Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4500/20.8T9LSB.L1-3
Relator: ANA RITA LOJA
Descritores: SEGREDO PROFISSIONAL
ÂMBITO E ALCANCE
DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- O dever de segredo a que reporta o artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) abrange factos relacionados com o exercício da profissão e, por causa desse exercício, mas factos de índole profissional e cuja revelação viole a tal relação de confiança que a lei pretende proteger.
II- De análise de tal preceito decorre que o segredo profissional de advogado mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à atividade desenvolvida por este profissional, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo art.º 92.º, n.º 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta atividade profissional o que leva a excluir do âmbito de proteção desta norma tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a atos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho.
III- Destarte, não estão a coberto de sigilo profissional expressões referentes à honra e consideração de pessoa terceira (que não é cliente de nenhum dos advogados) mesmo que remetidos de um escritório de advogados e que cheguem ao conhecimento de outro advogado no seu local de trabalho.
IV- A fundamentação das decisões judiciais tem consagração no artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa estipula o seguinte: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
V- É através da fundamentação da sentença, na explicitação exame crítico aí empreendidos que se poderá aferir da objetividade, rigor, consistência, congruência e legitimidade do processo lógico de formação da convicção do julgador e, assim, exercer a possibilidade de controlo de tal decisão, sendo que tal controlo não é arbitrário, exerce-se na medida do necessário e é, naturalmente, respeitador do consignado no artigo 127º do Código de Processo Penal.
VI- O vício de erro notório na apreciação da prova não ocorre se a divergência do recorrente decorre da forma como a decisão recorrida apreciou a prova produzida, ou seja, a não coincidência entre a versão do recorrente sobre a matéria de facto e a da decisão recorrida não preenche o referido vício.
VII- O princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos – é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
VIII- Não podem ser enquadradas na animosidade normal de um litígio judicial expressões que são desnecessárias, espúrias e alheias ao mesmo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1- RELATÓRIO:
Questão Prévia:
Veio o arguido recorrente AA em requerimento avulso solicitar que se digne declarar a nulidade do Despacho proferido em 17.04.2024, pela MM.ª Juiz de 1ª Instância que conferiu natureza urgente aos autos nos termos previstos no artigo 103º nº 2 al. c) do Código de Processo Penal.
O arguido recorrente não interpôs recurso de tal despacho nesse segmento e não cabe a este Tribunal da Relação, por isso, sindicar o mesmo, o que se declara.
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Consigna–se que, em conformidade com o disposto no artigo 412º nº 5 do Código de Processo Penal, a presente decisão terá por objeto os seguintes recursos apresentados pelo arguido AA:
A) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023.
B) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023.
C) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024.
D) Recurso interlocutório interposto dos despachos judiciais proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.
E) Recurso interposto da sentença.
Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Singular nº 4500/20.8T9LSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo Local Criminal de Lisboa-Juiz 12 foi, em 8 de julho de 2024, proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:
V – DECISÃO
1. Pelo exposto, julgo a acusação pública e particular parcialmente procedentes por parcialmente provadas e, consequentemente:
a) Absolvo o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de dois crimes de injuria agravada, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal;
b) Condeno o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injuria agravada, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa;
c) Condeno o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 200 dias de multa;
d) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, condeno o arguido AA, na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante global de € 3.600,00;
e) Condeno o arguido nas custas do processo – art.º 514º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (art.ºs 374º e 513º do Cód. Proc. Penal e artigo 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais).
2. Julgo totalmente procedente por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante, BB e em consequência condeno o demandado AA, a indemnizar a demandante, no valor de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Custas cíveis a cargo do Demandado - artigo 527.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
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A) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023.
Insurgindo-se relativamente ao despacho judicial proferido em 7 de fevereiro de 2023 que indeferiu a repetição da sua notificação o referido arguido e ora recorrente interpôs recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões:
a) O A. prestou TIR nos autos, no qual consta a morada: Rua … Lisboa;
b) Recebeu, dezenas de notificações, todas remetidas para a mesma morada; Tem, como Advogado, domicílio profissional na referida morada, há 34 anos; Tem uma placa com quase um metro de comprimento por meio metro de largura, afixada à porta do prédio, cfr. fotografia que juntou aos autos; na botoneira/campainha da entrada do prédio existe um autocolante com o seu nome; Na caixa de correio, existente no átrio do prédio, está colocado um autocolante com os dizeres “CC”, com o endereço de e-mail os telefones e o fax (tudo, cfr. fotografias juntas em 07/02/2023 (Ref.a Citius 34989719); Os carteiros entregam no escritório/domicílio profissional do A., diariamente, dezenas de cartas dirigidas ao mesmo e aos outros Advogados que aqui exercem.
c) Ao receber a notificação devolvida, a secção deveria ter feito os autos conclusos para o Meritíssimo apreciar e decidir, sobre a frustração da notificação ao A. por “endereço insuficiente”, numa morada que é a do TIR onde já foi notificado dezenas de vezes.
d) Em vez disso, foi proferido despacho de fls. 393 (ref. n.º 421357825) que refere “O arguido encontra-se regularmente notificado (fls. 371), sendo irrelevante a notificação não ter sido depositada e devolvida ao Tribunal, com a menção “endereço insuficiente”, uma vez que foi endereçada para a morada que o arguido indicou no termo de identidade e residência que constitui fls. 64”.
e) E, suscitada a questão, com junção das fotografias para prova irrefutável de que ocorrera uma devolução de uma notificação por negligência manifesta e grosseira do serviço postal, o MM.º Juiz à quo, em vez de ordenar a repetição, profere despacho a indeferi-lo escrevendo que “Fls. 400/401: Indefere-se o requerido, porquanto o arguido se encontra regularmente notificado, conforme já anteriormente evidenciado no despacho proferido no dia 13.12.2022 (fls. 393), sendo certo que, o fim da notificação foi alcançado, em razão da apresentação de duas contestações”.
Ou seja, o A. terá adivinhado o que consta dentro de um envelope fechado, e que, nunca lhe foi entregue, nem aberto... E perdeu por “isso” o direito de tomar conhecimento de todas as notificações que lhe são enviadas, nos termos do art.º 113.º do CPP e art.º 32º, nº 1 e nº 7, da CRP.
f) Tal despacho, é omisso quanto a quaisquer factos, limitando-se a indeferir o requerimento do A., na medida em que dele não resulta, a razão pela qual, sendo apresentadas duas contestações, o desiderato da notificação omitida foi atingido.
g) Não sabendo o A. qual era, afinal, o teor da notificação omitida, tem o A. de se conformar com a posição (“opinião”?) do MM.º Juiz a quo, segundo a qual «o fim da notificação foi alcançado, em razão da apresentação de duas contestações».
h) Não pode, portanto, por em causa essa posição, nem discordar dela (pois para isso era necessário conhecer-lhe as premissas) e, portanto, recorrer do despacho, impugnando os fundamentos que o mesmo, enquanto conclusão sem premissas, não tem.
i)O raciocínio de uma decisão judicial pode entrelaçar os motivos de facto como os de direito. Essencial é que, a final, sejam perceptíveis as razões (de «facto» e de «direito»), ou seja, as premissas, que com base num qualquer raciocínio (certo ou errado) levou a uma conclusão (válida ou não). E neste caso, nada disso ocorre.
j) É certo que, nos termos do art.º 118º, nº 2 do C.P. Penal a violação ou a inobservância das disposições da Lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na Lei; Mas, neste caso, desconhecendo o arguido o teor da notificação omitida, nem pode sequer saber se a sua falta constitui nulidade expressamente cominada na Lei!
k) O despacho recorrido é portanto tão errado como isso: na “forma” e no “conteúdo”, oblitera e denega o Direito a um Processo Justo e Equitativo, previsto no art.º 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (E artigo 32.º, nº1, da C.R.P.: «1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.»), desde logo, e já não apenas por considerar sanada (aparentemente) a irregularidade decorrente da falta de uma notificação, mas também por denegar o direito ao recurso sobre tal decisão (no seu mérito), só possível conhecendo o teor daquela notificação omitida!
Termina pugnando pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que determine a sua notificação.
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou resposta extraindo as seguintes conclusões:
1- Pelo supramencionado arguido foi interposto recurso do Douto despacho de ref. Citius 422936814 de 7 de Fevereiro de 2023.
2- Em concreto o arguido recorre do despacho onde se refere:
“Fls. 400/401:
Indefere-se o requerido porquanto o arguido se encontra regularmente notificado, conforme já anteriormente evidenciado no despacho proferido no dia 13.12.2022 (fls. 393), sendo certo que, o fim da notificação foi alcançado, em razão da apresentação de duas contestações”.
3- Todavia, ainda que se provasse que, em concreto, o arguido não recebeu a notificação, nem sequer teve conhecimento da mesma, afigura-se-nos que - conforme se salienta no despacho ora em crise - o fim que a notificação visava atingir foi efectivamente alcançado.
4- Efectivamente. na sequência da notificação a defesa apresentou nos autos duas contestações (uma relativa à parte criminal e outra relativa ao pedido cível!
5- O despacho recorrido contém fundamentação suficiente e esclarece por que motivo o arguido se considera regularmente notificado.
6- Mas, mais uma vez se repete que, mesmo que assim não se entendesse, sempre se deveria considerar que o fim pretendido com a notificação foi alcançado, uma vez que a defesa apresentou nos autos duas contestações.
7- Assim, o Douto despacho recorrido não violou quaisquer disposições legais, designadamente as indicadas pelo recorrente ou outras.
8- Antes aplica o direito em conformidade.
Termina pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
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B) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023:
Insurgindo-se relativamente ao despacho judicial proferido em 18 de outubro de 2023 que indeferiu a arguição de nulidades por intempestividade o arguido interpôs recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões:
a) O recurso, deve ser admitido com efeito suspensivo. Não o fazer, seria o mesmo que violar, (in)diretamente, inutilizando-o, o efeito suspensivo ope legis que deriva do recurso interposto da decisão proferida em 06.05.2022, que versa sobre a (não) admissão da abertura de instrução.
b) O presente Recurso vem interposto do Despacho proferido em 18/11/2023, que rejeitou a arguição, em 06.10.2023, de várias nulidades detetadas pelo Mandatário do A. aquando da sua deslocação nessa exacta data (06.10.2023), para consultar um apenso em falta - Apenso “A” - que pretendia consultar para poder preparar o julgamento, e inteirar-se do ocorrido na audiência agendada de 02.10.2023.
c) Ora, como resulta do enquadramento, a decisão de iniciar um julgamento quando no processo está em falta um apenso, que a defesa requereu para consultar, viola de forma grosseira o direito de ampla defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e condensado no CPP através de diversas disposições, bem como no âmbito da regra da publicidade do processo, prevista no artigo 86.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, bem como o artigo 7.º da Diretiva 2012/13/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece um amplo direito de acesso aos autos conferido ao arguido, mormente de forma atempada “para permitir o exercício efectivo dos direitos de defesa”, e cuja violação acarreta a nulidade o que o A., de resto, também arguiu expressamente em Requerimento de 29.09.2023, a que o Tribunal a quo, além do mais, não deu sequer despacho, incorrendo também por isso em nulidade, também ela, arguida.
d) Declarada aberta a audiência, a Defensora, nomeada para o acto, em consequência da impossibilidade de comparência do Defensor Constituído, devida e atempadamente comunicada por escrito, recusou na mesma intervir, indicando as razões da recusa: a expressa oposição do Arguido em ser pela mesma representado.
e) O Tribunal PODE nomear defensor, perante a falta, imprevisível, mas atempadamente comunicada, do Mandatário constituído não o TEM DE fazer; E nunca o DEVE fazer, quando em causa esteja um impedimento por razões de saúde do mandatário constituído, e não exista sequer risco de prescrição, porque isso respalda, numa perspetiva redutora da defesa, que diminui a função do Advogado. Num processo-crime, este não pode ser substituído à pressa, por um Advogado de oficioso que está de escala.
f) A Defensora nomeada, ao deparar com um processos constituído por 5 volumes (um deles em falta...) e um milhar de folhas, fez o que lhe competia: pediu prazo; O Tribunal decidiu qual era o prazo que a Defensora “necessitava”: 1 hora (inteira!), como se alguma vez houvesse efetiva defesa, num processo com 1.000 páginas, em que o Defensor tomou conhecimento uma hora antes do julgamento!
h) Fazendo tábua-rasa da escusa da Advogada oficiosa, o Tribunal estabeleceu o prazo de uma semana que a mesma pudesse preparar o julgamento, ou seja, pretendendo “forçar” uma Advogada oficiosa a exercer o patrocínio!! - deferindo prazo, a uma Defensora Oficiosa, que recusou realizar o julgamento, por inexistirem as condições de confiança que são inerentes a qualquer representação.
i) Estas decisões da MM.a Juiz a quo, revelam total distanciamento da lei, e do objetivo de a aplicar, e de garantir condições de defesa efetiva, numa inexplicável obstinação por dar início ao julgamento, ainda que com grave prejuízo para a defesa do Arguido, que nunca seria cabalmente assegurada.
j) O A. recorreu do despacho que indeferiu a Abertura de Instrução, suscitando nesse Recurso a suspeição/recusa de uma das Senhoras Desembargadoras, pelo facto de a mesma ser mãe de uma jovem advogada estagiária que tem o Arguido como patrono de estágio, na Ordem dos Advogados.
k) Por despacho de 12/07/2023, nos autos do Apenso A, a Senhora Desembargadora Relatora rejeitou, por «absolutamente desatempado», fazendo aí constar que o Acórdão aí proferido, terá transitado em jugado no dia 30 (TRINTA) de Fevereiro de 2023...
l) Tal despacho, porque proferido “em causa própria” e incompetência absoluta no âmbito de um incidente de recusa, cuja decisão é do STJ, e daquele Tribunal remetido ao TRL, para que fosse instruída a Recusa, foi objeto de novo recurso (no mesmo Apenso, “A” correspondente ao recurso sobre a rejeição da Instrução).
m) A remessa dos autos à primeira instância ocorreu, sem aguardar pelo trânsito em julgado (o que aliás causou o engulho que impediu o Arguido de consultar o processo na sua integralidade).
n) Em 28.09.2023, o A. juntou cópia das alegações deste recurso, apresentado em 28.09.2023; E arguiu o facto de esse Recurso, que não se encontrava sequer admitido pelo TRL, ter efeito suspensivo, porque o próprio apenso A, é um recurso que versa sobre a não admissão do Requerimento de Abertura de Instrução (com efeito suspensivo ope legis), e versando o Despacho agora recorrido sobre incidente de Recusa, este, acarreta a nulidade do Acórdão aí proferido.
o) Ou seja, tem também efeito suspensivo, o Recurso interposto da Decisão da Desembargadora Relatora, que rejeitou um incidente de Recusa, (que não tinha competência para decidir), pois se o próprio apenso A tem efeito suspensivo por constituir um recurso sobre a admissibilidade da instrução, o facto de o mesmo não ter transitado em julgado, impedia a baixa dos autos à primeira instância, e obviamente, obstava a que o processo pudesse ser tramitado e obviamente, a que se pudesse dar início ao julgamento, cujo adiamento, assim, requereu.
p) Na data designada, o Mandatário sofreu uma indisposição subida tendo informado o Tribunal por escrito, antes do início da audiência, da impossibilidade de comparecer.
q) A Dra. Juiz a quo, iniciou a audiência, nomeando uma Advogada oficiosa, que ao deparar com um processo constituído por vários volumes pediu prazo, sendo-lhe concedida uma hora -!!!! - ao cabo da qual a Defensora informou que não aceitaria a representação, porque o A. não prescindia do Mandatário constituído e não aceitaria ser representado pela Defensora Oficiosa.
r) Embora tal não conste da ata, foi afirmado pela MM.a Juiz o “desconhecimento” da data e modo pelo qual deu entrada o Recurso a que se reporta o Requerimento de 29.09.2023, o que constitui uma inusitada suspeita sobre a veracidade da prática de um acto processual, pondo em causa a sua palavra escrita...
s) Por isso, no requerimento de 06.10.2023, indeferido pelo Despacho de 18.10.2023, o A. requereu a junção aos autos do comprovativo da apresentação do Recurso em causa, indicando constar de fls. 88 do Apenso “A” o despacho sobre o qual versa tal recuso.
t) O senhor Procurador da República, Dr. DD pronunciou-se relativamente ao Requerimento de 29.09.2023, no sentido de o Recurso interposto não suspender a marcha do processo; Não indicou norma legal a sustentar tal posição; E a Mandatária da Assistente, declarou «Oponho-me adiamento; A base legal é exatamente a mesma referida pelo Senhor Procurador»; Do despacho, de imediato proferido, também não resulta indicado qualquer preceito legal que permita sustentar que o Recurso em causa tem efeito meramente devolutivo; E foi iniciado o julgamento.
u) Certo é que há uma base legal: do art.º 407.º, nº 2, decorre que «2 - Também sobem imediatamente os recursos interpostos: (...) h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;» e no nº 3, «3 - Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.»; Ou seja: se o Acórdão proferido é inválido em caso de uma das Juízes Desembargadoras Adjunta ser recusada, então, tal Acórdão é o “acto subsequente” de cuja validade depende o recurso interposto da decisão que rejeitou a recusa.
v) Foi, pois, praticada, e arguida, a nulidade, sujeita ao regime previsto no art.º 120º, do CPP, que determina a nulidade da própria audiência de julgamento, nos termos do art.º 122º, que foi arguida e que o Despacho recorrido procura velar, ao ter determinado o início da audiência: (i) em violação do efeito “suspensivo do processo”, ope legis, do Recurso interposto; (ii) Cuja admissão cabe ao TRL, e não à primeira instância; (iii)) E sem invocar uma única normal legal.
Termina pugnando pela revogação do despacho recorrido.
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou resposta extraindo da mesma as seguintes conclusões:
1- Afigura-se-nos que, quer o momento da subida, quer o efeito do presente recurso, estão correctamente determinados.
2- Os incidentes suscitados / recursos interpostos pelo arguido no âmbito do apenso A destes autos não podem ter efeito suspensivo sobre a marcha do processo.
3- Ora, se o recurso que esteve na génese do apenso A dos presentes autos teve efeito meramente devolutivo, não se nos afigura que qualquer incidente/recurso que surja no âmbito desse mesmo apenso deva ter outro efeito.
4- Em 02/10/2023 a Audiência de Julgamento foi suspensa durante cerca de uma hora para que a Defesa do arguido consultasse a totalidade do processo (crf. despacho constante da acta de ref. Citius ... 686 de 02/10/2023).
5- Da leitura do teor do despacho proferido em acta em 02/10/2023 resulta claro que não seria a Exma. Defensora nomeada para a Audiência de Julgamento desse dia a efectuar a diligência em 09/10/2023.
6- Assim, o Douto despacho recorrido não padece de qualquer nulidade, nem violou quaisquer disposições legais, designadamente as indicadas pelo recorrente ou outras.
7- Antes aplica o direito em conformidade.
Termina pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
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C) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024.
Insurgindo-se relativamente ao despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024 no segmento em que considerou a prestação efetuada pelo arguido ora recorrente como uma obrigação natural e indeferiu a notificação da associação beneficiária da mesma para restituir tal prestação àquele o mesmo interpôs recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões:
a) Salvo o devido respeito, a qualificação como “obrigação natural” daquela que o arguido faça sem “ter sido coagido”, é simplesmente incompreensível.
b) As obrigações naturais são portanto casos que se situam na fronteira em que existe um dever moral ou social, a que corresponda um dever de justiça, sendo certo que o único dever de justiça que vislumbramos seria o da Assistente ser responsabilizada por “dar o dito por não dito” no que tange à proposta de SPP que determinou o Arguido a efectuar o pagamento em crise.
c) A “suspensão provisória do processo”, é resultado da aplicação do princípio da oportunidade, integrado nos actos de diversão inerentes ao movimento de desjudicialização e que se insere na denominada justiça penal negociada (permitida pelo art.º 202º 4 CRP “A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”).
d) Partindo a SPP da ideia de negociação com vista à obtenção do consenso entre os sujeitos interessados (ofendido /agressor) assente em ponderações e finalidades de realização de uma justiça restaurativa, onde aqueles são chamados a participar activamente na resolução do litigio, apenas se concebe a aplicação de tal instituto existindo um efectivo consenso entre todos o intervenientes (sujeitos processuais) pois a consensualização/resolução do litigio inter partes constitui o fundamento pelo qual o Estado renuncia ao exercício do seu poder punitivo, consenso que não sendo conseguido não pode ser imposto.
e) Esse consenso, notoriamente, existia nos autos, em momento prédio à dedução de acusação, tendo o pagamento efectuado pelo Arguido partido pois dessa vontade manifestada no processo, pela Assistente.
d) O pagamento efectuado pelo Arguido, não foi, pois, uma prestação espontânea, assente em qualquer dever de justiça material, nos termos definidos no art.º 402º do C. Civil.
f) O Arguido deve pois ser restituído do valor por si despendido na perspectiva de cumprir uma injunção que lhe foi judicialmente determinada nos exactos termos propostos pela Assistente, para efeitos de SPP, pelo que e atento o disposto no art.º 474º do C.C, é através da figura do enriquecimento sem causa que deve ser determinada a restituição daquilo com que a IPSS beneficiária, injustificadamente, se locupletou.
Termina pugnando pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a notificação da IPSS “...”, para devolver ao arguido o valor de €150,00 (cento e cinquenta euros).
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou resposta extraindo da mesma as seguintes conclusões:
1- O invocado pelo arguido é irrelevante nesta fase processual.
2- O Douto despacho recorrido não padece de qualquer erro, nem violou quaisquer disposições legais.
3- Antes aplica o direito em conformidade.
Termina pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
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D) Recurso interlocutório interposto dos despachos judiciais proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.
Insurgindo-se relativamente aos despachos judiciais proferidos em 28 junho de 2024 e 1 de julho de 2024 indeferiram a nulidade de prova por violação de sigilo profissional bem como outros requerimentos formulados por entender que há violação das garantias de direito de defesa no indeferimento dos mesmos o arguido e ora recorrente interpôs recurso extraindo das motivações as seguintes conclusões:
a) Neste processo, um Advogado foi acusado de ser o autor de 4 e-mails remetidos a partir do endereço eletrónico de que é titular uma sociedade de advogados com a denominação, enviados a uma A.E., que não estão assinados por quirógrafo, nem através de assinatura digital, não se sabendo sequer se foram efetivamente remetidos, já que nenhuma prova a tal propósito foi alguma vez produzida (foram apenas juntos uns "papéis" correspondentes à impressão desses emails), e nenhuma prova foi produzida em audiência relativamente à autoria dos mesmos, que o A., aliás, negou, declarando porém concordar com o respectivo teor, face à ilegalidade da conduta da Ass.; A Ass., entende que só pode ter sido o A., para o que aliás, inquirida, não apresentou justificação alguma, declarando que nunca se cruzou ou falou pessoal ou telefonicamente com o A...
b) O MP, em audiência, conduzida pela MM.a Juiz à quo com uma animosidade que está nos antípodas da serenidade, equidade, distanciamento e isenção que se exigem a qualquer Magistrado, e que só a audição das gravações, principalmente das respeitantes às declarações do Arguido, permite compreender, considerou que pelo menos dois dos emails nada contêm que seja considerado injuria e fundamentou a sua posição indicando 2 Acórdãos da Relação de Lisboa... Ou seja: que a acusação é manifestamente infundada!
(II. Da nulidade da prova produzida, em violação do sigilo profissional de advogado)
c) A "testemunha" EE, Advogada do Banco, depôs sobre o teor de um email que lhe foi remetido em abril de 2020 e sobre o teor de um outro email entretanto remetido pelo A., em 27.06.2024, relativo ao processo executivo, para devolver à infeliz executada o valor que lhe tinha sido penhorado em excesso; declarou que pelo teor do email de 27/06/2024 é possível depreender que o teor dos primeiros (de 04/2020) são da autoria do A., pelo seu "estilo"; E declarou, em audiência, que não obteve, nem pediu, dispensa de sigilo profissional, que a habilitasse a facultar cartas recebidas de um Advogado, consequentemente sujeitas a sigilo profissional, e depor sobre o conteúdo, comunicações.
d) As referidas comunicações (carta/email) estão abrangidas pelo sigilo profissional, nos termos do art.º 92º nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que se reportam «e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo»; E não, apenas « a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste».
e) Assim, após ser dada a palavra à defesa para inquirir a testemunha EE, foi arguida a nulidade, decorrente da ilegalidade de tal depoimento, desprovido da imprescindível autorização, a conceder nos termos do art.º 55º nº 1, al. I), do EOA, bem como, quanto à proibição da audição da mesma, face à proibição de valoração da prova que consubstancia tal depoimento, bem como (ao que acresce) igual nulidade e proibição de valoração do próprio documento de fls.17 (queixa).
f) Foi em Audiência de julgamento realizada em 01.07.0224, proferido o seguinte Despacho (aqui, recorrido): «Portanto, o despacho é o seguinte: Considerando o que foi requerido pela defesa no período da manhã desta audiência de julgamento, mantenho o meu despacho anterior, reitero o meu despacho anterior, considerando que não ocorre aqui nenhuma nulidade ou nenhuma invalidade de prova, porque entendo que neste caso não está a ser violado o sigilo profissional, sendo que em último caso, mesmo que se considerasse que estaria a ser violado o sigilo de profissional, que não é o caso, ainda assim, tendo em conta que estamos aqui num processo de natureza criminal, sempre prevaleceria a investigação e o apuramento da verdade no processo de natureza criminal em detrimento deste princípio, deste sigilo. E consequentemente, como não entendo que haja nulidade de prova, consequentemente não ocorre qualquer alteração nem substancial, nem não substancial dos factos, mantendo-se a acusação, pelo menos por ora, tal como ela consta, não haver necessidade de comunicar o que quer que seja à defesa.».
g) O artigo 92º do EOA (Lei nº 145/2015, de 9 de setembro) é claro; e a formulação especialmente ampla do mesmo na protecção a um dever de sigilo, que é unanimemente considerado como o primeiro pilar de um Estado de Direito; Pelo que o depoimento de advogado que infrinja o dever de sigilo profissional, revelando factualidade ou dando a conhecer documentos que se considerem estar a coberto do segredo profissional do advogado, não pode fazer prova em juízo, nos termos do art.º 92.a, nº 5, do EOA, dá origem a uma proibição de prova,
h) E mesmo que se entendesse ser o documento e o depoimento da "testemunha" necessário para fazer prova da prática de um crime a realidade é que foi a Ass. e a testemunha quem, culposamente, deram causa a tal nulidade, pois que podendo e devendo requerer a dispensa de sigilo, à O.A., omitiram tal diligência, não podendo pois beneficiar da ilegalidade a que deram causa e dela retirar benefícios, naquilo que seria um entendimento violador do princípio da igualdade de armas, da equidade, da proporcionalidade e atenta a natureza do dever de sigilo profissional.
i) Deve, pois, a decisão recorrida proferida em 01.07.0224, oralmente em audiência de julgamento, ser revogada, quer quanto à admissibilidade do documento de fls. 17, doc. 8 junto com a queixa (email datado de 23.04.2020) cujo desentranhamento dos autos deverá ser determinado, quer quanto ao depoimento de uma advogada, testemunha em ostensiva e flagrante violação do dever se sigilo, sendo determinada a sua nulidade.
(III. Da omissão de notificação de documentos)
j) Por consulta presencial aos autos, o A. e o seu Mandatário verificaram no processo que a Ass. juntou aos autos em 3/02/2024 um "molho de papéis", de duvidosa utilidade para a decisão da causa, sobre os quais não recaíra qualquer despacho, tendo requerido, em 28/06/2024, que os mesmos lhe fossem notificados, através de requerimento (referência 39786205);
k) Sobre este requerimento, a decisão constante da primeira parte do despacho proferido em 28.06.2024 que ordenou «Cumpra-se o contraditório», ou seja, o Tribunal informado que não cumpriu o contraditório relativamente a um requerimento do A. refere não ter sido cumprido o contraditório relativamente a documentos juntos em 03/02/2024 (refã Citius 38372405), CINCO meses antes, sem - MESMO ASSIM - ordenar a notificação imediata dos referidos documentos à Defesa!
l) Desde logo, se há Despacho a tal requerimento, o mesmo é de tal modo ininteligível que o Defensor teve a necessidade de perguntar: «Então, mas em que sentido é o Despacho?», recebendo como resposta do Tribunal a quo os documentos que nunca foram notificados, estão notificados (do ficheiro "Diligência_4500-20.8T9LSB_2024-07-01_09-58-27), sem nada que se assemelhe a uma fundamentação legal, ou em rigor qualquer outro tipo de fundamentação.
m) Acresce que, se o Tribunal considera que o Arguido "tomou conhecimento", teria de dizer quando; E se se considerar que "tomou conhecimento" dos documentos e que tal "tomada de conhecimento" dispensa a notificação, o Arguido tem, ainda assim, 10 dias para se pronunciar; E ainda que esses 10 dias corram desde a data em que tomou conhecimento 28.06.2024 então no dia 1.07.2024 estava ainda em prazo para tomar sobre os documentos juntos pela Assistente posição impugnando-os ou dizendo o que se lhe oferecesse sobre o seu teor.
n) E portanto, seja como for, sempre o Tribunal a quo violou, de forma grosseira aliás, e sem qualquer fundamentação jurídica, o princípio do contraditório, com violação frontal e directa do disposto no art.ºs 33º, n.º 1 e (especificamente) nº 5 da Constituição da República Portuguesa, do Artigo 6º Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que impõe a revogação do "despacho" dado em acta, oralmente, entre as 10:07 e as 10:09 (horas) na audiência de julgamento realizada em 1.07.2024 gravado no ficheiro "Diligência_4500-20.8T9LSB_2024-07-01_10-07-22, que recaiu sobre a arguição de nulidade que antecede, em requerimento gravado no ficheiro "Diligência_4500-20.8T9LSB_2024-07-01_09-58-27, e do qual decorre que «Quanto ao conhecimento, eu entendo que o Arguido tomou conhecimento, pelo menos, em data anterior, no dia 28/06, dos referidos documentos ao proferir o requerimento que deu entrada nos autos nesse dia. (...). Nada mais há a determinar.».
(IV. Do desentranhamento de documentos cuja junção foi requerida pelo Arguido).
o) Igualmente inusitada e ilegal, é a decisão que indefere a junção aos autos de um e-mail remetido pelo A. à A.E. aqui Ass., relativamente ao processo executivo a que se reportam os e-mails, no dia 27/06/2024, ou seja, no dia útil anterior à audiência de julgamento, proferindo a tal propósito o despacho de 28/06/2024 (Refª Citius 436774361) que não estava sequer notificado no dia 01.07.2024, em que se realizou a Audiência de Julgamento, e que determina: « Requerimento com a ref 39786208: Por se tratar de comunicação agora trocada no âmbito do processo executivo, nada sendo requerido, determino o seu desentranhamento e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.».
p) Sucede que, durante a inquirição da testemunha EE, a mesma depôs dobre o teor desse e-mail, junto pelo A., e que consubstancia o documento anexo ao Requerimento para estabelecer uma semelhança entre a linguagem ali utilizada e dos e- mails juntos como documentos 3, 5,7 e 8 da queixa-crime.
q) O Tribunal permitiu tal inquirição e a resposta às questões formuladas para esse efeito, nos termos que constam do ficheiro "Diligencia_4500-20.8T9LSB_2024-07-01_ll-38-05": (...) A doutora alguma vez teve alguma dúvida de que este e-mail tinha sido enviado pelo doutor AA? // Nenhuma. Na sexta-feira passada acabei de receber o e-mail do doutor AA sobre este processo que está extinto desde 2022. // E recebeu o e- mail na sexta-feira passada? E já agora, o estilo do e-mail é assim mais ou menos como este? Como é que interpretou? //Não, não insulta, é um e-mail muito intrincado, em que traz-se-lhe partes de comunicações enviadas pelo doutor FF, entre aspas, mas que é basicamente para informar o e-mail da executada, porque há uma descente, havia a ordem do processo que agora já está na ordem dos corpos da justiça, de a exegeta da ordem da população da executada, e que estávamos à espera, ou estávamos a querer levar ao professor FF, no cumprimento das suas conclusões, a esperar dois anos e tal desse e-mail, e chegou agora na sexta-feira, a informação do e-mail. Mas o e-mail nunca é um e-mail, como é que é de explicar isto? Nunca diz só o essencial, tem sempre que ter transcrições, coisas que o doutor FF expôs, quando o doutor FF lhe perguntou, foi uma coisa básica (...)».
r) Obviamente que face a tais declarações, o A. pretendia - e tem o direito de - confrontar a testemunha com o referido e-mail, e onde é feita uma síntese narrativa das comunicações anteriormente trocadas, citando uma anterior de 30/05/2022, em que o A. questiona A.E. nos seguintes termos: «Em 29/03/2022, notificou-me, via email, "Pelo presente cumpre reiterar o teor da notificação anexa, para que possamos devolver o montante de 247,55 euros à V/ constituinte e avançar com a extinção da execução identificada em assunto." // Em 30/03/2022, respondi: "Solicito que me remeta cópia da notificação anterior e data da mesma. E que me informe concretamente o que necessita. É que da comunicação e do teor do documento anexo, resulta apenas que há um valor de €247,55 a devolver à executada.// O que pretende é a indicação do IBAN da Executada para efetuar a transferência? Se é isso, não consta, nem da comunicação, nem do documento anexo." // Em 30/05/2022, notificou-me: "Pelo presente cumpre reiterar o teor da notificação anexa (datada de 10.01.2022), uma vez que os autos aguardam resposta à mesma, para que seja possível proceder à devolução do montante de 247,55 euros à constituinte de V. Exa." // Para obter o IBAN da Executada, tentei contactá-la telefonicamente, sem sucesso, e enviei-lhe uma carta que veio devolvida. Hoje, desloquei-me, pessoalmente, às duas moradas que tinha da Executada, HH: (...) Na 2.s morada (Praceta ...) falei com a filha da Executada, II, que contatou telefonicamente a mãe. Falei telefonicamente com a Executada, HH, que me comunicou: IBAN (...) E que a morada da Executada para futuras notificações é a seguinte: (...) // Comunico o IBAN da Executada, devendo ser efetuado imediatamente o reembolso do valor à mesma por necessitar do dinheiro que foi penhorado em excesso."
s) Face a tais declarações da "testemunha" e ao teor do email de 27.06.2024, que nada tem a ver com o que aquela declara, o A. requereu que fosse confrontada com o documento; O que foi indeferido, uma vez mais, sem qualquer referência à utilidade do documento para a descoberta da verdade e sem qualquer arrimo com o disposto no art.º 165º nº1, do CPP, que permite a junção de documentos até ao encerramento da audiência;
t) No que teve como efeito impedir a Defesa de infirmar o depoimento, e confrontar a Testemunha com a falsidade do que acabara de afirmar, relativamente ao teor do email remetido em 27.06.2024, considerando o Tribunal, pasme-se, que «A testemunha pode dizer o que quiser....... E o Arguido nada pode fazer para demonstrar a falsidade, parcialidade, de um tal depoimento, que está nos antípodas do que um documento que juntou respalda!
u) É que, o Tribunal podia não ter admitido que a Testemunha respondesse à questão que lhe foi formulada; mas, admitindo-o, e sendo esse um depoimento que versa sobre aquele que é o facto "nuclear" dos autos - a autoria dos emails - não pode depois negar ao A. o direito a demonstrar a falsidade do que é afirmado a tal propósito (concretamente, daquilo que no email de 27.06.2024 a "testemunha" narra que está escrito!), arrazoando que "a testemunha pode dizer o que quiser", e negando ao A. o direito à prova de que o que a testemunha disse, é falso, que só poderia ser feita através de um documento que o Tribunal t)tinha "na mão", apesar de ter mandado desentranhar.
(V. Da recusa de notificação de Testemunha arrolada na contestação)
v) O A. Arrolou como testemunha, na Contestação, a infeliz empregada de limpeza executada e penhorada no processo conduzido pela Ass., HH, cuja notificação se frustrou, tendo em 19/06/2024, Ref.a Citius 39695467, apresentado o seguinte requerimento: 1. O A. teve conhecimento, através da gerência do "Hotel Madrid", que a testemunha HH, está a trabalhar e a residir no Reino Unido. (...) Termos em que requer: a) O Apuramento da morada da testemunha HH, por intermédio do consulado português em Inglaterra, e a sua notificação por via consular, nos termos do artigo 239º, nº 3, do CPC; b) A expedição de carta rogatória para as autoridades competentes no Reino Unido, para informarem a morada da testemunha HH, naquele país, tendo em conta a necessária existência de registo dessa morada.
w) Foi proferido Despacho, datado de 20/06/2024 (Ref.º Citius 436505312): «No âmbito do dever de cooperação processual, deverá o arguido, no prazo de 2 dias, vir aos autos informar a identidade e domicílio da pessoa que lhe deu a informação de que a testemunha HH, (...) e bem assim a designação do Hotel a que alude no requerimento em referência e respectiva morada, tendo em vista proceder à notificação daqueles nos termos previstos no 417º, nº 1 e nº 2 do CPC aplicável, ex vi artigo 43 do CPP.»; O que por si só constitui uma determinação inútil, e por isso ilegal, na medida em que em nada permite facilitar a pretendida notificação de uma testemunha cujos elementos de identificação constam dos autos, e ordenando ao Arguido a realização de diligências que cabem ao Tribunal, porque investido dos meios e da autoridade necessária, que o Arguido não tem, numa grosseira e flagrante violação do dever de boa administração da justiça e da colaboração devida do Tribunal às partes.
x) Sendo certo que, ainda assim, em 22/06/2024, Ref. Citius 39729764, o A. informou: « que tal informação foi obtida nos próprios autos do processo em que V. excelência é titular, conforme se pode verificar a fls., na notificação ordenada pelo Tribunal através da PSP, foi o próprio agente da PSP que obteve a informação de que a testemunha já não trabalha no «Hotel 3K Madrid», sito na ...; Também consta dos autos quem prestou ao Tribunal essa informação, quanto à localização do paradeiro da testemunha HH.
y) Sendo então ilegal, além do despacho de 24.06.2024. também o Despacho proferido em Despacho, datado de 20/06/2024 (Ref.§ Citius 436505312): O primeiro por impor; E o segundo por assentar no pretenso incumprimento daquilo que é uma determinação inútil, sem qualquer fundamentação jurídica, conferindo artigo 311º-B e 283º, nº3, alínea e) do CPP e ao artigo 417º, nº 1 e 2 do CPC aplicável, ex vi artigo 43 do CPP, uma interpretação que viola o princípio da proporcionalidade, o direito à prova, o princípio da ampla defesa, o direito a um processo justo ativo, previstos no arts 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e no Artigo 6º Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
z) E em 28/06/2024, Ref. Citius 39786206, o A. requereu o seguinte:« 5. O A. falou telefonicamente com a Testemunha, HH, que o informou que se encontra a trabalhar no Reino Unido e que reside em: (...) E tem o n.ºs de telefone: 0044 (...) Termos em que se requer a V. Exa. que se digne ordenar a notificação da testemunha, HH, para prestar depoimento, por videoconferência, a realizar no Consulado de Portugal em Londres.».
aa) Sobre tal requerimento, recai este extraordinário Despacho (28/06/2024 - Ref.. Citius 436774361): «Requerimento com a ref.39786206: Do compulso dos autos, designadamente do teor deste requerimento, do teor do "assunto" da comunicação que consta do requerimento anterior e do teor da contestação e rol de testemunhas, oportunamente apresentados pelo arguido, resulta que o arguido está a informar a morada e número de telefone de pessoa diversa da que inicialmente arrolou como testemunha. Suscitando-se dúvidas sobre a pretensão do arguido, nada a determinar»; O qual, recorde- se, não estava, sequer, notificado na data (01.07/2024) em que se realizou a Audiência de Julgamento,
bb) A tal propósito, consta do Ficheiro "Diligência. 4500-20.8T9LSB_ 2024-07-01_15-13-02: O Sr. Doutor é que sabe, não é? Eu já decidi, Sr. Doutor. Eu não sei qual foi o sentido do despacho, porque eu, portanto, vim dizer qual era o contacto da Senhora, essas coisas todas. Tudo em prazo. Não, não, Sr. Doutor. Não está nada em prazo, que é diferente. (...). No final da contestação consta, testemunhas, HH. Sr. Doutor, é tudo... já decidi tudo sobre isso, Sr. Doutor. E o que me chamou a atenção foi o último requerimento do Arguido, vir só com HH. E não meter os apelidos. E, por isso, nada a determinar, vamos prosseguir. Nada mais a determinar, uma vez que esta testemunha tinha que ser a apresentar.», chocando, mais do que a incoerência do discurso, o "tom" jocoso do Tribunal, que respalda uma animosidade para a qual não há justificação possível...
cc) Sobre tal "narrativa" do Tribunal, recaiu o Requerimento, ditado em acta, constante do ficheiro "Diligência_4500-20.8T9LSB_2024-07-01_15-16-27: E agora, apurado o paradeiro e transmitido ao tribunal, o tribunal não ordena a notificação de uma testemunha arrolada na contestação e relativamente a factos que são essenciais à descoberta da verdade e que são, no fundo, a base de todos os processos. E o mais curioso é que, aparentemente, não consta desse despacho qualquer referência ao princípio do inquisitório, que aliás amiúde se tornou prática neste processo. (...) E, portanto, obviamente que isto configura, uma vez mais, uma violação, salvo devido respeito e é algo chocante, dos direitos de defesa de Arguido, do princípio da ampla defesa, mas, sobretudo, uma incoerência até do tribunal. Perdoar-se-á, mas o despacho que acaba de ser comunicado à defesa viola até o princípio da coerência que deve presidir a qualquer despacho de natureza jurisdicional. Ou seja, nós arrolamos uma testemunha, a testemunha é admitida, o tribunal pede esclarecimentos, o arguido realiza uma série de diligências para apurar o paradeiro da testemunha que deviam ser realizadas oficiosamente pelo tribunal. O princípio do dispositivo inquisitório e da verdade material, até porque o princípio da preclusão, como é sabido, tem aplicação apenas nos processos de parte, o que não é o caso do processo penal. (...). E, portanto, vai obviamente arguida a nulidade decorrente da não notificação da testemunha e da consequente não realização de uma diligência probatória que se reputa essencial, embora o tribunal sobre essa essencialidade, em bom rigor, nada tenha dito».
dd) A isto, foi "respondido" (no que será um "despacho, cuia revogação de impõe) pelo Tribunal a quo, o que consta do ficheiro "Diligência 4500-20.8T9LSB 2024-07-01 15-23-22: «[...)Portanto a dúvida instala-se e na mesma contestação a testemunha tem outro nome, portanto se isso fosse uma questão de estado civil na própria contestação não haveria esta diferença de apelidos sendo que esta testemunha, quer as outras duas testemunhas que foram arroladas, o tribunal não se pronunciou sobre a necessidade da sua inquirição para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa porque é evidente que aqui chegados e até pelo facto do arguido ter negado ter assinado os tais e-mails. (...). E, portanto, o tribunal não utiliza essa prerrogativa de oficiosamente determinar a inquirição destas testemunhas inclusive da primeira testemunha arrolada pela defesa porque não foi produzida qualquer prova até este momento de que se trata da mesma pessoa. (...) Não basta, como é óbvio, a alegação de que agora está casada e antes estava solteira e, portanto, reitera-se todos os despachos que foram preferidos quanto a isto e determina-se o prosseguimento dos autos.»
ee) Na sua aparência, o despacho recorrido consiste (só) em recusar a notificação de uma testemunha por dúvidas quanto à sua identidade, o que por si (só) já seria grave, e mais grave é porque, na sua materialidade, demonstra profundo desprezo por quaisquer factos que o A. pretenda demonstrar na sua (e em sua) defesa!
ff) E tanto assim é que, na audiência de julgamento, a defesa declarou que a testemunha a que se reporta o requerimento com a Ref.ª 39786206, é aquela que foi arrolada com a contestação, esclarecendo que não há nenhuma outra HH e que a única testemunha que se pretende ver inquerida é a referida HH, executada no processo executivo n.º 8464/14.9T8SNT em que o A. interveio como mandatário pro bono.
gg) Por outro lado, esta incompreensível recusa em notificar a testemunha, viola até o princípio da coerência, subjacente à própria ideia de Estado de Direito, já que o próprio tribunal proferiu sucessivos despachos em que ordenou que o A. (que já requerera aliás diligências a tal propósito) apurasse a morada e contactos da testemunha HH, a que se seguiram diligências pessoalmente efetuadas pelo A. em 27/06/2024, substituindo-se ao Tribunal, que culminaram na localização da filha da referida testemunha que lhe forneceu os necessários contactos, manifestando sempre interesse e diligência no apuramento do paradeiro desta testemunha, procurando sempre o A. diligentemente colaborar com o Tribunal no apuramento do seu paradeiro, em termos que até extravasam o que lhe competia, uma vez que não tem o "jus imperium" de que o Tribunal está investido, nem os meios de que o Tribunal dispõe.
hh) Destarte, verifica-se que, sem apelo nem agravo, a MM.ª Juiz a quo violou os mais elementares deveres de colaboração, em termos sempre pautados por uma animosidade que perpassa nas gravações áudio e nos despachos que proferiu, tudo agravado com uma omissão de pronúncia que gera objectiva perplexidade, relativamente ao requerimento em que o A. requerera ao tribunal que indagasse junto das autoridades inglesas e portuguesas a localização dessa Testemunha, que logo indicou estar a residir em Inglaterra, e relativamente ao qual existe, pura e simples, omissão de pronúncia (para não dizer "veto de gaveta"...).
ii) Tal decisão tem como consequência a obliteração do direito à prova e consequentemente do direito do A. a defender-se, constituindo flagrante violação do direito a um processo justo plasmado no Artigo 6º Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; É uma decisão iníqua, que encontra exclusiva motivação na animosidade do Tribunal com o A.; É uma decisão que olvida as diligências requeridas para apuramento da morada da Testemunha e sua notificação, sobre as quais o Tribunal preferiu omitir pronúncia, com a consequente nulidade; É um despacho que dá o dito por não dito, numa grosseira falta de coerência, e que revela um desprendimento quanto aos mais primários deveres de imparcialidade, em termos que aliás já haviam sido suscitados em requerimento de Recusa, fazendo tudo o que podia e tudo o que não podia para desarmar a Defesa de uma testemunha essencial à descoberta da verdade e que for arrolada na contestação.
jj) Deverão, pelos motivos expostos, ser revogados: (i) O despacho datado de 20/06/2024 (Ref. Citius 436505312); O Despacho datado de 28/06/2024 - Ref. Citius 436774361; E os "despacho" (caso se considere que o são...) proferidos oralmente na audiência de julgamento realizada em 01.07.2022, gravados em "Diligência 4500- 20.8T9LSB 2024-07-01 15-13-02 e ficheiro "Diligência 4500-20.8T9LSB 2024-07-01 15- 23-22.
(VI. Da recusa de notificação de Testemunha, Juiz provida em comarca limítrofe)
kk) Em 19/06/2024 (Ref. CITIUS 39695524), o A. requereu «o aditamento ao Rol, das seguintes Testemunhas: JJ, MM.ª Juiz titular do Juízo de Execução de Sintra - Juiz 3 - P. 8464/14.9T8SNT, a notificar no Palácio da Justiça - Av. General Mário Firmino Miguel, n.º 2 - 2714-556 Sintra; LL, Agente de Execução, com domicílio profissional na R. …, LISBOA, // Relativamente à qual se requer que seja inquirida a partir do Tribunal de Portimão, por se encontrar deslocada naquela localidade por razões de saúde. //As testemunhas deporão sobre os factos 5 a 7 da contestação, 12 a 13 da Contestação ao Pedido de Indemnização Cível, e sobre a personalidade e condição pessoal do Arguido».
ll) Foi proferido este extraordinário Despacho: «Requerimento com a ref. 39695524: Vem o arguido apresentar mais um aditamento ao rol de testemunhas, requerendo a notificação das testemunhas agora arroladas. Dispõe o artigo 316º, nº 2 do Código de Processo Penal que depois de apresentado o rol não podem oferecer-se novas testemunhas de fora da Comarca, salvo se quem as oferecer se prontificar a apresentá-las na audiência. Ora, as duas testemunhas aditadas, têm, neste momento, residência profissional e pessoal, fora da Comarca. Assim, não se admite o aditamento ao rol de testemunhas, agora apresentado pelo arguido, por não ser admissível legalmente nos termos requeridos.»
mm) Refira-se aliás que o A. fez prova (juntando aos autos) a carta entregue em mão à testemunha, Dr. Juiz de Direito, a solicitar a comparência no tribunal na audiência agendada para o dia 1.7, indicando na mesma carta as razões da relevância do depoimento, o que, mesmo assim, de nada valeu, porquanto o Tribunal a quo, proferiu o seguinte despacho (28.06.2024, Ref. 436774361): «.Requerimento com a ref. 39786207: Face ao anteriormente decidido e sendo ónus do arguido a apresentação das testemunhas em julgamento atenta a sua indicação tardia, é irrelevante as diligências que alegadamente fez para o efeito, pelo que determino o desentranhamento do requerimento em referência e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.»
nn) Foi arguida a nulidade deste "despacho", proferido em 20/06/2024 (Ref. 436505312) que deverá ser revogado, porquanto, para indeferir a notificação requerida de uma Senhora Juiz, o Tribunal a quo invocou secamente o disposto no artigo 316º, nº 2 do Código de Processo Penal, sem sequer fazer qualquer referência à necessidade da inquirição desta testemunha para a descoberta de verdade, e num entendimento que assenta numa interpretação do artigo 316º,nº 2 do CPP que viola o direito à prova, o princípio da ampla defesa, o direito a um processo justo ativo, previstos no art.s 20.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e no Artigo 6º Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que compulsam o tribunal no âmbito de um poder-dever de investigação autónoma, a realizar todas as diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade material, maxime, todas as circunstâncias que possam ter influência no desfecho do processo, como o é a inquirição de uma testemunha, Magistrada Judicial, que o A. não tem possibilidade de fazer comparecer em juízo, que declarou a ilegalidade da conduta processual da Ass., essencial para aferir a motivação subjacente à reação veemente plasmada nos emails recebidos pela Ass. em 2020.
(VII. Da recusa de notificação de Testemunha, com domicílio na comarca)
oo) Mais grave, porém, é o despacho pelo qual o Tribunal frustrou o direito de defesa e à prova, do A., no que respeita à inquirição da testemunha arrolada, LL, Agente de Execução, com "fundamento" no facto de a mesma, com domicílio profissional na ..., em Lisboa, ter domicílio pessoal e profissional fora da comarca (de Lisboa!),
pp) É que, na sequência da bizarra decisão que considera que uma testemunha relativamente à qual se indicou um domicílio profissional sito em Lisboa, tem "neste momento, residência profissional e pessoal, fora da Comarca" (Ref.º Citius 436505312 - 20/06/2024), foi em 22/06/2024 apresentado o requerimento seguinte (Ref. 39729764): «(...) Ora, nunca jamais em tempo algum o arguido indicou o domicílio pessoal das testemunhas, E desconhece onde é que reside a excelentíssima Senhora Doutora juíza que proferiu o douto despacho que suspendeu a penhora do ordenado da infeliz executada HH, como desconhece qual seja o domicílio pessoal da senhora solicitadora. E no que é esta diz respeito, a mesma tem domicílio profissional na comarca a ...; Que se situa em Lisboa... Comarca de Lisboa... Existindo assim um lapso do Tribunal, por erro sobre os pressupostos que levaram a prolação do despacho que antecede, requer respeitosamente a V. Ex.s a reforma da decisão. (...)»
qq) Acto contínuo, o Tribunal "despachou" o seguinte (Despacho de 24/06/2024, Ref. 436602750, cuja revogação se impõe): «Requerimento com a ref. 39729764: Reitero o despacho proferido a 20.06.2024 quanto ao aditamento ao rol de testemunhas, porquanto, mesmo a testemunha que alegadamente terá residência em Lisboa, neste momento, que é o que releva, reside em Portimão. ».
rr) Conforme decorre do requerimento gravado no ficheiro Diligência_P. 4500- 20.8T9LSB_2024-07-01_15-16-27, foi arguida a nulidade decorrente da omissão de notificação da Testemunha LL: «(...), portanto, compreendendo, evidentemente, que há uma norma que determina que as testemunhas arroladas após a contestação, sendo residentes fora da comarca, são a apresentar, o que também, diga-se de passagem, não é o caso da testemunha agente de execução que foi arrolada também. A testemunha pode estar temporariamente ausente da comarca, mas não deixa de ser residente na comarca, porque o seu domicílio profissional e pessoal é na comarca, e não é pelo facto de estar, de ter por acaso fora da comarca, que deixou de ser assim.»; Sobre o que não foi sequer proferido Despacho!
ss) Presume-se que a MM.ª Juiz a quo não ignore que, etimologicamente, a palavra “domicílio" tem origem no termo latino domus, que significa "casa" e que do disposto no Código Civil, Artigo 82º, decorre que «1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual;» e Artigo 83.º «1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.»; E que em norma jurídica nenhuma é disposto que o domicílio de uma pessoa singular é o lugar onde esteja, por razões de saúde, deslocada temporariamente.
tt) Pelo que, ao indeferir a notificação, impedindo a inquirição, da Testemunha LL, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 136º do C.P.P. e 82º, 83º, e 8º, do Código Civil, conferindo-lhes aliás uma interpretação desconforme ao direito a um processo justo plasmado no Artigo 6º Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ao afirmar um conceito de "domicílio" significado absolutamente incompaginável com qualquer disposição legal, seja numa interpretação literal, seja numa interpretação teológica das identificadas normas, em violação do princípio da legalidade e do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da República Portuguesa) e da Defesa em Processo Criminal (art.º 20º, nº 4 e art.º 32º, nº 1 e nº 7, todos da Constituição da República Portuguesa),
uu) Devendo, pelo exposto, ser revogados os despachos em 20/06/2024 (Ref. 436505312) e em 24/06/2024, Ref. 436602750, que indeferiram, em grosseira das normas supra indicadas, o aditamento ao Rol e respectiva notificação, para inquirição em audiência de julgamento, da Testemunha LL, com domicílio na comarca de Lisboa.
Termina requerendo a revogação dos despachos recorridos.
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Admitido o recurso o Ministério Público apresentou resposta extraindo da mesma as seguintes conclusões:
1-O teor do e-mail o enviado à testemunha, em nosso entender, não se encontra a coberto de qualquer sigilo profissional.
2 - Em data anterior a 28/06/2024 o arguido efectivamente tomou conhecimento do teor dos documentos cuja junção havia sido requerida pela assistente.
3- O documento cujo desentranhamento foi ordenado nada tem a ver com o objecto dos presentes autos, pelo que o seu desentranhamento foi bem decidido (cfr. art.º 340º do Cód. Proc. Penal, a contrario).
4- O arguido veio agora indicar morada e número de telefone de pessoa que não corresponde integralmente com o nome da testemunha indicada na contestação, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo ao não determinar a inquirição dessa testemunha.
5- Bem decidiu a Mma. Juiz a quo, uma vez que as testemunhas eram de fora da comarca, e não se tendo o arguido prontificado para as apresentar em Audiência, o aditamento das mesmas não era possível (art.º 316º nº 2 do Cód. Proc. Penal).
6- Assim, os Doutos despachos recorridos não violam quaisquer disposições legais, designadamente as indicadas pelo recorrente ou outras.
7- Antes aplicam o direito em conformidade.
Termina pugnando pela manutenção dos despachos recorridos.
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E) Recurso interposto da sentença:
Inconformado com a sentença proferida em 8 de julho de 2024 que o condenou nos termos sobreditos dela recorreu, o arguido extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
a) Neste processo, um Advogado foi acusado e condenado por ter escrito a uma Agente de Execução que «Ao ler o despropósito do arrazoado que bolsou, só posso extrair uma conclusão: Não sabe ler…»; Faltam-lhe os requisitos elementares para qualquer comunicação escrita»; «Vou tentar responder num português que esteja ao seu alcance (…) »; E por difamação ao escrever que «(…) Já me tinha chocado a ignorância e arrogância da solicitadora do processo, merecedora pela sua ignorância jurídica de ser averiguada a sua capacidade profissional para o exercício da função.», em pretensos emails remetidos a partir de um endereço eletrónico de que é titular uma sociedade de advogados, com a denominação constante do próprio endereço de email, enviados a uma A.E., que não estão assinados por quirógrafo, nem através de assinatura digital, e sem que qualquer espécie de prova fosse produzida em audiência relativamente à autoria dos mesmos, que o A., aliás, negou, senão as declarações de uma advogada e da Ass., que “acham” que só pode ter sido o A. a fazê-lo, apesar de ambas declararem que não o conhecem e que nunca com o A. se cruzaram ou com ele falaram, pessoal ou telefonicamente.
b) Causa perplexidade que este processo tenha sequer chegado a julgamento, para o M.ºP.º, em alegações e depois de acusar, reconhecer que a acusação é manifestamente infundada e que pelo menos dois dos emails e relativamente às expressões: “Não sabe ler… (…) Faltam-lhe os requisitos elementares para qualquer comunicação escrita (…)”, não há crime nenhum, fundamentando a sua posição com dois Acórdãos da Relação de Lisboa… Não se compreendendo porém como não alcançou a mesma conclusão relativamente às demais expressões, sendo impossível descortinar na fundamentação da sentença que se seguiu a uma audiência conduzida pela MM.ª Juiz à quo com uma animosidade que está nos antípodas da serenidade, equidade, distanciamento e isenção que se exigem a qualquer Magistrado, qualquer argumento para justificar que a expressão “Não sabe ler… (…) Faltam-lhe os requisitos elementares para qualquer comunicação escrita (…)” não constitui crime, mas, a jusante desta, a expressão - “Vou tentar responder num português que esteja ao seu alcance (…)” ou “Não vir bolsar enormidades (…)”, já o seja!
c) De facto, a sentença recorrida é desprovida de qualquer espécie de critério que permita compreender o alcance o tipo, ao qual, também, não subsume os factos, cilindrando o dever de fundamentação, ainda que básica, a nível jurídico, numa decisão que a esse nível não se distancia daquela que foi a decisão sobre a principal matéria de facto: a autoria dos referidos emails; redundando a interpretação do art.º 374º, nº 2, do CPP, que considere motivada uma sentença, sem explanar os critérios que permitem destrinçar os elementos objetivos do crime imputado, máxime, no caso concreto, permitindo distinguir o que pretende e é suscetível de “enxovalhar” (SIC) e não é crime por não ter carácter injurioso, daquilo que tem esse carácter, numa dimensão normativa inconstitucional, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
d) A questão é, desde logo, esta: Admitindo que as palavras plasmadas nos emails de fls. 12, 14 e 16 e 17, são deselegantes, ou até ofensivas no sentido de beliscarem o brio profissional da Ass., a realidade é que esta não foi ali qualificada como ladra, desonesta, seja a nível pessoal, seja a nível profissional, não sendo qualquer dos epítetos ou comentários ou adjetivos usados suscetíveis de a atingir no núcleo da sua honra, como pessoa ou como mulher; O que significa que os factos levados a julgamento não têm, sequer, dignidade penal para ultrapassar esse que é o limiar mínimo legitimador da intervenção deste ramo do direito. De resto, até a “deserção” do M.ºP.º em alegações, permite perceber que, nesta bizarra interpretação do Tribunal a quo sobre o que seja uma lesão à honra, a sentença recorrida abrroga o disposto no art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, olvidando, até (não só mas também) que ao serem os emails em causa comunicações entre um advogado e uma agente de execução, e respaldando o exercício de um direito legítimo de crítica, no exercício advocacia, nunca se poderia considerar ocorrer dolo injuriandi, faltando consequentemente o elemento subjetivo do tipo de difamação.
e) Veja-se, a tal propósito, o que vem decidido no Douto Acórdão proferido pelo Conselho Superior do Ministério Público, no Processo Disciplinar nº 5692/24 – RMP-PD em que foi Arguida a Senhora Dr.ª KK, Procuradora geral adjunta: «Dito isto, e tendo como adquirido que o escrito em causa usou linguagem desrespeitosa, ofensiva para os colegas, injusta para o Ministério Público, que pisoteou a linha vermelha estabelecida para os deveres de reserva e de correção dos magistrados, a pergunta que tem de ser colocada é se, no caso concreto, a consideração do princípio constitucional da liberdade de expressão acomoda o sancionamento disciplinar de tal comportamento. (…) Pelo que o que importa agora, avançando para o patamar seguinte, é saber se a derrogação do direito à liberdade de expressão pela imposição de uma sanção disciplinar é mesmo necessária numa sociedade democrática para atingir aqueles objetivos.».
f) Assim, o artigo 10º, n.º 1 da CEDH refere que o direito à liberdade de expressão é garantido “sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas”, avançando o n.º 2 que “o exercício desta liberdade (…) pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções”, sendo o primeiro princípio básico relativo a restrições aos direitos garantidos o de que só as restrições expressamente autorizadas pela própria Convenção são permitidas, apenas com base em disposições expressas e nunca através de conceitos vagos e indefinidos, ou como refere GÉRARD COHEN-JONATHAN, devendo a ingerência à liberdade de expressão derivar de uma lei suficientemente precisa, de modo a que os cidadãos do Estado tenham podido conhecê-la e regulado a sua conduta em função da mesma, nos termos aliás expressos no Acórdão do TEDH, Laranjeira Marques da Silva.
g) Nesta linha de raciocínio, convirá recordar que o direito à honra e ao bom nome da assistente, não goza de uma proteção autónoma na CEDH, sendo apenas considerado uma das exceções ao conteúdo e ao exercício da liberdade de expressão, nos termos aí previstos, sem olvidar o direito à crítica objetiva, que se vem traduzindo, na prática jurisprudencial, na exigência da verificação de certo nível de gravidade nos ataques à honra ou reputação social, pois só nestas circunstâncias uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não poderá ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º, § 1º, daquela Convenção, reconhecendo o TEDH que “a verificação do carácter «necessário numa sociedade democrática» da ingerência litigiosa impõe ao Tribunal que examine se a ingerência (…) era proporcionada à finalidade legítima prosseguida”, o que o Tribunal a quo não fez, com a agravante de no caso concreto, omitir uma palavra que seja sobre tal questão, nem, mesmo, tendo em conta que o A. terá (alegadamente) agido como Advogado, no interesse de uma constituinte, perante uma agente de execução, na sequência de uma penhora que foi revertida.
h) Efetivamente, nos Pareceres, aprovados em 17/06/2005 e 23/09/2005pelo Plenário do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, precisamente acerca da liberdade de expressão do advogado, conclui-se, respetivamente, que a « liberdade de expressão e atuação no exercício do patrocínio e do mandato forense (…) só pode ser garantida se for afastado o receio da perseguição sancionatória: sem isso, não há advocacia livre e independente nem administração da justiça adequada ao Estado de Direito Democrático.», e «3. Têm dignidade constitucional o direito ao patrocínio e ao acompanhamento por advogado (artigo 20.º, n.º2, da CRP), assim como a têm o próprio mandato e o patrocínio forenses (artigo 208.º), o que torna mais evidente e pressuposta a necessidade irrestrita de condições de atuação em inteira liberdade.» e que «« O discurso da defesa não é asséptico ou vazio de intenção, nem é um ensaio científico ou uma comunicação estritamente técnica. É construído para vir a prevalecer, (…) Usa uma linguagem, que para lá da sua dimensão intelectual, tem uma dimensão emocional. É produzido no seio de um debate contraditório, em ambiente carregado de conflitualidade e de que não está ausente a emoção trazida da contenda da vida real para o cenário judicial. Esta exigente e complexa missão do Advogado – indispensável à boa administração da justiça e, portanto, de interesse público – só pode ser cumprida em condições de plena liberdade. O mandato forense não pode, pois, ser exercido em estado de constrangimento ou sob o perigo de, a cada passo, serem invocadas contra o Advogado reações criminais ou disciplinares decorrentes da tutela da honra dos restantes intervenientes processuais.»
i) Finalmente, no excelente Ac. TRE de 1-7-2014, pr. 53/11.6TAEZ.E2, rel. Gomes de Sousa, disponível em www.dgsi.pt, sumariou-se o seguinte: «II- A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (vulgarmente designada como Convenção Europeia dos Direitos do Homem) vigora na ordem jurídica portuguesa com valor infraconstitucional, isto é, com valor superior ao direito ordinário português. (…) IV- A apreciação valorativa do confronto entre a liberdade de expressão e a honra é feita em sede infraconstitucional pela Convenção e pelo ordenamento penal português, e não no patamar constitucional, o que torna a Convenção um pilar essencial de onde se deve partir para a análise criminal em casos que exijam a sua aplicação. V- A Convenção faz uma clara opção na definição da maior relevância do valor “liberdade de expressão” sobre o valor “honra”. Ou seja, a “ponderação de valores” é normativa, já foi feita pela Convenção com uma clara preferência pelo valor “liberdade de expressão”. XI- A expressão “providência necessária numa sociedade democrática” tem sido interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como a exigência de uma “necessidade social imperiosa” que justifique uma condenação. XIV- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na recente decisão Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo c. Portugal (3 de Abril 2014, §36) é claro em considerar que o ordenamento jurídico português contém um remédio específico para a proteção da honra e da reputação no artigo 70.º do Código Civil, pelo que a penalização por difamação se deve entender hoje como residual.
j) Por isso se concluiu, por exemplo, com referência à semelhança das expressões usadas pelo A., no Ac. TRG, P. n.º 136/12.5TABCL.G1, de 30-06-2014: «II - Não integra o cometimento do crime de difamação a publicação dum escrito num jornal, em resposta a textos anteriores do assistente, publicados noutro jornal, no qual o arguido, referindo-se ao assistente, usou as expressões “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”; “não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e frustrações”; “é a cretinice”; “a pobreza mental”.».
k) E, em particular acerca da liberdade de expressão dos advogados, atente-se nos recentes acórdãos TEDH de 12-2-2019 e 8-10-2019, ambos referentes à Condenação de Portugal por violação art.º 10º da Convenção, referindo o primeiro que « O Tribunal considera que tal condenação também é suscetível de produzir um efeito dissuasor para a advocacia como um todo, em particular quando se trata de advogados que defendem os interesses de seus clientes (ver, mutatis mutandis , Nikula , já citado, § 55, Gouveia Gomes Fernandes e Freitas e Costa , já referidos, § 54, e Erdener c. Turquia , n.º 23497/05 , § 39, 2 de fevereiro de 2016)» e no segundo, «As penas aplicadas não encontraram, portanto, o justo equilíbrio entre a necessidade de proteger o direito à honra (…) e a liberdade de expressão (…) . São também suscetíveis de produzir um efeito dissuasor para o conjunto da advocacia, em particular quando se trata de advogados que defendem os interesses dos seus clientes».
l) No que à matéria de facto diz respeito, desde logo, as afirmações ventiladas num email remetido no âmbito de um processo judicial, por um advogado, a um agente de execução, porquanto os profissionais intervenientes no mesmo, e estando ambos vinculados ao dever de sigilo, ao tornar públicos os referidos emails, a ASS violou o sigilo profissional a que estava adstrita, devendo, pois, ser determinado o junto com a queixa (email datado de 23.04.2020) cujo desentranhamento dos emails de fls. 12, 14 e 16 e 17; E porque uma das consequências da violação do dever de sigilo é a de que as provas que desrespeitem esse dever de segredo não são idóneas a fundamentar a demonstração daqueles factos, deve ser determinada a nulidade do depoimento da “testemunha” EE, advogada destinatária do email datado de 23.04.2020, a fls. 17, doc. 8 junto com a queixa.
m) De facto, a “testemunha” EE, Advogada do Banco, depôs sobre o teor de um email que lhe foi remetido em abril de 2020 e sobre o teor de um outro email entretanto remetido pelo A., em 27.06.2024, relativo ao processo executivo, para devolver à infeliz executada o valor que lhe tinha sido penhorado em excesso; declarou que pelo teor do email de 27/06/2024 é possível depreender que o teor dos primeiros (de 04/2020) são da autoria do A., pelo seu “estilo”; E declarou, em audiência, que não obteve, nem pediu, dispensa de sigilo profissional, que a habilitasse a facultar cartas recebidas de um Advogado, consequentemente sujeitas a sigilo profissional, e depor sobre o conteúdo, comunicações.
n) E também as referidas comunicações (emails) estão abrangidas pelo sigilo profissional, nos termos do art.º 92º /1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que se reportam «e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo»; E não, apenas « a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste». o) Foi, aliás, arguida a nulidade, decorrente da ilegalidade de tal depoimento, desprovido da imprescindível autorização, a conceder nos termos do art.º 55º, nº 1, al. l), do EOA, bem como, quanto à proibição da audição da mesma, face à proibição de valoração da prova que consubstancia tal depoimento, bem como (ao que acresce) igual nulidade e proibição de valoração do próprio documento de fls.17 (queixa), já que o artigo 92.º do EOA (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) é claro; e a formulação especialmente ampla do mesmo na proteção a um dever de sigilo, que é unanimemente considerado como o primeiro pilar de um Estado de Direito; Pelo que o depoimento de advogado que infrinja o dever de sigilo profissional, revelando factualidade ou dando a conhecer documentos que se considerem estar a coberto do segredo profissional do advogado, não pode fazer prova em juízo, nos termos do art.92.º, n.º 5, do EOA, dá origem a uma proibição de prova.
p) E mesmo que se entendesse ser o documento e o depoimento da “testemunha” necessário para fazer prova da prática de um crime, a realidade é que foi a Ass. e a testemunha quem, culposamente, deram causa a tal nulidade, pois que podendo e devendo requerer a dispensa de sigilo, à O.A., omitiram tal diligência, não podendo pois beneficiar da ilegalidade a que deram causa e dela retirar benefícios, naquilo que seria um entendimento violador do princípio da igualdade de armas, da equidade, da proporcionalidade e atenta a natureza do dever de sigilo profissional.
q) A admissão processual, valendo como prova de quaisquer facto, de documentos que constituam comunicações remetidas por advogado, a outro, ou a um agente de execução, bem como, a prestação de depoimento por advogado ou solicitador, relativamente a tais comunicações, traduz-se numa interpretação dos termos dos artigos 92.º, n.º 5 do E.O.A., 126.º e 135.º do C.P.P. que constitui uma dimensão normativa inconstitucional por violação do Estado de Direito, previsto no art.º 2º da Constituição da República, bem como, do art.º 208º também da Lei fundamental.
r) É demasiado grave e é respaldo de uma ostensiva animosidade da MM.ª Juiz, que se afasta dos mais basilares deveres de serenidade e de isenção (que inclusive gerou a sua Recusa, em má hora indeferida), e que procura legitimar este erro notório na apreciação da prova com base num simulacro de fundamentação em que, quanto aos factos constantes dos pontos 3 a 6, se consignou que «são mensagens de correio eletrónico remetidos e recebidos nos endereços com o nome do arguido, como seja: adv@pt e xpto@pt.» e pela simples circunstância de «As mensagens recebidas encontram-se dirigidas a “Exmo. Sr. Dr. AA”» e « Em duas das mensagens aparece a fotografia do arguido, sendo que nas outras tal não ocorre por razões relacionadas com impressão», considerou que foi o Arguido quem as escreveu e remeteu. E é objetivamente chocante que um juiz interfira na instância, interrompendo o Defensor ora para “comentar” ou afirmar que a questão só tem relevância se «Vai dizer que alguma dessas pessoas é que subscreveu os e-mails, doutor, para ter relevância para o objeto?» , ora mostrando não ter qualquer interesse em conhecer a versão do arguido, pelo que esta “apreciação” da prova perpetrada pelo Tribunal a quo, não surpreende e mais não é do que uma inversão do ónus da prova, seguida de uma narrativa ilógica, pautada por sucessivos saltos de raciocínio, que pontuou a falta de isenção e de serenidade com que o Tribunal brindou os intervenientes, caracterizada em bruscas e reiteradas interrupções nas instâncias, cilindrando o princípio da presunção de inocência e o in dúbio pro reo enquanto princípios primeiros da apreciação da prova. Só este comentário da MM.ª Juiz, entre os minutos 26:25 e 27:53, em que afirma que a questão a colocar só tem relevância para o objeto de o Arguido for capaz de identificar o autor dos emails, demonstra uma parcialidade que se traduz numa demonstração cabal de que foi violado o princípio in dúbio pro reo, pois constitui confissão integral e sem reservas de que tudo o que o Arguido possa dizer é irrelevante se não acusar o autor dos escritos em causa.
s) Veja-se aliás a chicana argumentativa que consta da fundamentação, quando ali se refere «Diz o arguido que aqueles dois endereços são da sociedade de advogados à qual pertence e aos quais todos os advogados têm acesso e que são utilizados por todos os advogados do escritório, nas suas comunicações, mesmo o que tem a sua fotografia com uma dimensão, diga-se, razoável. // Quanto a esta afirmação, fica sem resposta porque motivo a testemunha e colega do arguido, Dra. MM, quando precisou de juntar aos presentes autos o comprovativo do pagamento alegadamente efetuado à Associação "...", utilizou o seu endereço pessoal conforme resulta de fls. 209 e não qualquer um daqueles endereços da sociedade de advogados, com a fotografia do arguido, que por ter essa qualidade nestes autos, até fazia mais sentido..», deixando o próprio Tribunal sem resposta a razão pela qual a MM.ª Juiz OMITIU O DEVER de colocar à Testemunha MM a questão que agora, só agora, vem suscitar, respaldando uma notória falta de isenção e uma intolerável quebra do dever de o Tribunal agir com boa fé.
t) Este simulacro de fundamentação, a roçar o ofensivo e a acompanhar o “timbre” em que a MM.ª Juiz à quo realizou o julgamento, da qual não se extrai um único argumento lógico, respalda a absoluta inexistência de prova, que impõe relativamente decisão oposta, quanto aos factos 3 a 6, àquela que o Tribunal a quo veio propugnar; E que é também imposta pela prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, as declarações do A. e da testemunha MM, que impõe que não possa ser julgado como provada a autoria dos emails de fls. 12, 14 e 16 e 17.
u) A testemunha MM, no depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento realizada em 01.07.2023, gravado no ficheiro “4500-20.8T9LSB_2024-07-01_14- 36-26”, afirmou que (i) Na sociedade, à data dos factos, trabalhavam pelo menos oito pessoas, advogados e advogados estagiários: Minutos 02:30 e 03:43; (ii) No escritório existem pelo menos 7 computadores; E a conta adv@pt está instalada em todos esses sete computadores que existem nas instalações da sociedade: 03:44 a 04:42; (iii) - Se for enviado um email de um desses computadores, tal envio não fica registado nos restantes: minutos 04:43 a 05:24; (iv) O Arguido não tem qualquer computador que lhe esteja alocado, porque tem dificuldades em trabalhar com as novas tecnologias, ditando os requerimentos e emails a outros colaboradores, que os redigem: minutos 05:25 a 06:50; (v) O email adv@pt é o único email usado no escritório, como email “geral”; Existem, além deste, os emails pessoais atribuídos pela Ordem dos Advogados: Minutos 13:20 a 14:20 e 19:33 a 20:15; e que (vi) - Os colaboradores da Sociedade têm autonomia técnica, tramitando processos sem qualquer intervenção do A.: minutos 31:36 a 22:50.
v) Finalmente, «Quanto ao elemento subjetivo constante dos pontos 7 a 9, a prova dos mesmos, resulta da factualidade objetiva provada, que permite com base em presunção natural chegar à motivação do arguido, não convencendo o alegado pelo arguido na contestação escrita de que não tinha intenção de ofender a agente de execução, ora Assistente.», o que simplesmente atenta contra as mais primárias regras de experiência comum, bastado citar o já referido Parecer de 23/09/2005, Plenário do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, onde então se concluiu, designadamente, que: « Estando o Advogado no exercício do mandato forense, deve presumir-se-lhe o animus defendendi e, nessa medida, ter por necessárias à defesa da causa as expressões que utilize e as imputações que faça. (...)».
w) O A. foi inquirido à matéria da acusação na sessão de Audiência de Julgamento realizada no dia 01.07,2024, entre as 10:09 e as 10:42, encontrando-se o depoimento gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_ 2024-07-01_10-09-46, em termos que coincidem com exatidão aos factos declarados pela Testemunha MM, declarando(i) entre os minutos 03:40 a 08:03: « Assim, a V. Exª não me deixa falar. (…) Fizemos um requerimento, fizeram eles até, eu na altura até estava fora, fizeram um requerimento ao processo executivo, que a nossa colaboradora mandou via citius, requerimento esse que está assinado por mim, à senhora doutora juíza titular do processo, pedindo a suspensão da penhora ao abrigo da lei da pandemia (…) na sequência deste despacho da senhora doutora juíza, que por razões de humanidade, legais, o despacho não era ilegal, o que tinha sido ilegal pelos vistos era a conduta da senhora advogada da exequente e da senhora agente de execução que é aqui assistente, fizemos uma festa, senhora doutora juíza, eu nem estava e os jovens enviaram vários e-mails à senhora agente de execução, dois ou três que estão junto aos autos, enviaram vários e-mails, onde se menciona, juntando até o despacho da senhora doutora juíza, está a ver a ignorância jurídica que a senhora demonstrava, é isso que está escrito, senhora doutora juíza. ». (ii) Depois, aos minutos 08:04 a 09:50: «Esses três e-mails não foram enviados por mim, esses três e-mails foram enviados, não o endereço eletrónico que diz “CC e associados, sociedade de advogados”, mas do adv@pt (…) E esse endereço eletrónico, senhora doutora juíza, é o endereço eletrónico utilizado por toda a gente no escritório, não há outro. Portanto, não há nenhum mail, senhora doutora juíza, saído de nenhum mail pessoal do advogado CC. Segunda coisa, senhora doutora juíza, esses e-mails foram escritos pelos nossos jovens, que trabalham no escritório, dirigidos à senhora agente de execução. Nenhum deles tem a minha assinatura. (…) Segundo lugar, senhora doutora juíza, eu não os podia ter enviados, pela simples, elaborados e enviados, senhora doutora juíza, além de não terem serem enviados do endereço eletrónico da sociedade, não terem assinatura nenhuma minha, senhora doutora juíza, eu não uso computadores. Eu escrevo tudo à mão… Sou um infoexcluído, tenho 63 anos, já não aprendi… E os jovens do escritório é que escrevem aquilo que eu dito… Esses três emails, que contém as expressões alegadamente injuriosas, não foram escritos por mim, nem têm a minha assinatura, nem foram enviados de nenhum endereço eletrónico meu, mas sim de um endereço a que têm acesso todos os jovens… Demarco-me do que lá está escrito? Reitero que não, Senhora Dr.ª Juiz.»
(iii) E entre os minutos 26:25 e 27:53: «Quantas pessoas colaboravam? Uma boa meia dúzia de jovens estagiários. Da primeira metade de 2020? Portanto, há quatro anos e meio. Uma boa meia dúzia de jovens e uns bons quatro. (…) Já não estagiários, jovens advogados. (…) Creio que a NNN, a Dra. PP, que agora já é a Procuradora da República, a doutora OO, que agora já é juiz. Que eram, na altura, estagiários que tinham acabado. Que tinham acabado, mas continuavam a MM, sim, vários. O doutor RR, que agora é juiz dos Tribunais Administrativos. (…) Então, o escritório é um espaço grande, como sabe, é para o Tribunal. É um escritório com 10 salas, portanto, uma coisa grande, onde eu exerço no mesmo sítio há 35 anos e, portanto, para se ter a perceção de como é que esta gente lá estava toda. (JUIZ INTERROMPE INUSITADAMENTE: «Vai dizer que alguma dessas pessoas é que subscreveu os e-mails, doutor, para ter relevância para o objeto?». (iv) E finalmente, ao minuto 27:53 a 30:10: Defensor: Perguntar quantos computadores têm… (Mm.ª Juiz: Qual é a relevância senhor Dr.? Para que, para qual, para que facto? D.: E a seguir, em quantos desses computadores… MMJ: Sim… D.: …está instalado o referido e-mail. MMJ: Muito bem. Com a fotografia do Arguido…) D.: Sim, exatamente. Nos mesmos termos. Está instalado. Nós devemos ter o quê? Meia dúzia de terminais? Nas salas, 4 ou 5 terminais, todos com o e-mail instalado? D.: Todos com este e-mail instalado. A.: Só há um email, ou melhor, só há um endereço eletrónico utilizado, em qualquer documento que seja da sociedade ou meu, o único mail, o único endereço da sociedade é este: adv@pt. D.: Se eu enviar um email deste computador em que essa conta de email está instalada, o computador da receção, o computador da sala do Senhor Dr. ou do computador da sala lá do fundo, ele sai sempre igual com a sua fotografia? A.: Pois. Obviamente. A sociedade chama-se CC & associados (…)».
x) Bem vistas as coisas, nem a própria assistente conseguiu, no depoimento que prestou no dia 01.07.2024, gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_2024-07-01_10-43-05, justificar a razão pela qual entendeu que quem escreveu os emails em causa nos autos, foi o Arguido, conforme decorre particularmente dos excertos correspondentes aos minutos 30:50 a 31: 30 e depois, aos minutos 40:35 a 47:30, em que apesar de a MM.ª Juiz tudo ter feito para que a Assistente não “comprometesse”, e tudo ter feito para perturbar a instância, interrompendo constantemente, adiantando respostas, e ameaçando que as questões seriam feitas por seu intermédio - (E vale a pena ouvir o que se passou nesta inquirição, a instâncias do Defensor signatário, para se perceber como afastado esteve o Tribunal a quo do dever se isenção e serenidade que se lhe exige!) - a Assistente assumiu que não tem ideia nenhuma de quem é que, na verdade, escreveu os referidos emails e “acha”, sem fundamento sério nenhum, que a autoria é do Arguido; “porque sim”… Apesar de não o conhecer e com nunca com ele ter falado, mostrando que a sentença recorrida, ao concluir pela autoria do Arguido quanto aos emails de fls. 12 a 18, roça o absurdo!
y) No caso dos autos, o que impõe a alteração da decisão relativa à matéria de facto é, desde logo, a total inexistência de prova quanto à autoria dos emails e, portanto, quanto aos factos provados 3 a 6; o “o “zero”, o absolutamente “nada”! Mas, também, a prova produzida em audiência de julgamento impõe que tais factos sejam julgados não provados, uma vez tendo o Arguido negado a autoria da redação e envio dos emails, sobre a qual nenhuma, absolutamente nenhuma prova foi produzida, os factos provados, que não estão assinados (quirógrafo ou assinatura digital), que foram remetidos de endereço de email “geral” de uma sociedade de advogados, da qual nem sequer é o legal representante, tendo ficado provado que o Arguido nem faz uso de computador, E ainda, que na sociedade / escritório trabalhavam à data dos factos OITO advogados, em SETE computadores, todos com acesso ao envio de emails a partir do endereço em causa, do que se conclui que a condenação assenta numa presunção de culpa baseada numa impressão subjetiva da MM.ª Juiz, que várias vezes entrou em confronto com o Arguido, e na mais escandalosa e chocante violação do princípio in dúbio pro reo.
z) Finalmente, deve o pedido de indemnização cível ser rejeitado, por falta de prova dos seus pressupostos (factos 19 a 22, que se impõe serem julgados não provados), porquanto fundados apenas nas declarações da Assistente, prestadas no dia 01.07.2024 (ficheiro 4500- 20.8T9LSB_2024-07-01_10-43-05), que aí afirmou, entre os minutos 14:40 a 18:00, ter temido perder o seu principal cliente, o que foi objectivamente desmentido pela Testemunha que ela própria arrolou, em termos que bem demonstram a credibilidade que a mesma merece, a Advogada EE, que no depoimento também prestado dia 01.07.2024, gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_2024-07-01_12-09-21, minutos 10:20 a 13:30, negou tal invenção da Assistente, afirmando que prontamente lhe transmitiu «fiquei absolutamente tranquila e portanto, nunca esteve em causa a colaboração».
Termina requerendo que ao recurso seja dado provimento e anulada a decisão recorrida, ou em alternativa, revogada a referida decisão, sendo o arguido recorrente absolvido.
*
Admitido o recurso da sentença o Ministério Público apresentou resposta extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem:
1. Nos presentes autos o arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º com referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º todos do Código Penal e de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 184.º, com referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º todos do Código Penal.
2. Não se conformando com a referida decisão veio interpor recurso.
3. Quanto ao PIC, no qual o recorrente também foi condenado, por não caber ao Ministério Público pronunciar-se sobre o mesmo não o faremos.
4. Entende o recorrente incorrer a sentença no vício de falta de fundamentação o que a verificar-se implicaria a nulidade da sentença.
5. Fundamentar é esclarecer os factos e a normas de direito que levaram à decisão, sendo de capital importância pois permite aos destinatários da decisão perceber não só qual foi a decisão, mas também porque foi aquela a decisão tomada pelo julgador.
6. Nem todas as decisões têm de ter o mesmo tipo de fundamentação, devendo esta ser mais prolixa ou mais sintética quanto maior o grau de complexidade da decisão e da prova a apreciar pelo julgador e o estilo de cada magistrado, importante é que seja percetível o modo como se formou a convicção do tribunal.
7. Na decisão recorrida foi esclarecido em que prova assentam os factos que foram dados como provados bem como o raciocínio efetuado na decisão sobre os mesmos. De facto, foi, na mesma, indicado o modo como o tribunal apreciou a prova sendo percetíveis os motivos que levaram a consagrar a mesma nos termos em que o fez.
8. Da leitura da decisão também é possível apreender como foi aplicado o direito aos factos sendo esclarecido de modo compreensível o motivo dos factos terem sido considerados típicos, o modo como as condutas dadas como provadas preenchem todos os elementos dos tipos sendo, por isso, percetível o porquê da condenação do recorrente pelos crimes em causa.
9. Uma vez que o tribunal explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados e não provados os factos constantes da matéria de facto, sendo percetível ao destinatário o motivo da sua escolha bem como os fundamentos de direito que levaram à formação do seu entendimento jurídico não padece a decisão do vício invocado.
10. Alega o recorrente que a matéria de facto é insuficiente pois não foi efetuada prova para os factos que foram dados como provados.
11. O vício de insuficiência da matéria de facto previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal só ocorre quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão do tribunal a quo, ou quando este omitiu a investigação de factos relevantes para a decisão da causa e que são necessários para a formulação de um juízo de condenação ou absolvição seguro, mas o vício não ocorre quando existe “mera discordância em relação à forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzido” (Ac. do STJ de 24-07-98, proc. n.º 436/98, ob. cit., pág. 75).
12. Compulsada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, verifica-se que os factos dados como provados descrevem as condutas do arguido que integram todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de ilícito pelos quais foi o mesmo condenado pelo que não se verifica a falta de qualquer elemento essencial daqueles que leve a concluir no sentido alegado pelo recorrente.
13. O recorrente entenderá que a sentença incorre em erro notório na apreciação da prova pois considera que não foi produzida prova sobre os factos dados como provados na matéria de facto, nomeadamente sobre a autoria dos e-mails em causa.
14. Ora, o vício invocado também não ocorre em caso de mera discordância com a versão dos factos dada como provada na sentença, mas apenas quando a prova aponta em sentido manifestamente divergente do que veio a ser dado como provado na decisão recorrida.
15. Na nossa ordem jurídica a prova é, no essencial, apreciada segundo a livre convicção do julgador, o que implica que o juiz não se encontra sujeito, quanto ao modo como deve valorar a prova, a regras fixadas. Todavia, é necessário que o mesmo “extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.” (Ac. do TRC de 01-10-2008, autos n.º 3/07.4GAVGS.C2 in dgsi.pt).
16. Se, como é o caso dos autos, a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável.
17. Ora, a prova constante dos autos e produzida em audiência de julgamento, vai no sentido apontado pela decisão recorrida.
18. Apesar do alegado pelo recorrente, as passagens das declarações das testemunhas indicadas nas alegações de recurso não têm a virtualidade de pôr em causa a apreciação da prova efetuada na sentença.
19. Mais, os factos dados como provados na matéria de facto são compatíveis com as regras da experiência e da lógica. Não se retiraram da prova conclusões ilógicas, contraditórias, arbitrárias e inaceitáveis nem se violaram regras relativas à mesma ou regras da experiência.
20. As conclusões que foram retiradas da prova produzida inserem-se no âmbito da livre apreciação da prova efetuada pelo julgador ao abrigo do suprarreferido normativo, e, uma vez que as mesmas são permitidas pela razão e a experiência comum e acolhem uma solução possível do caso concreto, não são suscetíveis de ser alteradas.
21. Entende o recorrente que a sentença violou o princípio in dubio pro reo. Todavia, a mera negação dos factos pelo arguido não implica a imediata violação do referido princípio.
22. Se o julgador, apesar das diferentes versões, consegue chegar a uma conclusão que seja sustentada pela maior credibilidade de uma testemunha ou de uma cadeia de ocorrências não lançará mão do princípio do in dubio pro reo, que apenas deve ser chamado a dirimir dúvidas que o julgador não consegue, mesmo apreciando, toda a prova e apelando às regras da experiência, resolver a favor ou contra a versão do arguido.
23. Para que um facto seja dado como provado não conta apenas o número de testemunhos produzidos, pois as testemunhas depõem presencialmente e serão mais ou menos credíveis, depondo com mais ou menos coerência e segurança. Mais, é preciso não esquecer que, também, o relatado por cada testemunha é mais ou menos verosímil atendendo ao contexto da situação concreta, à normalidade dos factos e às regras da experiência.
24. Neste caso o tribunal, analisada toda a prova, e apesar do alegado pelo arguido quanto à autoria dos e-mails e quanto à intenção plasmada nos mesmos, decidiu não acolher os argumentos daquele considerando que os depoimentos das testemunhas da acusação foram coerentes e apresentam uma versão dos factos credível e compatível com as regras da experiência, motivo pelo qual, fixou a matéria dada como provada nos termos em que o fez.
25. Em conformidade, o julgador não foi acometido de dúvida insanável que o tenha impedido de considerar os factos provados no sentido em que o foram e, não existindo dúvida insanável que impeça o julgador de apurar os factos, a decisão recorrida não viola o suprarreferido princípio.
26. O recorrente invoca que o testemunho de EE, advogada do exequente no processo executivo que levou ao envio dos e-mails em causa e a junção dos próprios e-mails violam o sigilo profissional a que a assistente e a testemunha estavam submetidas.
27. Todavia, quanto a tal situação veio já o Ministério Público pronunciar-se uma vez que o arguido já apresentou recurso centrado nesse aspeto. Na sua resposta, em suma, o Ministério Público considerou que o teor de tais e-mails, não se encontravam a coberto do sigilo profissional; que o sigilo profissional não prevalece sobre o dever de colaboração com a Justiça e a busca da verdade material uma vez que o depoimento da testemunha é determinante para a boa decisão da causa e os e-mails consubstanciam em si a prática de ilícitos penais a qual não pode ser considerada direta consequência ação executiva.
28. Efetivamente, o sigilo profissional destina-se a garantir que as partes possam negociar livremente sem receio que as diligências encetadas pelos advogados e destinadas à composição de um litígio sem recurso a processo judicial possam fragilizar a sua posição em posterior ação judicial quando aquelas se frustrem e também para garantir a plena confiança do cidadão no seu advogado a quem se deve poder confiar abertamente, e não para permitir a prática de ilícitos criminais a coberto do mesmo.
29. Veja-se o Ac. do TRL, datado de 23-02-2017, proferido nos autos n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9, in dgsi.pt: “IV - A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas. V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de atos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de proteção da norma em causa (o art.º 87.º da Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.º 226/2008, de 20-11, e da Lei n.º 12/2010, de 25-06, e atualmente o art.º 92.º da Lei n.º 145/2015, 09-09).”
30. Mais, no caso da (in)admissibilidade dos e-mails, os quais não contêm qualquer negociação ou informação de carácter sigiloso, mas que consistem apenas numa troca de opinião sobre normas jurídicas em abstrato e na imputação de factos e produção de juízos de valor sobre a ofendida, apenas agora é a mesma levantada, quando estes constam dos autos desde a queixa, uma vez que a sustentam, tendo deles, desde o início, o arguido conhecimento.
31. No entanto, uma vez que o Ministério Público já tomou posição sobre tal matéria, nestes autos, a qual se mantém, por economia processual, remetemos para essa posição que aqui damos por integralmente reproduzida.
32. O arguido foi condenado pela prática de um crime de injúria agravada e de um crime de difamação agravada. A diferença entre os referidos ilícitos é que num a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos operam de forma imediata na pessoa do visado e no outro se processam através de um terceiro.
33. Uma vez que foi dada como provada a remessa pelo arguido dos e-mails à assistente e à testemunha EE, com o teor constante na matéria de facto, preencheu este com a sua conduta ambos os ilícitos atingindo o bem jurídico protegido diretamente por contacto com a assistente e por intermédio de terceiro.
34. O bem jurídico protegido e o desígnio do arguido na sua atuação são concordantes em ambos os ilícitos. O que está em causa é, no essencial, igual para ambas as disposições legais e os problemas que se levantam são em tudo coincidentes nos dois crimes.
35. Injuriar/difamar é imputar factos ou expressar um juízo que atinge os valores éticos do ofendido (o seu carácter, honradez e retidão), a consideração de que goza, o seu bom-nome e a reputação que o mesmo desfruta no seu meio social.
36. Não é necessário que as expressões empregues atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano, mas neste caso as expressões imputadas ao arguido contêm juízos de desvalor sobre a ofendida enquanto pessoa e profissional e imputam-lhe factos idóneos a pôr em causa o bem jurídico protegido.
37. O carácter injurioso de uma palavra ou expressão depende não só da mesma como do contexto, lugar e do ambiente nos quais foi proferida bem como das pessoas em causa e da relação estabelecida entre elas.
38. O direito penal obedece a um princípio de intervenção mínima e de proporcionalidade pelo que nem todas as expressões mal educadas, grosseiras, que envergonham, incomodam ou ferem a suscetibilidade de terceiro cabem na previsão dos artigos 180.º e 181º do Código Penal.
39. As imputações e juízos de valor vertidos nas mensagens em causa nestes autos e o modo como foram efetuadas ultrapassam a crítica ao comportamento profissional da ofendida atingindo a consideração e o bom-nome da mesma pretendendo, além do mais, atacar o carácter e a pessoa da mesma denegrindo-a pessoal e profissionalmente, adquirindo, por isso, relevância penal.
40. O arguido ao enviar aquelas mensagens eletrónicas (ou, a aceitar que o arguido não as consegue enviar sozinho: ao redigir, ditar as mesmas e lograr que outrem o auxilie a remete-las) preencheu os elementos do tipo (objetivos e subjetivos) dos ilícitos pelos quais foi condenado.
41. Vária jurisprudência propugna que certos profissionais (geralmente agentes de autoridade, mas também profissionais do foro), no âmbito das suas funções devem revestir-se uma espécie de “carapaça” menos permeável à critica e à linguagem grosseira. Todavia tal não pode permitir que, quem com os mesmos contacta, o faça de qualquer modo.
42. Resulta das regras da experiência comum que o modo como foram elaborados e redigidos pelo recorrente os emails em causa, as concretas expressões escolhidas, especialmente os adjetivos e figuras de expressão usadas, mesmo os que não preenchem os elementos objetivos do tipo mas que servem para interpretar o fim da comunicação e as motivações de quem a emite (o que se poderá identificar como o “tom” ou o “timbre” da comunicação) bem como a sequência temporal dos e-mails evidencia, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não uma mera crítica, mas a intenção de pôr em causa o carácter e a reputação da pessoa da ofendida e as suas qualidades (ou a falta das mesmas) como pessoa e profissional.
43. De acordo com o referido, o arguido, com a sua conduta preencheu os elementos dos tipos pelos quais foi condenado.”
Termina pugnando pelo não provimento do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
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Também a assistente BB apresentou resposta ao recurso da sentença interposto pelo arguido apresentando as conclusões que a seguir se transcrevem:
1. Nos presentes autos o arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º com referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º todos do Código Penal e de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 184.º, com referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º todos do Código Penal.
2. Não se conformando com a referida decisão veio interpor recurso.
3. Quanto ao Pedido de Indemnização Cível, no qual o recorrente também foi condenado, é por demais evidente a prova produzida. Foi demonstrado à saciedade, pela assistente, pela testemunha EE, pela testemunha TT, o efeito dos actos do arguido na vida pessoal, profissional e no espírito da assistente, e ficou absolutamente provada a exiguidade e parcimónia do valor requerido, tanto que foi totalmente concedido.
4. Entende o arguido/recorrente que a douta sentença enferma do vício de falta de fundamentação o que a verificar-se implicaria a nulidade da sentença.
5. Sendo “fundamentar” o esclarecimento dos factos e a aplicação das normas de direito que levaram à decisão, é, pois, de capital importância já que permite aos destinatários da decisão (e a todos os sujeitos processuais) entender, não só qual foi a decisão, mas também a razão de aquela a decisão ser tomada pelo julgador.
6. Nem todas as decisões têm de ter o mesmo tipo de fundamentação, sendo de particular importância que a mesma seja percetível, tal como seja compreensível o modo como se formou a convicção do tribunal.
7. Na decisão recorrida foi esclarecido em que prova assentam os factos dados como provados, foi bem explicado o raciocínio efetuado para chegar a tal decisão sobre os mesmos. Assim, foi, na mesma, indicado o modo como o tribunal apreciou a prova, sendo percetíveis os motivos que levaram a consagrar a mesma nos termos em que o fez
8. Da leitura da decisão é facilmente apreensível como foi aplicado o direito aos factos, sendo esclarecido de modo claro o motivo daqueles terem sido considerados típicos, o modo como as condutas dadas como provadas preenchem todos os elementos dos tipos sendo, por isso, percetível o porquê da condenação do arguido/recorrente pelos crimes em causa.
9. O douto tribunal a quo enceta uma explicação clara e lógica das razões pelas quais deu como provados e não provados os factos constantes da matéria de facto.
10. Tal explicação torna percetível ao destinatário o motivo da sua escolha, bem como os fundamentos de direito que levaram à formação do seu entendimento jurídico, não padecendo, pois, do vício invocado.
11. Alega, ainda o arguido/recorrente que a matéria de facto é insuficiente pois não foi efetuada prova para os factos que foram dados como provados.
12. O vício de insuficiência da matéria de facto, previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, só ocorre quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão do tribunal a quo, ou quando este omitiu a investigação de factos relevantes para a decisão da causa e que são necessários para a formulação de um juízo de condenação ou absolvição seguro.
13. Mas esse vício não ocorre quando existe “mera discordância em relação à forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzido” (Ac. do STJ de 24-07-98, proc. n.º 436/98, ob. cit., pág. 75). 14. Compulsada a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, verifica-se que, os factos dados como provados, descrevem as condutas do arguido que integram todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de ilícito pelos quais foi condenado, pelo que não se verifica a falta de qualquer elemento essencial daqueles que leve a concluir no sentido alegado pelo recorrente
15. Crê a assistente que o arguido/recorrente pode é entender que a sentença incorre em erro notório na apreciação da prova, já que considera que não foi produzida prova sobre os factos dados como provados na matéria de facto, nomeadamente sobre a autoria dos e-mails em causa.
6. Mas o facto é que o vício invocado também não ocorre em caso de mera discordância com a versão dos factos dada como provada na sentença, mas apenas quando a prova aponta em sentido manifestamente divergente do que veio a ser dado como provado na decisão recorrida.
17. Na nossa ordem jurídica a prova é, no essencial, apreciada segundo a livre convicção do julgador, o que implica que o juiz não se encontra sujeito, quanto ao modo como deve valorar a prova, a regras fixadas.
18. Ora, no caso dos autos, a decisão do julgador foi devidamente fundamentada, já que, mais do que plausível constituiu uma solução, segundo as regras da ciência ou da experiência, lógica, sendo, pois, inatacável.
19. Note-se que a prova constante dos autos e produzida em audiência de julgamento, vai no sentido apontado pela decisão recorrida.
20. Não obstante o alegado pelo arguido/recorrente, as passagens das declarações das testemunhas, indicadas nas suas alegações de recurso, não têm a virtualidade de pôr em causa a apreciação da prova efetuada na sentença, algumas, com franqueza até contrariam a versão que pretende fazer vingar...
21. Na verdade, os factos dados como provados, pela douta sentença, na matéria de facto são compatíveis com as regras da experiência e da lógica. Não se retiraram da prova conclusões ilógicas, contraditórias, arbitrárias e inaceitáveis nem se violaram regras relativas à mesma ou regras da experiência.
22. As conclusões retiradas da prova produzida inserem-se no âmbito da livre apreciação da prova pelo julgador, ao abrigo do normativo legal e, uma vez que as mesmas são permitidas pela razão e a experiência comum e acolhem uma solução possível do caso concreto, não são suscetíveis de ser alteradas.
23. Entende, ainda, o arguido/recorrente que a douta sentença a quo violou o princípio in dubio pro reo. Não obstante, a pura negação dos factos pelo arguido, não implica a imediata violação de tal princípio.
24. Se o julgador, apesar das diferentes versões que lhe são apresentadas, chega a uma conclusão, que seja sustentada pela maior credibilidade de uma testemunha ou de uma cadeia de ocorrências, não necessitará recorrer ao princípio do in dubio pro reo, que apenas deve ser usado quando houver dúvidas que o julgador não consegue, mesmo apreciando toda a prova e apelando às regras da experiência, resolver a favor ou contra a versão do arguido.
25. Para que um facto seja dado como provado não basta, unicamente, o número de testemunhos produzidos, já que estas depõem presencialmente e serão mais ou menos credíveis, mais ou menos coerentes e seguras. Ainda, o que relatam pode ser mais ou menos verosímil, atendendo ao contexto da situação concreta, à normalidade dos factos e às regras da experiência.
26. In casu o douto tribunal a quo, tendo procedido à análise da prova, e não obstante a alegação do arguido de que não fora o autor dos e-mails e de que, ainda assim estes não pretendiam ofender a assistente, decidiu não acolher os argumentos daquele.
27. Considerou que os depoimentos das testemunhas da acusação foram coerentes e apresentam uma versão dos factos credível e compatível com as regras da experiência, motivo pelo qual, fixou a matéria dada como provada nos termos em que o fez
28. Assim sendo, o julgador não foi acometido de dúvida insanável que o tenha impedido de considerar os factos provados no sentido em que o foram e, não existindo dúvida insanável, a decisão recorrida não viola o princípio in dúbio pro reo.
29. O arguido/recorrente invoca também que, o testemunho da Dra. EE, advogada do exequente no processo executivo que deu causa ao envio dos emails e a junção dos próprios e-mails aos autos, violam o sigilo profissional a que a assistente e a testemunha estavam submetidas.
30. Não pode a assistente concordar com esta leitura do art.º 92.º do EOA, atento o disposto nos artigos 127.º e, mais especificamente, 113.º do mesmo normativo. De facto, não só o teor dos e-mails não era de molde a ser inscrito na expressão “factos sigilosos” como a entende a própria Ordem dos Advogados (vide, https://www.oa.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=31690&idc=76141).
31. Como o mesmo arguido assim não a entendeu, pois no que diz respeito à troca de emails entre advogados ou solicitadores, esqueceu-se de sujeitar aquela correspondência ao carácter confidencial que agora vem alegar, sem respeitar o disposto no artigo 113º do Estatuto da Ordem dos Advogados
32. Acresce que, o sigilo profissional se destina a garantir que as partes possam negociar livremente, sem receio que as diligências encetadas pelos advogados e destinadas à composição de um litígio extrajudicial, possam fragilizar a sua posição em possível posterior ação judicial no caso de aquelas se frustrarem e também para garantir a total confiança do cidadão no seu advogado, em quem deverá poder confiar abertamente, mas não para permitir a prática de ilícitos criminais a coberto do mesmo.
33. Neste sentido cfr. Ac. do TRL, de 23-02-2017, proferido nos autos n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9, in dgsi.pt: “IV - A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas. V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de atos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo ato próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de proteção da norma em causa (o art.º 87.º da Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.º 226/2008, de 20-11, e da Lei n.º 12/2010, de 25-06, e atualmente o art.º 92.º da Lei n.º 145/2015, 09-09).”
34. Ora os e-mails aqui em análise não contêm qualquer negociação ou informação de carácter sigiloso, mas consistem apenas numa troca de opinião sobre normas jurídicas em abstrato e, na imputação de factos e produção de juízos de valor, sobre a assistente.
35. Mas mais, no caso da (in)admissibilidade dos e-mails, a mesma só agora é levantada, não podendo o arguido ignorar que os ditos constam dos autos desde a queixa e que a sustentam, tendo o arguido conhecimento destes desde o início do processo.
36. O arguido foi condenado pela prática de um crime de injúria agravada e de um crime de difamação agravada. A diferença entre os referidos ilícitos é que, num a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos operam de forma imediata na pessoa do visado, e no outro se processam através de um terceiro.
37. Uma vez que foi dada como provada a remessa pelo arguido dos e-mails à assistente e à testemunha Dra. EE, com o teor constante na matéria de facto, preencheu este, com a sua conduta, ambos os ilícitos atingindo o bem jurídico protegido diretamente por contacto com a assistente e por intermédio de terceiro.
39. O bem jurídico protegido e o objetivo do arguido com a sua atuação são concordantes em ambos os ilícitos. O que está em causa é, no essencial, igual para ambas as disposições legais e os problemas que se levantam são em tudo coincidentes nos dois crimes.
40. Na verdade, injuriar/difamar é imputar factos, ou expressar um juízo, que atinge os valores éticos do ofendido (o seu carácter, honradez e retidão), a consideração de que goza, o seu bom-nome e a reputação de que o mesmo desfruta no seu meio social
41. Não chega a ser necessário que as expressões empregues atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada, basta a idoneidade da ofensa para produzir o dano, não obstante, in casu, as expressões imputadas ao arguido contêm juízos de (des)valor sobre a assistente, enquanto pessoa e profissional, e imputam-lhe factos idóneos a pôr em causa o bem jurídico protegido.
42. O carácter injurioso de uma palavra ou expressão depende, não só da mesma, como do contexto, lugar e ambiente nos quais foi proferida, bem como das pessoas em causa e da relação estabelecida entre elas.
43. Reconhecendo que o direito penal obedece a um princípio de intervenção mínima e de proporcionalidade na esfera jurídica de cada um, e por isso nem todas as expressões mal-educadas, grosseiras, que envergonham, incomodam ou ferem a suscetibilidades de terceiro cabem na previsão dos artigos 180.º e 181. º do Código Penal,
44. Não podemos escamotear que, in casu, as imputações e juízos de valor vertidos nas mensagens enviadas pelo arguido e o modo como foram efetuadas, ultrapassam a crítica ao comportamento profissional da assistente, atingindo a consideração e o bom-nome da mesma, pretendendo, além do mais, atacar o carácter e a pessoa da mesma, denegrindo-a pessoal e profissionalmente, adquirindo, por isso, relevância penal.
45. O arguido, ao enviar aquelas mensagens eletrónicas (ou, a aceitar, só por mera cautela de patrocínio, que o arguido não as consegue enviar sozinho: ao redigir, ditar as mesmas e lograr que outrem o auxilie a remetê-las) preencheu os elementos do tipo (objetivos e subjetivos) dos ilícitos pelos quais foi condenado.
46. Não nos parece aceitável a defesa que propugna que certos profissionais (agentes de autoridade, profissionais do foro), no âmbito das suas funções, devem revestir-se uma espécie de “carapaça” menos permeável à critica e à linguagem grosseira, de facto isso não pode permitir que, quem com os mesmos contacta, o faça de qualquer modo e mesmo em violação das regras da sua profissão que aqui tanto se chamam à liça…
47. Resulta das regras da experiência comum que o modo como foram elaborados e redigidos pelo arguido/recorrente os e-mails em causa, as concretas expressões escolhidas, os adjetivos, figuras de expressão utilizadas, servem para interpretar o fim da comunicação e as motivações de quem a emite (o que se poderá identificar como o “tom” ou o “timbre” da comunicação)
48. E bem como a sequência temporal dos e-mails evidencia, contrariamente ao que defende o arguido/recorrente, não uma simples crítica, mas a intenção de pôr em causa o carácter e a reputação da pessoa da assistente e as suas qualidades (ou a falta delas) como pessoa e profissional.
49. De acordo com o supramencionado, o arguido/recorrente, com esta conduta, preencheu os elementos dos tipos pelos quais foi condenado.
50. Por fim, sendo os fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida válidos, suficientes e adequados, não padecendo a mesma de nenhum dos vícios alegados, entende a assistente não colher, de nenhuma forma, o que aduz o arguido/recorrente, devendo ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida em toda a linha, nomeadamente quanto à moldura penal, à medida da pena e à condenação no pedido cível”.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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Remetido os autos (recursos interlocutórios retidos e da sentença) a este Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido do não conhecimento dos recursos retidos revendo-se nas respostas oferecidas aos autos pelo Ministério Público da 1ª Instância e pela assistente e acompanhando-os na proposta de não provimento do recurso da sentença interposto pelo arguido.
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Observado o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal nada foi aduzido.
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Esclarecido o interesse do recorrente relativamente aos recursos retidos (interlocutórios), apreciado o incidente de escusa pelo Supremo Tribunal de Justiça que manteve, a ora signatária, Relatora, foi indeferida a realização de audiência por intempestividade e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obstando ao conhecimento do mérito cumpre assim, apreciar e decidir os recursos interlocutórios e da sentença final interpostos pelo recorrente arguido.
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2- FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DOS RECURSOS:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito1.
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 e 30/06/20162.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
A luz do teor das conclusões dos recursos interpostos pelo arguido as questões a dirimir são:
A) no recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023: se deve ser revogado o despacho judicial e ordenada a repetição da notificação do arguido.
B) no recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023: se deve ser revogado o despacho judicial por serem tempestivas as nulidades invocadas.
C) no recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024: se deve ser revogado o despacho judicial e ordenada a notificação da associação para devolver a quantia de €150,00 ao arguido recorrente.
D) no recurso interlocutório interposto dos despachos judiciais proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024: se devem ser revogados os despachos que indeferiram a nulidade de prova por violação de sigilo profissional e se há violação das garantias de direito de defesa do arguido no indeferimento dos requerimentos pelo mesmo efetuados.
E) no recurso da sentença:
1) Se a sentença padece de falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal;
2) Se nulidade da prova por violação de sigilo profissional.
3) Se há erro notório na apreciação da prova e violação dos princípios de presunção de inocência e do in dubio pro reo;
4) Se há erro de julgamento, nos termos do art.º 412º/3 do Cód. de Processo Penal, quanto à consideração como provados de determinados factos (3 a 9 e 19 a 22 da matéria de facto provada);
5) Se foram violados os princípios da subsidiariedade da lei penal e da liberdade de expressão.
6) Se se verificam os pressupostos para a condenação do recorrente no pedido de indemnização civil.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO:
Procedendo à apreciação concreta dos recursos:
A) No que respeita ao recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023 o recorrente arguido insurge-se relativamente a despacho que indeferiu a repetição da sua notificação e que o mesmo entende dever ser revogado.
Tal despacho foi proferido na data supra indicada e tem o seguinte teor:
Fls. 400/401:
Indefere-se o requerido, porquanto o arguido se encontra regularmente notificado, conforme já anteriormente evidenciado no despacho proferido no dia 13.12.2022 (fls. 393), sendo certo que, o fim da notificação foi alcançado, em razão da apresentação de duas contestações.
Como decorre dos autos e da mera leitura das conclusões do arguido o despacho de que o mesmo interpôs o presente recurso interlocutório não foi o primeiro a pronunciar-se sobre a regularidade da notificação do arguido.
Com efeito, anteriormente o Tribunal a quo proferira em 13 de dezembro de 2022 o seguinte despacho “O arguido encontra-se regularmente notificado (fls. 371), sendo irrelevante a notificação não ter sido depositada e devolvida ao Tribunal, com a menção “endereço insuficiente”, uma vez que foi endereçada para a morada que o arguido indicou no termo de identidade e residência que constitui fls. 64”, despacho esse de que o ora recorrente não interpôs qualquer recurso.
Invoca o recorrente que deveria o tribunal a quo ter ordenado a repetição da notificação porque a menção de endereço insuficiente, quando o mesmo tem na morada indicada no TIR escritório há 34 anos, resulta de negligência postal grosseira e que o mesmo não poderia adivinhar o que consta de um envelope fechado e, como arguido tem direito a ser notificado sob pena de violação das suas garantias, uma vez que o despacho recorrido que não contém fundamentação não apenas considera sanada a irregularidade decorrente da falta de uma notificação, mas também lhe denega o direito ao recurso sobre tal decisão, recurso esse que só era possível conhecendo o teor daquela notificação omitida.
Ora, antes de mais importa referir que o despacho recorrido não se pronunciou sobre qualquer irregularidade de notificação, apenas reiterou o entendimento já expresso em despacho anterior de que o arguido se encontrava regularmente notificado, sendo que o arguido não reagiu a tal despacho e através do presente recurso pretende repristinar questão com que inicialmente se conformou.
Uma fundamentação sucinta, mas clara não corresponde a falta de fundamentação e a constatação de que a finalidade da notificação estava alcançada com a junção de contestação por parte do arguido não belisca as garantias de defesa do recorrente, posto que o direito a exercer na sequência de notificação era o de dedução de contestação, que o mesmo exerceu, pelo que a interpretação efetuada está em conformidade com o regime legal previsto no artigo 121º do Código de Processo Penal.
Por último, também, nenhum direito de recurso do arguido ficou beliscado como o presente recurso evidencia.
Nenhuma censura merece o despacho recorrido improcedendo o presente recurso interlocutório e mantendo-se, na íntegra, tal despacho.
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B) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023:
No presente recurso insurge-se o arguido relativamente a despacho judicial que indeferiu a sua arguição de nulidades e que entende dever ser revogado.
O despacho recorrido tem na parte em que o arguido exerceu a sua impugnação recursiva o seguinte teor:
Requerimento com a ref.- 37199281:
Vem o arguido dizer que o Tribunal
1. Incorreu em nulidade, sujeita ao regime previsto no art.º 120º do CPP, que determina a nulidade da própria audiência de julgamento, nos termos do art.º 122º o mesmo Código, ao ter determinado o início da audiência:
a) em violação do efeito "suspensivo do processo", ope legis, do Recurso interposto;
b) Cuja admissão cabe à Relação, e não à primeira instância;
c) E sem invocar uma única normal legal.
d) sem cuidar de verificar a pendência de um recurso interposto no Tribunal da Relação, sobre o qual não recaiu qualquer despacho.
Sem prejuízo, alega o arguido, da respectiva arguição no Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Incorreu em nulidade, sujeita ao regime previsto no art.º 120º, do CPP, que determina a nulidade da própria audiência de julgamento, nos termos do art.º 122º do mesmo Código, ao iniciar o julgamento:
a) em violação do direito de defesa do arguido impedido de consultar integralmente o processo;
b) Omitindo (ou preterindo) a prolação de Despacho sobre a nulidade arguida.
3. Incorreu na nulidade sujeita ao regime previsto no art.º 120º, do CPP, que determina a nulidade da própria audiência de julgamento, nos termos do art.º 122º do mesmo Código, ao proferir o despacho no dia 02.10.2023, que deferindo um pretenso pedido de prazo inexistente, determinou que uma Advogada Oficiosa, nomeada em escala, realizará um julgamento em sessão distinta daquela para a qual foi nomeada, em processo em que suscitou a sua escusa e após ter recusado realizar a diligência, por inexistência de acordo do Arguido à sua nomeação, sem invocar qualquer fundamento legal para tal decisão.
Quanto ao ponto 1, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que os incidentes suscitados / recursos interpostos pelo arguido no âmbito do apenso A destes autos não podem ter efeito suspensivo sobre a marcha do processo. Assim, o apenso A destes autos teve por base o recurso interposto pelo arguido relativamente à não admissão do seu requerimento de abertura de Instrução. E relativamente a este recurso pode ler-se no despacho que admitiu o mesmo (cfr. despacho de ref. Citius ... 708 de 15/09/2023) que "Por ser tempestivo, legalmente admissível e interposto por quem tem legitimidade, admite-se o presente recurso da decisão proferida em 06-05- 2022, ref. 7885369, a subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo — nos termos do disposto nos artigos 399º; 400º, a contrario; 401º, nº 1, alínea b); 406º, nº 2; 407º, nº 2, alínea h); 408º, a contrario; 411º; e 427º, todos do Código de Processo Penal—a decidir pelo Tribunal da Relação de Lisboa." (sublinhado nosso). Ora, se o recurso que esteve na génese do apenso A dos presentes autos teve efeito meramente devolutivo, não se nos afigura que qualquer incidente / recurso que surja no âmbito desse mesmo apenso deva ter outro efeito designadamente não deve ter efeito suspensivo na marcha do processo. Termos em que, relativamente à invocada nulidade, se nos afigura que a mesma inexistiu (em relação à abertura da Audiência de Julgamento do dia 02/10/2023), pelo que se promove que nesta parte se indefira a nulidade arguida.
Sobre a questão do efeito do recurso interposto pelo arguido, nada mais há a determinar para além do já decidido em audiência. Contudo cumpre ainda consignar que não é ainda conhecido nos autos o efeito que foi atribuído pelos Tribunais Superiores, ao recurso interposto pelo arguido, pelo que, em consequência o Tribunal não podia ter agido em violação de um efeito que ainda não foi atribuído. Acresce que o recurso interposto de um despacho proferido num incidente de recusa de juiz, no momento em que o mesmo foi suscitado (com acórdão já proferido) e atento o prazo constante do artigo 44º do CPP, sem querer substituir-me aos Tribunais Superiores que irão decidir esta questão, entendo que tal recurso não tem qualquer efeito no andamento destes autos.
Quanto ao ponto 2, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que em 02/10/2023 a Audiência de Julgamento foi suspensa durante cerca de uma hora para que a Defesa do arguido consultasse a totalidade do processo (cfr. despacho constante da acta de ref. Citius ... 686 de 02/10/2023). Assim, mais uma vez não se verifica qualquer nulidade, designadamente a invocada pelo arguido no requerimento ora em apreço, promovendo-se o indeferimento da mesma
A alegação pelo arguido de que foi violado o seu direito de defesa por impedimento de consultar integralmente o processo, a mesma é totalmente infirmada pelo teor da acta, conforme referido pelo Digno. Magistrado do Ministério Público, pois foi a signatária quem, em audiência, entregou à I. Defensora nomeada, todo o processo (principal e apensos) para que a mesma o consultasse durante o período de uma hora de suspensão da audiência.
Sem prejuízo do referido, consigna-se que é o próprio arguido a entender que a violação do direito de defesa, por impedimento de consulta do processo, é exclusivamente imputável ao Tribunal da Relação de Lisboa, pela inusitada remessa do Apenso A (Recurso interposto do Despacho que rejeitou a abertura de instrução), pelo T.R.L., à primeira instância, na pendência do prazo de recurso relativo a decisão aí proferida (sic).
Quanto ao ponto 3, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que da leitura do teor de tal despacho resulta claro que não seria a Exma. Defensora nomeada para a Audiência de Julgamento de dia 02/10/2023 a efectuar a diligência em 09/10/2023. E tal aspecto resulta evidente da transcrição que a defesa faz do mesmo no seu requerimento: "Tal situação não seria como já foi referido motivo de adiamento, face ao disposto no art.º 311º, nº 1 do CPP, o Tribunal deve numa situação destas nomear defensor oficioso, e tal não significa qualquer violação do direito de defesa do arguido, uma vez que é para o acto, ele não deixa de ter o seu advogado constituído para os ulteriores termos do processo." (sublinhado nosso). Inexiste também neste aspecto qualquer nulidade Mais uma vez evidenciando uma postura de má-fé processual, vem o arguido afirmar o que não se passou, ou seja, que a signatária tivesse determinado que a advogada oficiosa, nomeada em escala, realizará um julgamento em sessão distinta daquela para a qual foi nomeada.
O afirmado pelo arguido é desmentido, desde logo pelo teor da transcrição quer das alegações da I. Defensora nomeada quer do despacho que o próprio arguido fez, pelo que nada há a decidir quanto a esta questão por ausência total de substracto factual.
Sem prejuízo de todo o exposto, de acordo com a norma invocada pelo arguido, o artigo 120º, no seu nº 3, e no que releva, que as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a] tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado".
No mesmo sentido, dispõe o artigo 199º, nº 1 do CPC, segundo o qual se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que foi cometida, pode a nulidade ser arguida enquanto o acto não terminar; se não estiver presente, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência - artigo 199º, nº 1 do CPC.
Naquele dia 02 de Outubro de 2023 o arguido esteve presente na audiência bem como presente esteve a sua I. Defensora, nomeada para o acto, pelo que teria sido esse o momento para invocar eventuais irregularidades que no seu entender estavam a ocorrer na referida audiência e não o fez, sendo que, tendo-lhe sido dada a palavra, fez os requerimentos que entendeu.
Só em 06 de Outubro de 2023, vem o arguido suscitar nulidades (que não especifica, nem integra expressamente em nenhuma das alíneas do artigo 120º do CPP, o que equivale a ausência de invocação de norma legal) mas que em seu entender estão sujeitas ao regime previsto naquele artigo.
Do exposto se conclui que é absolutamente intempestiva a arguição das nulidades, o que se declara, pelo que, caso tivessem ocorrido, o que não foi o caso, se têm por sanadas, por preterição do prazo legal para serem invocadas.
No caso vertente inexiste qualquer motivo para discordar do despacho recorrido porquanto o efeito de um recurso não depende na vontade do arguido e decorre expressamente da lei que o recurso do despacho que rejeita o requerimento de abertura de instrução tem efeito devolutivo.
Tal recurso constitui o Apenso A e o efeito do recurso atribuído pelo tribunal de 1ª instância foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em tal Apenso.
Nada tendo sido comunicado por tal Tribunal ao Tribunal a quo relativamente a qualquer incidente processual e seu efeito sobre os autos principais e tendo o recurso pendente efeito devolutivo não estava este, aquando do início da audiência de julgamento, impedido de a iniciar sendo irrelevante se o Apenso A estava pendente ou já tinha ou não sido remetido.
Quanto ao demais invocado no recurso concorda-se com a posição assumida pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, posto que resulta da ata de audiência de 2 de outubro de 2023 que o arguido estava presente e representado por defensora oficiosa nomeada para o ato, que tal audiência foi suspensa pelo período de uma hora para a mesma consultar o processo e que aí foi determinado que a audiência teria lugar no dia 9 de outubro de 2023 porque o arguido aí declarou que não aceitava a sua nomeação tendo a defensora oficiosa, também, declarado que se o arguido não aceitava a sua nomeação não deveria prosseguir com o processo por inexistir confiança para intervir no julgamento em representação do mesmo.
Mais resulta de tal ata que o arguido aí não invocou qualquer nulidade ou irregularidade antes da mesma se encerrar, pelo que não pode deixar de se concordar com o despacho recorrido, que o seu requerimento ulterior é intempestivo.
Assim, inexiste motivo para revogar o despacho recorrido mantendo-se na íntegra o mesmo e improcedendo o presente recurso.
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C) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024.
Neste recurso o arguido recorrente insurge-se relativamente ao despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024, no segmento, em que considerou a prestação efetuada pelo arguido como uma obrigação natural e indeferiu a notificação da associação beneficiária da mesma para restituir tal prestação àquele.
O despacho relativamente ao qual o arguido recorrente se insurge tem, no segmento impugnado pelo mesmo, o seguinte teor:
Requerimento com a ref.a 38779208:
Vem o arguido requerer a notificação da IPSS "...", Rua ..., em ..., na pessoa da Presidente da Direção, Senhora UU, para devolver ao Arguido o valor de €150,00 (cento e cinquenta euros).
O Ministério Público e a Assistente pugnam pelo indeferimento do requerido.
Sem prejuízo de constar dos autos a fls. 195 o comprovativo da notificação do arguido do despacho a que o mesmo alude, tal circunstância é totalmente irrelevante nesta fase processual.
Mas mesmo que não tivesse ocorrido tal notificação, a versão do arguido é a de que procedeu ao pagamento de uma importância a uma Associação sem despacho judicial, ou seja, e nas suas palavras, cautelarmente.
Ora, como muito bem realça a Assistente, a doação da mencionada quantia àquela Associação pelo arguido só pode ser interpretada com o sentido do disposto no artigo 402º do Código Civil, ou seja, como obrigação natural, considerando até os fins sociais a que se dedica tal entidade, uma vez que não é alegado que o tenha feito por a tal estar obrigado ou por ter sido coagido.
Assim, tal prestação efectuada espontaneamente não pode ser repetida - artigo 403º, nº 1 do CC.
Termos em que se indefere o requerido pelo arguido.
Nos autos não foi determinado pelo Ministério Público ou por Juiz qualquer suspensão provisória do processo e, consequentemente, imposta qualquer injunção ao arguido recorrente, designadamente, de entrega de tal quantia à IPSS em causa.
Tal suspensão apenas poderia ocorrer em fase de inquérito ou em fase de instrução por não estar legalmente prevista a sua possibilidade em fase de julgamento.
O próprio arguido recorrente admite que procedeu a tal pagamento sem qualquer despacho judicial e, por isso, inexiste ao contrário do pelo mesmo argumentado qualquer enriquecimento sem causa da IPSS em questão.
Aliás o mesmo, também, não ocorreria caso tivesse havido nesse sentido decisão do Ministério Público ou de Juiz relativa a suspensão provisória do processo que se reitera não ocorreu.
Mesmo nas situações em que existe suspensão provisória do processo, que não é o caso, e a mesma é incumprida e os autos prosseguem os seus termos e não há repetição das prestações feitas como decorre do teor do artigo 282º nº4 do Código de Processo Penal.
No caso inexistia qualquer obrigação imposta ao arguido de proceder a tal entrega pelo que a mesma apenas pode ser considerada como o fez o despacho recorrido como uma obrigação natural.
Destarte, o despacho recorrido fez uma adequada interpretação da situação não merecendo qualquer censura pelo que improcede este recurso.
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D) Recurso interlocutório interposto dos despachos judiciais proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.
Neste recurso o arguido recorrente insurge-se relativamente aos despachos judiciais proferidos em 28 junho de 2024 e 1 de julho de 2024 (em audiência de julgamento) por considerar, em síntese, que tais despachos devem ser revogados por existir nulidade de prova por violação de sigilo profissional e violação das suas garantias de defesa.
O despacho recorrido de 28 de junho a que se refere o arguido tem o seguinte teor:
Requerimento com a ref. 3978625:
Cumpra-se o contraditório.
Requerimento com a ref. 39786207:
Face ao anteriormente decidido e sendo ónus do arguido a apresentação das testemunhas em julgamento atenta a sua indicação tardia, é irrelevante as diligências que alegadamente fez para o efeito, pelo que determino o desentranhamento do requerimento em referência e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.
Requerimento com a ref. 39786208:
Por se tratar de comunicação agora trocada no âmbito do processo executivo, nada sendo requerido, determino o seu desentranhamento e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.
Requerimento com a ref. 39786206:
Do compulso dos autos, designadamente do teor deste requerimento, do teor do "assunto" da comunicação que consta do requerimento anterior e do teor da contestação e rol de testemunhas, oportunamente apresentados pelo arguido, resulta que o arguido está a informar a morada e número de telefone de pessoa diversa da que inicialmente arrolou como testemunha.
Suscitando-se dúvidas sobre a pretensão do arguido, nada a determinar.
Notifique.
Tal despacho recaiu sobre diversos requerimentos formulados nos autos pelo arguido com o seguinte teor:
Requerimento com a referência 39786205:
AA, A. nos autos do processo à margem referidos, vem expor e requerer:
1- Há dias, ao realizar a consulta presencial do processo, o A. e o seu Mandatário verificaram que se encontra autuado um requerimento da Assistente, acompanhado de vários “documentos” (cópia de folhas de revistas com entrevistas que o A. deu há 14 anos, quando foi candidato à Ordem dos Advogados; várias cópias de textos que o A. escreve e pública em revistas e nas redes sociais).
2- A Assistente refere que a junção dos documentos se destina a provar o "estilo da escrita” do A., seja lá o que isso for...
3.O requerimento e a junção dos documentos não foram notificados ao A.
4.Sobre o mesmo não foi proferido despacho a admitir a junção.
5. Ou foi admitida a sua junção aos autos, por o Tribunal entender que têm interesse para a descoberta da “verdade material” os textos escritos e as entrevistas ao A.
6- Ou os documentos não têm qualquer interesse para o processo e deverá ser ordenado o desentranhamento e a Assistente e a sua Mandatária condenadas em custas pela prática de atos inúteis no processo.
Relativamente a tal requerimento recaiu o seguinte segmento do aludido despacho recorrido:
Requerimento com a ref. 3978625:
Cumpra-se o contraditório.
Requerimento com a referência 39786206:
AA, A. nos autos do processo à margem referidos, notificado dos doutos despachos de V. Exa. de 20/06/2024 tendentes à prestação de informações que permitam a localização da testemunha, HH, vem expor e requerer:
1- Em 25/06/2026, o A. deslocou-se novamente ao Hotel “3K Madrid”, na ..., em Lisboa, para falar com a Diretora de Recursos Humanos, VV e com a Chefe do Balcão, WW, para indagar se estas teriam algum contacto telefónico da testemunha, HH, que permitisse contatar a mesma para obter a morada, como V. Exa. determinou.
2- Em vão!
3- Em 25/06/2024, o A. deslocou-se, pessoalmente, às duas moradas que tinha conhecimento da Executada, HH:
Rua ...
E
Praceta …;
Na 2.a morada (Praceta …) consegui falar com a filha da Testemunha, II, que contatou telefonicamente a mãe, HH.
O A. falou telefonicamente com a Testemunha, HH, que o informou que se encontra a trabalhar no Reino Unido e que reside em:
...

Londom …
United Kingdom
E tem o nº de telefone: ...
Termos em que se requer a V. Exa. que se digne ordenar a notificação da testemunha, HH, para prestar depoimento, por videoconferência, a realizar no Consulado de Portugal em Londres.
Sobre tal requerimento incidiu o seguinte segmento do despacho recorrido:
Requerimento com a ref. 39786206:
Do compulso dos autos, designadamente do teor deste requerimento, do teor do "assunto" da comunicação que consta do requerimento anterior e do teor da contestação e rol de testemunhas, oportunamente apresentados pelo arguido, resulta que o arguido está a informar a morada e número de telefone de pessoa diversa da que inicialmente arrolou como testemunha.
Suscitando-se dúvidas sobre a pretensão do arguido, nada a determinar.
Notifique.
Requerimento com a referência 39786207:
AA, A. nos autos do processo à margem referidos, notificado em 21/06/2024 do douto despacho de V. Exa. que:
“Vem o arguido apresentar mais um aditamento ao rol de testemunhas, requerendo a notificação das testemunhas agora arroladas. Dispõe o artigo 316º, nº 2 do Código de Processo Penal que depois de apresentado o rol não podem oferecer-se novas testemunhas de fora da Comarca, salvo se quem as oferecer se prontificar a apresentá-las na audiência. Ora, as duas testemunhas aditadas, têm, neste momento, residência profissional e pessoal, fora da Comarca. Assim, não se admite o aditamento ao rol de testemunhas, agora apresentado pelo arguido, por não ser admissível legalmente nos termos requeridos.”
Vem expor e requerer:
Em 27/06/2024, o A. deslocou-se ao Tribunal de Sintra para entregar em mão, à Senhora Juiz, Dra. JJ.
O A. foi informado pela funcionária do Tribunal de Sintra que a Senhora Dra. Juiz já não exerce no Tribunal de Sintra, mas sim no Tribunal de Cascais.
Nessa conformidade, o A. deslocou-se ao Tribunal de Cascais para entregar pessoalmente a carta à Senhora Dra. Juiz.
A carta foi entregue à Senhora Escrivã que informou que no mesmo dia, entregaria em mão à Senhora Dra. Juiz.
Termos em que se requer a V. Exa. que se digne admitir a junção aos autos da cópia da carta entregue em mão, pelo A., em 27/06/2024, no Tribunal de Cascais para a testemunha arrolada pelo A.: Dra. JJ, Juiz de Direito, que tramitou o processo executivo (P. n.º 8464/14.9T8SNT - Juízo de Execução de Sintra, J3), solicitando que a mesma compareça na audiência de 01/07/2024.
Junta: 01 (um) documento.
O documento junto com tal requerimento tem o seguinte teor:
Exma. Senhora Juiz,
Dra. JJ
Fui Mandatário (Probono) no processo executivo supra referido. Executada, HH, que fora fiadora do companheiro, XX.
Durante a pandemia fui contactado pela Executada que trabalhava como empregada de limpeza num Hotel na rua em que tenho o meu escritório.
Mãe de 4 filhos e avó de vários netos, aos quais assegurava, sozinha o sustento.
Auferia pouco mais do que o salário mínimo nacional e o remanescente fora penhorado.
Intervim Probono por razões humanitárias.
Diligenciei junto da Advogada da Exequente e da A.E. para a suspensão da penhora.
Em vão!
Apesar de todas as minhas diligências, foram insensíveis e intransigentes ao drama da pobre executada e recusaram a suspensão.
Em 02/04/2020, requeri a V. Exa. a suspensão da penhora.
Em 20/04/2020, V. Ex.a proferiu despacho a ordenar a suspensão da penhora.
Em consequência dessa intervenção, enquanto Advogado, troquei correspondência com a AE.. Escrevi (depois do despacho proferido por V. Ex.a) que a mesma manifestava “ignorância jurídica”.
Na sequência dessas comunicações, a AE apresentou uma queixa-crime contra mim, por entender que a ofendi.
O processo corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12, sob o nº 4500/20.8T9LSB.
O Ministério Público notificou-me para a SPP e propôs:
pagamento de €100,00 a uma IPSS e
um pedido de desculpas por escrito.
Ainda sem ter decorrido o prazo para cumprira injunção, que já fora aliás cumprida, o MP deduziu acusação...
Finalmente foi marcado o julgamento para 01/07/2024 às 9h30.
Indiquei V. Ex.a como testemunha por ter conhecimento direto dos factos.
A MM.a Juiz titular do processo, Dr.a YY (que exerceu até 2023 funções no Tribunal de Sintra) indeferiu a notificação de V. Ex.a, considerando que é minha obrigação, enquanto Arguido, apresentar a testemunha, Juiz de Direito, por esta “residir” fora da Comarca...
Neste enquadramento, solicito a V. Exa. o grande favor de comparecer na audiência para poder exercer os meus direitos de defesa enquanto arguido, por, numa intervenção em processo executivo, enquanto Advogado, probono, ter ajudado uma infeliz Executada durante a pandemia e ter conseguido que V. Ex.a proferisse, nos termos legais, (por razões humanitárias) despacho de suspensão da penhora, perante a insensibilidade manifestada pela AE e pela Advogada do Exequente.
Estou, portanto, na constrangedora situação de apelar novamente à humanidade de V. Ex.a, para que, se lhe for possível, comparecer na audiência por o Tribunal recusar efetuar a sua notificação.
Anexo:
Cópia do despacho proferido por V. Ex., no processo executivo a suspendera penhora;
Cópia do requerimento de indicação de testemunha;
Cópia do despacho da Mma. Juíza titular do processo, que indeferiu a notificação de V. Ex.a Cópia do e-mail que enviei em 26/06/2024 à AE (para enquadrar a situação)
Apresento a V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos e subscrevo-me
Muito Atentamente
AA
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte segmento de despacho recorrido:
Requerimento com a ref. 39786207:
Face ao anteriormente decidido e sendo ónus do arguido a apresentação das testemunhas em julgamento atenta a sua indicação tardia, é irrelevante as diligências que alegadamente fez para o efeito, pelo que determino o desentranhamento do requerimento em referência e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.
Requerimento com a referência 39786208:
... nos autos do processo à margem referidos, vem expor e requerer:
1. Em 10/01/2022, 29/03/2022 e 30/05/2022, o A. foi notificado pela A.E., aqui Assistente, que fora penhorado à Executada, HH, aqui testemunha, um valor superior ao da quantia exequenda e solicitou que o A. indicasse o IBAN da Executada para devolver o valor.
2. O A. tentou contactar a Executada para obter essa informação.
3. Só nesta data, o A. conseguiu esse contacto e obter a informação do IBAN da Executada.
4. Já transmitiu à A.E, aqui Assistente, para que esta possa devolver à infeliz Executada, HH, o valor que penhorou em excesso.
Junta: cópia da comunicação remetida à A.E. no P. n.º 8464/14.9T8SNT - Juízo de Execução de Sintra, J3 (que originou este processo crime)
Junta: 01 (um) documento.
O documento aludido datado de 27 de junho de 2024 configura um email e tem o seguinte teor:
Agente de Execução
BB
C/C à Mandatária do Exequente.
Em 10/01/2022, notificou-me para “Atento o saldo remanescente apurado requer se digne, efetuar de igual forma "REQUERIMENTO PARA INDICAÇÃO DE IBAN", com os dados da executada. Pelo que, segue em anexo folha informativa ...” Em 29/03/2022, notificou-me, via email,
“Pelo presente cumpre reiterar o teor da notificação anexa, para que possamos devolver o montante de 247,55 euros à V/ constituinte e avançar com a extinção da execução identificada em assunto."
Em 30/03/2022, respondi:
“Solicito que me remeta cópia da notificação anterior e data da mesma.
E que me informe concretamente o que necessita.
É que da comunicação e do teor do documento anexo, resulta apenas que há um valor de €247,55 a devolver à executada.
O que pretende é a indicação do IBAN da Executada para efetuar a transferência?
Se é isso, não consta, nem da comunicação, nem do documento anexo.”
Em 30/05/2022, notificou-me:
Pelo presente cumpre reiterar o teor da notificação anexa (datada de 10.01.2022), uma vez que os autos aguardam resposta à mesma, para que seja possível proceder à devolução do montante de 247,55 euros à constituinte de V. Exa.”.
Para obter o IBAN da Executada, tentei contactá-la telefonicamente, sem sucesso, e enviei-lhe uma carta que veio devolvida. Hoje, desloquei-me, pessoalmente, às duas moradas que tinha da Executada, HH:
Rua ...
E
Praceta ...;
Na 2.a morada (Praceta ...) falei com a filha da Executada, II, que contatou telefonicamente a mãe.
Falei telefonicamente com a Executada, HH, que me comunicou:
IBAN ..-..-.. 62216675 Gb89 MONZ 04000462216675
E que a morada da Executada para futuras notificações é a seguinte:
...
United Kíngdom
Comunico o IBAN da Executada, devendo ser efetuado imediatamente o reembolso do valor à mesma por necessitar do dinheiro que foi penhorado em excesso.
AA
Advogado
Sobre o referido requerimento incidiu o seguinte segmento de despacho recorrido:
Requerimento com a ref. 39786208:
Por se tratar de comunicação agora trocada no âmbito do processo executivo, nada sendo requerido, determino o seu desentranhamento e a sua devolução ao seu apresentante, ficando cópia na contracapa do processo físico.
No que se reporta aos requerimentos formulados no dia 1 de julho de 2024 os mesmos constam da documentação da audiência a que se acedeu bem como resultam documentados da ata ainda que em súmula.
Transcreve -se a ata no que se considera relevante para melhor compreensão da decisão:
ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
Data: 01-07-2024 - Hora: 09:00
Juiz de Direito: Dra. YY
Procurador da República: Dr. AAA
Escrivã Auxiliar: BBB
Piso 4 - Sala 3
Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz, identifiquei os presentes autos de Processo Comum (Tribunal Singular), em que são:
Autor: Ministério Público
Assistente: BB
Arguido: AA
e de imediato procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir, após o que comuniquei verbalmente à Mma Juiz de Direito, o rol dos presentes e dos faltosos (art.º 329º, n.ºs 1 e 2 do C. P. Penal), a saber:
PRESENTES:
Arguido: AA
Mandatário do arguido: Dr. CCC
Assistente: BB
Mandatária da assistente: Dra. DDD
Testemunha arrolada pelo MºPº: EE (presente no Tribunal de Vila Nova de Gaia)
Testemunha arrolada no PIC: TT
Testemunhas arroladas pelo arguido:
MM
EEE
FALTOSOS:
Testemunhas arroladas pelo arguido:
HH (a apresentar)
LL (a apresentar)
Quando eram 09 horas e 37 minutos, pela Mma Juiz de Direito foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.
Após a Mma Juiz de Direito deu a palavra ao Digno Procurador da República, à Ilustre Mandatária da assistente e ao Ilustre Mandatário do arguido, tendo todos prescindido das exposições introdutórias.
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Nada a opor à junção dos documentos juntos pela assistente, por se afigurarem uteis à descoberta da verdade e boa decisão da causa, art.ºs 340º e 165º e 164º ambos do C.P. Penal.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 09:38 horas - 09:38 horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Considerando que o arguido já se pronunciou quanto ao requerimento, nada a determinar. Determinado a junção aos autos dos documentos, por se considerarem úteis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Notifique.
(Despacho gravado em formato digital das 09:38 horas às 09:38 horas).
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Requerido que os documentos sejam notificados à defesa, ao abrigo do princípio do contraditório, para que a defesa sobre os mesmos se possa pronunciar.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 09:44 horas - 09:47 (horas).
De seguida, dada a palavra, pela Ilustre Mandatária da assistente foi dito, em suma, o seguinte: Nada a opor.
(gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 09:47 horas - 09:47 horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Determino a renumeração dos autos a partir de fls. 569.
Dá-se a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido para que se pronuncie quanto aos documentos.
(Despacho gravado em formato digital das 09:50 horas às 09:56 horas).
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Não se pode pronunciar quanto aos documentos uma vez que não foi notificado dos mesmos.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 09:56 horas - 09:56 horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Reitera o despacho proferido anteriormente nesta audiência a determinar a junção dos documentos aos autos, considerando que o arguido teve conhecimento dos documentos pelo menos em 28-06-2024.
(Despacho gravado em formato digital das 09:57 horas às 09:58 horas).*
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Reiterar que a defesa não foi notificada dos documentos, requerendo que os mesmos sejam notificados para se pronunciar, configurando uma violação do princípio do contraditório pelo que vem a defesa arguir a respectiva nulidade.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 09:58 horas - 10:01 horas).
*
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Que se indefira a requerida nulidade, uma vez que decorre do requerimento da defesa de 28-06-2024 que teve conhecimento dos mesmos, mais se requer que se imprima uma cópia dos documentos a ser entregues à defesa antes do início da audiência, uma vez que formalmente tem direito a uma cópia.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 10:01 horas -10:04 horas
De seguida, e dada a palavra à Ilustre Mandatária da assistente, pela mesma foi dito, em suma, o seguinte: Exactamente os mesmos termos do Sr. Procurador.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 10:04 horas - 10:04 horas).
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Ainda que se entendesse que o arguido teve conhecimento dos documentos em 28-06-2024 ainda não decorreu o prazo de vista.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 10:04 horas - 10:05 horas).
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Caso seja concedido prazo para a defesa se pronunciar quanto aos documentos, tal não obstará a que seja produzida no dia de hoje toda a prova relativamente a declarações ao arguido, assistente e prova testemunhal indicada, porquanto a pronuncia que eventualmente a defesa venha a fazer sobre os documentos já admitidos, nada alterará uma vez que são documentos meramente instrumentais relativamente ao objecto do processo.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 10:05 horas -10:07 horas).
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Concordar com o referido pelo Sr. Procurador.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 10:07 horas - 10:07 horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Entende-se que o arguido tomou conhecimento, pelo menos no dia 28-06-2024 dos referidos documentos ao elaborar o requerimento que deu entrada nesse dia.
Uma vez que o processo se encontra digitalizado entende-se desnecessário a sua impressão em papel.
Reitera-se o despacho anterior.
(Despacho gravado em formato digital das 10:07 horas às 10:09 horas).
Em seguida, a Mm0 Juiz de Direito advertiu o arguido de que é obrigado a responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade, sob pena de poder incorrer em responsabilidade criminal e informou-o de que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência desde que elas se refiram ao objeto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio o possa desfavorecer - art.ºs 342º e 343º, n.º 1, ambos do C. P. Penal, passando de imediato à produção de prova:
ARGUIDO
AA, filho de GGG e de HHH, divorciado, nascido em 21-08-1960, natural da ..., nacional de Portugal, Advogado, residente na ....
Após ter declarado prescindir da leitura da acusação proferida nos presentes autos, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público, Ilustre Mandatária da assistente e Ilustre Mandatário do arguido, terem dito nada terem a opor, pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 09 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 42 minutos.
ASSISTENTE
BB, 54 anos, casada, agente de execução, residente em ....
Foi advertida nos termos do art.º 145º, nºs 2 e 4 do Código de Processo Penal.
Prestou declarações, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 34 minutos.
Foi confrontada com fls. 12, 14, 16 e 17 dos autos.
TESTEMUNHA ARROLADA PELO M.º P.º
EE, 54 anos, casada, Advogada, residente em Vila Nova de Gaia.
Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse que sabe quem é o arguido, mas não o conhece pessoalmente, nada a impedindo de dizer a verdade.
Prestou juramento legal e o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11 horas e 38 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 57 minutos.
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Arguir nulidade, nos termos do art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 11:57 horas - 12:00 horas).
Após a testemunha EE prestou depoimento que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 00 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 02 minutos.
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Requerido o confronto da testemunha com o email de 27-06-2024 que juntou aos autos, a defesa não teve conhecimento do despacho que ordenou o seu desentranhamento, não podendo confrontar a testemunha com o mesmo, constitui uma violação dos direitos de defesa do arguido que continua impedido de exercer o contraditório.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 12:02 horas - 12:04
horas).
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Promovido que se indefira o requerido pela defesa agora.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 12:04 horas -12:06 horas).
De seguida, e dada a palavra à Ilustre Mandatária da assistente, pela mesma foi dito, em suma, o seguinte: Que seja indeferido o requerido.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 12:06 horas - 12:06
horas).
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: A junção deste documento é essencial à decisão da causa tendo em conta o que foi dito pela testemunha. Requerido que se dê sem efeito o despacho cuja data e teor se desconhece que terá determinado tal desentranhamento e que o email de dia 27-06-2024 seja junto ao processo.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 12:06 horas - 12:08 horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Reitera-se o despacho anteriormente proferido, e não permito que a testemunha seja confrontada com um documento que não consta do processo.
Notifique.
(Despacho gravado em formato digital das 12:08 horas às 12:09 horas).
Após a testemunha EE prestou depoimento que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12 horas e 09 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 23 minutos.
Pelas, 12:23 horas, atento o adiantado da hora, pela Mma. Juiz de Direito foi declarada suspensa a presente audiência para reiniciarás 14:00 horas.
Pelas 14:13 horas, pela Mma. Juiz de Direito foi declarada cessada a suspensão da audiência de julgamento.
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: A testemunha EE prestou depoimento e não pediu dispensa de sigilo relativamente ao documento de fls. 17 dos autos, deve ser considerada prova proibida e afastada a sua valoração para efeitos de fundamentação da matéria de facto, desta nulidade de prova tem de haver uma alteração não substancial dos factos, pelo que requer-se que se proceda à comunicação a que a lei faz referência, sem prejuízo da arguição de nulidade acima exposta.
Requer-se a extração de certidão do depoimento prestado pela testemunha EE a fim de instruir a competente participação para efeitos disciplinares ao Conselho Disciplinar da Ordem dos Advogados.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 14:13 horas - 14:19 horas).
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Relativamente à nulidade arguida pela defesa, não tem fundamento a mesma. Entende-se que não existe qualquer alteração não substancial dos factos, pelo que deve improceder o requerido pela defesa.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 14:19 horas -14:20 horas).
De seguida, e dada a palavra à Ilustre Mandatária da assistente, pela mesma foi dito, em suma, o seguinte: Deve ser indeferido o requerido.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 14:20 horas - 14:22
horas).
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Considerando o que foi requerido pela defesa no período da manhã nesta audiência de julgamento, reitera-se o despacho anterior, considerando que não ocorre nenhuma nulidade nem invalidade de prova, entende-se que não está a ser violado o segredo profissional.
Como se entende que não há nulidade de prova, consequentemente não ocorre qualquer alteração nem substancial nem não substancial dos factos, mantendo-se a acusação, por ora, tal como ela consta, não havendo nada a comunicar à defesa.
Notifique.
(Despacho gravado em formato digital das 14:22 horas às 14:23 horas).
TESTEMUNHA ARROLADA NO PIC
TT, 58 anos, casado, Empregado forense de agente de execução, residente no ….
Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse ser casado com a assistente, nada a impedindo de dizer a verdade.
Prestou juramento legal e o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 24 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 35 minutos.
TESTEMUNHA ARROLADA PELO ARGUIDO
MM, 32 anos, solteira, Advogada, residente em ....
Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse conhecer o arguido porque foi seu patrono de estágio e trabalha no seu escritório, nada a impedindo de dizer a verdade.
Prestou juramento legal e o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 36 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 00 minutos.
Após o arguido prestou declarações, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 00 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 05 minutos.
TESTEMUNHA ARROLADA PELO ARGUIDO
EEE, 47 anos, casada, Directora de uma IPSS, residente em ….
Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse conhecer o arguido porque o mesmo é Presidente da Assembleia Geral da IPSS que dirige, nada a impedindo de dizer a verdade.
Prestou juramento legal e o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 06 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 13 minutos.
De seguida, e dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Tomou agora conhecimento a defesa do despacho, do qual não foi notificado, do indeferimento da notificação da testemunha que era a executada no processo executivo que deu origem a esta troca de emails, sendo esta a arrolada na contestação, pelo que configura uma violação dos direitos de defesa do arguido, pelo que vai arguida a nulidade decorrente da não notificação da testemunha e da não realização de diligência probatória que se revela essencial. Relativamente à inquirição das testemunhas de defesa arroladas após a contestação, Dra. Juiz de Direito e a Agente de execução, e da não determinação da sua notificação, vai também arguida a respectiva nulidade.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 15:16 horas - 15:22 horas).
De seguida, dada a palavra ao Digno Magistrado do MºPº pelo mesmo foi dito, em suma, o seguinte: Promovido o indeferimento do requerido.
(Promoção gravada em formato digital, Início/Fim da gravação: 15:22 horas -15:23 horas).
De seguida, e dada a palavra à Ilustre Mandatária da assistente, pela mesma foi dito, em suma, o seguinte: Entende-se ser de indeferir o requerido uma vez que nenhuma dessas senhoras tem nada a dizer do objecto do processo.
(Requerimento gravado em formato digital, Início/Fim da gravação: 15:23 horas - 15:23
horas).
*
Após, pela Mma. Juiz de Direito foi proferido, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Reitera-se todos os despachos que já foram proferidos quanto às testemunhas e determina- se a prossecução dos autos.
(Despacho gravado em formato digital das 15:23 horas às 15:26 horas).
Finda a produção de prova, pela Mma Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Digno Procurador da República, à Ilustre Mandatária da assistente e ao Ilustre Mandatário do arguido, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida, tendo sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 08 minutos.
Findas as alegações, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa, tendo sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o
seu início ocorreu pelas 16 horas e 08 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 14 minutos.
Após o que a Mma Juiz de Direito proferiu, em suma, o seguinte:
DESPACHO
Para a leitura da sentença, designo o próximo dia 08 de Julho de 2024. pelas 09:00 horas. 2a data designada.
A Ilustre Mandatária da assistente, uma vez que não terá intervenção no processo, poderá estar presente por webex na leitura da sentença.
Notifique.
(Despacho gravado em formato digital das 16:14 horas às 16:14 horas).
De seguida, dada a palavra à Ilustre Mandatária da assistente pela mesma foi requerida a dispensa de estar presente na leitura da sentença, tendo a Mma. Juiz de Direito dispensado a mesma.
Logo, todos os presentes foram devidamente notificados, tendo a audiência sido declarada encerrada quando eram 16 horas e 14 minutos.
Dos autos resulta que, em audiência o Tribunal a quo, reiterou a sua decisão proferida por escrito no despacho de 28 de junho de 2024 designadamente, quanto aos requerimentos do arguido atinentes à junção de documento, adicionamento ao rol de testemunhas e depoimento das testemunhas indicadas na contestação como sendo a apresentar.
Ora, ao contrário do invocado pelo arguido o entendimento do Tribunal a quo não contende com as garantias de defesa do arguido porquanto foi o próprio arguido que indicou as testemunhas na contestação como sendo a apresentar.
Por outro lado, o adicionamento ao rol de testemunhas está previsto no artigo 316º do Código de Processo Penal e o arguido não observou o aí estipulado posto que testemunhas fora da comarca são a apresentar nos termos previstos no nº2 do referido artigo.
Assim, o tribunal a quo fez uma adequada aplicação do regime legal e o cumprimento das normas processuais aplicáveis é inidóneo a melindrar as garantias de defesa do arguido, uma vez que a inobservância das mesmas decorreu do arguido.
O exercício de direitos processuais comporta o ónus de cumprimento das regras processuais e o seu incumprimento não comporta a transferência para o Tribunal de qualquer ónus, inexistindo qualquer vício processual a declarar como invocado pelo arguido recorrente.
Destarte não merece, neste particular, qualquer censura o Tribunal a quo reiterando-se que fundamentação sucinta e clara não corresponde a qualquer ausência de fundamentação.
Aliás, a circunstância do arguido ter exercido relativamente a tais despachos direito ao recurso nos termos em que o fez é uma evidência da sua compreensão relativamente ao teor e aos motivos subjacentes aos mesmos.
De igual modo relativamente ao desentranhamento de documentos não merece censura o Tribunal a quo, pela simples razão que o objeto de processo não depende da interpretação do arguido e a irrelevância do meio de prova é matéria que cabe ao Tribunal apreciar e decidir como, aliás, decorre das normas processuais penais, mormente e no que à audiência de julgamento respeita o artigo 340º do Código de Processo Penal.
Ora, é indubitável que um documento mandado desentranhar não faz parte do acervo probatório e, por isso, sobre o mesmo não pode, naturalmente, recair qualquer declaração ou depoimento no decurso da audiência.
Ademais considerando o teor do documento não merece, também, censura a decisão do seu desentranhamento por se tratar de documento alheio ao objeto de processo sendo que este se refere a factos integradores de crimes de injúria e difamação ocorridos em abril de 2020.
Assim improcede, também, neste segmento o recurso do arguido.
No que se reporta à alegada ausência de notificação dos documentos juntos aos autos e possibilidade de sobre os mesmos se pronunciar importa referir que o próprio arguido refere, no seu requerimento, ter consultado os autos e verificado que tais documentos aí se encontravam, sendo que em tal requerimento o arguido indica/qualifica os documentos e até refere o alegado propósito do pedido da junção dos mesmos pela assistente o que configura uma revelação clara que dos mesmos tem conhecimento desde o dia 28 de Junho de 2024 como referido no despacho recorrido.
Por outro lado, o arguido, também, concordou com a posição assumida pelo Ministério Público que estavam em causa documentos meramente instrumentais relativamente ao objeto do processo tendo a audiência prosseguido os seus termos e se encerrado sem que nada mais, nesse particular, tivesse sido requerido.
Assim, não assiste razão ao arguido recorrente mantendo-se o despacho (s) recorridos.
Por último, no que se reporta à alegada nulidade decorrente de violação do sigilo profissional refere o recorrente, em síntese, que a testemunha EE depôs sobre o teor de e-mails relativos a processo executivo e que declarou em audiência que não obteve nem pediu dispensa de sigilo profissional sendo que tais comunicações estão abrangidas pelo sigilo profissional, nos termos do art.º 92º nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que se reportam «e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo». E não, apenas «a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste», que a referida nulidade foi arguida e que o Tribunal a quo indeferiu a mesma ao permitir que os emails permanecessem nos autos e ao permitir tal depoimento.
Neste particular importa salientar, por um lado, que o e-mail datado de 27.06.2024 foi mandado desentranhar pelo que sobre o mesmo não recaiu qualquer prova oral e, por outro, que os emails a que o arguido recorrente se reporta foram todos remetidos à assistente, seja diretamente seja com conhecimento da mesma e não sendo a assistente advogada mas apenas agente de execução, como decorre das declarações prestadas pela mesma em audiência, inexiste qualquer violação por esta de sigilo profissional, posto que não está abrangida por tal limitação e, assim, não está impedida de os utilizar em processo crime ou de sobre os mesmos ser ouvida, pelo que não se justifica qualquer desentranhamento de email.
Por outro lado, importa referir que o dever de segredo estabelecido no artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados que o arguido recorrente convoca só abrange factos cuja revelação viole a relação de confiança estabelecida entre o cliente e o advogado a quem os confiou4 .
Ora, no que se refere à testemunha EE a mesma é advogada, de acordo com as suas declarações prestadas em audiência, do Montepio Crédito, entidade que não está em causa nos autos e o único e-mail que teve conhecimento e sobre o qual depôs foi também do conhecimento da assistente porque remetido com conhecimento à mesma sendo esta que o juntou aos autos com a queixa crime e não a aludida testemunha.
Acresce que o segredo abrange factos relacionados com o exercício da profissão e por causa desse exercício, mas factos de índole profissional e cuja revelação viole a tal relação de confiança que a lei pretende proteger.
O que está em causa nos autos são expressões referentes a honra e consideração pessoal dirigidas a pessoa não advogada e de que uma advogada teve conhecimento por lhe ter sido remetido um e-mail.
O artigo 125.º do Código de Processo Penal prevê que “São admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei”.
Os meios de prova são os elementos através dos quais os factos juridicamente relevantes - para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis podem ser demonstrados.
A regra é qualquer pessoa poder testemunhar sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova como decorre do artigo 128º nº1 do Código de Processo Penal.
As exceções estão previstas nos artigos 131º, 133º, 134º e 135º todos do aludido diploma legal.
Estabelece o artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa, que: A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça e a lei ordinária consagra a previsão constitucional.
Com efeito, à semelhança do que sucede com outras categorias profissionais, o advogado está obrigado a guardar segredo relativamente a factos que lhe advenham através do exercício da sua atividade profissional, conforme imposição prevista pelo art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).
De análise de tal preceito decorre que o segredo profissional de advogado mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à atividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo art.º 92.º, n.º 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta atividade profissional o que leva a excluir do âmbito de proteção desta norma tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a atos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho.
Destarte, não estão a coberto de sigilo profissional expressões referentes à honra e consideração de pessoa terceira (neste caso a assistente que não é cliente nem do arguido nem da testemunha) mesmo que remetidos de um escritório de advogados e que cheguem ao conhecimento de outro advogado no seu local de trabalho.
Não se vislumbra, pois, qualquer violação de sigilo profissional, e por conseguinte, qualquer nulidade de prova daí decorrente.
Refira-se, por último, e em consonância com o Ac. desta Relação de Lisboa de 23/02/2017 proferido no processo 1130/14.7TDLSB-CL1-95 que a eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado e não constituindo um ato próprio da advocacia mostra excluído do âmbito de proteção do sigilo profissional.
Assim não assiste ao arguido recorrente qualquer razão no que a este segmento do seu recurso interlocutório respeita.
E consequentemente impõe-se a improcedência na íntegra deste recurso interlocutório.
*
E) recurso da sentença
No que respeita ao recurso da sentença:
Consigna a sentença recorrida no que se refere à matéria de facto dada como provada e não provada o que a seguir se transcreve:
“A) Factos Provados
Da instrução e discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a assistente BB são, respetivamente, advogado e agente de execução.
2. No âmbito das respetivas funções, BB tem a seu cargo o processo de execução n.º8464/14.9T8SNT, do Juiz 3 dos Juízos de execução de Sintra, assumindo nesses autos o aqui arguido as funções de mandatário da executada.
3. No decurso daquele processo e de troca de correspondência entre ambos, no dia 2 de abril de 2020, AA remeteu à assistente a mensagem de correio eletrónico que se encontra a fls. 12 dos autos onde, além do mais, referiu que Não cometeria a deselegância de ir discutir questões jurídicas com um/a solicitador/a.
4. Tendo a assistente respondido a essa mensagem e ainda no dia 2 de abril de 2020, o arguido dirigiu-lhe a mensagem de fls. 14 que aqui se dá por reproduzida, na qual se lê, além do mais: (…) Ao ler o despropósito do arrazoado que bolsou, só posso extrair uma conclusão: Não sabe ler… (…) Faltam-lhe os requisitos elementares para qualquer comunicação escrita (…)
5. Ante nova reação de BB, fazendo apelo ao dever de urbanidade, no dia 3 de abril de 2020, AA remeteu-lhe a mensagem junta a fls. 16 da qual, dando-se no mais por reproduzida, se salienta Vou tentar responder num português que esteja ao seu alcance (…) é inútil tentar persuadir criaturas desprezadas. Porque quanto mais desprezadas, mas desprezíveis se tornam. (…) Há quem se preste aos mais ignóbeis papéis, para ver se ganha mais uns cobres (…) indiferente ao sofrimento dos mais fragilizados, dos mais pobres (…) Não vir bolsar enormidades (…) há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana…
6. No dia 23 de Abril de 2020, e com conhecimento à assistente, o arguido dirigiu a EE, mandatária da exequente no sobredito processo, a mensagem de correio eletrónico que se encontra a fls. 17 dos autos, onde, além do mais, refere: Já me tinha chocado a ignorância e arrogância da solicitadora do processo, merecedora pela sua ignorância jurídica de ser averiguada a sua capacidade profissional para o exercício da função.
7. AA tinha perfeita consciência de que a assistente é agente de execução e que intervinha naquele processo nessa qualidade.
8. Em cada uma das referidas ocasiões, uma das quais dirigindo-se a terceira pessoa, e ao utilizar as expressões acima narradas, cujo teor depreciativo não ignorava, quis ofendê-la na sua honra e consideração devidas enquanto agente de execução e cidadã, o que conseguiu.
9. Atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
10. Encontram-se pendentes na Ordem dos Advogados, processos disciplinares instaurados contra o arguido, em número não concretamente apurado.
11.O arguido é muito conhecido na Ordem dos Solicitadores pelos requerimentos que faz nos processos
12.O arguido não tem antecedentes criminais registados.
13.O arguido declarou ter um rendimento mensal, pelo exercício da sua profissão de advogado, de cerca de €3.000,00.
14. O arguido tem 6 filhos, sendo 4 já adultos e autónomos e 2 menores com 4 e 11 anos de idade.
15. Suporta metade do valor das propinas com o colégio dos dois filhos menores no valor mensal de €500,00 cada um.
16. Reside com mãe, com 98 anos de idade, tendo a guarda partilhada dos filhos menores.
17.A casa onde reside é arrendada, pagando mensalmente o valor de € 650,00 de renda.
18. De habilitações literárias tem a licenciatura em Direito.
Do Pedido de Indemnização Cível:
19. A demandante ficou vexada e envergonhada.
20. Sentiu-se humilhada e ofendida.
21. Mercê deste comportamento, sentiu-se, e ainda se sente, vexada, envergonhada e revoltada.
22. Na sequência ainda desta situação tornou-se uma pessoa mais triste e preocupada.
B) Factos Não Provados
Não resultaram provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
Da Contestação:
a) A Entidade Empregadora respondeu que só suspenderia a penhora que incidia sobre o salário da trabalhadora com indicações, escritas, da agente de execução.
b) Foi neste enquadramento que o arguido contactou com a Agente de Execução (AE), expondo a situação.
c) A AE respondeu, alegando que a pretensão do arguido não tinha “qualquer fundamento legal”.
d) O arguido tentou elucidá-la; Mas em vão.
e) Interpelou, depois, a Mandatária do Exequente, que se mostrou igualmente insensível ao drama social e à situação de desespero e fragilidade em que a Executada se encontrava.
f) Todos os emails remetidos pelo A. tiveram como objetivo estrito a defesa dos interesses da ali sua representada, manifestando desagrado do arguido e sobretudo, a perplexidade causada pela chocante insensibilidade da AE e da mandatária da Exequente, que de resto, deu causa a uma judicialidade perfeitamente desnecessária, culminando na necessidade de intervenção da MM.ª Juiz do processo, que prontamente deferiu a pretensão da Executada.
g) Nunca a intenção do arguido foi a de ofender a honra da Assistente, ou sequer equacionou tal hipótese, uma vez que nenhum facto ali é imputado e nenhum juízo é feito sobre o núcleo da capacidade de honra da Assistente: a sua capacidade MORAL.
h) Os emails trocados são documentos e respeitam a negociações, relativas ao levantamento / desistência da penhora nos termos em que foi efetuada.
*
Todos os demais factos que não se encontrem vertidos na factualidade acima descrita, não foram considerados para a boa decisão da presente causa, porquanto constituem factos conclusivos, repetitivos, irrelevantes ou de direito”
Exara a decisão recorrida no que à motivação da decisão de facto respeita o que a seguir se transcreve:
“C) Motivação da Decisão de Facto
Nos termos do disposto no artigo 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal, deve o Tribunal indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas
O arguido advertido do direito ao silêncio optou por prestar declarações tendo, em audiência, negado a prática dos factos, referindo que não escreveu nem remeteu as mensagens por correio eletrónico (comumente designados por emails) que lhe estão a ser imputadas, referindo que foram colegas do escritório, mas que se revê e concorda com o teor daquelas mensagens.
A circunstância do arguido negar a prática dos factos, só por si não releva, pois, o Tribunal pode lançar mão da demais prova, designadamente, da prova testemunhal, documental e da prova indireta ou indiciária e das regras da experiência comum e da lógica.
Cumpre assinalar como refere Marques Ferreira “O Código de Processo Penal normatizou cuidadosamente a matéria atinente à prova quer em termos genéricos quer de forma específica … de onde ressalta … a preocupação de acatamento dos imperativos constitucionais relativos à dignidade pessoal e integridade física do cidadão e intimidade da vida privada que é legitimo esperar de um processo penal no quadro de um Estado de Direito Democrático e Social em que a justiça seja alcançada exclusivamente por meios processualmente válidos e efetivamente controláveis”.
No entanto, salvas as referidas limitações em que a apreciação da prova é normatizada vigora, como princípio geral no âmbito da apreciação das provas, o princípio fundamental da livre apreciação acolhido, de forma expressa no artigo 127º do CPP. “A livre convicção é uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores … o julgador, em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstratas sobre a apreciação da prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia e às máximas da experiência”6.
Nos termos do disposto no art.º 125.º do CPP, em processo penal, são admissíveis, todas as provas não proibidas por lei.7
Assim para prova dos factos a que aludem os pontos 1, 2, 10 e 11, atendeu-se às declarações do arguido que os afirmou, sendo que quanto à existência de processos disciplinares, tal facto foi também corroborado pelo depoimento da testemunha MM, advogada, que fez o estágio com o arguido e que se mantem como advogada a trabalhar no mesmo escritório, depoimento que, quanto a estes factos foi verosímil. Quanto aos factos constantes dos pontos 3 a 6, o Tribunal atendeu, desde logo ao teor dos documentos de fls. 10 a 17 dos autos que analisou e conjugou com as declarações do arguido e das testemunhas inquiridas.
Com efeito são mensagens de correio eletrónico remetidos e recebidos nos endereços com o nome do arguido, como seja: adv@pt e xpto@pt.
As mensagens recebidas encontram-se dirigidas a “Exmo. Sr. Dr. AA”. O arguido referiu que os email recebidos nestas caixas de correio são reencaminhadas para os emails dos advogados a quem são dirigidas (o advogado do processo).
Nas respostas pode visualizar-se as mensagens a que se referem e que tinham sido dirigidas ao arguido.
Em duas das mensagens aparece a fotografia do arguido, sendo que nas outras tal não ocorre por razões relacionadas com impressão, pois aparecem as “caixas” e os contactos que se lhe seguem nos mesmos moldes.
Nos autos, está em causa correspondência trocada por correio eletrónico, que terá sido iniciada com a mensagem remetida à Administração do Hotel Madrid por ser a entidade empregadora da executada, por causa de uma penhora efetuada no salário desta, que o arguido representava no âmbito de um processo executivo e que constitui o documento de fls. 10.
Nessa mensagem, remetida do endereço adv@pt, o remetente entende que a declaração do estado de emergência suspende as diligências de penhora informando que vai dar conhecimento desta situação à agente de execução.
Em face do texto desta mensagem, a mesma só pode ter sido remetida pelo arguido pois ali refere “represento a Senhora HH”, representação e/ou mandato que o arguido exaustivamente assumiu em audiência.
Esta mensagem contem um logotipo com a fotografia do arguido e consta como data de envio “2 de Abril de 2020 10:59”.
A mensagem que constitui o documento de fls. 11, tem como remetente a Assistente e destinatário o arguido pois do mesmo consta “Exmo. Sr. Dr. AA” e como data de envio “2 de Abril de 2020 16:04”. O endereço do destinatário é adv@pt. Do texto desta mensagem resulta com muita clareza que o destinatário fez o que disse à Administração do Hotel Madrid, ou seja, deu conhecimento do seu entendimento jurídico à agente de execução, pois esta, e ora assistente, responde que não concorda com tal entendimento sugerindo contudo que a executada requeira ao juiz do processo, verificados os requisitos legais para o efeito, a redução ou isenção da penhora, pois sem despacho judicial não poderá haver redução ou isenção da penhora. Mais informa que vai dar conhecimento do teor deste email à entidade empregadora da executada.
No mesmo dia, ainda – 2 de Abril de 2020 – e decorridos 24 minutos, é remetido um email em resposta ao anterior, conforme resulta da parte final de fls. 12, tendo como endereço do remetente xpto@pt e destinatária a assistente. Do texto desta resposta resulta que o remetente, ao tomar conhecimento do entendimento jurídico da senhora agente de execução e da sugestão que a mesma lhe fez e não gostando, escreveu o que ali consta, ou seja, “tomei nota. Não cometeria a deselegância de ir discutir questões jurídicas com uma solicitadora”. No mesmo dia ainda – 2 de Abril de 2020, pelas 18:14, a assistente responde a esta última mensagem, conforme resulta da parte final de fls. 13, informando que é advogada e que se não fosse a sua intervenção a entidade empregadora da executada, podia ter incorrido num equívoco, que a viria a prejudicar, face ao que o arguido erradamente a informou.
Resulta com mediana clareza que este texto irritou ainda mais o destinatário, pois passados uns escassos 15 minutos, é remetida a resposta que consta da mensagem de fls. 14 do mesmo endereço de email xpto@pt, onde se pode ler que o remetente, dirigindo-se à assistente como Senhora Solicitadora (depois de já saber que era advogada) escreveu “ao ler o despropósito do arrazoado que bolsou, só posso extrair uma conclusão: não sabe ler”.
No dia seguinte – 3 de Abril de 2020, pelas 12:08, a assistente remete a mensagem de fls. 15, dirigida novamente ao “Exmo. Sr. Dr. AA”, fazendo constar da mesma o teor do artigo 95º do Estatuto da Ordem dos Advogados que versa sobre o dever de urbanidade e respeito devidos pelos advogados no contacto com os outros profissionais e demais entidades, referindo que o destinatário não está a cumprir com aquele dever deontológico, afirmando que, atento o total desrespeito e as injurias cometidas irá recorrer às instâncias próprias.
Nesse mesmo dia, e da mesma caixa de correio eletrónico é remetida uma mensagem tendo como destinatária a assistente, resultando do cabeçalho “RE:RE: […]” e sobretudo do seu texto, que é resposta à anterior mensagem, sendo visível o crescendo de irritação do remetente, que abandonou os adjetivos delegantes e passou a escrever expressões como “é inútil tentar persuadir criaturas desprezadas” “Porque quanto mais desprezadas, mais desprezíveis se tornam”. “há quem se preste aos mais ignóbeis papéis, para ver se ganha uns cobres mesmo em tempo de pandemia, indiferente ao sofrimento dos mais fragilizados, dos mais pobres”. “Falar, portanto, vou Bezerra que, de não nos esgotar a paciência, de não vir bolsar enormidades. O Einstein dizia, que há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana”.
Por último, surge a mensagem remetida novamente do endereço adv@pt para a advogada do Exequente, Dra. EE, em que o remetente da mesma, referindo-se à assistente e com conhecimento desta, escreve que “como já me tinha chocado a ignorância e a arrogância da solicitadora do processo, merecedora pela sua ignorância jurídica de ser averiguada a sua capacidade profissional para o exercício da função”. “Eu, no seu lugar, sentiria tal remorso de ter escrito o que escreveu, que nos próximos dias, usaria a máscara recomendada pela DGS e não por razões de saúde pública. A solicitadora, já nem a máscara poderá usar. Deixou-a cair. E perguntar-me-á porque perco tempo com tais pessoas?”
Diz o arguido que aqueles dois endereços são da sociedade de advogados à qual pertence e aos quais todos os advogados têm acesso e que são utilizados por todos os advogados do escritório, nas suas comunicações, mesmo o que tem a sua fotografia com uma dimensão, diga-se, razoável.
Quanto a esta afirmação, fica sem resposta porque motivo a testemunha e colega do arguido, Dra. MM, quando precisou de juntar aos presentes autos o comprovativo do pagamento alegadamente efetuado à Associação "...", utilizou o seu endereço pessoal conforme resulta de fls. 209 e não qualquer um daqueles endereços da sociedade de advogados, com a fotografia do arguido, que por ter essa qualidade nestes autos, até fazia mais sentido.
Diz também o arguido que as mensagens que “caem” na caixa geral do escritório são reencaminhadas para o advogado do processo. Neste caso não há qualquer dúvida sobre quem era o advogado do processo, sendo que se houvesse tais seriam dissipadas pois as mensagens recebidas são expressamente dirigidas ao “Sr. Dr. AA”.
Assim, dúvidas não subsistem de que o destinatário das mensagens recebidas foi o arguido, que as recebeu, ou na caixa de correio eletrónico da sociedade ou por as mesmas lhe terem sido reencaminhadas (de acordo com a sua versão).
Quanto às mensagens remetidas, quer a inicial, quer a final, quer as respostas, vejamos: O arguido disse em audiência que não escreveu nenhuma mensagem, nem as remeteu, porque só escreve à mão e porque não utiliza o correio eletrónico. Qualquer uma destas afirmações é pouco verosímil, pois trata-se de uma pessoa com pouco mais de 60 anos de idade, advogado a exercer funções nos Tribunais que tramitam processos em plataformas eletrónicas há muitos anos e sobretudo a exercer o patrocínio em processos em que a desmaterialização é total, como é o caso do processo executivo, não se olvidando ainda que o arguido tem assinatura eletrónica.
O que dizer das declarações da testemunha MM, que roçaram o ridículo ao afirmar que o arguido dita todos os seus textos a advogados escritório, tenham que antiguidade tiverem (passando a ideia absurda de que são todos funcionários/secretários do arguido), incluindo o I. Defensor constituído nestes autos que de acordo com esta testemunha também escreve textos ditados pelo arguido, mesmo sem ter escritório no mesmo local.
Poder-se-ia dizer que o faria por telefone. Assim seria se fosse minimamente credível esta afirmação da testemunha que, obviamente, não é, pois decorre das regras da experiência comum que os advogados exercem a sua profissão de forma autónoma e com independência técnica, que assinam o que eles próprios escrevem, com a ressalva apenas para alguns, nos tempos actuais, que, com a evolução da tecnologia, poderão ser ainda auxiliados por secretariado, mas não pelos próprios colegas, como é óbvio. Ainda assim esta testemunha admitiu que o arguido possa ter ditado os textos que estão aqui em causa, não imputando a sua autoria, mesmo hipoteticamente, a mais nenhum dos colegas de escritório. O que se percebe, pois ninguém, não sendo o advogado do processo, responderia a título pessoal, por correio eletrónico, usando textos deste teor, sem que os emails a que respondia lhe tivessem sido dirigidos.
Diz também o arguido que neste processo trabalharam em equipa e “pro bono” porque a senhora era muito pobre e todos os jovens advogados do escritório foram muito sensíveis à situação da senhora, tentando passar a ideia de que foram os tais jovens advogados que elaboraram e remeteram à assistente, tais textos, dando-lhe conhecimento e com os quais concordou e nos quais se revê e que no final fizeram uma enorme festa quando se concretizou o pedido de isenção de penhora.
Esta alegação do arguido não convence minimamente, desde logo porque fica por explicar porque razão a pobre executada (para usar as palavras do arguido) está há vários anos sem receber o dinheiro que lhe foi penhorado em excesso nessa altura, que será mais de duzentos euros.
Não se entende como uma equipa de jovens advogados indignados com a “desumanidade da sra. agente de execução”(sic) relativamente a uma pessoa tão carecida de rendimentos, tenham deixado, que tal valor que lhe pertencia, revertesse para o Estado porque ninguém da “equipa” forneceu ao processo executivo, um simples IBAN, em tempo útil.
Não convence também porque, o que motivou o arguido não foi a “insensibilidade da senhora agente de execução” (sic) à situação financeira da executada, nem tão pouco a desolação que sentiu com “a indiferença com os mais fracos” (sic).
O que motivou o arguido foi a senhora agente de execução ter dito ao arguido como devia proceder para alcançar a desejada isenção da penhora no âmbito do processo executivo e o arguido não tendo gostado que os seus conhecimentos jurídicos tivessem sido postos em causa, de forma aliás corretíssima, por uma pessoa que pensava ser solicitadora e que insistiu em tratar por solicitadora, mesmo após saber que era advogada, e por isso com menos formação académica, reagiu da forma que evidenciam os textos, e nunca mais cuidou de diligenciar para que a executada recebesse cerca de 200,00€, que a avaliar com as alegações do arguido, ter-lhe-iam feito muita falta. Para prova dos factos, não pode deixar de se atender à mais relevante das provas que são as afirmações do arguido constantes da sua contestação escrita, onde expressamente refere que “todos os emails remetidos pelo A. […)” mas em audiência nega, afirmando ser um “infoexcluído” (sic). Que não envia mails. Ali também afirmou que “nunca, portanto a intenção do A foi a de ofender a honra da Assistente ou sequer equacionado tal hipótese, uma vez que nenhum facto ali imputado e nenhum juízo é feito sobre o núcleo da capacidade de honra da Assistente: a sua capacidade MORAL”. Mas em audiência nega que os tivesse escrito. Não se pode negar ter tido a intenção de ofender, com algo que não se admite ter escrito, como é óbvio.
Acresce ainda uma outra afirmação do arguido, que não deixa qualquer margem para dúvidas e constante do documento de fls. 239 que o arguido juntou aos autos e que constitui uma comunicação que remeteu à Assistente, como sendo um pedido de desculpa no âmbito da suspensão provisória do processo, onde admite também ter escrito os 3 emails, colocando só em causa a intenção.
Com efeito, ali pode ler-se: “Neste enquadramento transmito que não tinha qualquer intenção de a insultar, e que se se sentiu insultada pelo que escrevi em 3 das várias comunicações que enviei, apresento desculpas.” Em audiência, apesar da atitude negatória dos factos, ainda assim deixou escapar, em determinada altura, quando lhe perguntaram as datas dos emails, que não podia saber porque “fizemos mais de 20 emails”.
Por todo o exposto, a versão do arguido não infirma minimamente todo o acervo probatório existente nos autos, sendo evidente que o arguido mentiu em audiência, negando o que anteriormente tinha admitido, assim como mentiu, como interveniente processual no dia 02 de Outubro de 2023, quando nesse dia às 08:56 horas, dá entrada nos autos de um requerimento (alegadamente elaborado pela advogada MM mas com a assinatura digital (?) do Defensor do arguido(que se pensava não ser possível), onde comunica o impedimento absoluto por razões de saúde que irá justificar, apresentando-se contudo em audiência nesse mesmo dia à mesmíssima hora (09:00 horas (cfr. fls 559)) e sem qualquer problema de saúde.
Quanto ao elemento subjetivo constante dos pontos 7 a 9, a prova dos mesmos, resulta da factualidade objetiva provada, que permite com base em presunção natural chegar à motivação do arguido, não convencendo o alegado pelo arguido na contestação escrita de que não tinha intenção de ofender a agente de execução, ora Assistente.
Com efeito do teor dos textos e tendo presente a prova produzida conjugada com as regras da experiência comum e da lógica, permite concluir que o arguido quis agir como agiu, porque quis sabendo que tal não lhe era permitido e que era penalmente censurável.
No que se refere aos antecedentes criminais atendeu-se ao certificado do registo criminal junto aos autos.
Quanto às condições pessoais e económicas, o Tribunal atendeu às declarações do arguido, nas quais se fez fé.
Os factos insertos nos pontos 19 a 22, o Tribunal atendeu às declarações da Assistente e ofendida, BB, que se conjugaram com o teor das expressões escritas que lhe foram dirigidas e as regras da experiência comum, pois colocando-nos na posição desta profissional, dificilmente nos sentiríamos de forma diferente. Não obstante essa qualidade prestou declarações de forma convincente, e ainda visivelmente emocionada ao relembrar-se das expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido, que a fizeram sentir-se a pior pessoa do Mundo (sic). Mais referiu que se sentiu humilhada na sua honra e dignidade, temendo que pudesse deixar de trabalhar para o escritório de advogados da Dra. EE.
Atendeu-se também ao depoimento da testemunha EE, que sem qualquer contradição corroborou o depoimento da assistente, tendo ainda adiantado que no processo executivo, a executada deixou de receber um remanescente por falta de indicação do IBAN pelo arguido, que, por esse motivo reverteu a favor do Estado.
Relevante quanto ao estado psicológico em que o arguido deixou a assistente foi o depoimento da testemunha TT, marido da assistente, mas que não obstante essa qualidade prestou um depoimento credível no qual se fez fé.
Quanto aos factos dados como não provados e constantes das alíneas a) a e) porque não foi produzida prova suficiente e/ou consistente quanto aos mesmos, sendo que, quer a Assistente quer a testemunha EE, negaram qualquer contacto telefónico com o arguido.
Os factos a que aludem as alíneas f) e g), resultaram não provados porque esta contextualização do arguido não se demonstrou, sendo que o próprio arguido ao negar ter escrito os textos, ou seja, a prática dos factos, também não pode querer contextualizar uma conduta que nega ter tido.
O facto inserto na alínea h) resultou não provado porque não se vislumbram dos emails qualquer negociação.
Aqui chegados, cumpre finalizar dizendo que o arguido tentou passar a imagem de que é um homem preocupado com os mais fracos e carenciados e ligado a causas sociais, mas como se vê tal imagem não resultou demonstrada nos autos.
Antes pelo contrário, tal como o arguido admitiu, são vários os processos disciplinares pendentes na Ordem dos Advogado, sendo além do mais muito conhecido na Ordem dos Solicitadores, que remete para a Ordem dos Advogados as queixas que sucessivamente vai recebendo dos agentes de execução, sendo que nas sessões de audiência a que compareceu, assumiu sempre uma conduta provocadora para daí tirar vantagens e em termos processuais de evidente má-fé, desde logo quando diz que a morada do seu escritório é na Rua … (como referiu em audiência), omitindo o número do andar, mas em requerimento anterior veio dizer que não se considerava notificado porque a correspondência veio devolvida por “endereço insuficiente” (como já tinha alegado noutras fases do processo), querendo com esta sua postura, continuar e perpetuar as suas manobras dilatórias, vindo aos autos com fotografias da porta de entrada onde consta que o escritório é no 2º andar (cfr. fls.405), pugnando pela sua não notificação.
O depoimento da testemunha EEE, não foi considerado porque não tinha qualquer conhecimento dos factos, revelando-se irrelevante quanto ao conhecimento que disse ter do arguido”.
No que respeita ao enquadramento jurídico-penal refere a sentença recorrida o que a seguir se transcreve:
“IV- Enquadramento Jurídico-Penal
Dos crimes de injúria
De acordo com o disposto no artigo 181º, nº 1, do Código Penal, comete este crime "quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração".
O artigo 184º prevê a agravação das penas, no caso do crime ser praticado contra uma das pessoas referidas na alínea 1) do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas.
No elenco de pessoas do artigo 132º, alínea l) consta o agente de execução.
O bem jurídico tutelado pelo crime de injúria é a honra e consideração das pessoas. Com tal incriminação o legislador visa proteger esses direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados (cfr. artigos 26º, nº 1 e 27º nº 1 ambos da Constituição da República Portuguesa), contra ataques, por palavras ou gestos, cometidos por outrem e susceptíveis de ofenderem os mesmos.
Reconduz-se por conseguinte a injúria a um comportamento lesivo da honra e da consideração de alguém, constituindo a honra o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública8.
A acção típica do crime de injúria pode revestir três formas: a imputação de um facto ofensivo, ainda que sobre a forma de suspeita; a formulação de um juízo de desvalor; ou a reprodução de uma tal imputação ou juízo.
Para que o referido tipo legal seja preenchido é necessário, por um lado, que a imputação de factos, as palavras proferidas ou os gestos efetuados, sejam objetivamente injuriosos face aos padrões médios de valoração social e, por outro lado, que o sejam subjectivamente, tendo em conta a sensibilidade e susceptibilidade pessoal do ofendido, as quais, como se sabe, variam de pessoa para pessoa em função dos mais diversos fatores como sejam o do meio social em que se inserem, os graus de instrução, de educação, de cultura, entre outros.
Pois neste crime, “não se protege, pois, a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas."9
Assim, não basta a pronúncia de palavras ou expressões que constituam falta de educação, ou indelicadeza para estarmos perante um crime de injúrias. É necessário mais do que isso: que tais palavras ou expressões ofendam a honra e consideração do seu destinatário.
Convém, ainda, referir que a injúria tem um carácter relativo, no sentido de só poder ser apreciada caso a caso, pois como foi já mencionado, o carácter injurioso de uma palavra varia consoante as condições de tempo, lugar ou circunstâncias de cada caso concreto.
Para que o tipo subjectivo seja preenchido basta que, uma vez verificado o carácter injurioso dos factos imputados, se actue com a consciência de que aquilo que se imputa é de molde a ofender a honra e a consideração da pessoa visada, não sendo, portanto, necessária a existência de dolo específico, bastando apenas o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas, previstas no artigo 14º do Código Penal.
Nos autos provou-se que o arguido, dirigindo-se à ofendida por correio electrónico escreveu as seguintes expressões, no primeiro email do dia 2.4.2020: Não cometeria a deselegância de ir discutir questões jurídicas com um/a solicitador/a. (...) e no segundo email desse dia: Ao ler o despropósito do arrazoado que bolsou, só posso extrair uma conclusão: Não sabe ler... (...) Faltam-lhe os requisitos elementares para qualquer comunicação escrita (...)
Estas expressões são grosseiras, que só têm um objetivo que é enxovalhar a pessoa a quem são dirigidas e que se atreveu a discordar duma pessoa destas com um ego gigantesco que ninguém se atreva a questionar. Revelam uma personalidade desrespeitosa, agressiva e hostil e uma profunda desconsideração, sobretudo pelos colegas de profissão ou que trabalham no Foro (conforme disse, já teve conflitos com advogados, procuradores e juízes), achando-se acima de todos e sobretudo achando normal ter conflitos com estes profissionais.
Contudo, nem tudo aquilo que consubstancia adoção de condutas eticamente reprováveis, desrespeitosas, incómodas e desagradáveis, são susceptíveis de consubstanciarem ilícitos criminais. É o caso destas expressões hediondas, pelo que não integrando as mesmas qualquer ataque à honra e consideração da assistente, deverá o arguido ser absolvido da prática destes dois crimes de injúria.
Ao contrário destas, as expressões “Vou tentar responder num português que esteja ao seu alcance (...) é inútil tentar persuadir criaturas desprezadas. Porque quanto mais desprezadas, mas desprezíveis se tornam. (...) Há quem se preste aos mais ignóbeis papéis, para ver se ganha mais uns cobres (...) indiferente ao sofrimento dos mais fragilizados, dos mais pobres (...) Não vir bolsar enormidades (...) há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana...", escritas pelo arguido, dirigindo-se à ofendida, enquanto esta se encontrava no exercício das suas funções de agente de execução assumem sem qualquer margem para dúvida, carácter injurioso.
Em face desta factualidade mostram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo de ilícito em apreço.
Relativamente ao tipo subjectivo, o crime é imputado ao arguido em termos dolosos.
Nos termos do disposto nos artigos 13º e 14º, do Código Penal, o dolo abrange os elementos intelectual (conhecimento dos elementos objetivos do tipo) e volitivo (vontade de praticar um acto ou de atingir um resultado).
No caso dos autos, o arguido agiu de forma livre e consciente, com conhecimento do carácter injurioso de tais expressões, querendo, desse modo, atingir a assistente na sua honra e consideração, palavras que são manifestamente objetiva e subjectivamente ofensivas da honra da ofendida e que foram proferidas durante e por causa do exercício por esta da sua função de agente de execução.
Não obstante saber que, em tais circunstâncias, tal conduta era proibida e punida por lei, quis actuar da forma como actuou.
Conclui-se, portanto, que ambos os elementos do dolo estão presentes no caso sub judice, sendo o mesmo directo ao abrigo do disposto no artigo 14º nº1, do Código Penal.
Inexistem causas de justificação e de exclusão da ilicitude e da culpa.
Pelo exposto, o arguido praticou, em autoria material, na forma consumada, um crime injúria agravada que lhe vem imputado, previsto e punido nos artigos 181º, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, devendo pelo mesmo ser condenado.
*
Do crime de difamação agravado:
Em conformidade com o tipo legal descrito no artigo 180.e, do Código Penal, comete o crime de difamação "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
O artigo 184º prevê a agravação das penas, no caso do crime ser praticado contra uma das pessoas referidas na alínea l) do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas.
No elenco de pessoas do artigo 132º, alínea l) consta a agente de execução.
O bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora é a honra.
O tipo objetivo é constituído pela imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra de outra pessoa ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo.
A difamação distingue-se da injúria porquanto aquela é dirigida a um terceiro enquanto que esta se dirige ao próprio ofendido.
Com efeito, para haver difamação, é imprescindível que a imputação de facto ou a formulação de juízos desonrosos se processe através de um terceiro.10
Para que o tipo subjectivo seja preenchido basta que, uma vez verificado o carácter injurioso dos factos imputados, se actue com a consciência de que aquilo que se imputa é de molde a ofender a honra e a consideração da pessoa visada, não sendo, portanto, necessária a existência de dolo específico, bastando apenas o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas, previstas no artigo 14.º do Código Penal.
Ora, revertendo aos factos, resultou provado que o arguido dirigiu a EE, mandatária da exequente no sobredito processo, a mensagem de correio electrónico, onde, além do mais referindo-se à assistente escreveu: Já me tinha chocado a ignorância e arrogância da solicitadora do processo, merecedora pela sua ignorância jurídica de ser averiguada a sua capacidade profissional para o exercício da função, cujo teor depreciativo não ignorava, querendo ofender a assistente na sua honra e consideração devidas enquanto agente de execução e cidadã, o que conseguiu, tendo actuado, também com dolo directo.
Inexistem causas de justificação e de exclusão da ilicitude e da culpa.
Assim, se conclui que o arguido com a sua conduta preencheu, os elementos típicos objetivos e subjectivos do crime de difamação agravado, previsto e punido nos artigos 180º, nº1, 182º, 184.º e 132.º, nº 2, alínea l), do Código Penal, devendo pelo mesmo ser condenado.
Importa ainda ponderar se estes factos não integram também o crime de injúria agravada, em concurso real com o crime de difamação.
O Arguido não dirigiu à Assistente, as aludidas expressões, mas a EE. Contudo, a Assistente teve conhecimento das expressões, porque o email foi remetido com o seu conhecimento. Mas tal circunstância é suficiente só por si para que seja imputado à arguido a prática de mais um crime de injúria? Entendo que não. A intenção do Arguido, a escrever este texto, foi de divulgar através de terceiros a ofensa e não de ofender diretamente a ofendida, motivo pelo qual a conduta do arguido integra apenas a prática de um crime de difamação tal como aliás vem acusado. Admitir-se esta imputação ao arguido, apenas porque a ofendida tomou conhecimento da expressão, sem que a mesma lhe tenha sido dirigida, seria propugnar pela intolerável responsabilidade objetiva, sem culpa.11
No que respeita à escolha da pena e determinação da mesma consigna a sentença recorrida o que a seguir se transcreve:
Escolha da Pena
Resulta da conjugação do disposto nos artºs. 181º e 184º do Código Penal, com os limites fixados nos artigos 41º, n.9 1 e 47.9, n.9 1 e 2 do Código Penal, que a conduta do arguido pela prática do crime de injúria agravada é abstratamente punida com pena de 1 mês e 15 dias a 4 meses e 15 dias de prisão ou com multa de 15 a 180 dias, à taxa diária de €5 a €500.
Resulta da conjugação do disposto nos art.ºs 180º e 184º do Código Penal, com os limites fixados nos art.ºs 41º, nº 1 e 47º, nº 1 e 2 do Código Penal, que a conduta do arguido pela prática do crime de difamação agravada é abstratamente punida com pena 1 mês e 15 dias a 9 meses de prisão ou pena de multa de 15 a 360 dias, à taxa diária de €5 a €500.
Tendo em conta o carácter alternativo das penas de prisão e multa previstas, impõe-se proceder, em primeiro lugar, à escolha da pena que, concretamente, irá ser aplicada.
Nesta operação iremos necessariamente orientarmo-nos pelo princípio político criminal da preferência pelas reacções penais não detentivas ínsito no art.º 70º do Código Penal, de acordo com o qual, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar deforme adequada e suficiente as finalidades da punição".
Este preceito traduz o pensamento do legislador no sentido de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas face ao seu carácter nocivo, sempre que os fins das penas se possam atingir por outra via.
Nesta perspectiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas pelo arguido - e por aí a tutela do bem jurídico - e bem assim como a ressocialização daquele poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que no tipo alternativamente se coloca.
As necessidades de prevenção geral são elevadas atentas as vezes que estes dois cometidos na Comarca.
Já no que respeita às exigências de prevenção especial, as mesmas são diminutas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais registados.
Pelo exposto, o Tribunal entende que, as apontadas finalidades de prevenção geral e especial poderão ser alcançadas de forma plena com a aplicação ao arguido de uma pena de multa.
Determinação da Medida Concreta da Pena
Selecionado o tipo de pena a aplicar, cumpre determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido.
Para a sua determinação recorre-se ao critério global previsto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que dispõe que a determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo preceito legal.
Assim, no caso em apreço, atentos os mencionados critérios constantes do artigo 71.º do Código Penal, salienta-se que, no caso vertente, militam em desfavor do arguido:
- o dolo do arguido, na sua forma mais intensa (dolo directo);
- o motivo fútil - relacionado com o seu ego/síndrome do sabe-tudo, não admitindo que questionem a sua "sabedoria" reagindo com arrogância;
-a postura do arguido em audiência, negando os factos que antes tinha admitido, atribuindo responsabilidade pelos mesmos aos seus jovens colegas de profissão, demarcando-se da sua prática e sobretudo não evidenciando qualquer arrependimento.
-a circunstância de ser advogado, sobre quem recai um dever acrescido de respeito para com os outros profissionais do foro.
-o número de expressões com carácter injurioso, contidas num mesmo texto quanto ao crime de injúria.
A favor do arguido militam apenas:
- a circunstância de não ter antecedentes criminais registados.
- estar inserido social, familiar e profissionalmente.
Tudo visto e ponderado, e tendo em conta os limites mínimo e máximo abstratamente aplicáveis ao crime de que vem acusado, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção, a punição da sua conduta com uma pena de multa que se fixa em 150 dias de multa, pela prática do crime de injúria e em 200 dias de multa, pela prática do crime de difamação agravada.
*
Havendo concurso real de crimes, deverá o arguido ser punido numa pena única, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 77º, do Código Penal.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2 do mesmo preceito).
Assim a pena a aplicar ao arguido tem como limite máximo 350 dias e como limite 200 dias. A ponderar na determinação da pena única o contexto em que os factos ocorreram, a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior.
Assim, em cúmulo jurídico, considerando os factos no seu conjunto e a personalidade do arguido, revelada nos factos, julga-se ajustada a pena única de 300 dias de multa.
A cada dia de multa corresponde uma quantia entre €5,00 e €500,00.
Quanto a este quantitativo deve atender-se à situação económica e financeira da arguida e aos seus encargos pessoais, nos termos do art.º 47.º n.º 2 do Código Penal, tendo presente, por um lado, a dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.
Nos presentes autos, considerando as condições económicas declaradas pelo arguido, considera adequada a fixação do quantitativo diário em €12.00.”
Por último e na parte respeitante ao pedido de indemnização civil refere a sentença recorrida o que a seguir se transcreve:
Do Pedido de Indemnização Cível
Pela demandante civil BB foi deduzido pedido de indemnização cível no valor de €3.000,00.
Estatui o artigo 483º, nº 1, do Código Civil, que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
Nos termos do artigo 483º do Código Civil, a responsabilidade civil implica a verificação dos seus pressupostos, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso dos autos existe um facto voluntário do demandado que se traduziu em proferir as expressões, dirigindo-se à ofendida: "Ai Vou tentar responder num português que esteja ao seu alcance (...) é inútil tentar persuadir criaturas desprezadas. Porque quanto mais desprezadas, mas desprezíveis se tornam. (...). Há quem se preste aos mais ignóbeis papéis, para ver se ganha mais uns cobres (...) indiferente ao sofrimento dos mais fragilizados, dos mais pobres...) Não vir bolsar enormidades (...) há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana... e dirigindo-se a terceiros e escreveu: Já me tinha chocado a ignorância e arrogância da solicitadora do processo, merecedora pela sua ignorância jurídica de ser averiguada a sua capacidade profissional para o exercício da função.
Tal facto é ilícito porquanto é violador do direito à honra da demandante.
Esta conduta é também culposa uma vez que a conduta em questão é merecedora de um juízo de reprovação e censurabilidade por parte da nossa ordem jurídica.
Efectivamente, o demandado podia e devia ter agido de outro modo, evitando a prática da conduta, não o tendo, porém, feito.
Também se verificou um dano, entendendo-se este como o vexame, a humilhação e a vergonha sentidas pela demandante.
Por conseguinte, as lesões psíquicas sofridas não são despiciendas.
Nos presentes autos provou-se que a ora demandante sofreu os danos supra descritos, os quais por serem relevantes, merecem a tutela do direito.
Assim, considerando os danos sofridos, entende-se justo e adequado fixar o montante de tais danos em €3.000,00 tal como vem peticionado.
Aqui chegados cumpre proceder à concreta apreciação do objeto deste recurso interposto da sentença:
1) Se a sentença padece de falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 374º nº2 do Código de Processo Penal:
Invoca, o recorrente arguido que a sentença padece de falta de fundamentação nos termos do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal afirmando, neste particular, que “a sentença recorrida é desprovida de qualquer espécie de critério que permita compreender o alcance o tipo, ao qual, também, não subsume os factos, cilindrando o dever de fundamentação, ainda que básica, a nível jurídico, numa decisão que a esse nível não se distancia daquela que foi a decisão sobre a principal matéria de facto: a autoria dos referidos emails; redundando a interpretação do art.º 374º, nº 2, do CPP, que considere motivada uma sentença, sem explanar os critérios que permitem destrinçar os elementos objectivos do crime imputado, máxime, no caso concreto, permitindo distinguir o que pretende e é suscetível de “enxovalhar” (SIC) e não é crime por não ter carácter injurioso, daquilo que tem esse carácter, numa dimensão normativa inconstitucional, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP”.
A fundamentação das decisões judiciais tem consagração no artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem12 e o artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que o recorrente refere ter sido violado, estipula o seguinte: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Tal princípio constitucional é observado pela lei processual penal, mormente, no artigo 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal que comina com nulidade a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do artigo 374º e na alínea b) do nº3 do artigo 374º do mesmo diploma legal.
O artigo 374º do Código de Processo Penal que versa sobre os requisitos da sentença prevê no seu nº2: “ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa ainda que concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O dever de fundamentação tem, ainda, acolhimento no artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal onde se refere: “Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Como afirma José Tomé de Carvalho13: O dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, pois permite o controlo da legalidade do ato e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça.
E, ainda, Oliveira Mendes14 a fundamentação «visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a atividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da atividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, nº 1, da Constituição da República».
O Supremo Tribunal de Justiça concretizou o dever de fundamentação da sentença ao consignar que: a decisão, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência.15
Por conseguinte é através da fundamentação da sentença, na explicitação exame crítico aí empreendidos que se poderá aferir da objetividade, rigor, consistência, congruência e legitimidade do processo lógico de formação da convicção do julgador e, assim, exercer a possibilidade de controlo de tal decisão, sendo que tal controlo não é arbitrário, exerce-se na medida do necessário e é, naturalmente, respeitador do consignado no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Do exposto, decorre que a fundamentação da decisão deve pautar-se por uma lógica de convencimento que viabilize a sua integral compreensão quer pelos seus destinatários quer pelo tribunal de recurso enquanto entidade que procede ao controlo de tal decisão por via do recurso.
O artigo 374º nº2 do Código de Processo Penal aqui convocado pelo arguido recorrente o que refere é que a seguir ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Ora, a mera leitura de decisão recorrida permite concluir facilmente pelo preenchimento dos requisitos legalmente exigidos e referidos em tal preceito legal.
O que se verifica é uma divergência do recorrente relativamente ao teor da fundamentação, designadamente, por considerar que os factos nem sequer consubstanciam crime ou infringem o preceituado no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa ou artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e que o mesmo subsume a falta de fundamentação.
Porém, tal falta de fundamentação não se verifica e as demais questões suscitadas não são enquadráveis no disposto no artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal sendo matéria de subsunção dos factos ao direito a ser apreciada posteriormente.
A decisão recorrida enumera os factos provados e não provados e empreende uma explicitação dos motivos de facto e de direito com indicação e exame crítico das provas que sustentam a formação de convicção do julgador.
Assim, inexiste falta de fundamentação e consequentemente, embora nem sequer o arguido recorrente expressamente o tenha referido, qualquer nulidade da sentença recorrida nos termos previstos nos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) ambos do Código de Processo Penal.
Assim improcede, neste segmento, o recurso do arguido.
2) Se há nulidade por violação de sigilo profissional:
Uma vez que esta questão foi apreciada e decidida em recurso interlocutório considera-se prejudicado o seu conhecimento neste recurso de sentença, pelo que nada mais a apreciar.
3) Se há erro notório na apreciação da prova, violação dos princípios de presunção de inocência ou do in dubio pro reo
Pugna o arguido recorrente pela existência de erro notório na apreciação da prova, o qual, apesar do o não referir tem previsão legal no artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal.
Trata-se de um vício decisório que é de conhecimento oficioso prevendo o aludido preceito que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) o erro notório na apreciação da prova.
Importa sublinhar que em qualquer das hipóteses indicadas o vício tem de resultar da decisão recorrida por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum não sendo assim, admissível apelar a elementos estranhos àquela para o sustentar.
Destarte, a apreciação da existência dos vícios elencados nas diferentes alíneas do referido normativo incide apenas sobre o texto da decisão recorrida, em sim mesma ou em conjugação com as regras da experiência comum, e sem apelo a declarações, depoimentos, documentos do processo ou qualquer outro tipo de prova produzida no julgamento16.
São, assim vícios intrínsecos, estruturais da decisão recorrida percetíveis numa mera leitura da mesma e apreensíveis pelo cidadão médio, pelo que evidentes e revelando juízos ilógicos, contraditórios, ao arrepio das regras e máximas da experiência comum, ou seja, ao normal vivenciar e conhecimentos adquiridos do homem médio.
No que respeita ao vício invocado, neste caso pelo recorrente arguido, e indicado na al. c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal: o erro notório na apreciação da prova: este ocorre quando o homem médio em face do teor da decisão em si mesma ou conjugada com o senso comum facilmente se apercebe que o decisor levou a cabo em tal decisão uma apreciação desadequada, incorreta sustentada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Tal vício, também, se manifesta quando se infringem as regras da experiência, da prova vinculada ou das leges artis ou quando sem qualquer fundamento se diverge do juízo pericial
É, naturalmente, um vício patente na decisão aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente17.
Redunda num vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido18.
Tal entendimento é perfilhado por todos os Tribunais da Relação e, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça de que se cita, deste último e a título meramente exemplificativo, o Acórdão de 9 de março de 2023 proferido no processo 1368/20.8JABRG.G1. S119 em que se consigna: “O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto, mas nem sempre detetável por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos. Na verdade, o erro pode não ser evidente aos olhos do leitor médio e, todavia, constituir um erro evidente para um jurista de modo que a manutenção da decisão com base naquele erro constitui uma decisão que fere o elementar sentido de justiça”.
Sendo que já no Acórdão proferido em 23 de setembro de 2010 no âmbito do processo 427/08.0TBSTB.E1. S220 já o referido Supremo Tribunal esclarecera que: “O vício da al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida”.
Assim, tal vício não ocorre se a divergência do recorrente decorre da forma como a decisão recorrida apreciou a prova produzida, ou seja, a não coincidência entre a versão do recorrente sobre a matéria de facto e a da decisão recorrida não preenche o vício de erro notório na apreciação da prova.
Revertendo, ao caso vertente, impõe-se salientar que inexiste em face do teor da decisão recorrida qualquer um dos vícios previstos no referido preceito legal.
Não se deteta na mesma qualquer insuficiência, contradição ou erro notório sendo a mesma cabal, clara e congruente.
Com efeito, o que ocorre é a discordância do recorrente arguido quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida nos autos e as conclusões que retirou de tal exercício.
Porém, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto provada não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal, não preenche tais vícios, mormente, o de erro notório na apreciação da prova, uma vez que tal vício só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detetável por qualquer pessoa.
O tribunal de julgamento decide de acordo com as regras da experiência e o princípio da livre apreciação da prova, exercício que deve efetivar–se em consonância com uma valoração probatória racional e crítica, que seja de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e daquilo que tudo isso traduza enquanto regra de normalidade de atuação e procedimentos no contexto do caso concreto.
E, no caso em apreço, o tribunal a quo na decisão recorrida explana de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, indicando os meios de prova utilizados e enunciando as ilações extraídas dos mesmos, não se verificando a partir do teor da decisão recorrida que haja procedido a uma valoração probatória errática e desprovida de qualquer sustento nas regras que se lhe impunham nessa sede.
Refere, ainda, o arguido a violação da sua presunção de inocência por parte do tribunal bem como do princípio do in dubio pro reo aludindo a uma ostensiva animosidade da MM.ª Juiz, que se afasta dos mais basilares deveres de serenidade e de isenção (que inclusive gerou a sua Recusa, em má hora indeferida) (…) E é objectivamente chocante que um juiz interfira na instância, interrompendo o Defensor ora para “comentar” ou afirmar que a questão só tem relevância se «Vai dizer que alguma dessas pessoas é que subscreveu os e-mails, doutor, para ter relevância para o objeto?» , ora mostrando não ter qualquer interesse em conhecer a versão do arguido, pelo que esta “apreciação” da prova perpetrada pelo Tribunal a quo, não surpreende e mais não é do que uma inversão do ónus da prova, seguida de uma narrativa ilógica, pautada por sucessivos saltos de raciocínio, que pontuou a falta de isenção e de serenidade com que o Tribunal brindou os intervenientes, caracterizada em bruscas e reiteradas interrupções nas instâncias, cilindrando o princípio da presunção de inocência e o in dúbio pro reo enquanto princípios primeiros da apreciação da prova. Só este comentário da MM.ª Juiz, entre os minutos 26:25 e 27:53, em que afirma que a questão a colocar só tem relevância para o objeto de o Arguido for capaz de identificar o autor dos emails, demonstra uma parcialidade que se traduz numa demonstração cabal de que foi violado o princípio in dúbio pro reo, pois constitui confissão integral e sem reservas de que tudo o que o Arguido possa dizer é irrelevante se não acusar o autor dos escritos em causa.
É o próprio recorrente que refere ter suscitado incidente de recusa da Mmª Juíza que foi indeferido e que centra a violação da presunção de inocência na atuação daquela no decurso da audiência e que se traduz na advertência quanto à relevância para o objeto do processo e em algo que adjetiva como bruscas e reiteradas interrupções nas instâncias.
O artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa estipula que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº175/202221: “a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado.
Em matéria de prova, este princípio é identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, o qual se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão da causa ou da culpabilidade do arguido deve ser valorada a favor deste, resolvendo-se desta forma os casos de non liquet em matéria de prova (sobre as diferentes opiniões defendidas na doutrina acerca das relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cfr. Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art.º 32.º, n.º 2, da CRP»), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-442). No entanto, mesmo a nível probatório, ele tem um sentido e alcance mais amplos que o princípio in dubio pro reo, como explica Helena Magalhães Bolina (cit., págs. 443-446).
O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza.
A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspetiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência.
O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo”.
No caso vertente como supra aludido o que o arguido recorrente adjetiva de bruscas interferências e interrupções de instâncias são uma mera expressão do exercício dos poderes de disciplina e direção da audiência que a lei processual penal atribui ao juiz, mormente nos artigos 323º e 326º ambos do Código de Processo Penal sendo o invocado pelo arguido uma mera discordância relativamente ao exercício de tais poderes que inclusivamente expressou através de incidente de recusa de juiz que foi indeferido.
Ora, a violação de tal princípio não ocorre porque o arguido recorrente discorda do exercício dos poderes de disciplina e direção da audiência e dos mesmos retira conclusões subjetivas quanto a falta de serenidade, isenção e parcialidade da Mmª Juiz, conclusões essas que soçobraram no indeferimento do incidente de recusa suscitado.
E que aqui também não procedem por não se evidenciar que ao arguido não tenham sido asseguradas nessa fase todas as garantias de defesa legalmente previstas.
No que à invocada violação do princípio do in dubio pro reo respeita é comummente afirmado que a condenação de um cidadão pela prática de um qualquer crime demanda que a convicção do julgador nesse sentido se alicerce numa certeza decorrente da confluência de elementos probatórios concretos e seguros o bastante e idónea a afastar a dúvida razoável e intransponível.
Assim, se o processo de formação da convicção do tribunal é inquinado por tal dúvida não é de assacar ao arguido a atuação que lhe é imputada uma vez que a mesma tem de ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reo).
Todavia “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum22.
O princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos – é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Destarte e como se consigna no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014 23a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar”.
Ora, no presente caso, e analisando a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, constata-se que a mesma enuncia exaustivamente os meios de prova produzidos e dá conta dos critérios adotados na respetiva ponderação conjugada, permitindo compreender claramente a razão pela qual os factos plasmados na decisão foram dados como provados.
Essa apreciação da prova revela-se clara, tendo criticamente avaliado a prova produzida, segundo critérios lógicos e objetivos e em obediência as regras de experiência comum, segundo o princípio da livre (mas vinculada) apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, lançando mão dos princípios da imediação e da oralidade e conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para duvidas, a inevitável fixação daquela matéria de facto, mormente no que tange à autoria dos factos imputada ao arguido recorrente.
Na explanação empreendida na sobredita motivação da decisão de facto não se deteta qualquer estado de dúvida, mas sim uma convicção segura assente na prova aí indicada e criticamente examinada e sopesada.
Não havia, pois, que recorrer, no caso vertente, ao princípio in dubio pro reo, pois que o mesmo não se destina a dar resposta às dúvidas do arguido recorrente sobre a matéria de facto na interpretação e valoração probatória pelo mesmo levada a cabo e com base na qual se pretende substituir à convicção formada pelo julgador do tribunal a quo.
É compreensível que a convicção do referido tribunal desagrade o recorrente, mas não é sua convicção, a sua interpretação da prova que tem idoneidade a conduzir a decisão diversa da contida na matéria de facto da sentença recorrida.
Não se verifica, pois, qualquer vício intrínseco na sentença recorrida nem se vislumbra qualquer violação dos princípios invocados pelo arguido recorrente pelo que se impõe não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido também, neste particular.
4) Se há erro de julgamento, nos termos do art.º 412º/3 do Cód. de Processo Penal, quanto à consideração como provados de determinados factos (3 a 9 e 19 a 22 da matéria de facto provada).
Invoca, o arguido recorrente a existência de erro de julgamento, nos termos do art.º 412º/3 do Cód. de Processo Penal, quanto à consideração como provados de determinados factos (3 a 9 e 19 a 22 da matéria de facto provada).
Importa lembrar que o erro de julgamento consagrado no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal, ocorre quer quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado quer quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Neste caso a apreciação a levar a cabo pelo Tribunal da Relação não se restringe ao texto da decisão (como ocorre no caso dos vícios previstos no artigo 410º nº3 do Código de Processo Penal) incidindo sobre o que se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência embora com os limites decorrentes do estrito cumprimento do ónus de especificação consagrado no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal:
a) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) das provas que devem ser renovadas.
Impondo o nº 4 do preceito em questão a exigência de que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Atento tal ónus não é uma qualquer divergência que pode autorizar o Tribunal da Relação no âmbito de tal análise alargada a decidir pela alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido.
Com efeito, as provas que o recorrente indique e a apreciação das mesmas apresentada no recurso devem não só evidenciar que os factos foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo como fundar a convicção de que se impunha uma decisão diversa da proferida na fixação dos factos provados e não provados.
Assim, não basta a demonstração da possibilidade de existir uma seleção em termos de matéria de facto alternativa à da constante da decisão recorrida sendo necessário que o recorrente demonstre que prova produzida em julgamento só poderia ter conduzido à matéria de facto provada e não provada por si propugnada e não àquela fixada na decisão recorrida.
Como se exara no Acórdão desta mesma Secção Criminal da Relação de Lisboa de 29/09/2021 e proferido no proc. 640/15.3TDLSB.L2-324 e que ora se cita por se concordar com o teor do mesmo “A impugnação ampla da matéria de facto improcede, mesmo quando o recorrente cumpra o ónus de impugnação especificada nos termos previstos no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se dela não resultar qualquer insustentabilidade lógica ou arbitrariedade no exame crítico da prova e correspondente fixação da matéria de facto, já que nem o recorrente, nem o Tribunal de recurso se podem substituir ao Tribunal do julgamento na formação da convicção sobre os factos provados e não provados, se ela ainda se contiver dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova e/ou do valor probatório específico pré-estabelecido para a confissão integral e sem reservas, para os documentos autênticos e para a prova pericial.”
E, ainda “O recurso da matéria de facto não serve para os sujeitos processuais sobreporem a sua opinião sobre o sentido da prova a uma convicção formada por um tribunal depois de efetuado o exame crítico da mesma e sem o cumprimento cabal do artigo 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, (…)
Uma forma genérica de impugnação, além de permitir converter em regra uma exceção, desvirtua completamente o regime do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que se traduz num reexame pontual e parcial da prova, porque restrito aos precisos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância e prejudica e pode mesmo inviabilizar o exercício legítimo do princípio do contraditório pelos demais sujeitos processuais com interesse juridicamente relevante no desfecho do recurso. (…)
É, igualmente, inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, partindo da constatação de que o contacto que o Tribunal de recurso tem com as provas é, por regra e quase exclusivamente, feito através da gravação, sem a força da imediação e do exercício sistemático do contraditório que são característicos da prova produzida no julgamento”.
Saliente-se que tal como se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/01/2017 no proc. 802/14.0GCVIS.C125Na impugnação da matéria de facto o recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie”.
Por conseguinte o recorrente tem de cumprir o ónus legalmente previsto uma vez que “o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.)26.
Ora, no caso concreto o arguido recorrente impugna, desde logo, a seleção dos factos 3 a 9 da matéria de facto provada por entender que as declarações do Arguido e da testemunha MM, impõem que não possa ser julgado como provada a autoria dos emails de fls. 12, 14 e 16 e 17.
Refere o arguido recorrente que nas declarações por si prestadas na sessão de Audiência de Julgamento realizada no dia 01.07,2024, entre as 10:09 e as 10:42, encontrando-se o depoimento gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_ 2024-07-01_10-09-46, em termos que coincidem com exactidão aos factos declarados pela Testemunha MM, declarando(i) entre os minutos 03:40 a 08:03: « Assim, a V. Exª não me deixa falar. (…) Fizemos um requerimento, fizeram eles até, eu na altura até estava fora, fizeram um requerimento ao processo executivo, que a nossa colaboradora mandou via citius, requerimento esse que está assinado por mim, à senhora doutora juíza titular do processo, pedindo a suspensão da penhora ao abrigo da lei da pandemia (…) na sequência deste despacho da senhora doutora juíza, que por razões de humanidade, legais, o despacho não era ilegal, o que tinha sido ilegal pelos vistos era a conduta da senhora advogada da exequente e da senhora agente de execução que é aqui assistente, fizemos uma festa, senhora doutora juíza, eu nem estava e os jovens enviaram vários e-mails à senhora agente de execução, dois ou três que estão junto aos autos, enviaram vários e-mails, onde se menciona, juntando até o despacho da senhora doutora juíza, está a ver a ignorância jurídica que a senhora demonstrava, é isso que está escrito, senhora doutora juíza. ». (ii) Depois, aos minutos 08:04 a 09:50: «Esses três e-mails não foram enviados por mim, esses três e-mails foram enviados, não o endereço eletrónico que diz “CC e associados, sociedade de advogados”, mas do adv@pt (…) E esse endereço eletrónico, senhora doutora juíza, é o endereço eletrónico utilizado por toda a gente no escritório, não há outro. Portanto, não há nenhum mail, senhora doutora juíza, saído de nenhum mail pessoal do advogado CC. Segunda coisa, senhora doutora juíza, esses e-mails foram escritos pelos nossos jovens, que trabalham no escritório, dirigidos à senhora agente de execução. Nenhum deles tem a minha assinatura. (…) Segundo lugar, senhora doutora juíza, eu não os podia ter enviados, pela simples, elaborados e enviados, senhora doutora juíza, além de não terem serem enviados do endereço eletrónico da sociedade, não terem assinatura nenhuma minha, senhora doutora juíza, eu não uso computadores. Eu escrevo tudo à mão… Sou um infoexcluído, tenho 63 anos, já não aprendi… E os jovens do escritório é que escrevem aquilo que eu dito… Esses três emails, que contém as expressões alegadamente injuriosas, não foram escritos por mim, nem têm a minha assinatura, nem foram enviados de nenhum endereço eletrónico meu, mas sim de um endereço a que têm acesso todos os jovens… Demarco-me do que lá está escrito? Reitero que não, Senhora Dr.ª Juiz.»
(iii) E entre os minutos 26:25 e 27:53: «Quantas pessoas colaboravam? Uma boa meia dúzia de jovens estagiários. Da primeira metade de 2020? Portanto, há quatro anos e meio. Uma boa meia dúzia de jovens e uns bons quatro. (…) Já não estagiários, jovens advogados. (…) Creio que a NNN, a Dra. PP, que agora já é a Procuradora da República, a doutora OO, que agora já é juiz. Que eram, na altura, estagiários que tinham acabado. Que tinham acabado, mas continuavam a MM, sim, vários. O doutor RR, que agora é juiz dos Tribunais Administrativos. (…) Então, o escritório é um espaço grande, como sabe, é para o Tribunal. É um escritório com 10 salas, portanto, uma coisa grande, onde eu exerço no mesmo sítio há 35 anos e, portanto, para se ter a perceção de como é que esta gente lá estava toda. (JUIZ INTERROMPE INUSITADAMENTE: «Vai dizer que alguma dessas pessoas é que subscreveu os e-mails, doutor, para ter relevância para o objeto?». (iv) E finalmente, ao minuto 27:53 a 30:10: Defensor: Perguntar quantos computadores têm… (Mm.ª Juiz: Qual é a relevância senhor Dr.? Para que, para qual, para que facto? D.: E a seguir, em quantos desses computadores… MMJ: Sim… D.: …está instalado o referido e-mail. MMJ: Muito bem. Com a fotografia do Arguido…) D.: Sim, exatamente. Nos mesmos termos. Está instalado. Nós devemos ter o quê? Meia dúzia de terminais? Nas salas, 4 ou 5 terminais, todos com o e-mail instalado? D.: Todos com este e-mail instalado. A.: Só há um email, ou melhor, só há um endereço eletrónico utilizado, em qualquer documento que seja da sociedade ou meu, o único mail, o único endereço da sociedade é este: adv@pt. D.: Se eu enviar um email deste computador em que essa conta de email está instalada, o computador da receção, o computador da sala do Senhor Dr. ou do computador da sala lá do fundo, ele sai sempre igual com a sua fotografia? A.: Pois. Obviamente. A sociedade chama-se CC & associados (…)».
Mais refere que nem a própria assistente conseguiu, no depoimento que prestou no dia 01.07.2024, gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_2024-07-01_10-43-05, justificar a razão pela qual entendeu que quem escreveu os emails em causa nos autos, foi o Arguido, conforme decorre particularmente dos excertos correspondentes aos minutos 30:50 a 31: 30 e depois, aos minutos 40:35 a 47:30, em que apesar de a MM.ª Juiz tudo ter feito para que a Assistente não “comprometesse”, e tudo ter feito para perturbar a instância, interrompendo constantemente, adiantando respostas, e ameaçando que as questões seriam feitas por seu intermédio - (E vale a pena ouvir o que se passou nesta inquirição, a instâncias do Defensor signatário, para se perceber como afastado esteve o Tribunal a quo do dever se isenção e serenidade que se lhe exige!) - a Assistente assumiu que não tem ideia nenhuma de quem é que, na verdade, escreveu os referidos emails e “acha”, sem fundamento sério nenhum, que a autoria é do Arguido; “porque sim”… Apesar de não o conhecer e com nunca com ele ter falado, mostrando que a sentença recorrida, ao concluir pela autoria do Arguido quanto aos emails de fls. 12 a 18, roça o absurdo!
E, ainda, que a testemunha MM, no depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento realizada em 01.07.2023, gravado no ficheiro “4500-20.8T9LSB_2024-07-01_14- 36-26”, afirmou que: (i) Na sociedade, à data dos factos, trabalhavam pelo menos oito pessoas, advogados e advogados estagiários: Minutos 02:30 e 03:43; (ii) No escritório existem pelo menos 7 computadores; E a conta adv@pt está instalada em todos esses sete computadores que existem nas instalações da sociedade: 03:44 a 04:42; (iii) - Se for enviado um email de um desses computadores, tal envio não fica registado nos restantes: minutos 04:43 a 05:24; (iv) O Arguido não tem qualquer computador que lhe esteja alocado, porque tem dificuldades em trabalhar com as novas tecnologias, ditando os requerimentos e emails a outros colaboradores, que os redigem: minutos 05:25 a 06:50; (v) O email adv@pt é o único email usado no escritório, como email “geral”; Existem, além deste, os emails pessoais atribuídos pela Ordem dos Advogados: Minutos 13:20 a 14:20 e 19:33 a 20:15; e que (vi) - Os colaboradores da Sociedade têm autonomia técnica, tramitando processos sem qualquer intervenção do A.: minutos 31:36 a 22:50.
No que se refere aos factos 19 a 22 refere o arguido recorrente que os mesmos são fundados apenas nas declarações da Assistente, prestadas no dia 01.07.2024 (ficheiro 4500- 20.8T9LSB_2024-07-01_10-43-05), que aí afirmou, entre os minutos 14:40 a 18:00, ter temido perder o seu principal cliente, o que foi objectivamente desmentido pela Testemunha que ela própria arrolou, em termos que bem demonstram a credibilidade que a mesma merece, a Advogada EE, que no depoimento também prestado dia 01.07.2024, gravado no ficheiro 4500-20.8T9LSB_2024-07-01_12-09-21, minutos 10:20 a 13:30, negou tal invenção da Assistente, afirmando que prontamente lhe transmitiu «fiquei absolutamente tranquila e portanto, nunca esteve em causa a colaboração».
Procedeu-se à audição da gravação da audiência e assim, quer das declarações aí prestadas pelo arguido quer pela assistente e depoimento das testemunhas, mormente, as supra invocadas.
E o que o recorrente arguido faz é extrair determinadas afirmações de declarações e depoimentos cujo teor é mais lato do que o referido pelo recorrente e impor com base nos mesmos a sua interpretação/convicção relativamente aos factos.
Saliente-se, ainda, que compulsada a matéria de facto provada 19 a 22 que o arguido recorrente impugna o que aí consta é que a demandante ficou vexada e envergonhada, sentiu-se sentiu-se humilhada e ofendida, mercê deste comportamento, sentiu-se, e ainda se sente, vexada, envergonhada e revoltada e na sequência desta situação tornou-se uma pessoa mais triste e preocupada.
Ora, nenhum dos factos se refere ao alegado pelo arguido recorrente, designadamente, a qualquer receio de perder clientes sendo, neste particular, totalmente destituída de idoneidade a sua impugnação.
Os factos assentes impugnados pelo arguido resultam da prova produzida em audiência e a credibilidade atribuída a declarações e depoimentos é uma questão de convicção e o que releva é o que exercício plasmado na decisão recorrida de tal convicção fundado na imediação e oralidade dos que prestam declarações e depoimentos perante o julgador da 1ª instância não ofenda patentemente as regras da experiência comum, que seja racional tendo por base tais declarações e depoimentos na congruência ou no confronto entre si e conjugados com os demais elementos probatórios recolhidos e produzidos sejam eles prova direta ou indireta.
Como se exara no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023 proferido no proc. 446/19.0T9CTB.C127 : “I- O único limite que o princípio da livre apreciação da prova impõe à discricionariedade de apreciação da prova oral por parte do julgador resulta das regras da experiência comum e da lógica supostas pela ordem jurídica. II - A livre apreciação da prova oral é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, porque é a 1ª instância que vê e ouve a arguida e testemunhas, que aprecia os seus gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela, em suma, os seus comportamentos não verbais, é a 1ª instância que formula as perguntas que entende pertinentes, que encaminha o interrogatório e/ou a inquirição da forma que considera ser a mais conveniente, tudo faculdades de que o tribunal da relação não pode lançar mão e que impõem severas limitações à reapreciação da prova.
Ora, o exercício a que supra se aludiu foi levado a cabo pelo tribunal a quo como evidencia a decisão recorrida na parte referente à motivação da decisão de facto.
Com efeito, o tribunal a quo explicou por referência às razões de ciência, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo e consistência intrínseca das declarações e depoimentos, explicando porque atribuiu mais credibilidade a determinadas versões em detrimento de outras.
Resulta, também, claro da análise da motivação da decisão da matéria de facto que para o tribunal a quo a imagem global dos factos resultou da correlação e conjugação entre vários elementos de prova e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmos.
Como se exara no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/03/2005 proferido no proc. 05P66228: “O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projeção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto –, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspetiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. (…) O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».
O exercício crítico e explicativo da convicção do tribunal a quo é lógico, assenta em critérios de senso comum e funda-se nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Ademais e no que se refere à autoria dos e-mails que o recorrente refuta e entende que não deveria ter sido dada como provada por ser uma mera presunção de culpa baseada numa impressão subjetiva da MM.ª Juiz importa salientar que a motivação da decisão de facto não evidencia na explanação do raciocínio aí empreendido qualquer preconceito ou arbitrariedade nem subversão, ocultação ou extrapolação de nenhum elemento probatório.
Acresce que não está em causa qualquer presunção subjetiva, mas sim a mera expressão da convicção do tribunal extraída do conjunto da prova perante si produzida e criticamente examinada.
Por outro lado, a presunção judicial é admissível em processo penal. Com efeito e como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/5/2012 proferido no processo nº 347/10.8PATNV.C129:
1.- A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido.
2.- As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis – fundam-se nas regras da experiência comum.
3.- Para a valoração de tal meio de prova devem exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.
Esclarecendo-se, ainda, no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 3/2/2016 proferido no processo 482/10.2SJPRT.P130:
“I - O art.º 127º CPP admite a prova indireta, ao estabelecer que a prova é apreciada segundo a livre convicção e as regras da experiência, pois são estas que permitem extrair dos factos diretamente percecionados e conhecidos, chegando por essa via ao conhecimento de outros factos com o necessário grau de certeza.
II - Para a valoração da prova indireta importa que ocorram uma pluralidade de elementos, que esses elementos sejam concordantes e esses indícios afastem para além de toda a dúvida razoável a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
No caso vertente os elementos de prova que são referidos pelo recorrente foram devidamente examinados e ponderados pelo tribunal a quo não se detetando a existência de prova que imponha decisão diversa da contida na matéria de facto.
A argumentação expendida não é idónea a produzir qualquer alteração dos impugnados pontos da matéria de facto provada.
O exercício explicativo da convicção do tribunal a quo assenta em critérios de senso comum, assenta nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência e terá, assim, de prevalecer tal convicção em detrimento da divergente convicção do arguido acerca do sentido global da prova.
Não se determina, por não se justificar, qualquer modificação da matéria de facto provada como propugnado pelo arguido recorrente improcedendo, assim, também nesta parte o recurso interposto pelo mesmo da sentença condenatória.
5) Se foram violados os princípios da subsidiariedade da lei penal e da liberdade de expressão.
Aduz o recorrente que foram violados no caso concreto e na decisão recorrida os princípios da subsidiariedade do direito penal e da liberdade de expressão aludindo ao artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e ao artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
O princípio da subsidiariedade do Direito Penal impõe que este
só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade.

O carácter subsidiário do Direito Penal, dimensiona-o numa intervenção como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico instrumental, por imposição do bom senso que recomenda a racionalização, minimizando tanto quanto possível, o âmbito de intervenção do sistema penal, de tal forma que o limite a situações problemáticas de absoluta irrenunciabilidade. E deve harmonizar-se com o princípio da fragmentariedade do Direito Penal, já que não deve intervir para acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão só àqueles bens fundamentais, essenciais e necessários para prevenir a unidade do tecido social.
Com o carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal importa conjugar um outro princípio fundamental - o princípio da proporcionalidade, a significar a exigência de razoabilidade na proporção da necessidade de tutelar um bem fundamental, sendo certo que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão.31
O artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos estipula sob a epigrafe liberdade de expressão:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
O arguido recorrente foi condenado na sentença recorrida pela prática de um crime de injúria agravada previsto e punido pelos artigos 181º nº 1, 182º nº 1 e 184º por referência ao artigo 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal e por um crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180º nº1, 182º e 184º por referência ao artigo 132º nº2 al. l) todos do referido diploma legal.
Em ambas as incriminações o bem jurídico protegido é a honra e maioritariamente se defende que é um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade (honra subjetiva ou interior), quer a sua própria reputação ou consideração exterior (honra objetiva ou exterior) 32.
Esta mesma ideia decorre das palavras Figueiredo Dias quando afirma que nunca teve entre nós aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre a opinião subjetiva e opinião objetiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, quer estritamente normativo de honra33.
Neste entendimento que igualmente se perfilha, não basta que o visado das imputações ou juízos ofensivos se considere ofendido para que se possa dizer que existe uma ofensa à sua honra ou consideração e concluir pelo preenchimento dos elementos objetivos dos tipos de crimes.
Assim, perante cada caso concreto, ter-se-á de aferir da existência da necessária ofensa à honra ou consideração nos moldes ou com o recorte acima traçado.
O bem jurídico protegido pelas incriminações em causa surge, desde logo, constitucionalmente tutelado quando, no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, se consagra, entre outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação que emana de outro valor constitucional que é a dignidade da pessoa humana (art.º 1º) reconhecendo-se aí o valor eminente do homem enquanto pessoa.
Este princípio constitucional do direito ao bom nome e reputação “surge, assim, com explicitação direta do princípio da dignidade humana e integra este direito um núcleo essencial representativo da dimensão existencial do homem, pelo que, sem a sua proteção perante certas agressões, não é concebível o desenvolvimento social da pessoa “ 34.
O conteúdo do bem jurídico honra e a extensão com que é protegido têm assim a sua referência essencial no quadro constitucional, configurando um pressuposto indispensável para a realização e participação da pessoa no processo social 35.
No que à injúria respeita são elementos constitutivos do tipo a ação executiva traduzida numa qualquer manifestação - sinais, caricaturas, desenhos, pinturas, gestos, atos, atitudes, palavras – pela qual o agente imputa factos ou dirige palavras diretamente ao próprio visado, as quais são desprimorosas e ultrajantes para este.
A difamação é definida como a atribuição indireta (operando uma tergiversação, instrumentalizando um terceiro para conseguir os seus intentos – cfr. José de Faria Costa in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora 1999, págs. 608, 609 e 630) de factos ou juízos desonrosos, que encerrem em si reprovação ético-social; na terminologia legal, compreenderá comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém.
O processo executivo do crime de difamação pode revestir várias formas: desde a imputação de um facto ofensivo, mesmo que só sob a forma de suspeita, passando pela formulação de um juízo de desvalor, até à reprodução de uma imputação ou juízo através de qualquer forma de linguagem, escrita, falada ou mímica.
No que concerne à imputação de factos, mesmo que sob a forma de suspeita, ou formulação de juízos, há que atentar que, de acordo com um critério objetivo, um juízo de facto distingue-se de um juízo de valor consoante a razão que lhes subjaza, i.e., o primeiro assenta em razões de ciência e pode ser sujeito a contraprova (verificado ou inverificado em contraponto com a realidade histórica), e, por sua vez, o segundo é uma consideração subjetiva do emitente, o que obsta a que possa ser comprovados na realidade histórica.
Esses juízos de valor e juízos de facto, imputados, formulados, ou reproduzidos, têm, para que se verifique o tipo de crime de difamação, de contender com o bem jurídico tutelado e explanado supra, a honra.
A comunicação do facto pode ser feita «sob a forma de uma insinuação, suspeita ou expectativa, ou seja, de uma proposição dubitativa ou hipotética sobre a verificação do facto (…). O facto pode ainda ser comunicado sob a forma de uma proposição incompleta sobre a realidade (“a meia-verdade”), omitindo-se a parte da realidade favorável ao visado (…). Por fim, o facto pode ser comunicado sob a forma da repetição da alegação de um terceiro (…)». Por sua vez, o juízo «é um raciocínio, ma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo. (…) pode ser formulado de modo afirmativo, negativo ou dubitativo (a insinuação ou o juízo inconclusivo) (…). Em certos casos, o agente utiliza simultaneamente juízos de valor e imputações de facto (…). Nestes casos, o tribunal deve proceder a uma avaliação das afirmações segundo a sua distinta natureza». Nesse sentido, PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pp.723 a 724.
Ao nível do elemento subjetivo ambos os tipos são dolosos, pressupondo, ao nível do seu elemento intelectual, o conhecimento dos elementos objetivos do tipo e ao nível do seu elemento volitivo, a vontade de realização de tal facto.
O dolo do agente tem de abarcar necessariamente as circunstâncias previstas como agravantes, porquanto as mesmas têm na sua génese o desvalor acrescido de tal atuação para com o ofendido que têm de ser conhecidas e queridas pelo arguido.
Explicita o artigo 182.º do Código Penal dispõe que à difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
A lógica do legislador assenta, pois, e no que se refere ao artigo 184º do Código Penal na ideia de que o estatuto funcional, designadamente, na ótica do sujeito passivo acrescenta uma mais-valia à honra que tem de ser especialmente tutelada.36
Refira-se que para a agravação prevista no artigo 184º o legislador embora tenha utilizado uma alínea do nº 2 do artigo 132º do Código Penal não a aliou à verificação de qualquer especial perversidade ou censurabilidade, afastando, assim, a técnica da conjugação dos conceitos indeterminados com exemplos-padrão.
Assim, não há que indagar de qualquer especial censurabilidade ou perversidade do agente, mas tão-somente se se verificam todos os elementos do tipo e não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Precisamente por ser o direito penal um direito de ultima ratio e a liberdade de expressão um direito fundamental nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham quando dirigidos ou lançados sobre terceiros caberão na previsão de tais preceitos supra indicados, tudo dependendo da intensidade ou do perigo da ofensa, pois que aquilo que a generalidade das pessoas, no ambiente em que passaram os factos, não considere ofensivo da honra ou do bom nome alheio, não deve dar lugar a uma sanção reprovadora como é a pena. É que a conduta até pode ser censurável em termos éticos ou profissionais, mas não o ser em termos penais37.
A propósito de eventual colisão da honra e liberdade de expressão ensina Manuel Costa Andrade38: a eminente dignidade constitucional dos valores em confronto (honra e liberdade de expressão e imprensa) cometem a equacionação e superação dos problemas a uma ponderação global de interesse na perspetiva do caso concreto. Como limite da moldura da ponderação está sempre a “crítica caluniosa”: por força dela hão-de valorar-se como ilícitas as ofensas: exclusivamente motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o ofendido.
E mais à frente acrescenta, a Lei Fundamental reserva um significado prevalecente à garantia jurídica da liberdade de expressão da opinião, o que tem subjacente a representação de que o cidadão adulto e chamado a tomar posição no debate de ideias numa democracia livre é, ele próprio, capaz de reconhecer o que é de reter de uma crítica que renuncia á fundamentação e se limita a tocar a opinião contrária de chocarreira ou irónica maliciosa. Face a esta “ousadia da liberdade” compreende-se que o direito não assegure ao ofendido a proteção contra todas as opiniões desmesuradamente agrestes”.
Regressando ao caso concreto importa salientar que não se vislumbra qualquer violação dos princípios invocados pelo recorrente arguido, porquanto, não se está perante uma situação bagatelar nem o teor dos emails dirigidos já circunscrito pela sentença recorrida se deteta outro sentido que não a ofensa da assistente, resultado esse querido e previsto pelo arguido.
Tal decorre, desde logo evidente das expressões utilizadas que nenhuma utilidade, têm para o alegado assunto subjacente ao seu envio, são expressões explicita e implicitamente qualificativas da assistente, dirigidas à própria e a terceiro e são objetivamente lesivas da honra e consideração da mesma.
Não há aqui aplicação do invocado pelo arguido, porque para o alegado exercício do seu mandato enquanto advogado não precisava o mesmo de utilizar tais expressões. Existindo um processo executivo apenas através do processo e do magistrado titular do mesmo e não por via de emails para a assistente, agente de execução se resolveria qualquer assunto relacionado com tal processo executivo.
Ademais repete-se tais expressões são desnecessárias, espúrias e alheias ao assunto subjacente pelo que não podem ser enquadradas na animosidade normal de um litígio judicial (até porque a assistente enquanto agente de execução não é parte no processo executivo) estando, ao invés, em causa expressões com intenção de enxovalho, rebaixamento e humilhação.
Assim não merece censura a decisão recorrida que fez uma correta aplicação das normas legais aplicáveis e em respeito pelos princípios que o arguido, erradamente, entende terem sido infringidos.
Por conseguinte, também, neste segmento improcede o recurso interposto da sentença pelo arguido.
6) Se se verificam os pressupostos para a condenação do recorrente no pedido de indemnização civil.
No que respeita do pedido de indemnização civil pretende o recorrente a sua absolvição por no seu entender não estarem verificados os respetivos pressupostos.
No caso vertente o pedido de indemnização civil e em que o arguido recorrente foi condenado é no valor de €3.000,00, porquanto o mesmo foi condenado no valor peticionado pela assistente que deduziu o referido pedido.
Ora, nos termos previstos no artigo 400º nº 2 do Código de Processo Penal: sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativamente a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
No caso vertente o pedido de indemnização civil é inferior a €5000,00 (cinco mil euros) e, por isso, inferior à alçada do tribunal de 1ª instância pelo que em conformidade com o estatuído no referido artigo a sentença não é recorrível na parte respeitante ao pedido de indemnização civil.
Assim, em conformidade, não pode este Tribunal conhecer deste segmento de recurso da sentença uma vez que o mesmo é legalmente irrecorrível nos termos sobreditos.
Destarte o recurso da sentença interposto pelo arguido é neste segmento rejeitado por irrecorribilidade.
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III- DECISÓRIO:
Nestes termos e em face do exposto acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção:
1. Em não conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023 mantendo na íntegra o despacho recorrido.
2. Em não conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023 mantendo na íntegra o despacho recorrido.
3. Em não conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA do despacho judicial proferido em 17 de abril de 2024 mantendo na íntegra o despacho recorrido.
4. Em não conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA dos despachos judiciais proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.
5. Em rejeitar por irrecorribilidade o recurso interposto pelo arguido AA da sentença na parte respeitante ao pedido de indemnização civil.
6. Em não conceder provimento ao recurso interposto da sentença (na parte em que não foi rejeitado por irrecorribilidade) pelo arguido AA e, em consequência, confirmar em conformidade a sentença recorrida.
7. Custas da responsabilidade do arguido recorrente, por cada um, dos recursos fixando-se em cada em 3 UC a taxa de justiça (cfr. art.º 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último.
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 6 de novembro de 2024
Ana Rita Loja
Carlos Alexandre
Rosa Vasconcelos
_______________________________________________________
1. vide Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995).
2. Relatados respetivamente por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf e por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Vide, entre outros, Ac. da Relação de Évora de 18.12.2023 proferido nos autos de processo nº 688/21.9T8ABF-B-E1 relatado por Maria Domingas
5. Relatado por Cristina Branco e acedido em www.dgsi.pt
6. in “Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1988, págs. 221 e 222
7. cfr. Cavaleiro Ferreira in “Curso de Processo Penal – tomo II, pág. 298
8. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal.
9. idem
10. José de Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo I, pág. 613.
11. idem
12. Onde se exara nomeadamente que «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.».
13. Breves Palavras sobre a Fundamentação da Matéria de Facto no âmbito da Decisão Final Penal no Ordenamento Jurídico Português- JULGAR nº 21-2013
14. Código de Processo Penal Comentado”, 5ª edição, pág. 1168
15. Ac. Supremo Tribunal de justiça de 13/10/1992- Coletânea de Jurisprudência XVII. Página 136
16. vide Maia Gonçalves, em Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 729, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 e Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais 9.ª ed., pág. 73 e ss e, entre outros, Ac.do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 11/07/2024 -processo nº489/21.4SXLSB1-5).
17. vide Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341.
18. vide Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos Penais, 9.ª ed., pág. 73 e ss.
19. Relatado por Helena Moniz e acedido em www.dgsi.pt
20. Também acedido em www.dgsi.pt
21. de 15 de março de 2022 em que é relator Pedro Machete.
22. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 proferido no proc. 12/14.7GBSRT.C1 e relatado por Fernando Chaves
23. Proferido no proc. 155/13.4PBLMG.C1.
24. Relatado por Cristina Almeida e Sousa acedido em www.dgsi.pt
25. Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt
26. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2002 proferido no proc. 02P2124 e relatado por Simas Santos acedido em www.dgsi.pt
27. Relatado por Luís Ramos e acedido em www.dgsi.pt
28. Relatado por Fernando Chaves e acedido em www.dgsi.pt
29. Relatado por Belmiro Andrade e acedido em www.dgsi.pt
30. Relatado por Eduarda Lobo e acedido em www.dgsi.pt
31. Ac. da Relação de Coimbra de 24/06/2009 proferido no processo nº 586/05.3TAACB.C1
32. José de Faria Costa in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora 1999, pág. 603.
33. vide RLJ., Ano 115, p. 105.
34. A Silva Dias, “Alguns aspetos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias “, AAFDL., 1989, pág. 17.
35. A Silva Dias, ob. cit, pág. 16.
36. vide neste sentido Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p.652.
37. vide, neste sentido, Oliveira Mendes, Direito à Honra e Sua Tutela Penal, nº 37 e Beleza dos Santos, Algumas Considerações Sobre os Crimes de Difamação e Injúria, RLJ 92º e 95º, p. 165 e segs.
38. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - Uma Perspectiva Jurídico Criminal”, Coimbra Editora, 1996.