesma não carecia de ser integrada num articulado superveniente ou deduzida nos termos e prazos constantes do artigo 588.º do CPC, bastando-se, como sucedeu, com a sua invocação pela forma como a mesma foi apresentada nos autos
Por outro lado, não se subscreve o entendimento de que a alteração verificada comporta uma substituição do pedido inicialmente formulado. Para que tivesse lugar a invocada substituição, seria necessário concluir que a pretensão inicial era substituída pela deduzida no pedido de ampliação, o que, manifestamente, não ocorreu, uma vez que, desde logo, a exequente não prescindiu de qualquer parcela relacionada com juros de mora.
Para além disso, por outra parte não ocorre substituição da pretensão inicialmente formulada, pois, na realidade, como refere a recorrida, a pretensão de pagamento de juros de mora vincendos insere-se, ainda, no âmbito da causa de pedir e do título dado à execução.
Improcede, pois, o invocado argumento da apelante.
9) Não pode ser admitido o exercício do direito do pedido de crédito de juros vencidos (depois da data de apresentação do requerimento executivo), e vincendos (até integral pagamento), quando esse direito não foi exercido em tempo, sem que para tal houvesse impedimento, e a que, assim, o exequente expressamente renunciou - dado o caráter disponível da obrigação de juros (561.° CC) e a obrigação de liquidação desses juros, a que a exequente estava sujeita (716.°, n.° 1 CPC).
10) A situação dos autos não merece a tutela do art. 265.°, n.° 2 do CPC (preceito que se destina a proporcionar às partes uma adequada tutela dos seus direitos, na pendência do processo, por forma a que o desenvolvimento da lide lhes não impedisse de alcançar um resultado razoável), não podendo a ampliação ser admitida depois de a executada ter apresentado caução pelo valor reclamado na execução, sem que a exequente a ele se opusesse, de ter apresentado embargos à execução e a correspondente decisão ter transitado em julgado, de o AE ter elaborado nota final de liquidação e a executada dela ter reclamado e da CE ter liquidado a quantia exequenda; e
11) O pedido formulado não representa o normal desenvolvimento, ou a consequência do pedido primitivo, sendo que, a parte que pretenda a sua cobrança tem de proceder à sua liquidação no requerimento executivo - 716.°, n.° 1 do CPC – e a obrigação de juros integra uma indemnização de natureza disponível, sendo mero acessório do capital, acompanhando a natureza deste, importando o seu não pedido, a sua renúncia - 561.° do CC.
Como se deu conta no acórdão proferido no apenso C, não formulou a exequente no requerimento inicial de execução o pedido de pagamento de juros vincendos (desde a entrada do requerimento executivo até integral pagamento, apenas tendo liquidado os juros vencidos até então).
Não se vislumbra que existisse obstáculo a que então o fizesse.
Contudo, como bem resulta da decisão recorrida, se bem que esse aspeto não seja passível de discussão, o que interessava saber era se a ampliação do pedido pela exequente, no momento em que ocorreu, ainda seria processualmente admissível e, na afirmativa, se o mesmo se insere num desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo?
Importa referir, liminarmente, que, como se assinalou, não se afigura que, apesar do carácter disponível – e por isso, renunciável (sendo que, a renúncia abdicativa, abdicação ou perda de um direito por manifestação unilateral da vontade do seu titular nesse sentido – figura que assim se distingue da remissão, que implica a aceitação do devedor - , podendo resultar, consoante os artigos 217.º e 219.º do CC, de declaração de vontade informal, expressa ou tácita, só é válida no âmbito de direitos disponíveis e desde que não infrinja o disposto no artigo 809.º do CC - cfr., entre outros, os acórdãos do STJ: de 27-10-72, in BMJ 220.º, p. 163; de 06-07-1994, in BMJ 439.º, p. 379; de 26-03-98, in BMJ 475.º, p. 664; de 12-05-1999, in CJ, t. II, p. 281; de 12-02-2004, Pº 03B4195, rel. OLIVEIRA BARROS; e os acórdãos da Relação de Lisboa de 28-09-2005, P.º 1693/2004-4, rel. PAULA SÁ FERNANDES; de 19-12-2013, Pº 2264/06.7TVLSB-6, rel. TERESA SOARES) da obrigação acessória de obtenção de juros de mora (cfr. artigo 561.º do CC), a exequente tenha, de algum modo, judicial ou extrajudicialmente, manifestado pretender renunciar à obrigação de obtenção/cobrança dos juros vincendos.
Isso não resulta da leitura do requerimento inicial. Não se infere do que ali não consta. Não se consequencia da não liquidação dos juros vincendos, que então não era possível – porque não peticionada - pelo que, não foi inobservado o artigo 716.º, n.º 1, do CPC. Isso também não deriva, como supra se analisou, das vicissitudes processuais ocorridas no apenso B, referente à prestação de caução.
Mas, subsiste por apreciar a questão de saber se, após a formulação do requerimento inicial de execução e no momento em que teve lugar (após liquidação realizada pelo agente de execução, na sequência de reclamação da executada), a apresentação do pedido de ampliação, quanto a juros de mora vincendos, esta pretensão é de admitir à luz dos pressupostos de aplicação do artigo 265.º, n.º 2, do CPC?
Em nosso entender, adiante-se e assim se acompanhando a decisão do Tribunal recorrido, a resposta é positiva.
Com efeito, nos termos deste normativo, a ampliação do pedido será admissível se a mesma tiver lugar “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância” e se “a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
No que concerne à expressão “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância”, importa referir que o artigo 265.º do CPC constitui um normativo que não é específico do processo declarativo, pelo que, sendo passível de aplicação ao processo executivo terá de encontrar nele lastro interpretativo para a sua aplicação a esta forma processual.
Parece-nos que, tem inteiro cabimento apreciar, liminarmente, que o processo executivo visa, primordialmente, a cobrança do crédito exequendo pelo que será em torno da discussão sobre a possibilidade de execução de um tal crédito que se terá de aferir quando é que a discussão em 1.ª instância se considerará, para efeito de aplicação à execução, do prescrito no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, “encerrada”.
Depois, importa apreciar que o processo executivo (para execução de quantia certa) ordinário, se encontra estruturado em diversas fases, a que correspondem outras tantas secções do capítulo I do Título III do Livro IV do CPC: A fase introdutória (arts. 724.º a 727.º); de oposição à penhora (arts. 728.º a 734.º); da penhora (arts. 735.º a 785.º); das citações e concurso de credores (arts. 786.º a 794.º; do pagamento (arts. 795.º a 841.º); da remição (arts. 842.º a 845.º); da extinção e anulação da execução (arts. 846.º a 851.º); e dos recursos (arts. 852.º a 854.º).
Tendo a ampliação do pedido formulada pela exequente ocorrido na sequência da liquidação realizada pelo agente de execução, a questão que se coloca é a de saber se, então, a “discussão” já se encontrava “encerrada”?
Parece-nos que a conclusão a que chegou a decisão recorrida, lançando mão do regime da cumulação de execuções, a que alude o artigo 709.º do CPC, conflui no sentido de que, estando a execução ainda pendente, não tendo sido declarada extinta e ainda não tendo sido concluída sequer a fase do pagamento, era possível ao credor cumular execuções – salvo se se verificarem as circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 - , ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor. E se assim era, por maioria de razão, terá de considerar possível ainda a “cumulação” de um pedido fundado no mesmo título.
Ou seja: Decisivo parece-nos o argumento de que, sendo permitida legalmente a cumulação sucessiva de execuções, com fundamento em outros títulos – o que ocorre por inegáveis razões de economia processual, destinadas a evitar a multiplicação de processos judiciais, quando já se encontre pendente aquele a que se cumulam outros títulos, por maioria de razão, como bem refere o Tribunal recorrido, se justifica que tenha lugar a possibilidade de uma “cumulação” sucessiva imprópria de obrigações, no mesmo processo (que ainda pende), fundadas no mesmo título.
Se pode o exequente cumular pedidos contra o mesmo executado, com fundamento em títulos diversos, na pendência da execução – enquanto a mesma não for julgada extinta (cfr. artigo 711.º, n.º 1, do CPC) -, por maioria de razão e, por uma questão de economia processual, há que admitir a ampliação do pedido contra o mesmo executado, quando o título já dado à execução viabilizava a exigência da obrigação objeto da ampliação.
E, nesta medida, conforme resulta do despacho recorrido, é tempestiva a ampliação do pedido formulada que contenha uma tal “cumulação” quanto a juros vincendos, se a execução ainda se encontra pendente.
O critério temporal de admissão de cumulação sucessiva de execuções constante do artigo 711.º do CPC constitui, assim, elemento fundamental para a interpretação do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, em sede da ação executiva, determinando o termo até ao qual será admissível a ampliação do pedido, se o mesmo for consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo.
Remeter a exequente para uma nova acção autónoma, a fim de poder nela reclamar os juros de mora vincendos, parece-nos nada justo e pouco sensato e que além de traduzir um desperdício processual, levaria a exequente a correr o risco de não se ver ressarcida do crédito de juros de mora a que, nos termos da lei, tem direito, enquanto titular de uma obrigação exequenda.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2016 (Pº 1827/09.5TBBCL-A.G1, rel. MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO): “O principio da economia processual determina a resolução da maior quantidade possível de litígios com o mesmo processo. O que ora interessa já não é que a instância se mantenha estável do princípio ao fim, que o tribunal possa apenas concentrar-se no objecto inicial da acção, que as partes não sejam apanhadas de surpresa pela alegação imprevisível, que a sentença saia depressa; o que interessa agora é resolver de uma vez por todas o problema que obrigou as partes a recorrerem ao tribunal, é arrumar com ele e ponto final, mesmo que isso implique prescindir da estabilidade e disciplina desejáveis”.
E a pretensão da exequente era ainda “o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”?
Apreciando quando é que a ampliação constitui “o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”, teceram-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-02-2020 (Pº 37/19.6TNLSB-A.L1-7, rel. CARLOS OLIVEIRA) as seguintes considerações, que, pela sua aderência à situação em apreço, se acompanham:
“(…) A questão está assim em saber se o pedido novo é “consequência” ou “desenvolvimento” do pedido primitivo.
Neste contexto, Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, pág. 93) ensinava que: «a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial» (no mesmo sentido: Ac. TRL de19/5/1994 – Relator: Rodrigues Condeço, Proc. n.º 0070956; Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701; e Ac. TRL de18/1/2011 – Relator: Manuel Marques – Proc. n.º 271/09.7TBCDV-A. L1-1. – Todos disponíveis em www.dgsi.pt). E exemplificava como caso de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o A. pedia a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio. E, como exemplo de ampliação por “desenvolvimento do pedido primitivo”, indicava o caso do A. que havia pedido a condenação do R. no pagamento duma dívida e depois vinha a pedir a condenação no pagamento de juros de mora.
Na mesma linha de raciocínio o Supremo Tribunal de Justiça admitiu a ampliação de pedido numa ação de indemnização por incumprimento de contrato de transporte, em que por ampliação se passou a pedir também a condenação em juros de mora (Ac. STJ de 25/3/1980 – Relator: Ferreira Costa, Proc. n.º 068370). Aplicando a mesma regra, ver também o Ac. STJ de 10/12/2015 (Relator: Hélder Roque, Revista n.º 220/11.2TVLSB.L1.S1 – 1.ª Secção – disponível em sumários do Supremo Tribunal de Justiça).
O mesmo tribunal também admitiu a ampliação num caso em que o A. pediu que fosse considerada a sua pretensão em função do regime do enriquecimento sem causa, caso viesse a ser julgada por procedente a exceção de prescrição ao seu pedido primitivo (Ac. STJ de 17/10/2017 – Revista n.º 745/11.0T2AVR.P2.S1 – 1.ª Secção – Relatora: Maria de Fátima Gomes – sumários).
Já o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu a ampliação numa ação em que se pedia a condenação do R. no pagamento da 1.ª e 2.ª prestação vencida num contrato, passando depois a pedir-se o pagamento da 3.ª prestação da dívida entretanto vencida (Ac. TRL de 11/7/2002 – Relator: Santana Guapo – Proc. n.º 004371). Ou ainda numa ação em que se reivindicava um prédio e se passou a pedir também o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma arrecadação existente no subsolo do mesmo imóvel (Ac. TRL de 1/3/2001 – Relator: Urbano Dias, proc. n.º 0018846).
Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.
Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.
A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos».
É por isso que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/3/2009 (Relatora: Rosário Gonçalves – Proc. n.º 427/07.7TCSNT.L1-1, disponível em www.dgsi.pt), a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão se modifique para mais, só assim não sendo quando a ampliação se materializa num novo pedido, não formulado, que alteraria a estrutura da ação (no mesmo sentido: Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701).
Noutro acórdão desta mesma Relação (Ac. TRL de 5/7/2018 – Relator: Arlindo Crua – Proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2) também se sustentou que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 (Relatora: Cristina Dá Mesquita – Proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1.) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
Na mesma linha já se sustentou que a ampliação do pedido é admissível, como consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, nos casos em que, podendo não estar configurado um “novo prejuízo”, ocorre, todavia, uma circunstância superveniente ou a consolidação de um aspeto já focado nos danos alegados “ab initio”, justificativos, num caso ou noutro, da reavaliação apurada (Ac. TRC de 27/11/2001 – Relator: Nuno Cameira – Proc. n.º 2688/01 – também disponível em www.dgsi.pt).
É também esse o sentido do acórdão do STJ de 19-06-2019, citado nas contra-alegações de recurso (Revista n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Oliveira Abreu – disponível em sumários do Supremo), do qual se destacam os seguintes segmentos do sumário:
«II- Decorre do direito adjetivo civil, que a ampliação do pedido não se confunde com um articulado superveniente, seja a título formal, seja a título substantivo, atenta a exigência decorrente da unidade do sistema jurídico e tendo em devida conta os preceitos legais atinentes. Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis.
«III- São razões de estabilidade da instância e de regular tramitação processual, que determinam que a alegação superveniente, quer de factos essenciais, quer complementares, esteja sujeita a momentos específicos preclusivos.
«IV- Estando no âmbito de uma ação declarativa de indemnização por responsabilidade civil, em razão de acidente de viação sofrido pelo demandante, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respetiva causa de pedir da ação, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo ato ilícito, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía.
«V- Não tendo o autor, alegado novos factos fundamentais que sustentem uma alteração da causa de pedir que alicerce a modificação do pedido (limitando-se a acrescentar novos danos, sustentados em novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, no âmbito desta ação de indemnização por responsabilidade civil, factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, factos que adicionam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação), impõe que se reconheça, não fazer sentido, enquadrar a pedida ampliação do pedido, no regime adjetivo atinente aos articulados supervenientes, e muito menos, aplicar ao caso, os preceitos adjetivos civis que estatuem sobre os momentos em que o novo articulado deve ser oferecido.
«VI- Os factos complementares invocados ao não provocarem convolação para relação jurídica diversa da controvertida, mantendo a relação com o pedido formulado na petição inicial apresentada e com a originária causa petendi, encerrando a ampliação do pedido o desenvolvimento do pedido primitivo, pode, por isso, ser deduzidos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do art. 265.º do CPC, não fazendo sentido, postergar esta prerrogativa, com a preclusão consignada no art. 588.º, n.º 3, do CPC, a aplicar tão só, quando está em causa a alegação de factos essenciais.»
No entanto, temos de apontar que o Tribunal da Relação de Évora tem vindo recentemente a sustentar que não é admissível a ampliação do pedido decorrente de mero esquecimento de formulação do pedido logo na petição inicial, altura em que o A. já saberia da existência das circunstâncias nas quais baseia a ampliação (vide: Ac. TRE de 11/10/2012 – Relator: Canelas Brás, Proc. n.º 1691/11-2; e Ac. TRE de 28/6/2017 – Relator: Manuel Bargado, Proc. n.º 87/08.2TBBNV.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Entendimento este que é diretamente contrariado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/5/2011 (Relatora: Helena Melo, Proc. n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1), também citado nas contra-alegações de recurso, do qual resulta que a ampliação do pedido é admissível mesmo quando o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado na petição inicial.
Na verdade, como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objetiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa ação de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante.
Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância».
Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir. Sendo que, no caso, a ampliação do pedido compreende-se claramente na previsão do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C., por ser o desenvolvimento do pedido primitivo.
Acresce que não estamos perante um suscitar de qualquer situação de facto nova, que tenha sido propositadamente ocultada e que represente uma verdadeira surpresa, completamente inesperada para a R. e relativamente à qual não pudesse legitimamente estar a contar. Aliás, no caso concreto, a R. limitou-se a repetir quanto a este pedido ampliado a mesma defesa que já anteriormente havia apresentado.
Pelas razões expostas, julgamos que improcedem as conclusões que sustentam entendimento diverso, devendo o presente recurso ser julgado por improcedente, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.”
Conclui-se, nos mesmos termos, que o pedido de juros de mora vincendos, qualitativamente idêntico ao pedido de juros de mora vencidos, que a exequente liquidou no requerimento inicial de execução, constitui um mero desenvolvimento da pretensão inicialmente formulada e sendo, por isso, perfeitamente legítima a sua dedução por via da ampliação formulada.
Improcedem, pois, as conclusões em contrário, deduzidas pela recorrente.
*
D) Se deveria o Tribunal recorrido declarado prescrita, nos termos do artigo 310.º, al. d), “ex vi” do artigo 298.º, n.º 1 do CC, a pretensão da exequente de pagamento de importância de juros de mora vencidos, na presente ação, desde a entrada do requerimento executivo?
Considera a recorrente que o Tribunal recorrido deveria ter considerado (integralmente) prescrita a pretensão da exequente.
Invocou, para tanto, o seguinte:
“(…) "O credito de juros não constitui um direito indisponível, e extingue-se pelas causas gerais de extinção das obrigações, estando, como tal, sujeito a prescrição."
E efetivamente dispõe o art. 298.°, n.° 1 do CC que:
Artigo 298.°
(Prescrição, caducidade e não uso do direito)
1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Também como mui doutamente refere o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nestes autos, o pedido de pagamento dos juros de mora vincendos está sujeito a prazo prescricional próprio, sendo esse prazo (como também refere o mesmo Acórdão), o consagrado no artigo 310.°, al. d), do Código Civil, a saber:
Artigo 310.°
(Prescrição de cinco anos)
Prescrevem no prazo de cinco anos:
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
Sendo efeito da prescrição, o previsto no art. 304.°, n.° 1 do CC:
Artigo 304.°
(Efeitos da prescrição)
1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Ora, como supra se referiu resulta dos autos que:
- A exequente interpelou a executada para proceder ao pagamento da garantia bancária em 16/05/2012;
- A exequente apresentou a presente execução, em 19/07/2012, por requerimento, ref. citius 8251946, pedindo o capital constante do título executivo acrescido dos juros de mora vencidos, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento, até à data de entrada do requerimento executivo;
- A exequente, só por requerimento datado de 14/12/2017, veio requerer a invocada ampliação do pedido executivo (ref. citius 17264006), quanto aos juros que se haviam vencido desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento.
Em face de todo o exposto e das datas apuradas, apenas se poderá extrair uma conclusão: na medida em que, na data em que foi apresentado em juízo o requerimento de "ampliação", o direito de exercício de crédito, ali peticionado, já se encontrava prescrito. Com efeito, já tinham decorrido 5 anos, contados do momento em que o direito podia ser exercido pela exequente. Reitere-se que, a obrigação de juros tem carater acessório (art. 561.° do CC) à obrigação de capital, razão pela qual assume natureza de direito disponível, conforme entendimento acolhido pelo o Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, ao contrário do que foi decidido no despacho recorrido, tendo a obrigação de juros caráter acessório e correspondendo a direito que, em tempo (310.° CC), não foi exercido pela exequente, sempre terá de ser declarada prescrita a faculdade do exercício do direito (304.°, n.° 1 CC). Estando, também por esta via, prejudicado o pedido de "ampliação" apresentado nos autos.
Prescrição e todos os factos que a enformam, que à cautela, subsidiariamente aqui se invocam, a fim de ser reconhecida e declarada, nos termos do art. 310.°, al. d), “ex vi" 298.°, n.° 1 do CC, indeferindo-se, em consequência, o pedido de pagamento da importância computada a título de juros de mora vencidos, na presente ação, desde a entrada do requerimento executivo.”.
Não questiona a apelante nem a questão da aplicação do instituto da prescrição à obrigação referente a juros de mora, nem a consideração do prazo prescricional de 5 anos aplicável à obrigação de juros de mora, na decorrência do disposto no artigo 310.º, al. d) do CC e nem o caráter disponível da correlativa obrigação (cfr. artigo 298.º do CC). E tais pontos não se mostram controvertidos, sendo pacíficos na doutrina e na jurisprudência (cfr., sobre estes aspetos, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-2002, Pº 02A2736, rel. PINTO MONTEIRO; os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006, Pº 6325/2005-2, rel. VAZ GOMES; de 04-06-2015, Pº 143342/14.6YIPRT.L1-8, rel. SACARRÃO MARTINS; de 04-10-2018, Pº 2672/17.8T8CSC.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS).
Para além disso, conforme decorre do n.º 1 do artigo 304.º do CC, completada que seja a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
A prescrição constitui uma causa de extinção das obrigações, com base na qual o devedor pode recusar, legitimamente, o cumprimento de uma obrigação.
A divergência da apelante com o decidido assenta no entendimento daquela, de que, na data em que foi apresentado em juízo o requerimento de ampliação (14-12-2017), o direito ali peticionado (uma obrigação acessória), já se encontrava prescrito, porque teriam decorrido 5 anos, contados do momento em que o direito podia ser exercido pela exequente.
Lê-se no despacho recorrido, nomeadamente, que:
“Sendo legalmente admissível, em nosso entendimento, a pretensão de ampliação do pedido no que respeita aos juros vencidos e vincendos desde a propositura da ação até pagamento, importa agora analisar a exceção de prescrição invocada pela executada, defendendo esta que tendo a exequente interpelado a executada parar pagar a garantia bancaria em 16.05.2012, e sendo o prazo de prescrição dos juros o de cinco anos, quando foi pedida pelo exequente a ampliação do pedido, em 14.12.2017, o respetivo direito já se encontrava prescrito.
A exequente opôs-se, considerando que o prazo de prescrição se interrompeu a 28.11.2017, data em que foi apresentado requerimento no processo onde se reconheceu serem devidos juros de mora após a apresentação da ação executiva, e que ainda que assim não entenda, apenas estariam prescritos os juros desde a propositura da ação até cinco anos antes da formulação de pretensão de ampliação do pedido.
Efetivamente, os juros prescrevem no prazo de cinco anos – art 310 al. d) do CC.
Em causa estão os juros desde a propositura da ação, juros que só nascem a partir dessa data, não podendo, pois, o prazo de prescrição sere contado desde data anterior (a da interpelação para pagamento da garantia bancária) como pretende a executada, pois o prazo de prescrição inicia-se à medida que os juros se vão vencendo.
Logo, quando em 14.12.2017 foi requerida a ampliação do pedido no que tange aos juros desde a propositura da ação até integral pagamento, apenas se encontravam prescritos os juros que se venceram entre a data da propositura da ação executiva (19.07.2012) e 14.12.2012 (cinco anos antes do seu pedido).
Ao contrario do que pretende a exequente, entendemos que não houve lugar à interrupção do prazo prescricional através da apresentação do requerimento de 28.11.2017, porquanto este requerimento, e designadamente o trecho referido pela exequente (ponto 29 do referido requerimento, que ora se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), não contém qualquer reconhecimento inequívoco pela executada da obrigação de pagamento de tais juros, mas tão só a alusão à possibilidade de os mesmos poderem ser pedidos pela exequente noutra ação por inexistir caso julgado quanto a essa matéria.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, admito a ampliação do pedido deduzida pelo exequente, mas apenas na parte referente aos juros de mora à taxa legal comercial sobre o capital indicado no requerimento executivo vencidos e vincendos a partir de 14.12.2012 até integral pagamento.”.
Ora, o decidido tem pleno acerto e conforma-se plenamente com o regime legal aplicável e com a natureza periódica da obrigação de juros correspondente.
As obrigações de juros caracterizam-se “por corresponderem à remuneração da cedência ou do diferimento da entrega de coisas fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo. A obrigação de juros pressupõe assim uma obrigação de capital, sem a qual não se pode constituir e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, sendo, por isso, uma prestação duradoura periódica” (assim, Luís Menezes Leitão, ob. cit., p. 163).
E é precisamente por causa dessa natureza periódica que se estabeleceu na lei o prazo de prescrição curto de 5 anos.
Conforme referia Vaz Serra (“Obrigação de Juros”, in BMJ 55.º, p. 160) a finalidade da previsão de uma prescrição de curto prazo é “evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor”.
Assim, o prazo de prescrição de cinco anos consagrado no artigo 310.º do Código Civil é justificado pelo facto de se encontrarem em causa direitos que têm, em geral, por objecto prestações periódicas, encontrando a sua razão de ser na protecção do devedor, evitando a acumulação da sua dívida.
Assim, cada obrigação de juros constitui uma obrigação autónoma, que se vence num determinado termo, o que implica que o prazo curto de prescrição seja aplicável a cada uma delas, e não à dívida global.
De acordo com o disposto no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil, o prazo de prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido.
Logo, o prazo de cinco anos previsto no art. 310.º, al. d), do Código Civil começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação.
Quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros — como sucede com os juros legais —, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, considerando-se prescritos os que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos.
A prescrição pode ser interrompida (arts. 323.º-325.º, do Código Civil), consistindo a “interrupção” no facto que anula o efeito do tempo já decorrido, porquanto revela da parte do credor (ou do devedor, quando este reconhece a dívida), a vontade de confirmar a existência da obrigação.
A interrupção da prescrição determina a inutilização do tempo entretanto decorrido, iniciando-se a contagem de um novo prazo prescricional a partir da verificação do ato que lhe deu causa.
Acresce ainda, que, conforme decorre do artigo 306.º, n.º 2, do CC, a prescrição de direitos sujeitos a termo inicial só começa depois do termo se vencer, acrescentando o artigo 307.º do CC, quanto às prestações periódicas, que a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil, Anotado, 2ª ed., p. 259) “(…) pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que tiverem vencido para além dos últimos cinco anos”.
Assim, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2013 (Pº 43990/98.6TVLSB.L1.S1, rel. TAVARES DE PAIVA): “O prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do art.306 do C. Civil a partir da exigibilidade da obrigação, neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia, pelo que devem considerar-se prescritos ,os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos”.
No mesmo sentido, concluiu-se no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006 (Pº 6325/2005-2, rel. VAZ GOMES) que: “A dívida de juros, tal como todas as prestações que constituem o correspectivo do gozo de coisas fungíveis, (o que ocorre também na mora, já que o decurso do tempo sem a disponibilização do capital beneficia o devedor e prejudica o credor), detém certa autonomia em relação à dívida de capital que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que cada uma dessas dívidas, com alguma independência entre si está sujeita também a prescrição própria. A dívida de juros renasce periodicamente no termo de cada período ou dia, pelo que quanto à dívida de juros correspondente à mora a prescrição se conta dia a dia, considerando-se prescritos os juros na medida em que sobre a respectiva obrigação vão decorrendo os cinco anos previstos no art.º 310, alínea d) do CCiv. Com a extinção da dívida de capital, designadamente pelo seu pagamento, cessa, a partir desse exacto momento, a renovação daquela obrigação autónoma de juros, mas também é a partir do exacto momento do nascimento da obrigação de pagamento do capital (…) que se vencem e renovam as prestações correspondentes à dívida de juros de mora”.
E, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-04-2019 (Pº 224/17.1T8MMN-A.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA): “O prazo de cinco anos previsto no art. 310.º, al. d), do Código Civil começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação. Quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros — como sucede com os juros legais —, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, considerando-se prescritos os que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos”.
Atento o momento temporal em que teve lugar o facto interruptivo da prescrição – consistente na dedução em 14-12-2017 da pretensão de ampliação do pedido tendo por objeto os juros de mora vencidos sobre a obrigação principal – apenas se encontravam (nessa data) prescritos os juros vencidos para além dos últimos cinco anos.
Não existia, pois, em face do referido, motivo para o Tribunal recorrido declarar integralmente prescrita a obrigação de juros de mora, relativamente aos vencidos na presente ação, desde a entrada do requerimento executivo, improcedendo as conclusões em contrário – cfr. conclusões 18.ª a 26.ª - deduzidas pela apelante.
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E) Da ampliação do objeto do recurso pela recorrida – Se a decisão recorrida deve ser alterada, sendo admitida a ampliação do pedido, de forma a que sejam incluídos os juros de mora vencidos desde 19-07-2012 até à data do efectivo e integral pagamento?
A recorrida, na contra-alegação, veio requerer a ampliação do objeto do recurso dizendo o seguinte:
“(…) a Recorrida entende que não ocorreu a prescrição dos juros de mora se venceram entre a data da propositura da ação executiva (19.07.2012) e 14.12.2012 (cinco anos antes do seu pedido)."
Porquanto:
i) a Recorrida intentou a presente acção executiva em 19.07.2012 - no âmbito da qual pediu e liquidou os juros de mora vencidos até tal data;
ii) a apresentação do requerimento executivo - sendo um acto que exprime directamente a intenção de exercer o direito, ou melhor, através do qual se exerce efectivamente tal direito - interrompeu o prazo em curso; e
iii) a Recorrente, no seu requerimento de 28.11.2017, acaba por reconhecer serem devidos juros de mora após a apresentação da acção executiva, reconhecendo o direito da Recorrida aos juros de mora, declaração que obsta à verificação da prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 325.º do Código Civil.
Assim, deve este Tribunal de Recurso rectificar a decisão recorrida nesse sentido, admitindo a ampliação do objecto do recurso, com a consequência de admitir a ampliação do pedido de forma a que sejam incluídos os juros de mora vencidos desde 19.07.2012 até à data do efectivo e integral pagamento”.
Não teve lugar pronúncia nos termos do artigo 638.º, n.º 8, do CPC.
Vejamos:
Apenas tem legitimidade para recorrer a parte principal que tenha ficado vencida. Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas e, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
“Trata-se da faculdade processual dada ao vencedor recorrido para lhe permitir relevar certas questões de fundo ou de forma que poderia ter invocado caso tivesse sido o vencido na decisão, não para que a decisão recorrida pelo vencido seja revogada no seu dispositivo de procedência, mas para ser revogada nos fundamentos ou nulidades que o prejudicaram. Em suma: o vencedor pretende alargar os fundamentos da sua procedência” (assim, Rui Pinto; Manual do Recurso Civil; AAFDL Ed., Lisboa, 2020, p. 309).
Nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, pode ainda o recorrido, na respetiva alegação, a título subsidiário, arguir nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, para a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2019 (processo 19391/15.2T8LSB.L1-2, relatora GABRIELA CUNHA RODRIGUES): “I - Há que destrinçar claramente o recurso subordinado (artigo 633.º do CPC), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objeto do recurso (artigo 636.º do mesmo diploma), que pressupõe apenas que o fundamento ou os fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos. II - A diversidade de pressupostos e de finalidades leva a que não se possam ser qualificadas como recurso subordinado as alegações complementares apresentadas pela Recorrida segundo o disposto no artigo 636.º.”.
Na realidade, “a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do art.º 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente, e não para impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido para o que é necessária a interposição de recurso independente ou subordinado, como previsto no art.º 633.º do mesmo Código” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2016, processo 2194/13.6TBPNF.P1, relator CURA MARIANO).
Em semelhante sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-09-2019 (Pº 3932/17.3T8BRG.G1, rel. HEITOR GONÇALVES): “A admissibilidade da ampliação do recurso nos termos do nº1 do artigo 636º do CPC está reservada para os casos em que a parte vencedora tenha decaído em algum dos diversos fundamentos alegados e quer prevenir a necessidade da sua apreciação. Já se o decaimento se reportar a um pedido principal ou subsidiário que tenha sido formulado, não é através da ampliação do âmbito do recurso que o interessado poderá promover a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado””.
Ou seja: “para a função de impugnar a decisão na parte em que se ficou vencido cabe a interposição de recurso independente ou subordinado, nos termos do artigo 633.º; para a função de impugnar o fundamento da decisão de que se venceu, “prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente” (…), cabe a ampliação do objeto daquele, nos termos do artigo 636.º” (cfr. Rui Pinto; Manual do Recurso Civil; AAFDL Ed., Lisboa, 2020, p. 315).
A ampliação do âmbito do recurso permite ao recorrido introduzir no recurso matérias não trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2017, processo 1891/15.6T8FAR.E1, relator MÁRIO COELHO).
Ora, como se viu, tendo presentes as considerações supra expendidas, não foi isso que sucedeu relativamente à apelação da executada, uma vez que se considerou improcedente o mérito da apelação deduzida.
Assim sendo, e uma vez que apenas faria sentido apreciar a ampliação do objeto do recurso, deduzida pela apelada, para a hipótese de o recurso dever proceder, não se encontram verificados os pressupostos que determinariam o conhecimento da matéria da ampliação.
De acordo com o exposto, conclui-se mostrar-se prejudicada a apreciação da mencionada ampliação do recurso, deduzida pela apelada.
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Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação da executada, julgando-se prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso requerido pela apelada/exequente.
A apelante - atento o seu integral decaimento – suportará a responsabilidade tributária do recurso interposto – cfr. artigo 527.º do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso, com manutenção, na integra, da decisão recorrida.
Custas da apelação pela executada/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes