Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2218/14.0T8SNT-A.L1.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Inserido na secção relativa à oposição á execução, e prevendo acerca da rejeição e aperfeiçoamento, o artº. 734º, do Cód. de Processo Civil funciona como válvula de escape do sistema, prevendo a extinção da instância executiva, mediante rejeição oficiosa, até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados ;

a circunstância do juiz da execução proferir despacho liminar de citação do executado não significa aceitação definitiva e irremediável da validade e suficiência do título executivo, podendo esta suficiência ou validade ser objecto de reavaliação ao longo do processo, pois não faz caso julgado relativamente á inexistência ou insuficiência daquele título ;

não tendo nenhum dos apontados despachos proferidos pelo Tribunal a quo conhecido, de forma concreta e especificada, acerca da validade e suficiência do título executivo, inexiste, consequentemente, qualquer caso julgado a observar ;

donde, com base no citado normativo, e ratio legis que lhe subjaz, podia, efectivamente, mesmo após a dedução de oposição, mediante embargos, conhecer acerca da invocada falta de título executivo, sem que tal implique qualquer violação do princípio da extinção do poder jurisdicional, sendo questão logicamente diferenciada saber se o fez de forma acertada ou pertinente ;

o cumprimento defeituoso, como violação contratual positiva, configura-se como uma forma específica e sui generis da obrigação, abrangendo, para além das próprias deficiências da prestação principal ou nuclear, ou de qualquer dever secundário de prestação, também a contravenção com os deveres acessórios de conduta que, por força legal, se integram igualmente na relação contratual ;

o cumprimento defeituoso, a comprovar-se, por traduzir-se em desconformidade ou dissensão entre a prestação devida e a que foi realizada, determina concreta situação de cumprimento inexacto ou imperfeito ;

donde, não é exigível à Exequente/Embargada que, perante tal aparente cumprimento defeituoso da obrigação, se tenha de munir de um outro título executivo que o reconheça, pois era à Executada/Embargante que competia, como fundamento da oposição apresentada, a prova do cumprimento posterior da obrigação, a provar por qualquer meio – cf., o nº. 2, do artº. 868º, do Cód. de Processo Civil ;

traduzindo-se este cumprimento, logicamente, numa concreta, real e efectiva realização da prestação a que se está vinculado, e não num qualquer cumprimento defeituoso ou inexacto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:



I–RELATÓRIO


1CONDOMÍNIO do PRÉDIO sito na RUA …, nº. …, TAPADA das MERCÊS, MEM MARTINS, Executado nos autos de execução nº. 2218/14.0T8SNT – Execução para Prestação de Facto -, veio deduzir oposição, mediante embargos, deduzindo o seguinte petitório:
Que seja absolvido do pedido, por já ter efectuado a prestação de facto a que estava obrigado ;
Que a Exequente seja condenada como litigante de má-fé.

Alegou, em súmula, o seguinte:
Todas as obras necessárias já foram efectuadas, desde Dezembro de 2014, pelo que a execução deve ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide ;
Em Fevereiro de 2013 foram realizadas obras ao nível da fachada ;
A obra no tubo de queda de água não foi realizada, pois a Exequente impediu o acesso à sua fracção, sendo que a obra teria que ser necessariamente efectuada através do interior da fracção ;
No dia 16/09/2014, em visita à fracção da Exequente, todos concluíram que a causa das infiltrações não se encontravam ao nível do tubo de queda de água, mas sim ao nível da fachada ;
Tendo a obra sido realizada em 30/12/2014 ;
Relativamente às obras no interior, a Exequente realizou-as antes do Executado poder sanar a origem as infiltrações, tendo a Exequente sido ressarcida pela seguradora para suportar as respectivas reparações.
Juntou vários documentos, tendo os embargos sido deduzidos em 27/04/2015.
2 Conforme despacho de fls. 54, datado de 03/05/2017, foram liminarmente recebidos os embargos, determinando-se a notificação da Exequente para, querendo, os contestar.
3 Concretizada tal notificação, veio a Exequente contestar, aduzindo, em resumo, que:
As obras necessárias à conservação do prédio não foram efectuadas nos termos da sentença exequenda ;
Sendo que a pretensa realização das obras nunca foi concretizada ;
Pela vistoria ao prédio realizada em 24/07/2014 – vistoria nº. …/2014 -, foram detectadas várias patologias, nomeadamente, ao nível do quarto individual da Exequente e empena de tardoz sul originadas pela falta de obras de conservação das paredes exteriores, tendo-se ainda verificado acerca da estanquidade do tubo de queda de água pluvial ;
As obras realizadas em 2013 não resolveram o problema das patologias verificadas, antes tendo ficado longe de obter bons resultados ;
E, das obras alegadamente realizadas em 30/12/2014, o Executado não juntou qualquer documento ou facto comprovativo de tal realização.
4 Por despacho de 04/03/2018 – cf., fls. 59 -, foi designada data para a realização de audiência prévia, que veio a ser dada sem efeito, conforme despacho de 09/04/2018 – cf., fls. 62.
5 Em 18/03/2019, foi proferida DECISÃO, constando, da sua parte final, e no que ora importa, o seguinte:
Posto isto e sem necessidade de mais considerandos por, de todo, despiciendos, sendo para mim manifesto que a sentença/acordo dado à execução não constitui título executivo para a prestação de facto que se pretende executar, ao abrigo do disposto nos arts. 726.º n.º 2 al. a) e 734.º do CPC, rejeito a execução e, consequentemente, declaro-a extinta.
Custas pela exequente, fixando-se à causa o valor de € 18.299,09.
Registe e notifique.
*
Em face do que antecede, é manifesto que não mais subsiste o interesse substancial que se pretendia fazer valer com a pendência dos presentes embargos, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 277.º al. e) do CPC, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela exequente/embargada – art.º 536.º n.º 3, 1.ª parte, do CPC - fixando-se à causa o valor da execução.
 Registe e notifique”.

6 Inconformada com tal decisão, veio a Exequente/Embargada, apresentar recurso de apelação, no âmbito do qual deduziu as seguintes CONCLUSÕES:
“1.-A sentença recorrida julgou que a sentença/acordo dado à execução não constitui título executivo para a prestação de facto que se pretende executar, rejeitando a execução e, consequentemente, declarando-a extinta ao abrigo do disposto nos artigos 726º nº 2 al. a) e 734º do CPC.
2.- Tal decisão, além de incompreensível, violou o artigo 613º, nº 1, do CPC, por remissão do seu número 3, infringindo o princípio da extinção do poder jurisdicional.
3.- Porquanto, o Tribunal a quo já se tinha pronunciado e decidido pela suficiência do título apresentado pela exequente.
4.- Nomeadamente, mandando prosseguir a execução, por despacho proferido em 3 de maio de 2017.
5.- E, ainda, nomeando o Sr. Engenheiro JL…, como perito, para exercer as funções de avaliação do custo da prestação por terceiro.
6.- No respeito pelo dever de gestão processual, o tribunal deve recusar o que for impertinente ou meramente dilatório, nos termos do artigo 6º do CPC, devendo em 3 de maio de 2017 rejeitar a execução, se fosse caso disso, o que não aconteceu.
7.- Nem tão pouco deve o tribunal, no respeito pelo dever de gestão processual, promover diligências impertinentes ou meramente dilatórias (artigo 6º do CPC, a contrario) nomeadamente através da nomeação de um perito que exercesse funções para avaliar o custo
da prestação por terceiro, tal como requerido pela exequente, se o título fosse insuficiente para esse efeito.
8.- A consagração do princípio da extinção do poder jurisdicional “quanto à matéria da causa”, nos termos do qual o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão proferida, incluindo os seus fundamentos, segue a antiga tradição jurídica portuguesa, tal como defendido por Alberto Reis, no Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 126, e J. Rodrigues Bastos em Notas ao Código de Processo, III, 3.ª edição, pág. 191. 9. O princípio da extinção do poder jurisdicional justifica-se, quer por uma razão doutrinal, segundo a qual o juiz, ao decidir, cumpre um dever jurisdicional, quer, por outro lado, por uma razão pragmática, nos termos da qual importa assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional, tal como defendido por Alberto Reis, na obra supra citada, pág. 127.
10.- É inerente à natureza/essência do processo que, proferido sentença ou despacho, fique imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto a essa matéria, embora o mesmo possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu.” conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12 de março de 2015, através de acórdão proferido no processo 756/09.5TTMAI.P2.S1, 4ª secção, disponível em www.dgsi.pt.
11.- Concomitantemente, a sentença recorrida, além de violar o artigo 613º, nº 1 do CPC, por remissão do seu nº 3, também viola as regras da competência hierárquica estabelecida no art. 42º, nº 1 da LOSJ aprovada pela Lei 62/2013 de 26 de agosto, pois só um Tribunal Superior poderia rever as decisões por si anteriormente proferidas, em 3 de maio e 17 de setembro de 2017.
12.- Por outro lado, o perito nomeado avaliou o custo da prestação, pelo valor referencial de 8.500,00 € (oito mil e quinhentos euros), o qual ascenderá a cerca de 12.000,00 € (doze mil euros), caso se pretendam igualmente realizar as ações complementares referidas na parte final do ponto 4.2 do relatório destinado à impermeabilização de telhas e introdução de ETIC, consideradas necessárias para debelar as insuficiências da construção do prédio.
13.- O teor do acordo homologado por sentença pelo Julgado de Paz de Sintra consta que o executado ficava obrigado a efetuar as obras nas partes comuns do edifício necessárias à eliminação dessas anomalias [ponto 3. a) do acordo.
14.-Não resulta do relatório, nem dos posteriores esclarecimentos prestados pelo perito nomeado que o executado tenha efetuado as obras necessárias para eliminar as anomalias detetadas na fração da exequente.
15.- Sendo certo que as obrigações a que o executado se vinculou não se encontram cumpridas ou realizadas, conforme decorre do próprio relatório e, inclusive, da própria sentença recorrida.
16.- Pois nesse relatório é referido que o tratamento localizado das fissuras existentes na empena lateral do edifício não aparenta garantir adequada estanquidade.
17.- E, a própria sentença recorrida admite que as obras possam ter sido defeituosamente efetuadas ou insuficientes para a resolução do problema de origem.
18.- Ademais, o relatório do perito nomeado concluiu que as situações enunciadas são suscetíveis de causar infiltrações interiores, com progressiva degradação dos revestimentos interiores e prejuízo das condições de conforto e salubridade, devendo ser, oportunamente, reparadas.
19.- Pese embora o fundamento de rejeição da presente execução tenha sido exclusivamente alicerçado na inexistência de título executivo, a sentença recorrida acabou ainda por fazer incorreta avaliação e interpretação do acordo homologado por sentença pelo Julgado de Paz de Sintra em 9 de outubro de 2012.
20.- E, incorreta avaliação e interpretação do relatório e do orçamento apresentado pelo perito nomeado, bem como dos esclarecimentos que o mesmo posteriormente prestou”.

Conclui, pugnando pela anulação da decisão recorrida por:

“a)- Violação do princípio da extinção do poder jurisdicional;
b)- Violação do artigo 6º do CPC;
c)- Violação do artigo 613º, nº 1 do CPC, por remissão do seu nº 3;
d) Violação das regras da competência hierárquica estabelecida no artigo 42º, nº 1 da LOSJ aprovada pela Lei 62/2013 de 26 de agosto;
e)- Inadequada e incorreta avaliação e interpretação do acordo homologado por sentença pelo Julgado de Paz de Sintra em 9 de outubro de 2012.
f)- Inadequada e incorreta avaliação e interpretação do relatório e do orçamento apresentado pelo perito nomeado, bem como dos esclarecimentos que o mesmo posteriormente prestou.
Mais se requerendo que em sua substituição seja proferido acórdão que ordene o prosseguimento da execução, ordenando ainda que os trabalhos de reparação a que o executado se vinculou em 9 de outubro de 2012 sejam efetuados pelo executado ou por terceiro, de acordo com o relatório e o orçamento apresentado pelo perito nomeado”.

7– O recurso foi admitido por despacho de fls. 86, datado de 03/06/2019, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
8Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
9Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
***

IIÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Apelante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir se:

se encontrava efectivamente esgotado o poder jurisdicional do Sr. Juiz a quo, que o impedia de rejeitar a execução e, consequentemente, declará-la extinta, nos quadros dos artigos 613º, nº. 1, ex vi do nº. 3, e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, atenta a prolação dos despachos que determinaram a prossecução da execução (03/05/2017) e que procedeu à nomeação de perito para exercer as funções de avaliação do custo da prestação por terceiro (12/09/2017)Conclusões 1. a 11. ;
e, na improcedência daquele argumentário, existia efectivo fundamento para a determinada rejeição da acusação, e sua consequente extinção, em virtude da sentença dada á execução não constituir título executivo para a prestação de facto que se pretende executarConclusões 12. a 20..

O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
1)– Da análise do princípio da extinção do poder jurisdicional ;
        e, eventualmente,
2)– Do alegado não cumprimento da realização das obras feitas constar do acordo objecto de homologação pela sentença exequenda.
***

III–FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual a ter em consideração é a que resulta do iter descrito no relatório supra.

A tal factualidade, urge, ainda, aditar os seguintes factos/ocorrências dos autos principais de execução:
I)– No âmbito do Processo nº. …/…-JP, do Julgado de Paz de Sintra, em que figura como demandante VS…, e como demandado Condomínio do Prédio sito na Rua …, nº. …, na Tapada das Mercês, em sede de audiência de julgamento realizada em 09/10/2012, foi proferida sentença homologatória, transitada em julgado em 13/11/2012, com o seguinte teor:
Estando o objeto da ação na disponibilidade das partes e verificada a legalidade do acordo, quer quanto ao objeto, quer quanto ao conteúdo, constante a folhas 111 e 112 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, homologo-o por sentença, condenando as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos – cfr. nº. 3 e 4 do artigo 300º do Código Processo Civil e artigo 26º, nº. 1, da Lei 78/2001, de 13 de Julho” ; 

II)– Consta do acordo/transacção referenciado em II) o seguinte:
1.– O Requerido confessa-se obrigado a efetuar as obras necessárias à eliminação das infiltrações existentes ao nível da fração da Requerente.
(…)
3.– Requerente e Requerido acordam na resolução do presente litígio nos termos plasmados na Assembleia Geral ocorrida em 18 de Setembro de 2012, a qual teve como pontos gerais os seguintes:
a)- O Requerido obriga-se a efetuar as obras nas partes comuns do edifício necessárias à eliminação das anomalias acima referidas.
b)- Para tanto obriga-se a diligenciar na recolha do melhor orçamento para resolução do problema de infiltração proveniente da respectiva fachada do edifício, sendo que a intervenção será localizada apenas nas fissuras e/ou rachas existentes ao nível do andar da Requerente, por forma a eliminar a(s) infiltração (ções) em causa.
c)- No que respeita ao tubo interior de queda de água, o Requerido obriga-se a diligenciar no sentido de ser efetuada uma participação à respetiva Companhia de Seguros por forma a eliminar igualmente alguma anomalia existente a este nível, caso a mesma venha a ser apurada.
d)- Sem prejuízo da assunção da responsabilidade civil pela companhia de seguros referida na alínea anterior, o Requerido obriga-se a realizar essas obras, bem como a pintura das paredes e chão/rodapés danificados com as humidades provocadas pelas anomalias.

Requerente e Requerida acordam ainda o seguinte:
1.– A participação ao Seguro deverá ser efetuada no prazo de 5 dias a contar da data de entrega da presente transação ;
2.– A recolha dos orçamentos deverá ter lugar até ao prazo máximo de 15 dias a contra da data acima referida ;
3.– O início das respetivas obras deverá ter lugar até 30 dias após a presente data.
Por fim, Requerente e Requerida acordam que os prazos acima referidos poderão ser prorrogados e/ou alterados por outros maiores caso ponderadas razões o justifiquem, sendo necessário a redução a escrito de qualquer prorrogação e/ou alteração de prazo” ;

III) Em 06/01/2015, em aditamento ao requerimento inicial entregue pela Exequente, esta apresentou requerimento com o seguinte teor:
VS…, exequente, melhor identificada nos autos do processo supra referenciado, em aditamento ao requerimento executivo entregue no dia 22 de Outubro de 2014, vem prestar e requerer os seguintes esclarecimentos:
1.-A presente é uma execução para prestação de facto, sob a forma de processo comum.
2.- A exequente é uma pessoa singular com o NIF ….
3.- O executado deveria ter iniciado as obras necessárias à eliminação das infiltrações existentes no prédio com repercussão direta na fração da exequente em 9 de Novembro de 2012, cfr. consta do título executivo que se aproveita para juntar de novo como doc. 1, uma vez que na plataforma citius esse título não está completo (falta a página de fls. 112 dos autos do Julgado de Paz).
4.- Até à presente data essas obras não foram realizadas.
5.- Para reparar as infiltrações no seu quarto relacionadas com a não execução dessas obras, a executada já despendeu a quantia de 934,08€ (novecentos e trinta e quatro euros e oito cêntimos) cfr. cópia do recibo que se protesta juntar como doc. 2.
6.- Conforme consta do doc. 9, junto com o requerimento executivo, a origem das patologias verificadas na fração da exequente é a falta de obras de conservação das paredes exteriores e verificação de estanquidade do tubo de queda de água pluvial.
7.- Para reparação do tubo de algeroz foi efetuado um orçamento no valor de 3.700,00€, cfr. cópia do mesmo que se protesta juntar como doc. 3.
8.- E para a reparação da fachada traseira exterior do prédio um orçamento de 13.400,00€, cfr. cópia do mesmo que se protesta juntar como doc. 4.
9.- Pelo que o valor da presente execução será de 18.034,08€ (dezoito mil, trinta e quatro euros e oito cêntimos) [934,08€ + 3.700,00€ + 13.400,00€].
10.- Subsidiariamente, tendo em consideração que estamos perante uma prestação de facto fungível, a exequente requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação, nos termos do art. 870º do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo” ;

IV)Em 05/04/2017, foi proferido, nos autos de execução, despacho com o seguinte teor:
(….)
Sem prejuízo e desde já:
O requerimento executivo foi apresentado em suporte papel identificando como exequente VS…, porém, no lugar destinado à assinatura do exequente (ou mandatário) o mesmo contém uma assinatura só parcialmente legível (AC… – mais um outro nome que se não alcança ler de forma segura) e que não é seguramente da exequente.
Ora, nos autos é obrigatória a constituição de mandatário, atento o respetivo valor, não vindo aquele requerimento acompanhado de qualquer procuração designadamente a favor do seu signatário. De resto, na verdade nem sequer se nos afigura que o subscritor seja um advogado.
Releva notar ainda que o requerimento datilografado supostamente enviado pela exequente em 31/10/2014 nem sequer contém qualquer assinatura. Perante aquele requerimento inicial a secretaria recusou a petição com uma notificação que não é no seu conteúdo minimamente clara, mais a mais quando dirigida a cidadão que não é mandatário forense (posto que a notificação foi dirigida a VS… para a morada da mesma indicado no requerimento executivo, com o seguinte teor:
“Fica notificado, na qualidade de Exequente, relativamente ao processo supra identificado, da recusa da peça processual por força do art.º 725.º do CPC, sem prejuízo, contudo, do benefício concedido de, no prazo de 10 dias, apresentar outro requerimento executivo bem como o documento ou elementos em falta, sob pena de se e Motivo:
Artigo 725.º
Recusa do requerimento
1 — (...)
c) Se verifique a omissão dos requisitos previstos nas alíneas a), b), d) a h) e k) do n.º 1 do artigo anterior;(...)” (negrito no original)
Ou seja, a secretaria recusou o requerimento inicial se tanto se alcança do negrito empregue quando ali se fez referência à alínea b) do nº 1 por não ser indicado o domicílio profissional do mandatário forense.
A ser exato que foi a identificada exequente quem remeteu a juízo o requerimento de fls. 66 supra aludido, compreende-se do seu teor que a mesma não alcançou o sentido da comunicação de recusa, pois veio afirmar que tinha reunião na Segurança Social para pedir apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, conquanto o que estava em causa era que se assumisse que o signatário do requerimento executivo era mandatário forense, caso em que tinha sido omitida a identificação do seu domicílio profissional.
Isto dito e antes de mais, em ordem a sanar a irregularidade processual que resulta de o requerimento executivo não ser subscrito por mandatário forense, tão pouco pela própria exequente, determino notificar a mesma na pessoa do patrono que entretanto lhe foi nomeado e pessoalmente para esclarecer a propósito do assinalado o que tiver por conveniente, designadamente a qualidade em que aquele signatário do requerimento executivo interveio e que posição toma sobre os atos pelo mesmo praticados, bem assim para esclarecer se foi a própria que remeteu a juízo o requerimento de fls. 66.
Após, conclua de imediato” ;

V)Em resposta, no dia 11/04/2017, a Exequente veio esclarecer que assinou o requerimento juntamente com o seu marido – AC… -, apesar da fracção ser apenas da sua pertença, e que procede á ratificação de todo o processado, tanto do requerimento assinado pelo seu marido, como dos outros requerimentos assinados pelo patrono entretanto nomeado ;

VI)No dia 03/05/2017, foi proferido, nos mesmos autos, o seguinte despacho:
Fls. 112:
Face ao expresso e declarado pela própria executada, julgo ratificado o processado.
***
Considerando o já expresso no anterior despacho relativamente à no mínimo pouca clareza da notificação expedida à executada e sua manifesta não compreensão por banda da executada, entendo autorizar o prosseguimento da execução.
***
Fls. 88 – O título executivo é uma sentença homologatória de transação proferida no Julgado de Paz de Sintra.
Importa compreender os limites de tal condenação por referência ao pedido. Assim, solicite àquele Julgado de Paz certidão do requerimento da exequente que deu início àquele processo …/…-JP.
Em vista do disposto no art. 870º, nº 1, do CPC, indique a secção perito da lista oficial a nomear nos autos para efeitos da avaliação do custo da prestação por terceiro.
Sem prejuízo do que importa clarificar quanto aos limites da condenação, em vista do disposto no art. 871º, nº 1, do CPC e face ao alegado no ponto 5 do requerimento de fls. 88 e nos pontos 4 a 7 do requerimento de fls. 107, notifique a exequente para juntar o documento naquele primeiro requerimento protestado juntar.
Após, conclua de imediato” ;

VII)E, no dia 12/09/2017, a Sra. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
Tomando em boa consideração todo o teor da informação que antecede, nomeio para o cargo o Excelentíssimo Senhor Perito competentemente indicado pela secção, o qual deverá, oportunamente e por escrito, exarar legal compromisso de honra de bom exercício de funções de da avaliação do custo da prestação por terceiro” ;

VIII)No dia 25/01/2018, o Sr. Perito nomeado apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor:
Realizada a vistoria à fração dos autos, faz-se o consequente ponto de situação:
1)– Não sendo presentemente percecionável a totalidade do quadro patológico objeto do litígio, na medida em que foram subsequentemente realizadas obras de reparação exteriores e interiores pelas partes, a apreciação dos factos estará substancialmente cingida à análise dos antecedentes técnicos disponíveis. Deste modo, para além da realidade prática observada / registada, dos elementos que lhe foram remetidos pelo Tribunal e dos que oportunamente consultará junto da Seção e da Câmara Municipal de Sintra, o ora signatário requereu às partes o envio de elementos que se entendam de interesse para o objeto de ação;
2)– Tendo-lhe sido remetidas cópias dos autos das vistorias camarárias, pareceres técnicos e orçamentos de reparação anteriormente realizados, bem como as fotografias ilustrativas das anomalias pré-existentes juntas em anexo;
3)– Tendo presente as anteriores evidências e o facto de os revestimentos da fração do litígio terem entretanto sido reabilitados, afigura-se de interesse poder-se igualmente aceder às frações sobrejacentes (4º e 5º A) e à própria cobertura / terraço do prédio. No entanto, tendo apenas estado presentes os proprietários da fração do litígio na vistoria, não se afigurou possível aceder aos referidos locais, que correspondem a frações privadas e zonas técnicas comuns de acesso restrito da administração;
4)– Afigura-se igualmente de interesse poder dispor de elementos descritivos dos trabalhos nos paramentos exteriores realizados pelo Executado, e se foi ou não realizado algum tipo de intervenção na prumada de drenagem pluvial;
Pelo exposto, vem requer à consideração da administração do condomínio o envio dos elementos mencionados no n.º 4) anterior e o oportuno facultar de acesso aos locais mencionados em 3).
Submete-se à superior consideração do douto Tribunal o preconizado entendimento, e a sua eventual retificação/complementação.
Manifesta-se disponível para os esclarecimentos complementares que se entendam necessários, através do telefone … e do telemóvel ….
Atentamente,
JM…, Eng.º” ;

IX)Tendo posteriormente apresentado relatório pericial, do qual consta, para além do mais, o seguinte:

4.1–BASES DE CÁLCULO

Tendo presente a finalidade da avaliação e as características intrínsecas do imóvel, consideraram-se os seguintes critérios e pressupostos de base:
1)- O prédio onde a fração se insere possui vinte e dois anos, evidenciando deficiências e degradações da envolvente, causadas pela exposição prolongada aos agentes atmosféricos, assentamentos diferenciais e/ou falta de estanquidade do sistema de drenagem pluvial;
2)- As referidas situações terão previsivelmente sido agravadas por insuficiente inércia térmica dos paramentos exteriores, a qual, cumulativamente com hábitos de aquecimento e limitação da renovação do ar no interior da habitação, se afiguram suscetíveis de potenciar condensações interiores;
3)- As fissuras e fendilhações da empena exterior terão anteriormente sido alvo de intervenções superficiais localizadas, as quais, cumulativamente com deteriorações da pintura, não aparentam garantir a adequada estanquidade (v. fotos 5 a 10 - ponto 5.2);
4)- O sistema de impermeabilização e drenagem da cobertura apresenta deficiências e deteriorações que justificam igualmente intervenção, nomeadamente: membranas de impermeabilização das caleiras de bordadura ressequidas e desgastadas, quer na superfície corrente, quer na envolvente do ralo, exagerado prolongamento das telhas sob os guieiros ou caleiras, ralos de pinha colmatados com sedimentos, falta de estanquidade mitigada através de aplicações localizadas de borracha líquida sob as telhas cerâmicas (v. fotos 26 a 30 - ponto 5.2);
5)- As anteriores vistorias camarárias referem uma possível falta de estanquicidade da prumada de drenagem pluvial, sem que atualmente se observem evidências que o comprovem. A referida situação poderá eventualmente justificar a reparação ou reposicionamento da tubagem, devendo ser futuramente monitorizada, particularmente após períodos de forte pluviosidade;
6)- Não se observaram degradações causadas por infiltrações nos revestimentos interiores da fração do litígio, que terão recentemente sido renovados pela exequente. No entanto, o facto de o revestimento de piso em madeira de um dos quartos se apresentar pontualmente empolado sob a cama do mesmo, indicia a existência de teores anormais de humidade (v. foto 14 - ponto 5.2);
7)- Além da degradação funcional e do aspeto, as patologias atrás referidas são suscetíveis de poder causar infiltrações interiores, com prejuízo das condições de conforto e salubridade.

4.2–ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO

Com base na análise dos antecedentes disponíveis e das situações observadas no curso das inspeções realizadas ao imóvel dos autos, considera-se necessário promover oportunamente as seguintes ações:
Estaleiro
1l Montagem, exploração, manutenção e posterior desmontagem de estaleiro adequado à dimensão e natureza da obra, incluindo painéis de identificação da empreitada, informação da obra ao Condomínio, elaboração e desenvolvimento prático de Plano de Segurança e Saúde a aprovar pela Fiscalização, gestão dos resíduos da construção e demolição, de acordo com a legislação em vigor e condições locais, bem como todos os trabalhos e procedimentais necessários, designadamente, limpezas, meios de elevação, etc.;
Reabilitação do sistema de impermeabilização e drenagem da cobertura
21 Substituição das telhas e telhões danificados do telhado, incluindo a eventual recolocação de telhas do beirado;
31 Levantamento localizado de telhas para impermeabilização das seções de vazão dos guieiros e caleiras de bordadura;
41 Impermeabilização das seções de vazão dos guieiros e caleiras de bordadura, bem como dos respetivos ralos de escoamento, desde o capeamento das platibandas, passando pelo baixo dorso, até ao supradorso do murete de apoio das telhas;
51 Ajustamento e reposição/fixação das telhas;
Reabilitação da empena lateral do edifício
61 Limpeza e tratamento antifúngico do paramento;
71 Selagem e saneamento adequado das fissuras e fendilhações existentes;
81 Repintura a tinta acrílica nas demãos necessárias a um bom acabamento;
Reparações das cantarias
91 Saneamento das fissuras das cantarias dos vãos com betume pó de pedra hidrofugante.
Por questões de durabilidade e melhoria do conforto higrotérmico interior, recomenda-se que seja complementarmente prevista a impermeabilização superficial das telhas com solução hidrofugante e a implementação de um Sistema de Isolamento Térmico pelo Exterior (ETIC), vulgarmente conhecido por «capoto», o qual, no caso em apreço, apresentaria manifestas vantagens ao nível da resolução do problema das condensações e da melhoria do conforto higrotérmico interior.
As ações de melhoria funcional descritas terão um sobrecusto referencial ao orçamento base de cerca de 3.500 C.

4.3–ESTIMATIVA DO CUSTO DA PRESTAÇÃO

Com base na análise antecedente, efetuou-se uma consulta de mercado junto de empresas com experiência e valências comprovadas na área da reabilitação, tendo-se recebido o orçamento anexo, da empresa VECTOBRA - Construção Civil e Obras Públicas, Lda., no valor de € 8.760,74 (v. Ponto 5.4).
Por todo o exposto anteriormente, avalia-se o custo da prestação em apreço, pelo valor referencial de 8.500,00 C (oito mil e quinhentos euros), o qual ascenderá a cerca de 12.000,00 € (doze mil euros), caso se pretendam igualmente realizar as ações complementares referidas na parte final do ponto 4.2 anterior (impermeabilização de telhas e introdução de ETIC).
Aos referidos valores acresce o IVA à taxa legal em vigor de 6% (Anexo I do código do IVA - IVA taxa reduzida 2.27) para edifícios afetos a habitação permanente, em obras cujo valor dos materiais seja inferior a 20% do valor global”.
***

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da VIOLAÇÃO do PRINCÍPIO da EXTINÇÃO do PODER JURISDICIONAL

A decisão apelada raciocinou nos seguintes termos:

– Extrai-se dos autos de execução que:

  • Exequente e Executado fizeram obras na fracção/prédio dos autos ;
    Actualmente, a fracção da Exequente não apresenta degradações causadas por infiltrações nos revestimentos interiores da mesma ;
    Foi efectuado o tratamento localizado das fissuras existentes na empena lateral do edifício ao nível do andar da Exequente, embora, presentemente, não aparente garantir adequada estanquidade ;
    Não se verificam deficiências ou anomalias ao nível do tubo interior da queda de água ;
    As reparações interiores previstas no ponto 3, alínea d), do acordo terão sido realizadas ;

    – Deste modo, as obras em crise foram realizadas ou, ao nível do tubo interior da queda de água, não carecem de ser realizadas ;
    – Pelo que, o acordo que serve de base à execução mostra-se cumprido ;
    – E, caso pretenda ver reconhecido o cumprimento defeituoso das obras, deve a Exequente, previamente, obter um outro título executivo ;
    – Pois, o dado à execução não serve para a prestação de facto em virtude dum qualquer (que não foi invocado) cumprimento defeituoso da prestação ;
    – Ou seja, a Exequente não se encontra munida de título executivo válido para reclamar a reparação de quaisquer defeitos resultantes dum cumprimento defeituoso da prestação ;
    – E, as obrigações a que o Executado se vinculou, no processo homologado dado à execução, mostram-se realizadas, ou são desnecessárias ;
    – Donde, a sentença/acordo dado à execução não constitui título executivo para a prestação de facto que se pretende executar ;
    – Determinando a rejeição da execução e, consequentemente, a declaração da sua extinção – artigos 726º, nº. 2, alín. a) e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
    – E, relativamente aos embargos, ao abrigo do disposto no artº. 277º, alín. e), do Cód. de Processo Civil, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

    Analisemos.


    Do princípio da extinção do poder jurisdicional

    Prescreve o artº. 613º, do Cód. de Processo Civil, ajuizando acerca da extinção do poder jurisdicional e suas limitações, que:
    “1- Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
    2- É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
    3- O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.

    Traduz o presente normativo que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu ; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela, um todo incindível”.
    Pelo que,ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível[2].
    Assim , quer o juiz conclua “com a absolvição da instância, quer condene no pedido ou dele absolva, o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida[3].
    Subjaz ao fundamento, razão de ser ou justificação de tal princípio uma razão de ordem doutrinal e uma razão de ordem pragmática.
    Relativamente à razão doutrinal, o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz ; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se”.
    Por outro lado, a razão pragmáticaconsiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível ; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão”, ainda que, logicamente, em futuros julgamentos e decisões, o magistrado possasustentar e adoptar doutrina jurídica diferente da que tenha estabelecido. Mas, no mesmo processo, a decisão que proferir vincula-o [4].
    Tal princípio sofre, todavia, limitações expostas nos normativos seguintes que, após a eliminação do pedido de aclaração da sentença que se previa no antecedente artº. 666º do CPC de 1961, podem-se enunciar nos seguintes termos:erro material, que possibilita a rectificação a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento das partes, quando não haja recurso, e até à subida deste, quando ele seja interposto (art. 614) ; falta de assinatura do juiz, susceptível de ser aposta a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento da parte (art. 615, nºs. 1-a, 2 e 3) ; outra nulidade (rigorosamente, anulabilidade), sanável pelo juiz, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso, ou mediante alegação em recurso, a que o juiz pode ainda atender (arts. 615, nºs. 1, alíneas b) a e), e 4, e 617º, n.ºs 1 e 2) ; reforma quanto a custas e multa, com sujeição ao mesmo regime de reclamação ou recurso e de atendibilidade pelo juiz (arts. 316, nºs. 1 e 3, e 617, nºs. 1 e 2) ; reforma por lapso manifesto, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso (arts. 616-2 e 617-2)[5].  

    Apreciado, no essencial, o princípio em equação, existe violação deste nos termos equacionados pela Apelante Exequente ?
    No essencial, refere esta que a decisão apelada violou tal princípio, porquanto o Tribunal a quo já se tinha pronunciado e decidido pela suficiência do título apresentado pela Exequente.
    Tal pronúncia ocorreu, nomeadamente, quando determinou o prosseguimento da execução, pelo despacho proferido em 03/05/2017, e ainda quando procedeu à nomeação de perito para exercer as funções de avaliador do custo da prestação por terceiro.
    Pelo que, devendo o Tribunal observar o dever de gestão processual previsto no artº. 6º do Cód. de Processo Civil, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, tal recusa, a ser justificada, deveria ter ocorrido aquando da prolação do despacho de 03/05/2017, ou então aquando do despacho que procedeu à nomeação do perito para que procedesse á avaliação do custo da prestação por terceiro, pois esta não se justificaria se o título fosse insuficiente para esse efeito.

    Os despachos em equação são os seguintes:
    “Fls. 112:
    Face ao expresso e declarado pela própria executada, julgo ratificado o processado.
    ***
    Considerando o já expresso no anterior despacho relativamente à no mínimo pouca clareza da notificação expedida à executada e sua manifesta não compreensão por banda da executada, entendo autorizar o prosseguimento da execução” – despacho de 03/05/2017 ;
    Tomando em boa consideração todo o teor da informação que antecede, nomeio para o cargo o Excelentíssimo Senhor Perito competentemente indicado pela secção, o qual deverá, oportunamente e por escrito, exarar legal compromisso de honra de bom exercício de funções de da avaliação do custo da prestação por terceiro” – despacho de 12/09/2017.

    Entende a Exequente Apelante que o facto do Tribunal ter proferido os enunciados despachos significava, necessariamente, ter esgotado o poder jurisdicional acerca da validade e admissão do título executivo.
    Pelo que, ao proferir decisão de rejeição da execução, pelo facto da sentença/acordo dado à execução não constituir título executivo para a prestação de facto que se pretende executar, violou o princípio de extinção do poder jurisdicional supra apreciado, em contravenção ao inscrito no citado artº. 613º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil.
    Vejamos.
    Inserido na secção relativa à oposição á execução, e prevendo acerca da rejeição e aperfeiçoamento, estatui o artº. 734º, do Cód. de Processo Civil que:
    1 – o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado , se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
    2 – Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.

    Através do presente normativo, que funciona como que válvula de escape do sistema, prevê-se a extinção da instância executiva, mediante rejeição oficiosa, até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados [6].

    Deste modo, equaciona este normativo a possibilidade de o juiz conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, ou seja, entrega de dinheiro (art. 798º), adjudicação (arts. 799º a 802º) ou venda (arts. 811º a 837º), das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art. 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. Trata-se, com efeito, de uma «válvula de escape» do sistema, que permite ao juiz controlar a legalidade da execução, ainda que essa legalidade não tenha sido sindicada em sede de embargos de executado”.
    E, acrescenta-se,o facto de o título executivo apresentar uma eficácia incondicional não exclui a possibilidade de o juiz controlar a existência efetiva de um título para se exigir o cumprimento da obrigação objeto de execução”.
    Pelo que, consequentemente, o juiz deve rejeitar a execução «logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento, quer ela fosse já manifesta à data do despacho liminar, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou mesmo no processo declarativo de embargos de executado»[7].
    Acrescenta o mesmo Autor, em nota de rodapé, o teor de vários arestos das Relações, a sufragar o referenciado, no sentido de queo facto de o juiz de execução proferir um despacho liminar de citação do executado «não implica uma aceitação definitiva da validade e suficiência do título executivo, que pode ser reavaliado ao longo do processo», isto é, «não faz caso julgado relativamente à inexistência ou insuficiência do título executivo»”.
    Neste sentido, referencie-se, os doutos Acórdãos desta Relação – todos em www.dgsi.pt - de:
    - 28/04/2016 – Relator: Nuno Sampaio, Processo nº. 7262/13.1TBOER.L1-6 -, mencionando-se que “a leitura deste preceito legal, conjugado com a al. a) do n.º 2 do art.º 726º do mesmo código, permite constatar que o limite traçado pelo legislador para o conhecimento da falta de título executivo é o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, e não o início da fase de venda, porque só então se coloca a questão da protecção do adquirente de boa-fé.
    Compreende-se que assim seja, desde que no despacho liminar não se aprecie em concreto a falta ou insuficiência do título executivo, tanto assim que a questão fica em aberto para a eventual dedução de embargos de executado, o que é manifestamente incompatível com a formação de caso julgado.
    E a preclusão não ocorre perante a ausência da dedução de embargos, sob pena de se esvaziar de conteúdo o art.º 734º quando a tramitação exija a prolação de despacho liminar, sendo certo que o legislador teria sido claro nesse sentido se fosse efectivamente essa a sua intenção.
    Só assim não será se o tribunal se pronunciar em concreto sobre uma determinada questão das contempladas pelo art.º 726º, de acordo com a lógica que preside ao nosso ordenamento jurídico, reflectida nos n.ºs 1 e 3 do art.º 595º do Código de Processo Civil a propósito do despacho saneador.
    Se não se pronunciar, independentemente da dedução ou não de embargos de executado, a pedido ou por iniciativa oficiosa o tribunal pode – e deve – conhecer da falta ou insuficiência do título executivo, em conformidade com o art.º 734º” ;
    27/10/2016 – Relator: Eduardo Petersen Silva, Processo nº. 4960/10.5TCLRS.L1-6 -, no qual se sumariou que “a prolação de despacho liminar de citação do executado, nos casos em que é legalmente determinado o despacho liminar, não faz caso julgado relativamente à inexistência ou insuficiência do título executivo que nele não tenham sido, concreta e especificamente, apreciadas” ;
    17/05/2017 – Relator: Duro Mateus Cardoso, Processo nº. 2638/07.6TTLSB.1.L1-4 -, aí se mencionando que “de facto, o art. 734º-1 do CPC/2013, aliás com redacção similar às duas outras anteriores versões do CPC, dispõe com muita clareza que o juiz, antes do primeiro acto de transmissão de bens penhorados pode rejeitar a execução conhecendo oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar. O que significa que tal despacho, naturalmente, nem sequer é um despacho de indeferimento liminar.
    Como explica mesmo o Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, ed. 2003, a pag. 335, em anotação ao então correspondente art. 820º do CPC, “Até esse momento, o juiz deve rejeitar oficiosamente a execução, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento liminar, quer não tenha havido despacho liminar proferido (art. 324-5), quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo de oposição à execução.”…”A expressa consagração, desde o DL 329-A/95, da possibilidade de conhecimento oficioso superveniente dos fundamentos de indeferimento liminar harmoniza-se com esta possibilidade de fazer valer no processo executivo razões de que o juiz só se dá conta no processo de oposição…”.
    Pode, assim, o juiz oficiosamente fazer uso do disposto no art. 734º-1 do CPC/2013 mesmo após a dedução de embargos ou oposição”
    .

    Ora, no perfilhar do entendimento exposto, constata-se que em nenhum dos apontados despachos o Tribunal a quo conheceu, de forma concreta e especificada, acerca da validade e suficiência do título executivo, inexistindo, assim, qualquer caso julgado a observar.
    Pelo que, com base no citado normativo, e ratio legis que lhe subjaz, podia, efectivamente, mesmo após a dedução da presente oposição por embargos, conhecer acerca da invocada falta de título executivo, sem que tal implique qualquer violação do princípio da extinção do poder jurisdicional. Questão logicamente diferenciada é saber se o fez de forma acertada, do que se cuidará infra.
    Donde, sem outras delongas, urge concluir pela improcedência, nesta vertente, das conclusões recursórias e, consequentemente, da apelação.


    – DO (IN)CORRECTO ENQUADRAMENTO JURÍDICO

    Do não cumprimento da realização das obras feitas constar no acordo objecto de homologação pela sentença exequenda

    Invoca, ainda, a Apelante Exequente constar doteor do acordo homologado por sentença pelo Julgado de Paz de Sintra (…) que o executado ficava obrigado a efetuar as obras nas partes comuns do edifício necessárias à eliminação dessas anomalias [ponto 3. a) do acordo”. E que não resulta “do relatório, nem dos posteriores esclarecimentos prestados pelo perito nomeado que o executado tenha efetuado as obras necessárias para eliminar as anomalias detetadas na fração da exequente”, o que é inclusive reconhecido na sentença recorrida.
    Efectivamente, é referenciado no relatório pericialque o tratamento localizado das fissuras existentes na empena lateral do edifício não aparenta garantir adequada estanquidade”, admitindo a própria sentença recorridaque as obras possam ter sido defeituosamente efetuadas ou insuficientes para a resolução do problema de origem”.
    Aquele relatório enuncia, ainda,que as situações enunciadas são suscetíveis de causar infiltrações interiores, com progressiva degradação dos revestimentos interiores e prejuízo das condições de conforto e salubridade, devendo ser, oportunamente, reparadas”.
    Deste modo, conclui, ter a sentença recorrida efectuado uma incorrecta avaliação e interpretação do acordo homologado por sentença, bem como incorrectaavaliação e interpretação do relatório e do orçamento apresentado pelo perito nomeado, bem como dos esclarecimentos que o mesmo posteriormente prestou”.

    constatámos qual o entendimento sufragado na decisão apelada.
    Entendeu-se que as obras feitas constar no acordo que serve de base á execução foram realizadas, ou, no que concerne ao tubo interior da queda de água, não carecem de ser realizadas, pelo que considerou-se aquele cumprido. 
    Acrescentou-se que caso a Exequente pretendesse ver reconhecido o cumprimento defeituoso das obras, devia obter previamente um outro título executivo, pois o dado à execução não serve para a prestação de facto, em virtude de um qualquer cumprimento defeituoso da prestação, que considera não ter sido sequer invocado.
    Considerou-se, assim, que a Exequente não se encontra munida de título executivo válido para reclamar a reparação de quaisquer defeitos resultantes dum cumprimento defeituoso da obrigação, enquanto que as obrigações a que se vinculou o Executado, no acordo homologado dado à execução, mostram-se realizadas ou são desnecessárias.

    Vejamos o teor do título dado à execução.
    Sob o nº. 1 do acordo dado à execução consta que o Requerido, ora Executado/Embargante, “confessa-se obrigado a efectuar as obras necessárias à eliminação das infiltrações existentes ao nível da fracção da Requerente, ora Exequente/Embargada (sublinhado nosso).
    Consta, ainda, sob as alíneas a) e b), do ponto 3. de tal acordo, que o Requerido, ora Executado/Embargante, “obriga-se a efectuar as obras nas partes comuns do edifício necessárias à eliminação das anomalias acima referidas”, aduzindo-se que “a intervenção será localizada apenas nas fissuras e/ou rachas existentes ao nível do andar da Requerente, por forma a eliminar a(s) infiltração(ções) em causa (sublinhado nosso).
    E, relativamente ao tubo interior de queda de água, previu-se a comunicação á seguradora, de “forma a eliminar igualmente alguma anomalia existente a este nível, caso a mesma venha a ser apurada(sublinhado nosso).
    Acrescentando-se que, sem prejuízo da assunção de responsabilidade por parte da seguradora, consta que “o Requerido obriga-se a realizar essas obras, bem como a pintura das paredes e chão/rodapés danificados com as humidades provocadas pelas anomalias” – cf., facto II).
    Por sua vez, a decisão apelada fundou o seu entendimento no teor do relatório elaborado pelo Perito, nomeado nos termos do artº. 870º, do Cód. de Processo Civil, para avaliar o custo da prestação.
    Pelo que, desde logo, urge ponderar o teor de tal relatório, e sindicar se do mesmo consta o juízo feito constar na decisão recorrida.
    Consta sob o nº. 3), do ponto 4.1 que “as fissuras e fendilhações da empena exterior terão anteriormente sido alvo de intervenções superficiais localizadas, as quais, cumulativamente com deteriorações da pintura, não aparentam garantir a adequada estanquidade”.
    Sob o nº. 5), do mesmo ponto, consta que “as anteriores vistorias camarárias referem uma possível falta de estanquicidade da prumada de drenagem pluvial, sem que atualmente se observem evidências que o comprovem. A referida situação poderá eventualmente justificar a reparação ou reposicionamento da tubagem, devendo ser futuramente monitorizada, particularmente após períodos de forte pluviosidade”.
    Ainda sob os nºs. 6 e 7, igualmente do mesmo ponto, consta que não se observaram degradações causadas por infiltrações nos revestimentos interiores da fração do litígio, que terão recentemente sido renovados pela exequente. No entanto, o facto de o revestimento de piso em madeira de um dos quartos se apresentar pontualmente empolado sob a cama do mesmo, indicia a existência de teores anormais de humidade (v. foto 14 - ponto 5.2)” e que além da degradação funcional e do aspeto, as patologias atrás referidas são suscetíveis de poder causar infiltrações interiores, com prejuízo das condições de conforto e salubridade (sublinhados nossos).

    E, dentro das acções consideradas necessárias – estratégia de intervenção – consta o seguinte: 
    Reabilitação da empena lateral do edifício
    Limpeza e tratamento antifúngico do paramento;
    Selagem e saneamento adequado das fissuras e fendilhações existentes;
    Repintura a tinta acrílica nas demãos necessárias a um bom acabamento;
    Reparações das cantarias
    Saneamento das fissuras das cantarias dos vãos com betume pó de pedra hidrofugante”cf., facto IX.

    Ora, resulta do exposto, na parte que ora importa, que o acordo homologado por sentença – título dado à execução -, prevê a realização, nas partes comuns do edifício, das obras necessárias à eliminação das infiltrações existentes ao nível da fracção da ora Exequente/Embargada, concretizando-se que tal intervenção localizar-se-à apenas nas fissuras e/ou rachas existentes ao nível do andar/fracção da mesma Exequente, por forma a eliminar a(s) infiltração(ções) em causa.
    Ou seja, prevê-se, claramente, a eliminação das infiltrações existentes na fracção da Exequente/Embargada, intervencionando-se ao nível das fissuras e/ou rachas existentes ao nível do andar/fracção daquela. E não qualquer intervenção que apenas minimize tais infiltrações e efeitos daí decorrentes, que mitigue os efeitos de tais infiltrações, ou apenas obras que tapem as fissuras ou rachas existentes, independentemente dos efeitos ou resultados das mesmas obras.
    Ora, não decorre do relatório elaborado com a finalidade de avaliar o custo da prestação que tais infiltrações tenham sido eliminadas, ou seja, que as obras já realizadas pelo Executado/Embargante tenham cumprido com a finalidade ou desiderato feito constar no título dado à execução.
    Efectivamente, resulta apenas de tal relatório que as fissuras ou rachas (fendilhações) da empena exterior terão sido alvo de intervenções superficiais localizadas, que, em cumulação com as deteriorações da pintura, não aparentam garantir a adequada estanquidade.  
    É certo que não se observaram degradações causadas por infiltrações nos revestimentos interiores da fracção em causa, o que facilmente se compreende pelo facto de terem sido alvo de recente renovação por parte da Exequente. Todavia, constatou-se que o revestimento de piso em madeira de um dos quartos apresentava-se pontualmente empolado sob a cama do mesmo, o que indiciava a existência de teores anormais de humidade, e que, para além da degradação funcional e do aspecto, as patologias referenciadas são susceptíveis de poder causar infiltrações interiores, com prejuízo das condições de conforto e salubridade.

    Deste modo, mesmo para além da questão dúbia relativa à alegada falta de estanquicidade da prumagem de drenagem pluvial (tubo interior de queda de água), não se pode concluir nos termos em que o faz a sentença recorrida, ou seja, que “garantidamente as obras em crise foram levadas a cabo ou não carecem de ser efectuadas” (no que concerne ao tubo interior da queda de água), e que “o acordo que serve de base à execução mostra-se cumprido.
    Efectivamente, para que ocorra cumprimento da obrigação deve o devedor realizar a prestação a que está vinculado – cf., artº. 762º, nº. 1, do Cód. Civil -, sendo que o cumprimento defeituoso de uma obrigação também se configura como uma forma de incumprimento, estando-se perante situação em “que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde, totalmente, á que era devida” [8], ocorrendo uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada.
    Como princípio geral adoptado no âmbito do cumprimento,  prescreve o este art.º 762º que:
    “1.- o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
    2.- No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, acrescentando o n.º 1 do art. 763º que “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos”.
     
    Os presentes normativos gerais determinam, nomeadamente o princípio geral da boa fé, que no cumprimento das obrigações, bem como no exercício dos correspondentes direitos, as partes contratantes devem actuar e agir com a “correcção, a lealdade, a lisura e a honestidade próprias de pessoas de bem, inerentes à cooperação e solidariedade contratual a que reciprocamente se vincularam e estão adstritas para dar satisfação ao interesse do credor com o menor sacrifício possível do devedor” [9].

    Para que se configure uma situação de incumprimento ou inadimplemento é necessário que a prestação debitória deixe “de ser efectuada em termos adequados, e o mesmo só é imputável ao devedor se não derivar de facto do credor, de terceiro, de circunstâncias de força maior, fortuita ou, até, da lei”, pelo que, “se imputado ao devedor, o incumprimento em sentido lato (por incluir o não cumprimento definitivo, a simples mora ou o cumprimento defeituoso) responsabiliza-o pelos danos causados ao credor (artigos 798º, 799º, 801º e 804 do Código Civil)” (sublinhado nosso) [10].

    Por sua vez, no que concerne ao cumprimento defeituoso, a noção de defeito, em sentido amplo, é dada por correspondência a um desvio á qualidade devida da coisa, desde que tal desvio seja relevante ou essencial. O regime de defeitos instituído no nosso sistema legal assenta em critérios objectivos e subjectivos, pelo que a noção de defeito deverá, por conseguinte, “ser entendida num sentido híbrido, pois ela é, em simultâneo, objectiva e subjectiva. Em primeiro lugar, importa verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato.
    Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste” [11].
    Deste modo, a noção de defeito corresponde e constitui “um juízo de valor com respeito a um certo referente. E este pode ser dado pelas características de coisas do mesmo tipo existentes no comércio”. Pelo que o defeito material pode estar relacionado com três distintas situações. “Tanto é inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua má execução”, não pendendo sobre o credor o ónus de provar ser devida uma prestação com a qualidade normal, pois isso presume-se [12] [13].

    Resulta do exposto constituir o cumprimento defeituoso um tipo distinto de perturbação da prestação, correspondendo a uma “desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada. É, portanto, sinónimo de cumprimento inexacto ou imperfeito, em que é necessária a relevância do defeito para que exista responsabilidade contratual, devendo esta amplitude ou relevância ser aquilatada de acordo com os ditames da boa fé, e com base num juízo casuístico e objectivo [14].

    Ora, uma das situações configuráveis como de cumprimento defeituoso ocorre, quando, “para ser realizada a prestação principal, forem violados deveres acessórios. Estas situações são usuais e pode até dizer-se que constituem a classe mais frequente deste tipo de violação contratual”, sendo múltiplos os deveres acessórios cuja inobservância determine efectivo cumprimento defeituoso [15].

    Desta forma, e procurando uma agregação de conceitos e ideias, pode afirmar-se que o cumprimento defeituoso, como violação contratual positiva, configura-se como “uma forma de violação sui generis da obrigação”, abrangendo, “não só as deficiências da prestação principal ou de qualquer dever secundário de prestação, como também a violação dos deveres acessórios de conduta que, por força da lei (por via de regra, através das normas dispositivas), se integram na relação creditória, em geral, e na relação contratual em especial” (sublinhado nosso).

    E, acrescenta-se, “foi exactamente a inclusão dos deveres acessórios de conduta na relação contratual, feita em grande parte por aplicação da regra da boa fé (art. 762º, 2), que contribuiu em certa medida para a autonomização da figura do cumprimento defeituoso ou da prestação defeituosa” [16].

    Deste modo, “se a prestação defeituosa resulta, não da desconformidade do objecto imediato, mas do modo como foi realizada, o defeito prende-se, nesse caso, com a violação de deveres secundários ou de deveres acessórios de conduta. Em relação a estes últimos, neste domínio, importa ter em especial atenção os deveres de informação e de colaboração” [17].

    Ora, dos elementos constantes dos autos, necessariamente se terá que concluir que:
    A prestação de facto a que o Executado/Embargante se obrigou no acordo homologado por sentença não pode considerar-se, pelo menos no presente momento processual, cumprida ou efectivada ;
    Com efeito, tendo sido aparentemente realizadas, nas partes comuns, algumas das obras a que se vinculou, destas não resultou a eliminação das infiltrações existentes ao nível da fracção da Exequente/Embargada ;
    Pelo que, desde logo por tal razão ou motivação, não se pode concluir que as obras convencionadas foram realizadas e que o acordo que serve de base á execução, devidamente homologado por sentença, se mostra cumprido ;
    Com efeito, o cumprimento defeituoso, a comprovar-se, por traduzir-se em desconformidade ou dissensão entre a prestação devida e a que foi realizada, determina concreta situação de cumprimento inexacto ou imperfeito ;
    Donde, contrariamente ao aduzido na decisão apelada, não é exigível à Exequente/Embargada que, perante tal aparente cumprimento defeituoso da obrigação, se tenha de munir de um outro título executivo que o reconheça, pois era à Executada/Embargante que competia, como fundamento da oposição apresentada, a prova do cumprimento posterior da obrigação, a provar por qualquer meio – cf., o nº. 2, do artº. 868º, do Cód. de Processo Civil ;
    Traduzindo-se este cumprimento, logicamente, numa concreta, real e efectiva realização da prestação a que se está vinculado, e não num qualquer cumprimento defeituoso ou inexacto ;
    Ora, não o tendo feito, e não se logrando demonstrado, pelo menos por ora, por qualquer meio, efectivo cumprimento da obrigação ou prestação de facto exequenda, a sentença/acordo dado à execução constitui efectivo título executivo para a prestação de facto que se pretende executar ;
    O que determina, consequentemente, num juízo de procedência, nesta vertente, da presente apelação, revogação da decisão apelada de rejeição da execução, e sua consequente declaração de extinção, antes se determinando o ulterior prosseguimento dos trâmites executivos ;
    E, no que concerne á presente instância de embargos, num juízo de  consequente revogação da sentença de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, deverá o Tribunal a quo determinar os seus ulteriores termos processuais de acordo com a decisão supra.
    *

    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelado decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas.
    ***

    IV.–DECISÃO

    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
    a)– Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Recorrente/Embargada/Exequente VS…, no qual figura como Apelado/Recorrido/Embargante/Executado CONDOMÍNIO do PRÉDIO sito na RUA …, nº. …, TAPADA das MERCÊS, MEM MARTINS ;
    b)– Consequentemente, determina-se a revogação da decisão apelada de rejeição da execução, e sua consequente declaração de extinção, antes se determinando, em substituição, o ulterior prosseguimento dos trâmites executivos ;
    c)– Relativamente á presente instância de embargos, num juízo
    de consequente revogação da sentença de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, deverá o Tribunal a quo determinar os seus ulteriores termos processuais, de acordo com a decisão supra ;
    d)– Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, , tendo o Apelado/Recorrido/Embargante/Executado decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas.

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    Lisboa, 24 de Outubro de 2019



     
    Arlindo Crua–Relator   
    António Moreira–1º Adjunto  
    Carlos Gabriel Castelo Branco–2ª Adjunto



    [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2]Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 1984, pág. 126.
    [3]José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 728 e 729.
    [4]Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127.
    [5]José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 729.
    [6]Cf., José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, Setembro de 2017, pág. 415.
    [7]Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 3ª Edição, 2019, Almedina, pág. 240
    [8]Pedro Martinez, Ob. Cit., Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, pág. 30.
    [9]João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, 2001, pág. 12.
    [10]cf., o douto Acórdão do STJ de 21/11/2006, Relator: Sebastião Povoas, Doc. nº. SJ200611210037161, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [11]Assim Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 184 e 185.
    [12]Idem, págs. 185 e 188.
    [13]Acerca da configuração de vício na coisa vendida, assente na função normal das coisas da mesma categoria, e na qualidade normal das coisas da mesma natureza, cf., o douto Acórdão do STJ de 27/04/2006, Doc. nº SJ200604270008666, Relator: Azevedo Ramos, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [14]Ibidem, págs. 130, 149 e 150, acrescentando ainda o mesmo autor depender o cumprimento defeituoso do preenchimento de quatro condições, sendo a primeira a de “ter o devedor realizado a prestação violando o princípio da pontualidade ; segunda, haver o credor procedido á sua aceitação por desconhecer a desconformidade ou, conhecendo-a, apondo uma reserva ; terceira, mostrar-se o defeito relevante ; quarta, sobrevirem danos típicos” – pág. 143 e 144.
    [15]Pedro Romano Martinez, Ob. Cit., pág. 147.
    [16]Assim, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 4ª Edição, pág. 123
    [17]Pedro Romano Martinez, Ob. Cit., pág. 520.