Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1037/22.4T8VFX-A.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO DE RESOLUÇÃO
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE DENÚNCIA
PRAZO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário1:
I - O tempo é um factor relevante na vida das relações jurídicas.
II - A caducidade é um instituto jurídico por via do qual um direito potestativo se extingue pelo facto do seu não-exercício prolongado por um certo tempo, e tem como fundamento específico o interesse público da necessidade de certeza jurídica.
III - A nossa lei seguiu um critério formal, de acordo com o qual, quando um direito deva ser exercido durante certo prazo, se aplicam as regras da caducidade, salvo se a lei referir expressamente a prescrição (artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil), estando o seu regime previsto nos artigos 328.º e seguintes do mesmo Código Civil.
IV – Os direitos previstos nos artigos 4.º e 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril são apenas a redução do preço e a resolução do contrato (cfr., artigo  4.º, n.º 1 e n.º 4) e não o pagamento de indemnizações por danos.
V- A resolução do contrato e consequente restituição do preço pago podem ser peticionadas num prazo de 5 anos a contar da entrega dos estores e da caixilharia em causa no contrato dos autos (assim, o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, e o artigo 204.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, do Código Civil, por estar em causa coisa imóvel).
VI - Os direitos de indemnização por danos não estão regulados no Decreto-Lei n.º 67/2003, mas sim na norma geral consagrada no n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil (“A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia”).
VII - O artigo 1225.º do Código Civil contempla três prazos de caducidade:
(i) o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente;
(ii) o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia; e
(iii) o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização.
VIII – Tendo a denúncia ocorrido a 17/02/2021 e a acção a formular pedidos de indemnização sido intentada a 23/03/2023, tem de se concluir pela caducidade do exercício desses direitos.
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1Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa2
Relatório
I intentou (a 23 de Março de 2022) acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra R a sua condenação:
a- no reembolso de € 5.500, respeitantes o valor pago no início da obra;
b- no pagamento de uma indemnização no valor de €4.000, respeitante à diferença entre o orçamento do Réu e o orçamento que o Autor teve de adjudicar;
c- no pagamento de um indemnização no valor de € 6.192,60, respeitante à reparação dos danos causados;
d- no pagamento de uma indemnização no valor de € 5.000, respeitante às rendas que teve de pagar a mais por não ter feito a mudança para a nova casa na data prevista;
e- no pagamento de uma indemnização no valor de € 1.500, respeitante à reparação de danos não patrimoniais;
f- no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, no valor de € 931,57, desde citação e até integral pagamento.
Alegou, em síntese, o Autor, que:
- Celebrou em 25.10.2020 com o Réu um contrato de empreitada de fornecimento de caixilharia de alumínio, em que os trabalhos deveriam estar concluídos no prazo de 42 dias;
- o montante global da empreitada seria de € 11.500, sendo que, no momento da celebração do contrato procedeu ao pagamento de 50% (€ 5.500)
- o Réu não cumpriu o acordado, não montou os estores corretamente, nem colocou a cor contratada, nem o motor da marca acordada, sendo o material utilizado inadequado para as medidas das janela e, por causa da má montagem e da não instalação das janelas em tempo útil, quando vieram as primeiras chuvas e vento tudo ficou destruído
- interpelou o Réu para o cumprimento do contrato e concluir o trabalho indicado, mas nunca o fez, acabando por resolver o contrato, tendo de recorrer a outra empresa para concluir o serviço e reparar os danos causados (orçamentados em € 15.500);
- devido ao atraso na obra, a conclusão foi adiada 5 meses, pelo que teve de arrendar uma casa durante esse período;
- toda esta situação lhe causou stress, frustração, irritatibilidade, ansiedade e sofrimento.
Citado o Réu veio apresentar Contestação, onde se defendeu por excepção e por impugnação:
- afirmando que mais do que uma questão de prescrição, está em causa uma situação de caducidade, nos termos do artigo 1224.º do Código Civil, por se mostrar ultrapassado o prazo de um ano para interpor a acção, o que implica a absolvição do pedido, tal como previsto no n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil;
- defendendo que em Agosto de 2020 foi solicitado ao Réu, pelo Autor um orçamento para fornecimento de janelas pvc cinza escuro e estores térmicos da mesma cor com motores, que foi entregue a 30-08-2020 e depois alterado, sendo aceite a 27-10-2020 e tendo o Autor/cliente sido avisado da necessidade do Réu ter as respectivas medidas até dia 09-11-2020 para manter os prazos acordados;
- referindo que as medidas só foram rectificadas a 14-11-2020, que havia problemas de humidade com os estuques, que a 17-12-2020 Autor e Réu decidiram fechar a obra só com os estores e que a obra foi fechada em 23-12-2020 sem motores visto que as caixas dos estores estavam mal colocadas, eram muito grandes em relação aos vãos das janelas, pelo que foi decidido mandar vir uns tubos de enchimento com perfil alumínio para colocar e assim poder ser feita a montagem dos motores dos estores;
- defendendo que o Autor tinha conhecimento do que se passava, e que o Réu tinha que aguardar o material (tubos de enchimento com perfil alumínio) para a realização do serviço, o qual só foi entregue em janeiro 2021;
- assinalando que a 28-12-2020 foi informado pelo Autor que depois duma noite de tempestade alguns estores estavam danificados e que se deslocou à obra para tentar remediar, sendo que, a 08-01-2021, procedeu à colocação dos tubos de enchimento e colocou os motores a funcionar e embora não tivesse nada a ver com a intempérie que se verificou, ainda levou material para trocar estores que estivessem danificados, deixando tudo a funcionar e reparado;
- afirmando que o Autor foi sempre avisado de eventuais atrasos existentes nomeadamente que o material de pvc chegaria durante esse mês de Janeiro e que, durante os trabalhos encontrou-se sempre presente, nunca tendo feito qualquer referência verbal ou por escrito quanto à cor dos estores ser distinta da acordada;
- assinalando, quanto à marca dos motores, que o orçamento nº 0116/2020 foi revogado para dar valor no orçamento nº 0130/2020, sendo isto tudo acordado com o Autor, acrescendo que a obra foi concluída pelo Réu no que era possível concluir em virtude da má colocação das caixas de estores, sendo que os mesmos ficaram funcionar e que em Janeiro de 2021 o Autor nunca poderia morar naquela casa porque ainda estava na fase de alvenaria com bastante atraso.
- defendendo que o Autor alega factos que sabe não corresponderem à realidade, omite factos relevantes para a decisão da causa e, como tal, deduz pretensões cuja falta de fundamento não pode desconhecer, pelo que deve ser condenado como litigante de má fé.
O Autor veio responder, referindo que:
- o Réu confunde o prazo de denúncia, com resolução do contrato, com o prazo de interposição de acção de indemnização;
- a empreitada adjudicada ao Réu teve por objecto o fornecimento de caixilharia de alumínio, montagem da mesma e de estores térmicos, pelo que apresentando defeitos, como veio a apresentar, pese embora o R. tenha apresentado várias escusas, o que é facto é que foi ele quem procedeu à tirada de medidas para a colocação da caixilharia (janelas) e estores;
- havendo erros clamorosos na execução do trabalho que se consubstanciaram na apresentação de defeitos, o Réu é responsável pelo prejuízo causado ao Autor (artigo 1225.º, nº 1, do Código Civil), tendo a denúncia de tais defeitos sido comunicada ao tempestivamente, dentro do prazo a que alude o n.º 2 do artigo 1225.º
- a Lei de Defesa do Consumidor veio estabelecer um regime mais proteccionista ao consumidor (Autor), visando precisamente a salvaguarda dos seus direitos face a quem (Réu), fornecendo um produto e realizando uma obra, faz disso o seu quotidiano laboral;
- inexiste qualquer litigância de má fé.
Dispensada a realização de Audiência Prévia, foi proferido Despacho Saneador, onde foi fixado o valor da causa (€23.844,17), foi identificado o objecto do litígio3 e foram seleccionados os Temas da Prova4.
No mesmo Despacho foi proferida decisão quanto à excepção de caducidade invocada pelo Réu, nos seguintes termos:
“Na sua contestação, o Réu invocou a exceção de caducidade, baseando-se no regime jurídico, previsto no n.º 1 do art.º 1224 do Código Civil.
O Autor respondeu que é aplicável ao caso o art.º 1225 do Código Civil e DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, que estabelecem prazos para o exercício de direitos mais longos.
Cumpre apreciar e decidir.
Cremos que no caso não está em causa o n.º 1 do art.º 1224 do Código Civil. Não é aplicável este normativo, dado que a caixilharia e os estores consideram-se coisas imóveis, na medida em que são partes integrantes do prédio com caráter de permanência, nos termos do art.º 204 n.º 1 alínea e) e n.º 3 do Código Civil.
Acresce que estamos perante um bem de consumo fornecido no âmbito de um contrato de empreitada, nos termos do art.º 1 A n.º 2 e art.º 1 B alínea b) do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril.
Assim ao caso é aplicável o DL n.º 67/2003, de 08 de abril, que constitui Lei especial em relação ao art.º 1225 do Código Civil.
De referir que o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, não é aqui aplicável, pois só entrou em vigor posteriormente, nos termos do art.º 53 n.º 1 do Decreto-lei º 84/2021, de 18 de Outubro.
Cumpre agora distinguir os pedidos do Autor, pois nem todos têm o mesmo tratamento.
Há que distinguir o pedido de condenação ao reembolso no montante de 5.500,00€, na sequência da resolução do contrato e os pedidos de indemnização em consequência dos danos alegadamente sofridos pelo Autor.
O Autor peticionou a condenação do Réu a reembolsar o Autor no valor de 5.500,00 €, respeitante ao valor pago no início da obra, na sequência da resolução do contrato.
Dispõe o art.º 5 n.º 1 do Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de abril, “O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel”.
Os direitos previstos no art.º 4 do Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, para o qual o art.º 5 n.º 1 do Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de abril, remete são: a redução do preço e a resolução do contrato.
Deste modo, o Autor pode pedir a resolução do contrato e a consequente restituição do preço pago no prazo de 5 anos a contar da entrega dos estores e da caixilharia, nos termos do art.º 5 n.º 1 do Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de abril, tendo presente que estamos perante uma coisa imóvel, nos termos do do art.º 204 n.º 1 alínea e) e n.º 3 do Código Civil.
Relativamente ao direito de indemnização, este direito não está regulado no Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de abril.
Com efeito, conforme se mencionou, o art.º 4 refere-se ao direito à redução do preço e resolução do contrato e não ao direito ao pagamento de uma indemnização.
Assim, temos de recorrer à norma geral do art.º 1225 do Código Civil, para aferir se o direito ao pagamento de uma indemnização por danos caducou.
Dispõe o nº 2 do art.º 1225 do Código Civil, que, “a denúncia em qualquer dos casos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia”.
Deste modo, a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
No caso, o Autor fez a denúncia no dia 17-02-2021 dos defeitos. Porém, a presente ação, em que foram efetuados pedidos de indemnização foi intentada no dia 23-03-2022.
Assim, entre a data da denúncia e o pedido de indemnização mediou mais de um ano.
Por conseguinte, os pedidos de indemnização formulados em b) a e) da petição inicial caducaram, nos termos do n.º 2 do art.º 1225 do Código Civil, pois os pedidos de indemnização não foram efetuados no ano seguinte à denúncia.
Face ao exposto, julga-se a exceção perentória de caducidade parcialmente procedente e, em consequência, absolve-se o Réu dos pedidos formulados em b) a e) da petição inicial”.
É desta Decisão que vem pelo Autor interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“(1.ª) Face à omissão do Recorrido e não tendo sido cumprido o prazo fixado na carta de interpelação, o A., em 17.03.2021, enviou nova carta registada com A/R, e, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 798º e 804º do Código Civil (CC), denunciou o respetivo contrato de empreitada celebrado com o Recorrido e, consequentemente, exigiu a restituição do valor pago, assim como informou o Recorrido da sua pretensão indemnizatória;
(2.ª) O nº 2 do artigo 1225º do CC limita-se a estabelecer qual o prazo durante o qual tais direitos têm de ser exercidos por parte do dono da obra, sob pena de caducidade, não sendo possível, de modo algum, retirar de tais normas se o mesmo é ou não um prazo de propositura de ação, não obstante em momento algum a Lei exigir que o ato impeditivo dessa caducidade deva ser a propositura de ação judicial (neste sentido CURA MARIANO, em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª edição, 2013, pp. 150 e seguintes, o doutos Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.06.2020, proferido no processo nº 5320/16.0T8VIS.C1, douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.10.2012, proferido no processo nº 4838/09.5TBVLG.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012, proferido no processo nº 3372/11.8T2AGD.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16.06.2011, proferido no processo nº 29121/09.2YIPRT.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt);
(5.ª) Não se pode, pois, julgar extinto o direito indemnizatório do Recorrente por caducidade, uma vez que, no caso em apreço nos presentes autos, se aplica o prazo de prescrição geral, nos termos do disposto no artigo 309º do CC, tendo a presente ação sido intentada em devido prazo;
(6.ª) Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder, ainda assim, não devia ter sido julgada parcialmente procedente a exceção perentória de caducidade com os fundamentos de que «o Decreto-Lei nº 84/2021, de 18 de outubro, não é aqui aplicável, pois só entrou em vigor posteriormente, nos termos do artº 53 nº 1 do Decreto-Lei nº 84/2021, de 18 de outubro» e de que o direito de indemnização «não está regulado no Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de abril», pelo que «temos de recorrer à norma geral do artº 1225 do Código Civil, para aferir se o direito para aferir se o direito ao pagamento de uma indemnização por danos caducou»;
(7.ª) Efetivamente, resulta da Diretiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999 - instrumento comunitário que serviu de base à criação de Decreto-lei nº 67/2003, de 08 de abril através da sua transposição - mais concretamente no seu artigo 8º, que «[o] exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual» (sublinhado nosso), pelo que é defensável a aplicação ao caso ora em discussão da Lei nº 24/96, de 31 de julho, que aprovou a Lei de Defesa do Consumidor (LDC), uma vez que o Recorrente se enquadra no âmbito do artigo 2º que «[c]onsidera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios»;
(8.ª) Assim, além dos direitos que decorrem do Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de abril, aplica-se igualmente ao presente caso o disposto no artigo 12º, nº 1, da LDC, que estabelece que «[o] consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos»;
(9.ª) E, nesse sentido, o prazo do para efetivar o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos deve ser, pelo menos, idêntico ao direito à reposição da conformidade, através da reparação, substituição, redução adequada do preço ou à resolução do contrato, ou seja, dentro do prazo de dois ou cinco anos, consoante se trate, respetivamente de coisa móvel ou coisa imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 12º, nº 1, da LDC, e 4º, nº 1, e 5º, nº 1, do Decreto-Lei 67/2003, de 08 de abril;
(10.ª) Concretamente ao caso em apreço, salvo melhor opinião, o Recorrente dispunha do prazo de 5 (cinco) anos, a contar desde o conhecimento das respetivas desconformidades, para exercer o direito à indemnização, nos termos e para os efeitos do artigo 12º, nº 1, da LDC, prazo que respeitou;
(11.ª) Assim, uma interpretação mais conforme aos direitos do consumidor exige, no caso presente e salvo o devido respeito, que se considere que o direito à indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 12º, nº 1, da LDC, foi exercido devida e tempestivamente pelo ora Recorrente, uma vez que foi efetivado dentro do prazo de 5 (cinco) anos, estabelecido para a resolução do contrato referente a coisa imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 4º, nº 1, e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de abril.
Termos em que, e nos mais de direito, deve o presente recurso ser admitido e ao mesmo ser
dado provimento, anulando-se, assim, a decisão de julgar parcialmente procedente a exceção
perentória de caducidade proferida no douto Despacho Saneador pelo Tribunal a quo, sempre com todas as devidas e legais consequências, com o que V. Exas, Juízes Desembargadores, farão a tão acostumada JUSTIÇA!”.
O Réu apresentou Contra-Alegações culminadas com as seguintes Conclusões:
“A) Em 17.03.2021, o apelante denunciou o respetivo contrato de empreitada.
B) O legislador, nos artºs 1220º nº 1, 1224º e 1225º do C.C., estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra caducou o direito do apelante a pedir indemnização.
C) As caixas dos estores nunca podiam ser montadas pelo apelado porque são parte integrante da estrutura da obra sendo responsabilidade do construtor/empreiteiro e sendo um bem de consumo fornecido no âmbito de um contrato de empreitada, é aplicável o Dec.-Lei nº 67/2003, de 08 de abril (VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS), que constitui Lei especial em relação ao contrato de empreitada previsto nos artigos do 1207º e segs do C.C. e em concreto ao artigo 1225º do C.C..
D) No que respeita aos pedidos de indemnização em consequência dos danos alegadamente sofridos, no Dec.-Lei nº 67/2003, de 08 de abril, nada é referido quanto àqueles, uma vez este direito não se mostra regulado no referido Dec.Lei.
E) O consumidor poderá “apenas” exercer os direitos - à redução do preço e à resolução do contrato - quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de cinco anos a contar da entrega do bem, quando se trate, de coisa imóvel.
F) Porém, todos os restantes direitos são passíveis de caducidade se não forem exercidos dentro do prazo, isto é, dentro de um ano a contar da denúncia dos defeitos ao empreiteiro, quando os defeitos não sejam do conhecimento do dono da obra, e este tenha procedido à sua aceitação.
G) Uma vez que o Dec.-Lei nº 67/2003, de 08 de abril constitui Lei especial em relação ao artigo 1225º do C.C.. e aquele nada diz quanto aos pedidos de indemnização terá de se recorrer à norma geral devendo os mesmos ser pedidos no ano seguinte à denúncia. – nº 2 do artigo 1225º do C.C.
H) O direito a pedir indemnização caducou passado um ano a contar da denúncia do contrato de empreitada, pelo que deveria ter sido exercido até 17-02-2022, o que não aconteceu, pois os mesmos só foram feitos em 23-03-2022, aquando da interposição da acção.
I) Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente.
Neste termos e nos demais de direito, deverá, portanto, improceder o recurso de apelação interposto, mantendo-se o despacho recorrido, com todos os efeitos legais.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a costumada e esperada JUSTIÇA!”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes5), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões do Recorrente, importará verificar se a pretensão indemnizatória foi correctamente considerada caducada, por aplicação do artigo 1225.º, n. 2, do Código Civil.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
A factualidade a levar em consideração é a que decorre do Relatório, acrescendo apenas que o Autor fez a denúncia dos defeitos no dia 17 de Fevereiro de 2021, através da carta registada onde se lê:


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Fundamentação de Direito
"O tempo6 é também na vida do direito um importante factor, um grande modificador das relações jurídicas": são palavras de Luís Cabral de Moncada7 e resultam claramente comprovadas no instituto jurídico da caducidade.
Trata-se este de “um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo"8, tendo como fundamento específico (continuando a usar palavras de Manuel de Andrade), “a necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo"9.
Ora, a nossa lei seguiu um critério formal10, pelo que, quando um direito deva ser exercido durante certo prazo, se aplicam as regras da caducidade, salvo se a lei referir expressamente a prescrição (artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil), estando o seu regime previsto nos artigos 328.º e seguintes do Código Civil e tendo – portanto – um regime distinto do da prescrição, nomeadamente por não comportar causas de suspensão, nem de interrupção11 (ao contrário da prescrição que se suspende e se interrompe12) e tendo um distinto regime de invocação.
A caducidade (ou perempção) é, pois (recorrendo de novo a Luís Cabral de Moncada), "a morte dos direitos; é o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de ter chegado o seu limite máximo de duração. Nisto se distingue ela da prescrição: enquanto que nesta o que determina a extinção do direito é o seu não uso ou não exercício durante um certo tempo, na perempção é o seu simples chegar ao fim do tempo previamente fixado para o seu exercício, quer este tenha tido lugar quer não.(...)
Como escreve Coviello, enquanto que o fim que se tem em vista na prescrição consiste em marcar um tempo aos direitos que, por não terem sido utilizados se supõem abandonados pelo seu titular, o fim que na caducidade ou perempção a lei tem em vista, consiste em fixar previamente, ou deixar que se fixe, um certo período de tempo dentro do qual o direito tem de ser exercido e efectivado a além do qual já o não pode ser", de forma que a caducidade tenha de entender-se como o "fatal «deu a hora», anunciado pela lei à vigência de um direito"13.
A situação dos autos e tal como configurada foi pelo Autor temo-la como linear.
De facto os pedidos formulados (reembolso de € 5.500, respeitantes ao valor pago no início da obra; pagamento de indemnização no valor de € 4.000, respeitante à diferença entre o orçamento do Réu e o orçamento que o Autor teve de adjudicar; pagamento de indemnização no valor de € 6.192,60, respeitante à reparação dos danos causados; pagamento de indemnização no valor de € 5.000, respeitante às rendas que teve de pagar a mais por não ter feito a mudança para a nova casa na data prevista; pagamento de indemnização no valor de € 1.500, respeitante à reparação de danos não patrimoniais) implicam o recurso distintos regimes de caducidade.
Repare-se que, como bem se assinala na decisão recorrida, os direitos previstos nos artigos 4.º e 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril são apenas a redução do preço e a resolução do contrato (cfr., artigo 4.º, n.º 1 e n.º 4) e não o pagamento de indemnizações por danos.
Donde decorre que:
- a resolução do contrato e consequente restituição do preço pago podem ser peticionadas num prazo de 5 anos a contar da entrega dos estores e da caixilharia (assim, o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, e o artigo 204.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, do Código Civil, por estar em causa coisa imóvel);
- os direitos de indemnização por danos, não estão regulados no Decreto-Lei n.º 67/2003, mas sim na norma geral consagrada no n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil (“A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia”).
É certo que o Recorrente segue o entendimento de que este n.º 2 se limita a estabelecer o prazo durante o qual tais direitos têm de ser exercidos por parte do dono da obra, sob pena de caducidade, e que não é possível, daí retirar se o mesmo é ou não um prazo de propositura de acção, até porque em momento algum a Lei exige que o acto impeditivo dessa caducidade deva ser a propositura de acção judicial.
Sem razão, todavia.
De facto, vale a pena seguir e transcrever (acrescentando apenas os links para a jurisprudência citada) o que se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2023 (Processo n.º 35/20.7T8PNI-A.C1.S1-Tibério Nunes da Silva), onde se assinalou que, nesta matéria (começando por citar Pedro Romano Martinez) “foram estabelecidos prazos de caducidade cur­tos no interesse do empreiteiro, a fim de o desvincular da responsabili­dade emergente dos defeitos da obra, em caso de inércia do comitente. Os motivos que presidiram a tal tomada de posição foram, por um lado, evitar que o decurso de um longo lapso venha a dificultar a prova e, por outro, permitir que o empreiteiro mais facilmente proceda à eliminação do defeito.»
Diz, noutro ponto, que «a lei estabeleceu o prazo de um ano para interpor a acção, prazo esse que se conta da recusa de aceitação, da aceitação com reserva ou, sendo os defeitos ocultos, da respectiva denúncia» (p. 496) (destaque nosso).
Também em “Compra e venda e empreitada”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora 2006, p. 247, faz menção ao prazo de um ano após a denúncia para ser intentada a acção judicial, e em Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, p. 412, assinala que «[n]o direito português, ao contrário do que se verifica noutros sistemas jurídicos, foi autonomizado um prazo para ser intentada a acção judicial», inovação que entende ser «de aplaudir, pois, por via dela, evitam-se as confusões entre os prazos de propositura da acção e de limite da garantia» (p. 413).
Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição (reimpressão), Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 899, fazem referência à necessidade de fixação de um prazo curto, designadamente, para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, reconhecida na generalidade das legislações.
Menezes Leitão regista que «[e]fectuada a denúncia dentro do prazo, o dono da obra dispõe de um ano para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade» (art. 1224º, nº1)» (Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 3ª edição, 2005, p. 557).
Pelo mesmo diapasão alinha João Serras de Sousa, fazendo menção a «um ano para o exercício do direito de acção, contado a partir do momento da denúncia» (Ana Prata (coord.) e Outros, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 1579).
No que concerne à jurisprudência, verifica-se que alguns acórdãos das Relações têm vindo a considerar que os direitos do dono da obra a que se reportam os artºs 1224º e 1225º do CC, não têm de ser exercidos através de acção judicial, como acontece, por exemplo, com o Ac. Rel. do Porto de 15-10-2013, Rel. Anabela Luna de Carvalho, Proc. 4838/09.5TBVLG.P1; Ac. Rel. Guimarães, de 16/06/2011, Rel. Manso Raínho), Proc. 29121/09.2YIPRT.G1; Ac. Rel. Coimbra, de 24/04/2012, Rel. Arlindo Oliveira, Proc. nº 372/11.8T2AGD.C14, ou Ac. da Rel. Coimbra, de 22/06/2020, Proc. nº 5320/16.0T8VIS.C1, relatado por Maria João Areias, com voto de vencido da relatora inicial, Catarina Gonçalves,(…).
No Ac. da Rel. de Lisboa de 04-12-2003, Rel. Granja da Fonseca, Proc. 9333/2003-6, (…), entendeu-se, em sentido diverso, que foi autonomizado um prazo para a instauração de uma acção judicial para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização (artigo 1224º CC) e acrescentou-se que, tratando-se de empreitada, a acção judicial deverá ser proposta no prazo de um ano a contar da recusa da aceitação da obra, da aceitação com reserva, da denúncia dos defeitos ou do reconhecimento da existência destes por parte do empreiteiro (artigo 1224º, n.ºs 1 e 2 CC).
No Ac. da Rel. do Porto de 16-05-2017, Rel. Márcia Portela, Proc. nº 1614/13.4TJPRT.P1, (…), considerou-se que «a denúncia deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização e o direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º devem ser pedidos no ano seguinte à denúncia (n.ºs 2 e 3)», concluindo-se e que «para obviar à caducidade do direito o credor deveria ter intentado a acção no prazo de um ano a contar da denúncia do defeito».
No mesmo sentido, pode ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 04-11-2008, Rel. Rui Vouga, Proc. 2552/2008-1,(…).
No Ac. da Rel. de Lisboa 02-06-2021, Proc. n.º 666/15.7T8AGH.L1-6 (…), entendeu-se que:
«(…) o legislador, nos artºs 1220º nº 1, 1224º e 1225º estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra. Não se trata de prazos de prescrição. Se assim não fosse, os direitos do dono da obra poder-se-iam protelar no tempo, com o inconveniente da insegurança jurídica que adviria para o empreiteiro. De resto, esses prazos de caducidade, curtos, foram estabelecidos no interesse do empreiteiro, a fim de os desvincular das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra.
Ora, a tese que, na linha do entendimento de Cura Mariano, defende que o exercício dos direitos do dono da obra, mormente o direito à reparação dos defeitos, pode ser exercido extrajudicialmente no ano seguinte à denúncia dos defeitos e que a posterior acção de condenação do empreiteiro à reparação dos defeitos pode ser exercida no prazo geral da prescrição, ou seja no prazo de 20 anos após a interpelação extrajudicial para eliminação dos defeitos (conforme artº 309º do CC) redunda, salvo o devido respeito, numa subversão da ratio que levou o legislador a estabelecer prazos curtos para que o dono da obra compelisse o empreiteiro à reparar/eliminar os defeitos da obra. Note-se que o Legislador optou por prazos de caducidade e não de prescrição por se entender que os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição não se harmonizavam com as razões que justificavam o estabelecimento de prazos curtos para o exercício dos direitos resultando do descobrimento de defeitos (Cf. Pires de Lima e Antunes Varela CC anotado, vol. II, 3ª edição, 1986, pág. 824).
Por conseguinte, somos a entender que o dono da obra dispõe de um ano, contado a partir da denúncia dos defeitos, para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade dos seus direitos.»
No que toca a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, importa recordar alguns acórdãos (…) (com destaques nossos):
- Ac. STJ de 01-10-1996, Rel. Aragão Seia, Proc. 96A075 II - E não tendo [o dono da obra] denunciado os defeitos da obra nos trinta dias posteriores a ter tomado conhecimento deles, ou, não tendo intentado acção destinada a obter a eliminação dos mesmos no ano posterior à sua aceitação - ou à aceitação com reserva - o direito que pretendia obter com a acção caducou.»);
- Ac. STJ de 13-01-2009, Rel. Urbano Dias, Proc. 08A3878Para efeitos de relevância da excepção da caducidade, não há que fixar prazo ao empreiteiro para a conclusão da reparação dos defeitos: no prazo de garantia de cinco anos (dentro desse prazo pode o dono da obra denunciar defeitos entretanto descobertos), o dono da obra, se for caso disso (ou seja, se forem verificados defeitos) terá de accionar o empreiteiro, no prazo de um ano a partir do seu conhecimento, sob pena de caducidade.»);
- Ac. STJ de 29-06-2010, Rel. Helder Roque, Proc. 12677/03.0TBOER.L1.S1 (um caso de imóvel edificado pelo empreiteiro-vendedor), no qual se consignou que “a denúncia dos defeitos será feita (…) dentro do prazo de um ano, após o conhecimento dos mesmos, e a acção instaurada, igualmente, dentro de um ano, a contar dessa denúncia, e tudo isto, dentro do prazo de cinco anos, a partir da entrega do imóvel, sob pena de caducidade”.
- Ac. STJ de 29-11-2011, Rel. Gabriel Catarino, Proc. 121/07.TBALM.L1.S1 V - O dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja 5 anos após a entrega da mesma; b) propor a acção, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de 1 ano a partir do momento em que efectuou a denúncia.»);
- Ac. do STJ de 19-04-2012, Rel. Maria dos Prazeres Beleza, Proc. 9870/05.5TBBRG.G1.S1 (um caso de construtor-vendedor), no qual se deixou expresso que é «de um ano o prazo de caducidade do direito de propor a acção de condenação na reparação dos defeitos do imóvel.»;
- Ac. STJ de 06-06-2013, Rel. Granja da Fonseca, Proc. 8473/07.4TBCSC.L1.S1 (um caso de construtor-vendedor, com aplicação do regime do artigo 1225º do Código Civil), no qual se considerou que este normativo contempla três prazos:
«a) - Um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos defeitos da obra;
b) - Um ano, a partir da denúncia, para a interposição da acção judicial a pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos;
c) - Cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia.»
- Ac. STJ de 14-01-2014, Rel. Moreira Alves, Proc. nº 378/07.5TBLNH.L1.S1, no qual se concluiu que «O art. 1225.º do CC contempla três prazos de caducidade: (i) o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente; (ii) o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia; e (iii) o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização.»
- Ac. STJ de 11-05-2017, Rel. Bernardo Domingos, Proc. 1393/08.7TBSTB.E115, tratando-se de um caso em que o vendedor foi o construtor do imóvel, aplicando-se o disposto nos nºs 1 a 3 do art. 1225º por força do nº 4, do CC (“se a compra e venda tiver por objecto bem imóvel destinado a longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, os prazos de caducidade serão:
(1) de um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos mesmos (art.º 1220.º, n.º 1, do Código Civil), (2) de um ano, a partir da denúncia, para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos nº 2,3 e 4 do art.º 1225 do CC e (3) de cinco anos, a contar da entrega da obra, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia e proposta a ação de indemnização ou reparação do imóvel.»);

Como se vê, há constante jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, nos casos de imóveis destinados a longa duração, à denúncia dos defeitos se segue, dentro de 1 ano, uma acção destinada a pedir a reparação desses defeitos, sob pena de caducidade.
Conforme se exarou no Ac. da Rel. de Lisboa de 02-06-2021(…), estamos perante prazos de caducidade, curtos, tendentes a desvincular o empreiteiro das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra, permitindo que mais facilmente se proceda à reparação dos defeitos, para além dos aspectos de dificuldade da prova que a passagem do tempo criaria (como refere Romano Martinez).
Não vemos razões para nos desviarmos da mencionada jurisprudência do Supremo.
Assim, entende-se que, após a denúncia dos defeitos, que se revele infrutífera, deve o dono da obra instaurar acção destinada a pedir a condenação do empreiteiro na eliminação desses defeitos, sob pena de caducidade”.
Daqui resulta que os pedidos de indemnização b-, c-, d- e e-, teriam sempre de ser exercidos no prazo de um ano após a denúncia. Ora a denúncia teve lugar a 17 de Fevereiro de 2021 e a acção foi intentada a 23 de Março de 2023, numa altura – portanto – em que estava já ultrapassado (em mais de um mês) o prazo de um ano previsto pela lei para o exercício desses direitos.
Em função de tudo o exposto, a conclusão pela total ausência de fundamento para o Recurso interposto pela Autora impõe-se, pelo que a Decisão será confirmada in totum.
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Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"16.
Recorrente e Recorrido escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão ao Recorrente considerando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"17).
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DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação e, consequentemente, confirmar a Decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
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Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 15 de Julho de 2025
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
Luís Lameiras18
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[2] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[3]“1) Direito do Autor à condenação do Réu a reembolsar o Autor do valor de 5.500,00
€ respeitantes ao valor pago no início da obra.
2) Direito do Autor ao pagamento de juros de mora.
3) Litigância de má-fé”.
[4]“a. Saber o que foi acordado entre o Autor e o Réu quanto ao fornecimento de caixilharia de alumínio e montagem dos estores pelo Réu.
b. Saber se o trabalho a que o Réu se obrigou foi concluído e quando ficou concluído.
c. Saber quais os motivos do atraso na entrega da obra.
d. Saber quem ficou encarregue de colocar as caixas dos estores e como as caixas de estores foram colocadas”.
[5] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[6] Sublinhando a “aterradora negatividade emprestada ao tempo”, François Ost (in O Tempo do Direito, Instituto Piaget, 2001, página 9), conta a terrível história do início das relações entre o tempo e o direito, através da mitologia grega: “Uma história que, para dizer a verdade, começou mal. Kronos (…) não conseguiu que o tempo e o direito revertessem a seu favor. A história de Kronos começa na indistinção do não-tempo. Com efeito, originalmente, tínhamos Úrano, o céu, e Gea, a terra, enlaçados num abraço infindável de que nasciam inúmeros filhos, enviados de imediato para o Tártaro. Desejosa de repelir as intermináveis investidas do seu esposo, Gea armou um dia o seu filho mais novo, Kronos, com uma pequena foice, com a ajuda da qual este cortou os testículos de seu pai. Esta mutilação assinala a separação do Céu e da Terra, e o início do reinado de Kronos. Mas a história que assim se inaugura é marcada pela violência e pela negação do tempo: Kronos tratou de mandar os seus irmãos, os Cíclopes, para o Tártaro, enquanto tomava o lugar de seu pai no trono, inaugurando um reino sem partilha. Avisado por uma profecia de que um dos seus filhos o destronaria um dia, tinha o cuidado de devorá-los assim que sua mulher, Reia, os punha no mundo. Até ao dia em que esta, importunada, decidiu subtrair o último, Zeus, à vindicta de Kronos; depois de o ter escondido numa gruta, fez o seu real esposo engolir uma pedra envolta em faixas. Chegado à idade adulta, Zeus, como o oráculo predissera, encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos que, por sua vez, foi enviado para o Tártaro”.
[7] Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, Parte Geral, II, 2.ª edição, Atlântida, Coimbra, 1955, página 423.
[8] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, 1983, páginas 463-464.
[9] Ob. loc. cit..
[10] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, 12.ª reimpressão, Coimbra Editora, 1999, página 374.
[11] "Uma interrupção do tempo seria um salto na eternidade" afirma mesmo Luís Cabral de Moncada, in Lições de Direito Civil, 4.ª edição, Almedina, 1995, página 740 (cfr., ainda, o artigo 328.º do Código Civil).
[12] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 294.
[13] Luís Cabral de Moncada, Lições…, cit., páginas 739-740.
[14] Não disponibilizado nas bases de dados de jurisprudência.
[15] Trata-se de um lapso de identificação do Acórdão, uma vez que se trata de um Acórdão da Relação de Évora.
[16] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[17] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.
[18] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo C2ivil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto).