Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8903/09.0T2SNT.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CENTRO COMERCIAL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS
PARTES COMUNS
ASSOCIAÇÃO DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Ao propor-se – e reiteradamente – “resolver o assunto com qualquer esquema compensatório, a estudar”, e ao prometer apresentar “proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns.” a Ré emitiu declaração – não interessando aqui se com reserva mental – que, de forma inequívoca, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a saber, os restantes condóminos/lojistas do Centro Comercial, e administradores do mesmo, vale como reconhecimento do direito do “condomínio” a ser ressarcido/compensado, dos danos – emergentes e lucros cessantes – que a privação do uso das partes comuns pela Ré assim lhe ocasionou.
II – A não ser assim, também a circunstância de – perante as insistências daqueles – ir a R. respondendo em termos que tais, pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto, implicaria ter a Ré incorrido, ao arguir a prescrição do direito invocado pela A., em venire contra factum proprium negativo.
III - O Estatuto do Centro Comercial, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos dois edifícios em que está instalado e seu regulamento, tem natureza meramente obrigacional.
IV - Quanto ao grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que se reuniu em assembleia e elaborou e aprovou o Estatuto do Centro Comercial, deve ser entendido como o substrato pessoal de uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os necessários requisitos de forma. V - Perante um tal enquadramento – aliás não divergente do que corresponde ao condomínio, não fora a intervenção da natureza real deste e a incompatibilidade daí decorrente com o regime jurídico das associações – não pode deixar de aceitar-se a regra da livre exoneração ou desvinculação da organização dos associados a todo o tempo, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação.
VI - Na hipótese de, através de uma entrega específica, não se conseguir uma reparação integral de danos, nenhuma razão existe para que, além da indemnização específica, não possa haver lugar, quanto aos danos remanescentes, a uma entrega pecuniária compensatória.”.
VII - Quando a parte for uma sociedade comercial, a responsabilidade pela condenação por litigância de má-fé só pode recair sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa, por força do preceituado no art.º 458º do Cód. Proc. Civil.
VIII - A responsabilidade cominada para a representação da sociedade, estabelecida no citado preceito, só pode ter lugar certificando-se o tribunal previamente, com observância das regras do contraditório, de que aquele actuou no processo de má-fé, em termos da sua conduta preencher o conceito previsto no art.º 456º do Cód. Proc. Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I – A “Administração de Condomínio do Centro Comercial de …” e “A”, intentaram acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra “B” Supermercados, Lda., pedindo seja a Ré condenada:
a) A reconhecer como partes comuns do edifício as áreas que identifica e,
b A entregá-las à primeira Autora completamente livres e devolutas de pessoas e bens, fazendo as obras necessárias à reposição das divisórias que delimitam as suas fracções e as separam das partes comuns, nos termos os que decorrem das telas finais aprovadas; e
c) A pagar à primeira Autora, a título indemnização pelos danos causados, a importância de 179.351,54 Euros calculada até 2002-01-31 e, ainda, a contar desta última data, no montante mensal de 1.341,08 Euros, correspondente ao valor da última renda fixada, até à entrega efectiva de todas as partes comuns ocupadas, com actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas comerciais, a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal sobre o montante total da indemnização até ao efectivo pagamento;
d) No pagamento de sanção pecuniária compulsória, em montante não inferior a 1.000,00 Euros diários, a contar da data da citação e até integral cumprimento.
Alegando, para tanto e em suma, que a 1ª A. é administradora de condomínio do referido “Centro Comercial”, e o 2º A. proprietário da fracção autónoma daquele, que identifica, sendo a Ré proprietária no mesmo edifício, das fracções autónomas que por igual referencia.
Ora a Ré tendo afectado todas as fracções de que é proprietária à sua actividade de supermercado, foi mais além, subtraindo, por via das realizadas obras de instalação do mesmo, áreas de espaços comuns, que afectou em exclusivo à sua actividade.
E, mais recentemente, alterou uma vez mais, sempre sem autorização dos restantes condóminos, partes comuns do edifício.
Não fora a ocupação pela Ré dessas áreas comuns e poderiam os AA. ter obtido para o condomínio um rendimento de € 179.351,54.

Contestou a Ré, arguindo a ”irregularidade, ou insuficiência no mandato” conferido em nome da 1ª A., bem como a ilegitimidade desta, e impugnando a, pelos AA., alegada apropriação de qualquer espaço que possa ser considerado comum.
Mais deduzindo as excepções de prescrição e abuso de direito.
Rematando com a procedência das arguidas excepções “absolvendo-se a R. da instância”, e, se assim não se entender, com a improcedência da acção “com as legais consequências.”. 

Houve réplica dos AA., concluindo pela improcedência das arguidas excepções e requerendo a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização compensatória aos AA., a fixar pelo Tribunal.

Apresentou a Ré articulado superveniente, no qual alega ter-se desvinculado do Centro Comercial, comunicando tal facto à respectiva administração por carta de 27-06-2005, e passando a integrar os “condomínios dos respectivos prédios”.
Posto o que, também por essa nova circunstância, é parte ilegítima na presente acção, carecendo outrossim a Administração do Condomínio do Centro Comercial de … de legitimidade para a mesma.

Houve resposta dos AA., esclarecendo que no conjunto dos dois prédios em que se integra o “Centro Comercial” sempre funcionaram administrações de condomínio em paralelo: uma para a parte habitacional do Lote C4, outra para a parte habitacional do Lote C5 e a terceira para a parte comercial unificada dos dois lotes.
Arguindo a nulidade da pretensa desvinculação do condomínio e o abuso de direito de banda da Ré e sustentando a legitimidade activa do 2º A. “pela sua qualidade de comproprietário de uma fracção (…) não relevando que a sua fracção se situe no Lote C4, e não no C5, dada a incindibilidade das áreas comuns da parte comercial dos dois lotes, unificadas nos termos” que referiu.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando-se que “parte activa nos autos é o Condomínio do Centro Comercial de … e não a Administração deste”, gozarem as partes de personalidade judiciária, assistindo-lhes legitimidade, estando “devidamente representadas” e “entretanto ultrapassada a alegada irregularidade ou insuficiência de mandato em função dos documentos de fls. (…) e do despacho de fls., entretanto transitado em julgado.”, e relegando-se para final o conhecimento da arguida prescrição do direito a indemnização, invocado pelos AA. – e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Em face do exposto e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
1. Declaro improcedentes as excepções de prescrição e abuso do direito invocadas pela Ré - tributando-se a Ré pelo mínimo legal no incidente anómalo a que deu causa com a invocação da segunda excepção;
2. Declaro partes comuns as áreas identificadas nos artigos 29. a 37. da matéria assente;
3. Condeno a Ré a:
a) reconhecê-las como tais;
b) entregá-las ao A. Condomínio, livres e devolutas de pessoas e bens, no estado em que se encontravam quando lhes foram subtraídas, com obediência às telas finais aprovadas;
c) para o efeito, efectuar as obras que para tanto se revelem necessárias, designadamente por remoção das actuais divisórias e reposição de novas divisórias, de modo a permitir-se o uso comum;
d) pagar ao A. Condomínio a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) correspondentes aos 290 meses que decorreram desde Novembro de 1986 até esta data, na sequência da privação do uso de tais partes comuns e da possibilidade de rentabilização das mesmas;
e) pagar ao A. Condomínio, a partir de Janeiro de 2011 e até à entrega efectiva das partes comuns nos termos sobreditos, a quantia mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco auras);
f) pagar ao mesmo Condomínio os respectivos Juros, contados desde a presente sentença, até integral pagamento, à taxa anual de 4% - sem prejuízo de outra taxa que por lei venha a entrar em vigor.
4. Condeno ainda a Ré no pagamento da quantia diária de €300,00 (trezentos euros), a contar do 31° dia (inclusive) a partir da notificação à Ré da presente sentença, caso nessa data a Ré não tenha cumprido o supra determinado em 3., alíneas b) e c) e até ao dia em que lhes der cumprimento.
5. Declaro a Ré como litigante de má-fé, motivo por que a condeno no pagamento de uma multa no valor de 25 (vinte e cinco) UC e indemnização aos AA. no valor de €4.000,00 (quatro mil euros);
6. Absolvo a Ré do mais peticionado.”.

Inconformada recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
1) - Não deverá considerar-se provado o que ficou consignado na redacção dos n°s 29. a 34. (respostas aos artigos 1° a 6º da Base Instrutória), pois que da prova produzida apenas resulta assente que as paredes limite das fracções "AA" e "AB", referidas em 19. e 20., confinantes com o corredor do referido Centro Comercial foram avançadas, tendo a divisória sido construída no enfiamento da parede da fracção "Z" (n° 29), e ficando dessa forma adicionada ao supermercado “B” uma área de 10,26 m2 (5,7m x 1,8) - n° 30.-, a qual foi subtraída ao corredor do Centro Comercial (n° 31), e que desde Novembro de 1986 na cave do prédio referido em 2. se mostram desmanchadas e retiradas as divisórias que delimitavam as fracções "A", "B", "C", "D", "E" e "F" e os corredores com elas confinantes, passando a ser utilizada pela R. toda a área daí resultante como um espaço amplo, no qual foi integrado o corredor, a sala de arquivo e a área onde se encontrava a bomba de água do condomínio, situada ao lado do arquivo, ficando assim adicionado ao espaço do supermercado a área de 23.5m2 (33.), que foi subtraída à área comum do Centro Comercial (34.).
2) - Em relação às respostas dadas aos art°s 20º, 21º, 22° e 24° da Base Instrutória, cuja matéria vem ora relatada nos n°s 46., 47., 48. e 49., afigura-se que não deverá considerar-se provada, pois que não resulta prova da interpelação da Ré, de apresentação de qualquer proposta, ou de qualquer reconhecimento inequívoco, nem se trata de áreas que possam ser afectas a arrendamento.
3) - O aditamento do ponto enunciado sob o n° 54. constitui uma ampliação da base instrutória, feita ao arrepio do disposto no art° 650°, n° 3, do CPC, e com manifesta violação do principio do contraditório, não podendo, nem devendo ser tido em consideração.
4) - A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a mencionada matéria de facto, que consideramos erradamente apreciada, pode ser alterada pela Relação, nos termos previsto pelo disposto no art° 712º, do CPC.
5) - Na decisão recorrida foram declaradas improcedentes as excepções de prescrição e abuso de direito invocadas pela Ré, tributando-se ainda esta pelo mínimo legal no incidente anómalo a que deu causa com a invocação da segunda excepção.

6) - No entanto, qualquer eventual direito a indemnização terá de considerar-se extinto, por prescrição, nos termos e à luz do disposto nos art°s 498º e 310° do Cod. Civil, nem se verifica qualquer facto interruptivo dessa prescrição;
7) - Nem se configura, na impugnação dos factos alegados pelos AA., qualquer incidente anómalo, passível de tributação.
8) - No que respeita à relação jurídica subjacente, a desvinculação do "condomínio" necessariamente afectará os pedidos formulados na presente acção, pois que se a desvinculação se considerar válida e eficaz isso necessariamente terá de acarretar consequências quanto aos pedidos formulados na presente acção.
9) - A R., ora apelante, desvinculou-se do Centro Comercial de …, nos termos e pelas razões expostas na carta datada de 27/06/2005, sendo tal desvinculação, ou livre exoneração, perfeitamente válida e eficaz.
10) - E o facto de ser invocada tal desvinculação a partir de certa data pela Ré, e nas circunstâncias em que o fez, isso não significa que se possa configurar abuso de direito, como pretendem defender os AA.
11) - Apesar de ser legalmente permitida a formação de condomínios a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si (art.º 1438° A, do CCiv), certo é que no presente caso estamos perante dois títulos constitutivos de propriedade horizontal, mas não existe titulo constitutivo da parte comercial dos ditos prédios, formado com obediência às formalidades exigidas para tal constituição, uma vez que não existe qualquer escritura pública ou documento particular autenticado que titule quer a sua constituição, quer a modificação dos títulos de propriedade horizontal existentes, em conformidade com o disposto exigido pelos art°s 1417° e 1419º, do Cod. Civil.
12) - Temos assim que a invocada desvinculação se podia validamente operar, o que consequentemente acarreta a improcedência dos pedidos formulados pelos AA. na presente acção.
13) - Da prova produzida, resulta inequívoco que as áreas identificadas, ocupadas pela Ré, são comuns, havendo lugar à consequente reconstituição natural.
14) - Porém, consideramos que não se verificam os pressupostos de facto e de direito para concluir pela condenação da Ré no pagamento de qualquer indemnização, nem se justifica a fixação de indemnização, ao abrigo do disposto no art.º 566º, n° 3, do Cod. Civil.
15) - De facto, não se comprova qualquer acto que tenha impossibilitado, dificultado ou onerado a utilização das restantes lojas e/ou partes comuns, apontando-se na decisão recorrida valores de indemnização sem qualquer suporte factual para a sua ponderação ou quantificação, pelo que não se justifica a condenação da Ré no pagamento de qualquer indemnização, nem a sanção pecuniária compulsória, uma vez que apenas se poderá concluir pela reconstituição natural.
16) Dos factos provados, ou que se devam ter como provados, não se poderá concluir pela litigância de má fé, e "em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica por si só a conclusão de litigância de má fé por quem as sustenta".
17) - Ao conhecer questões de que não podia tomar conhecimento, como é feito na decisão recorrida, acarreta nulidade da sentença, nos termos do disposto no art° 668°, n° 1, alínea d).
18) - E não se verificando os pressupostos de facto e de direito subjacentes à condenação da Ré, ora apelante, deve esta, consequentemente, ser absolvida dos pedidos formulados pelos Autores.
19) - AIém disso, a decisão recorrida violou, também, o disposto nos citados art° 325°, 310°, 498°, 566°, n° 3, do CCiv, e art°s 650°, n 3 e 668°, n° 1, alínea d), do C. P. C.”.

Requer a anulação ou revogação da sentença recorrida, “absolvendo-se o R. dos pedidos formulados pelos Autores”.

Contra-alegaram os AA., pugnando pela manutenção do julgado, e sustentando dever ser “agravado o sancionamento da ré/apelante como litigante de má-fé”.
Juntaram um documento, identificado como “Doc. n.º 4”, datado de Março de 2011, ao abrigo do art.º 706º, do Código de Processo Civil.

O senhor juiz a quo “sustentou” a decisão recorrida, “no que à arguida nulidade respeita.”.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se se verifica a arguida nulidade de sentença.
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente.
- se ocorre a prescrição do direito a indemnização reconhecido à A.
- se a invocação de tal prescrição traduz abuso de direito.
- se é de manter a condenação da Ré em custas incidentais, imposta na sentença.
- se é válida e eficaz, e em que termos, a desvinculação da Ré do “Centro Comercial de …”, comunicada pela carta datada de 27/06/2005.
- se não se verificam os pressupostos da condenação da Ré no pagamento da arbitrada indemnização.
- se não é caso de imposição de sanção pecuniária compulsória.
- se carece de fundamento a proferida condenação da Ré como litigante de má-fé.
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, a matéria de facto seguinte:
1. Em escritura pública intitulada de "propriedade horizontal", outorgada no dia 12.01.1982, no 18° Cartório Notarial de Lisboa, relativamente ao prédio então designado por lote C-4 do Casal …, ora sito no Largo dos …, n°s 11, 12, 13, 14, 15 e com entrada também pela Praceta …, n°s 1 e 2 em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000, foi declarado que tal prédio satisfaz "os requisitos legais para nele se estabelecer o regime jurídico da propriedade horizontal" sendo que o referido prédio era composto de uma parte habitacional e uma parte comercial, esta constituída por 28 fracções, designadas pelas letras de "A" a "Z", “AA", “AB", “AC", “AD" e "AE" – alínea A) da matéria assente.
2. Em escritura pública intitulada de "propriedade horizontal", outorgada no dia 14.01.1982, no 18° Cartório Notarial de Lisboa, relativamente ao prédio então designado por lote C-5 do Casal do …, ora prédio sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000, foi declarado que tal prédio satisfaz "os requisitos legais para nele se estabelecer o regime jurídico da propriedade horizontal" sendo que o referido prédio era composto de uma parte habitacional e uma parte comercial, esta constituída por 28 fracções, designadas pelas letras de "A" a "Z", “AA", “AB", “AC", “AD" e "AE", sendo o respectiva parte comum "além do telhado e dos (...) terraços (cobertura das lojas), o escritório (ao nível do rés-do-chão), a casa de serviços de limpezas (ao nível do rés-do-chão), os corredores do rés-do-chão e da cave, as instalações sanitárias ao nível do rés-do-chão e o arquivo ao nível da cave" - alínea B) da matéria assente.
3. A partir da parte habitacional dos prédios mencionados em 1. e 2. não se acede pelo respectivo interior ao Centro Comercial de …, nem pelo interior deste se acede àquela parte - alínea C) da matéria assente.
4. As áreas comerciais dos prédios referidos em 1. e 2. estão funcionalmente ligadas, compondo uma área ampla de lojas (fracções), corredores, arrecadações, instalações sanitárias, equipamentos comuns, montras e portas - alínea D) da matéria assente.
5. Em 1982, os donos das fracções comerciais indicadas em 1. e 2. constituíram o denominado Centro Comercial de … composto pelas fracções comerciais indicadas em 1. e 2. - alínea E) da matéria assente.
6. Tal Centro Comercial começou a funcionar em 18.11.1982, com condomínio próprio, e as reuniões entre os diversos proprietários e lojistas, encontra-se disciplinada pelo designado Estatuto do Centro Comercial de …, que além do mais determina como partes comuns do Centro Comercial as instalações de água, portas de acesso ao empreendimento, corredores e escadas e, em geral, as áreas e coisas pertencentes ao empreendimento comercial que não estejam afectas ao uso exclusivo de uma das lojas, mais determinando que não é permitido aos proprietários das lojas, além do mais, praticar qualquer acto que impossibilite, dificulte ou onere a utilização das restantes lojas e/ou partes comuns do complexo comercial ou ocupar, por qualquer modo, partes comuns do Centro Comercial - alínea F) da matéria assente.
7. Desde o início da ocupação dos prédios referidos em 1. e 2,, em 1982, foi implementado o sistema de separar as partes habitacionais de cada um dos prédios, as quais passaram, cada uma delas, a ser administradas por uma administração com competência específica para a gestão dessas partes habitacionais, da outra parte comercial, entregue a uma administração única com competência para a parte comercial unificada dos dois prédios, nunca tendo existido qualquer espécie de subordinação da parte comercial à habitacional, nem qualquer conjugação de actuações quer no plano prático quer no financeiro entre os três condomínios - alínea G) da matéria assente.
8. Este sistema foi sempre acompanhado também pelo funcionamento separado das assembleias de condóminos, que reuniram e deliberaram, desde então, com a mesma compartimentação atrás referida - alínea H) da matéria assente.
9. Nunca as assembleias de condóminos das partes habitacionais deliberaram sobre qualquer assunto relativa às partes comerciais, nem as da parte comercial deliberaram sobre assuntos dos condóminos habitacionais - alínea I) da matéria assente.
10. No Centro Comercial de … existem estruturas que são únicas e servem a totalidade do Centro independentemente de se mostrarem fisicamente localizadas, ora num, ora noutro dos prédios indicados em 1. e 2., a saber: as instalações sanitárias, os postos de energia eléctrica, as salas das máquinas, as bombas de água, os corredores de acesso, as portas de entrada e saída do centro comercial, as saídas de emergência, o escritório - alínea J) da matéria assente.
11. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja do rés-do-chão com o n° 28-C, correspondente à fracção designada pela letra "A" do prédio referido em 1., sito no Largo dos …, n°s 11, 12, 13, 14, 15 e com entrada também pela Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000° - alínea L) da matéria assente.
12. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de …z a aquisição da loja da cave lado direito com o n° 28, correspondente à fracção designada pela letra "N" do prédio referido em 1., sito no Largo dos …, n°s 11, 12, 13, 14, 15 e com entrada também pela Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n.º 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000º- alínea M) da matéria assente.
13. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja da cave lado direito com o n° 101, correspondente à fracção designada pela letra "A", do prédio referido em 2., sito na Praceta … n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2853.° - alínea N) da matéria assente.
14. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória da Registo Predial de … aquisição da cave lado direito, com o n° 102, correspondente à fracção designada pela letra "B” do prédio referido em 2, sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob a artigo 0000.° - alínea O) da matéria assente.
15. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … da loja da cave lado direito com o n.º 103, correspondente à fracção designada pela letra "C" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n.ºs 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000.° - alínea P) da matéria assente.
16. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja da cave lado direito com o n.º 104, correspondente à fracção designada pela letra "D" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2853.° - alínea Q) da matéria assente.
17. Com data de l7.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja da cave lado direito com o n° 105, correspondente à fracção designada pela letra "E" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000° - alínea R) da matéria assente.
18. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja da cave lado direito com o n° 105, correspondente à fracção designada pela letra "F" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000° - alínea S) da matéria assente.
19. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja do rés-do-chão com o n° 28-A, correspondente à fracção designada pelas letras "AA" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000º - alínea T) da matéria assente.
20. Com data de 17.07.1987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja do rés-do-chão com o n.º 27, correspondente à fracção designada pelas letras "AB" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n.º 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000° - alínea U) da matéria assente.
21. Com data de 17.071987, a favor da Ré, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de … a aquisição da loja do rés-do-chão com o n° 26, correspondente à fracção designada pelas letras "AC" do prédio referido em 2., sito na Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n° 00000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000° - alínea V) da matéria assente.
22. Em escritura pública intitulado de "compra e venda", outorgada no dia 25.11.1993, no 1° Cartório Notarial de Sintra, “C” e “D” disseram que vendiam, pelo preço de Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), ao ora A. “E” e a “F”, que disseram comprar, a loja do rés-do-chão, com o n° 5, correspondente à fracção designada pelas letras “AA"' do prédio referido em 1 sito no Largo dos …, n°s 11, 12, 13, 14, 15 e com entrada também pela Praceta …, n°s 1 e 2, em …, descrito naquela Conservatória com o n.º 000 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 0000.° - alínea X) da matéria assente.
23. A R. tem como objecto a exploração de supermercados - alínea Z) da matéria assente.
24. A R. afectou as fracções indicadas de 11. a 21. ao exercício da sua actividade, tendo em Dezembro de 1986 aí aberto ao público um estabelecimento que denominou de Supermercado “B” – alínea AA) da matéria assente.
25. Entre 1988 e 2002, a R. fez parte de 12 das 15 Administrações anuais do Condomínio do Centro Comercial de … alínea AB) da matéria assente.
26. Em 14.01.1997, na Assembleia-geral do Condomínio do Centro Comerciai de …, na qual a Ré esteve presente, “G”, enquanto condómino daquele Centro Comercial, apresentou a seguinte:
"Moção à Assembleia-geral
Considerando:
1. Que a utilização de áreas comuns em proveito de um determinado condómino deve ser sempre titulada por contrato que acautele os interesses comuns do Centro;
2. Que tal contrato constitui um acto de administração extraordinária, cuja validade depende da aprovação em assembleia-geral de condóminos;
3. Que é hoje evidente o manifesto interesse de um dos condóminos - Supermercados “B” - na ocupação de espaços comuns do Centro;
4. Que tal interesse já foi formalmente comunicado à administração, designadamente, no que respeita ao espaço que actualmente se encontra cedido à “H”;
5. Que esse mesmo condómino ocupa hoje ilegitimamente áreas comuns, sem para tal ter sido autorizado, nem por tal facto pagar qualquer tipo de compensação aos demais condóminos - toda a área de entrada dos Supermercados “B”, que vedaram e que assim reservam ao seu uso exclusivo, apesar de ser área comum;
6. Que essa ocupação só se mantêm por força da inacção dos demais condóminos;
7. Que esta inacção não implica o reconhecimento de qualquer direito sobre o mesmo espaço;
8. Que não prescindiram os condóminos de exigir a justa indemnização, relativamente a todo o tempo de ocupação já decorrido;
9. Que com a utilização daquele espaço, os Supermercados “B” incorrem em enriquecimento sem causa, à conta alheia;
10. Que até esta data os Supermercados “B” não justificaram tal ocupação abusiva, nem mostraram qualquer intenção de voluntariamente compensar o condomínio;
11. Que existem assim fundadas razões para recear a tentativa de apropriação de outras áreas comuns;
12. Que importa respeitar os intuitos de legalização do funcionamento do Centro Comercial, recentemente invocados, até em aspectos bem menos meritórios;
Entendo, na defesa dos interesses comuns do condomínio, onde os meus se subsumem:
A. Exigir à Mesa da Assembleia-geral a leitura da presente moção, perante todos os condóminos presentes, e a respectiva transcrição para a acta;
B. Exigir à Administração de condomínio que desencadeie urgentemente as acções necessárias à devolução daquele espaço ao uso comum, com a sua desocupação e o recuo das divisórias e porta para os limites constantes da planta legalmente aprovada. ",
- alínea AC) da matéria assente
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27. Por carta datada de 27.06.2005, enviada à A. e recebida por esta, a R. comunicou àquela que "tendo em conta que o Centro Comercial de … consubstancia uma associação irregular, sem personalidade jurídica, consideramo-nos desde já desvinculados de qualquer obrigação que possa existir para com o referido Centro Comercial e respectiva administração, ficando afastados e deixando de fazer parte, para todos os efeitos, dessa associação. Consequentemente, desde já deixaremos de pagar à Administração do Centro qualquer contribuição de Condomínio" - alínea AD) da matéria assente.
28. Por cartas de 16.01.2006, enviadas aos condomínios habitacionais dos prédios referidos em 1. e 2., a R. comunicou-lhes que passava a integrar os respectivos condomínios - alínea AE) da matéria assente.
29. Em Novembro de 1986, aquando das obras de instalação do Supermercado “B”, a R. fez avançar as paredes limite das suas fracções "AA" e "AB", referidas em 19. e 20., confinantes para o corredor do referido Centro Comercial, situando a nova divisória assim construída no enfiamento da parede da fracção "Z" - resposta ao artigo 1° da Base Instrutória.
30. Adicionando dessa forma ao Supermercado “B” uma área de 11,26 rn2 (5,7m x l,8m) — resposta ao artigo 2° da Base Instrutória.
31. A qual subtraiu ao corredor do Centro Comercial - resposta ao artigo 3° da Base Instrutória.
32. Em Novembro de 1986, aquando das obras de instalação do Supermercado “B”, na cave do prédio referido em 2., a R. desmanchou e retirou as divisórias que delimitavam as suas fracções "A", "B", "C", "D", "E" e "F" e os corredores com elas confinantes, passando a utilizar toda a área daí resultante como um espaço amplo, no qual integrou o corredor, a sala de arquivo e a área onde se encontrava a bomba de água do condomínio, situada ao lado do arquivo - resposta ao artigo 4° da Base Instrutória
33. Adicionando assim ao espaço do seu supermercado a área de 23,5m2 - resposta ao artigo 5° da Base Instrutória.
34. A qual subtraiu à área comum do Centro Comercial - resposta ao artigo 6° da Base Instrutória.
35. Em Novembro de 1986, aquando das obras de instalação do Supermercado “B”, a R. passou a utilizar em exclusivo também a escada de ligação entre os dois pisos, rés-do-chão e cave do prédio referido em 2., tendo fechado a porta do rés-do-chão à chave e mantendo essa chave na sua posse - resposta ao artigo 7° da Base Instrutória.
36. Dessa forma afectou essa escada ao uso exclusivo do Supermercado “B”, adicionando ao espaço do mesmo a respectiva área, de cerca de 9 m2 - resposta ao artigo 8° da Base Instrutória;
37. A qual subtraiu às partes comuns do Centro Comercial - resposta ao artigo 9° da Base Instrutória.
38. Em Novembro de 1986, após as obras de instalação do Supermercado “B”, a Ré passou a utilizar a área de 42,76 m2 como se fosse sua, com aposição de expositores de produtos em venda, com a instalação de uma garrafeira, com uma parte destinada a talho, com a colocação de aparelhagem diversa do serviço do supermercado, com a arrumação de mercadorias e vasilhames, em conjunto e em igualdade de circunstâncias com as áreas indicadas em 11. a 21. - resposta ao artigo 10° da Base Instrutória;
39. Retirando proveitos comerciais dessa utilização - resposta ao artigo 11° da Base Instrutória.
40. Colocando assim mais produtos à venda do que os que teria colocado sem este espaço - resposta ao artigo 12° da Base Instrutória.
41. A R. não obteve qualquer autorização dos demais condóminos para essa utilização das partes comuns do edifício em proveito próprio - resposta ao artigo 13° da Base Instrutória.
42. Os restantes condóminos do Centro Comercial de Massamá opuseram-se a tal utilização logo que dela se aperceberam, aquando da instalação do supermercado - resposta ao artigo 14° da Base Instrutória.
43. Tendo manifestado à Ré a sua total desaprovação quanto a esse uso -resposta ao artigo 15° da Base Instrutória
44. Os restantes condóminos insistiram com a R. para que voltasse a repor as divisórias das suas fracções no local que lhes pertencia, restituindo ao uso comum as áreas apropriadas - resposta ao artigo 17° da Base Instrutória.
45. Sendo que a isso foi a R. respondendo que havia de resolver o assunto com um qualquer esquema compensatório, a estudar - resposta ao artigo 18° da Base lnstrutória.
46. Desde 1986, por diversas vezes, a Ré foi interpelada por vários administradores do condomínio do Centro Comercial de … e por outros condóminos para que cessasse de utilizar partes comuns daquele Centro - resposta ao artigo 20° da Base lnstrutória;
47. A R. foi sempre prometendo que apresentaria proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns - resposta ao artigo 21° da Base Instrutória.
48. Pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto - resposta ao artigo 22° da Base Instrutória.
49. Se a Ré não tivesse ocupado a área comum, a Administração do Condomínio teria arrendado tal área para instalação de outras lojas, bem como para aposição de vitrinas e expositores - resposta ao artigo 24° da Base Instrutória.
50. No Centro Comercial de … a procura de lojas e espaços comerciais sempre foi maior que a oferta - resposta ao artigo 25° da Base Instrutória.
51. A própria administração do condomínio deu de arrendamento todos os espaços similares de que dispunha para o efeito - resposta ao artigo 26° da Base Instrutória.
52. Em 1998 o preço do arrendamento no rés-do-chão do Centro Comercial de … era de cerca de €24,00 o metro quadrado - resposta ao artigo 29° da Base Instrutória.
53. Em 1998, o preço do arrendamento na cave do Centro Comercial de … era de cerca de cerca de €13,00 o metro quadrado - resposta ao artigo 30° da Base Instrutória.
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54. Em 08/06/2000, a Ré dirigiu à Câmara Municipal de Sintra um requerimento de isenção de licenciamento para projecto de alterações no interior do Centro Comerciai (supermercado), com o fundamento, além do mais, em que "no decorrer dos anos foram feitas diversas alterações sem licenciamento camarário, nomeadamente no piso térreo, (...) Pretende-se com este processo, essencialmente, legalizar toda uma situação que até hoje não tinha sido resolvida convenientemente uma vez que os actuais proprietários pretendem fazer obras de beneficiação no interior do espaço (..). É de referir ainda que todas as demolições que se pretendem fazer (...) já foram demolidas aquando da compra das diversas fracções do Centro Comercial de … pelo requerente. Este processo será apenas uma actualização do que estava inicialmente em arquivo da Câmara Municipal de Sintra para aquilo que existe actualmente.””.
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Vejamos.

II – 1 – Da arguida nulidade de sentença.

Sustenta a Recorrente que a consideração como provado do facto enunciado sob o n.º 54 redunda no conhecimento pelo juiz de questões de que não podia tomar conhecimento.
E isso, assim, na medida em que o aditamento de tal facto constituirá uma ampliação da base instrutória, feita ao arrepio do disposto no art.º 650º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e em clara violação do princípio do contraditório.

É manifesta a sem razão da Recorrente.

A nulidade de excesso de pronúncia – cominada no citado art.º 668º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil – verifica-se quando o juiz conheça “de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

Certo sendo que, como princípio, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes – sem prejuízo dos factos que não carecem de alegação nem de prova e dos que revelem o uso anormal do processo – e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, cfr. art.º s 264º, n.º 2, 514º e 665º, todos do Código de Processo Civil.

Ora o facto em causa encontra correspondência no teor do art.º 40º da petição inicial, e do documento n.º 30 junto com aquele articulado.
Não merecendo impugnação de banda da Ré, na sua contestação.
Também não tendo aquela em prazo, impugnado o aludido documento.
Já impugnando porém, que nesse pedido de licenciamento haja incluído, “como se suas fossem, as partes comuns de que havia apropriado, nas circunstâncias supra alegadas.”, cfr. art.ºs 39º da petição inicial, e 24º e 25º da contestação, na sua conjugação e integração.

Ora, nos termos do art.º 659º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração”, para além dos factos que o tribunal (colectivo, quando este intervenha) deu como provados, “os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (…) fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”.
Como anotam José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto,[1] “na anterior decisão sobre a matéria de facto (…) foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador (…) Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção de um meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante (…) independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação.”.

Tendo-se procedido, na sentença recorrida, à inclusão do facto em causa, considerando-se, e precisamente, que aquele “é relevante e merece ser ponderado para efeitos de decisão da causa” e “se encontra provado na sequência do documento junto a fls. 170-172 e da não impugnação do mesmo, que foi trazido no art.º 40º da petição.”.

Deste modo nem a inclusão no elenco dos factos considerados assentes, do alegado naquele art.º 40º da petição inicial, redunda em violação do normativo atinente à ampliação da base instrutória – que supõe o controvertido da matéria aditanda – nem, como assim resulta meridiano, foi violado o princípio do contraditório.

Que a Recorrente pretenda agora o não provado de ter dirigido, em 08/06/2000, à Câmara Municipal de Sintra, um requerimento de isenção de licenciamento para projecto de alterações no interior do Centro Comerciai (supermercado), com os fundamentos que transcritos se mostram, é ponto interessando já a outro plano, qual seja o da impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

Não se verifica pois a arguida nulidade.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

1. Insurge-se a Recorrente contra o integralmente provado da matéria dos art.ºs 1º a 6º da base instrutória – consignada em 29 a 34 da matéria de facto assente.
 Apontando também erro de julgamento no “relatado” nos n.ºs 46, 47, 48 e 49 da matéria de facto assente, correspondente às “respostas” dadas aos art.ºs 20º, 21º, 22º e 24º da base instrutória, que, sustenta, se deverá considerar totalmente não provada.
Assinalando-se aqui a delimitação do objecto do recurso operada pela recorrente, que no corpo das alegações havia começado por apontar também erro de julgamento quanto aos n.ºs 44 e 45 da matéria de facto assente – vd. folhas 537 – embora sem fundamentação nem indicação do sentido “correcto” das respostas, nesse particular, passando logo a seguir, no mesmo “corpo”, a reportar tal erro apenas aos n.ºs 46, 47, 48 e 49 – vd. folhas 539 – para depois referir – a folhas 540, que a “matéria relatada nos n.ºs 45 a 49 terá assim de considerar-se como não provada”. 
Por igual rejeitando a Recorrente – e para lá da já indeferida nulidade de sentença – o provado da matéria carreada para o n.º 54 dos factos assentes.

Pretendendo a Recorrente, quanto à matéria dos art.ºs 1º a 6º da base instrutória, o não provado daquela apenas na parte em que lhe é imputada a autoria das obras em causa.
Desvalorizando para o efeito o depoimento da testemunha dos AA., “G”, e apelando ao depoimento das suas testemunhas, “I” e “J”.

Sendo o totalmente não provado, da matéria dos n.ºs 46, 47, 48 e 49, atenta a circunstância de os depoimentos das testemunhas dos AA., “G” e “K”, se mostrarem contrariados pelos depoimentos das testemunhas dos RR. “J” e “L” resultando assim “contraditória tal matéria”, (sic, vd. folhas 539).
Apontando ainda a natureza de vaga conjectura à matéria do n.º 49, e parecendo querer equacionar contradição entre o teor do n.º 10 da “Moção à Assembleia Geral” de 14.01.1997, e a matéria dos sobreditos n.ºs 47 e 48.

E, no tocante à matéria do n.º 54, pretendendo retirar alcance probatório ao já referido documento n.º 30, junto com a petição inicial.

2. Tendo-se consignado, na cuidada fundamentação da decisão da matéria de facto, e quanto à parte ora posta em crise, como segue:
“Para formar a sua convicção, o Tribunal baseou-se na prova produzida nos autos e na respectiva análise crítica, tendo ainda em conta o que, sobre esta matéria, dispõem os arts. 342º e 396°, ambos do Cód. Civil, conjugados com o art. 516° do Cód. de Processo Civil.
Em audiência de discussão e julgamento foram ouvidas as testemunhas arroladas, conforme da acta consta. Para valorar cada depoimento o Tribunal teve em consideração o grau de intervenção pessoal e conhecimento directo nos factos perguntados, a consistência nas respostas, a serenidade da postura e a isenção e imparcialidade denotadas.
*
Em concreto:
Na parte relativa às questões técnicas submetidas a perícia foi lido em canta a teor do Relatório junto a fls. 441, aliás não abalado pela demais prova produzida.
Assim sucedeu com os artigos 1° a 3º, onde se conjugou o resultado pericial com os depoimentos das testemunhas ouvidas, designadamente “G”, a que se deu especial relevância por o mesmo, tanto quando credivelmente disse, ter comprado fracções logo em 1982, ainda na fase de construção, e ter assistido a toda a situação desde o seu início. Assim, e seguindo as palavras desta testemunha, é e era o mesmo o proprietário do estabelecimento de café a que corresponde a fracção "Z", aberto ao público com a abertura do centro comercial. Referiu que antes do “B” iniciar as obras a situação era diferente: o espaço estava recuado cerca de 2 metros; o “B” colocou então tapumes no corredor para trabalhar melhor, o que achou compreensível, mas depois de os tapumes serem retirados constatou que o “B” havia construído uma parede em caixilharia de alumínio e vidro no decorrer das obras pelo que a parede, que deveria ter permanecido recuada cerca de 2 metros "mais coisa menos coisa", estava agora alinhada com a parede do seu estabelecimento.
Argumentou a Ré que essas obras (quer de remoção de divisórias quer de avanço das paredes) teriam sido efectuadas anteriormente pela construtora. Fosse como fosse, por sua iniciativa ou por conta e mando do “B”, sempre as obras teriam sido perspectivadas para a instalação do supermercado da ré e não deixariam de equivaler à utilização de espaços comuns. Mas não cremos que assim tenha sido: da prova trazida pela Ré, ouvimos as testemunhas
• “G”, que acentuou que o centro abriu ao público em 1983 e as obras só foram feitas em 1986, por ocasião da abertura do supermercado;
• “I”, pedreiro que, segundo disse, fez parte das obras para o supermercado. Perguntado, afirmou que não derrubou qualquer parede – mas veio a esclarecer depois que tal também não seria de sua função, por as paredes em causa serem de alumínio e vidro;
• “J” - com 3 lojas no Centro desde 1985 (primeiro como arrendatário e posteriormente como proprietário), afirmou que foi a construtora T… quem deitou as paredes abaixo e tornou o espaço amplo, mas não acompanhou as negociações. Por outro lado, disse também desconhecer aquilo que se mostra pacífico nos autos, que é a ocupação do espaço anteriormente pertencente ao corredor comum.
*
O mesmo sucedeu na parte respeitante à cave (artigos 4º a 10º), cuja transformação em espaço único exclusivamente utilizado pela Ré a generalidade das testemunhas não pôs em causa e que, pelas razões apontadas, se considerou terem sido efectuadas na sequência da ida do supermercado para aquele espaço, pelo próprio supermercado ou por terceiro a seu mando. Na verdade, “G” foi peremptório e firme quando assegurou que na cave as fracções eram semelhantes às do lado oposto do edifício, com uma escada comum e fracções autónomas. Com a chegada do “B”, em 1986, este procedeu então ao fecho da porta e à ocupação de todo o piso de baixo, incluindo as partes comuns.
E, de facto, dúvidas parecem não subsistir de que o espaço foi adaptado às concretas necessidades de um supermercado - no caso, a Ré. Já quanto ao espaço efectivo correspondente à escada, reduziu-se a metragem em conformidade com o resultado da perícia. O Relatório avançou que a porta se encontra fechada à chave e a posse única da chave pela Ré foi relatada pela generalidade das testemunhas, tendo “M” acrescentado que depois de obter autorização do Condomínio para instalar o ar condicionado solicitou à Ré a chave para fazer passar os respectivos cabos pela área comum, ao que esta não acedeu.
(…)
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Relativamente aos artigos 13º a 15º, 17º, 18º e 20º a 23º, (falta de autorização dos condóminos e desaprovação das mesmas), foram relevados os depoimentos das testemunhas “G” (que por ocasião das obras fazia parte da administração do condomínio e que, segundo disse, soube das mesmas só após a sua visualização), assim como de outros proprietários de fracções (“K”), que manifestaram ter-se sempre oposto a que o supermercado ocupasse gratuitamente zonas comuns quando os declarantes pagavam todo o espaço comum, designadamente parcelas de corredor para esplanada ou "simples" vitrinas.
Afirmaram também, no que se fez fé, que abordaram por diversas vezes os responsáveis da Ré manifestando o seu descontentamento, ao que estes iam respondendo que repor as divisórias não, "isso seria mais complicado" (testemunha “K”), mas que haveriam de arranjar uma maneira de se fazer uma "compensação" e que chegaram a propor o pagamento de 70.000$00, não aceite por manifestamente inferior ao preço de mercado e por todos pago.
Não se demonstrou, porém, que a ré tenha agido "com o propósito de protelar a resolução do problema - artigo 23°-, desconhecendo-se se teve ou não, alguma vez, intenção de o resolver.
*
(…)
Na resposta ao artigo 24º suprimiu-se a expressão "43,76 m2" para tornar o facto coerente com a área demonstrada e porque, em rigor, o espaço correspondente à escada (cerca de 9 metros) não se nos afigura, em princípio, como arrendável.
De todo o modo, o potencial arrendamento da área útil resulta para nós claro, tanto mais que o Sr. Perito consignou um aumento do valor locatício "dado não existirem de momento nenhuns espaços vagos" (fls. 441) ou, como diria a testemunha “G” "hoje não há sequer 50 cm disponíveis para vitrinas".
(…)
Por não ter qualquer consistência para além da evidente carga subjectiva, não valorámos o depoimento de “J” ao afirmar que o espaço comum usado pelo supermercado valia "zero", tanto mais que a testemunha salientou que nada valia para si própria uma vez que nada comprou nem nada arrendou naquele espaço comum.”.

Quanto à matéria do n.º 54, vem fundamentada, na sentença, nos termos de que se deram já conta em sede de apreciação da arguida nulidade daquela peça processual.

3. Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no art.º 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão que, também com base neles, proferida foi.
A reforma processual de 1995/96, implementando “um verdadeiro segundo grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto, já resultante de diploma anteriormente aprovado”,[2] veio ampliar os poderes do Tribunal da Relação quanto a tal matéria, transformando-a num tribunal de instância que não já “apenas” um tribunal de “revista” quanto à subsunção jurídica da factualidade assente.
Com recusa, porém, de soluções que contemplassem ou impusessem a realização de novo julgamento integral em segunda instância.
Ainda assim, um tal sistema acarreta riscos, e, desde logo, o de se “atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade”...
Pois “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie, e que jamais podem ficar gravados ou registados, para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. [3]
É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.".[4]
E a fixação da matéria de facto, há-de ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento daquele possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.
Assim a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente.[5]
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido já, em Acórdão de 21-06-2007, que: “I - A plena efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância - um novo julgamento, no sentido de produzir ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória -, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. II - A reapreciação da matéria de facto é feita nos termos do princípio da livre apreciação da prova, obtida a partir do registo dos depoimentos que a 1.ª instância pôde valorar com respeito pela regra da imediação, de forma a apurar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.”.[6]
E, no seu Acórdão de 28-05-2009,[7] que “1 – O DL 39/95, de 15 de Fevereiro veio consagrar um efectivo duplo grau de jurisdição pela Relação quanto à matéria de facto impugnada. 2 – Tal garantia visa apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente.”.
Na mesma linha, o Acórdão desta Relação de 15-12-2009,[8]  em cujo sumário ler-se pode: “I - Tal como se mostra reconhecido mais uma vez no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2008, inserto na Colectânea de Jurisprudência (STJ) Ano XVI, T.1, pág.ª 206, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida como o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento (…)”. II - (…) III - Como a lei claramente hoje o indica, não basta à procedência da impugnação que as provas invocadas no recurso “permitam” a solução propugnada na motivação e conclusões apresentadas.
Ponderado tendo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, Série II, de 2 de Junho de 2004, que: «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (…) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.
A imediação, que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» (o negrito é nosso).
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Isto posto:
4. Relativamente à matéria dos art.ºs 1º a 6º, “as razões da discordância (da Recorrente) prendem-se apenas com o facto de se considerar assente que tais obras foram da autoria da R., pois que de modo algum a prova produzida poderá levar a tal conclusão. Ou seja, não será correcto considerar provado que foi a Ré que fez avançar as paredes limite ou que tenha desmanchado e retirado as paredes divisórias, como ficou expresso na redacção desses quesitos.”.

Tendo-se procedido à audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência – que melhor por via daquela, do que da mera leitura da transcrição feita dos ditos, nos aproximamos, embora apenas, da imediação de que dispôs o julgador na 1ª instância – não encontramos razões para pôr em crise a sobrelevância concedida pelo senhor juiz a quo ao depoimento da testemunha dos AA., João Maria Baptista dos Santos Martins Freire – proprietário de algumas fracções autónomas dos lotes C4 e C5, desde 1986.
Nem, reversamente, para fazer sobrelevar os depoimentos das testemunhas da R., “I” – que refere ter realizado trabalhos de pedreiro no imóvel em causa, e “J”, proprietário de três lojas, no Centro Comercial, depois de inicialmente ter ali sido apenas arrendatário.

Antes se confirmando a credibilidade atribuída à primeira testemunha, que foi expressa a referir ser o “proprietário mais antigo lá dentro”, tendo assistido “à situação toda desde o início.”.
E que “O “B” adquiriu fracções, comprou as fracções, fez o seu negócio, depois delimitou aquela zona, colocou uns tapumes no corredor do centro comercial para poder trabalhar mais à vontade, o que é compreensível, Só quando retirou esses tapumes tinha uma divisória de caixilharia em alumínio e vidro no alinhamento da minha loja. Quando deveria estar mais para trás cerca de, portanto, dois metros.”.
Mais adiantando que “na altura (…) falei com o gerente do supermercado, ele reconheceu isso. Até me disse: “eh pá, ó Sr. …, era para ficar (…), não ficar aqui no canto, pois cria sujidade, etc., mas deixe estar que a gente resolve isso.”.
E, quanto “à cave”, que “”o “B” supermercados quando fez essas obras fechou a porta (…)”.
Bem como ainda não ter “Absolutamente nenhumas” dúvidas quanto a ter sido o “B” supermercados quem fez essas obras, e designadamente a demolição das paredes divisórias da cave, que não a construtora.

Sendo, pelo que às testemunhas “I” e “J” respeita, que a primeira revelou, no seu depoimento uma constante preocupação em afirmar que os seus trabalhos não haviam incluído a modificação de coisas, tendo encontrado tudo “como está agora”.
Mas começando, a instância do advogado dos AA., por referir não se lembrar – “já foi há tantos anos” – se construiu ou destruiu alguma parede…
Para, seguidamente, se lembrar de terem feito um “refeitoriozinho (…) no fundo de uma escada de emergência, de uma escada que existe lá para o fundo (…) e de resto, se fiz, a única coisa que fiz, se fiz, foi aquela.”…
A testemunha “J” – que quando o “B” “foi para lá”, já estava instalado no Centro Comercial, como arrendatário, tendo posteriormente comprado “lojas”, e que se afirmou “fiscal técnico”, “fiscal de obras”… – depôs de forma muito difusa, sem consistência.
Afirmando também desconhecer se quem fez a obra – de que se dá conta nestes art.ºs da b. i. – as fez já na perspectiva do negócio com o “B”, e se tal negócio estava já apalavrado.

Refira-se ainda que se, como anota a Recorrente, a testemunha “G” foi o autor da moção que vem transcrita no ponto 26 dos factos assentes, também a testemunha “J” assume que “foi contra” essa moção, apresentada na assembleia de condóminos do dia 14 de Janeiro de 1997…

Também, e quanto a este ponto, a normalidade das coisas não vai no sentido de o construtor de um imóvel, constituído em propriedade horizontal, tomar a iniciativa de, relativamente ao edificado final, alterar espaços, suprimindo ou comprimindo aqueles que, de acordo com o título constitutivo, bem como com o projecto aprovado, seriam áreas comuns, na perspectiva de tal vir a interessar a um eventual comprador.
Já se concedendo mais conforme a tal normalidade que vendidas fracções autónomas da parte de um edifício destinada a comércio, o construtor/promotor, realize obras de “adaptação” ou “melhoramento” a pedido e por conta do comprador, que poderão ou não mostrar-se respeitadoras do definido no título constitutivo em matéria de partes comuns.
O que em qualquer caso se reconduziria à categoria de obra levada a cabo pela ““B” supermercados”, enquanto dona da obra, sendo a construtora, desta feita, a empreiteira.

5. Vale também, no que concerne às “respostas” aos art.ºs 20º, 21º, 22º e 24º da b. i. – n.º s 46, 47, 48 e 49 da matéria de facto assente – o que se deixou antecedentemente dito quanto à credibilidade do depoimento da testemunha dos AA., “G”, e à menor densidade do depoimento da testemunha da Ré, “J”.
Demonstrando a testemunha “G” ter a noção dos valores locativos de espaços comuns no “Centro Comercial”.
Referindo, e designadamente, que os 40 e tal m2 ocupados pela Ré “podiam ser colocados em expositores”, sendo que “todas as pessoas que dentro de centro comercial utilizam espaços comuns, nomeadamente eu utilizo, utilizo, esses espaços comuns são pagos. Vem no recibo”.
E “tenho uma cafetaria lá e essa cafetaria tem mesas, essas mesas estão no corredor, são recolhidas no final do dia e as mesas só podem ter 3 cadeiras, 3 cadeiras cada mesa, por acaso até só lá tenho uma mesa neste momento e pago um xis por cada mesa só com três cadeiras. Eu e os outros todos.”.
Para além das “máquinas de jogos” instaladas nos espaços comuns.
E das “vitrinas”, sendo que “Uma está ocupada por mim”, pelas quais é paga uma renda, sendo que no momento “estão todas alugadas”.
Mais referindo expressamente que, estando na administração, o sr. “N” (do supermercado “B”), “que era um dos gerentes, propôs pagar, naquele tempo, 70 contos pelo espaço comum”.
O que não foi aceite, por ser considerado irrisório.
“De maneira que eles sempre falaram que iam resolver, só que nunca resolveram e o facto de estarem na administração, e terem a maior parte dos votos, isso sempre dificultou que as outras pessoas avançassem.”…
Apesar de o sentimento geral ser de rejeição da situação.
“Mas as coisas iam sendo faladas e eles iam dizendo: «sim senhor. Nós reconhecemos isso e vamos chegar a um acordo, etc., etc.”.

Certo ter aqui igualmente fundamentado a decisão da 1ª instância, o depoimento da testemunha dos AA., “K”, comerciante no Centro Comercial, “há 23, 24 anos, mais ou menos”, embora não tenha lá “lojas compradas”.
O qual fez parte de várias “administrações”, referindo-se com segurança à inexistência de qualquer autorização dos restantes “condóminos” para a Ré ocupar as partes comuns, e à não-aceitação por aqueles de tal situação.
Mencionando uma proposta “do “B”” para compensar o “condomínio”, que não foi aceite, e as promessas por parte do ““B””, de tal compensação, ao longo dos anos, designadamente verbalizadas pelo “Sr. O”, que “era ou é um dos sócios do supermercado “B””.
E dizendo que todos os (outros) “condóminos” pagam “as mesas dos cafés, as vitrines, o papagaio que está cá fora no corredor”…
Sendo a renda da vitrine correspondente à “metragem” desta. Pagando por uma com “2.5m por 30 de largo” “à volta de 20 €”.
 
Sem que se conceda ao depoimento da testemunha da R., “L” – que tomou “contacto com a situação” apenas a partir de 1993, quando foi trabalhar para o Centro, onde comprou um loja – uma superior credibilidade, e razão de ciência, na parte assim agora em causa.
Aquela testemunha – que, anote-se, referindo que o espaço ora ocupado pelo “B” é em “open space”, esclareceu ter ouvido falar “que de facto aquilo inicialmente teria sido uma área comercial igual à restante” – votou favoravelmente a proposta de avançar contra o supermercado “B” para exigir a restituição de espaços comuns.
Vindo agora dizer, a instâncias do advogado dos AA., que “Não compreendo como assinei! Ou não li bem, ou qualquer coisa” (SIC).

Diga-se ainda – e no confronto do que em matéria de “contradições”, mais referenciou a Recorrente a propósito – que o consignado na 2ª parte do considerando n.º 10 da moção de 14.01.1997 – a saber, que os Supermercados “B” “até esta data (…) não mostraram qualquer intenção de voluntariamente compensar o condomínio” – não colide com o provado de que “A Ré sempre foi prometendo que apresentaria proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns (…) pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto.”.
Uma coisa é a consignação de tal considerando em moção apresentada por um condómino à “Assembleia-geral do Condomínio do Centro Comercial de …”, outra são as chamadas “promessas de mau pagador”, a que assim e afinal se reconduzem as feitas pela Ré…pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto…

Para além de se não conceder o carácter de vaga conjectura atribuído pela Recorrente à matéria do n.º 49 (do art.º 22º da b. i.).
O que ali se reproduz é um juízo de facto, qual seja o de que a área comum ocupada pela Ré, não fora essa ocupação teria sido arrendada pela Administração do “Condomínio do Centro Comercial” para instalação de outras lojas, bem como para aposição de vitrinas e expositores.
Não tendo a Ré, oportunamente, alegado factos que sustentassem a assim agora por si concluída impossibilidade física de ali instalar outras lojas.

Sabido sendo – e pelo que à impossibilidade legal, necessariamente reportada ao instituto da propriedade horizontal, respeita, sem prejuízo do que se considerará infra, contrapondo a realidade organizativa que é o “Centro Comercial” e o “Condomínio” de prédio em regime de propriedade horizontal – que quando o título constitutivo contenha a menção do fim a que se destina a parte comum, a afectação desta a outro fim poderá ter lugar, desde que se modifique aquele, com deferimento da alteração pela entidade administrativa competente, havendo acordo de todos os condóminos, cfr. art.ºs 1418º, n.º 3, e 1419º, n.º 1, do Código Civil.
E, não sendo feita tal menção no título constitutivo, bastará o acordo de todos os condóminos, manifestado, v.g., em assembleia-geral, para, sem prejuízo das exigências administrativas que ao caso caibam, se proceder à afectação da parte comum a fim diverso daquele a que, apuradamente, se destina.
Isto sem prejuízo da proibição de inovações, nas partes comuns do edifício – dependentes da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio – capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns., vd. art.º 1425º, n.º 2, do Código Civil.
Mas concedendo-se que sendo tais inovações prejudicantes já serão permitidas, mesmo com apenas o voto maioritário de 2/3, se os potenciais lesados derem o seu acordo, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.1995 e 04.03.2004, aliás citados por Abílio Neto, in “Manual da propriedade horizontal”, 3ª Ed., pág. 283.

Mas, reitera-se, sem que haja a Ré, no tempo e lugar próprios – como aliás também nas alegações de recurso – substanciado factos de que resulte uma tal possibilidade de prejuízo, decorrente do arrendamento dos espaços comuns por si ocupados.

7. Finalmente, e pelo que respeita à matéria do n.º 54 da matéria de facto.
Para além do já analisado supra, em sede de julgamento da arguida nulidade de sentença, vem agora a Ré/recorrente, assinalar que o requerimento em causa foi “assinado pelo técnico responsável pela realização das obras, contratado para tratar desse assunto, mas não é assinado pela Ré.”.
Nada esclarecendo tal documento, prossegue, “no que respeita aos factos controvertidos na presente acção”, tratando-se do aditamento de facto “com uma interpretação totalmente desvirtuada da realidade.”.

7.1. Pelo que à primeira objecção diz respeito, temos que se trata de requerimento feito em nome da Ré/recorrente – “Requerente: “B” Supermercados, Lda.” – subscrito embora por engenheiro por aquela contratado para o efeito.
Confrontando-nos assim com um mandato com representação, produzindo o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, os seus efeitos na esfera jurídica deste último, cfr. art.ºs 1178º, n.º 1 e 258º, do Código Civil.

Ora não alegou a Ré, oportunamente – como aliás, e em rigor, não o fez agora, em sede de alegações de recurso – que aquele mandatário haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as suas instruções.
Como também não que não tenha aprovado aquele mandato, antes decorrendo do teor das suas alegações que o aprovou, mais que não seja tacitamente.

Posto o que tudo, e em qualquer caso, se trataria de questões novas.

Ora, como é sabido, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.[9]
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível – e na ausência de acordo das partes – a invocação de questões novas, nas alegações de recurso,[10] sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de questões novas de conhecimento oficioso e funcional.

7.2. Resultando deslocada, e salvo o devido respeito, a afirmação de que o aditamento de tal facto é feito “com uma interpretação totalmente desvirtuada da realidade.”.
Pois que o facto “aditado” corresponde…à mera transcrição do consignado no requerimento respectivo, em matéria de fundamentação da pretendida isenção de licenciamento.
Nada se interpretando pois, antes se tratando de pura materialidade fáctica, na mais estrita objectividade.
Sem que, por outro lado, sofra crise a pertinência de tal fatualidade relativamente ao fundo da questão, e posto que, precisamente, estava designadamente em causa a realização de alterações, pela Ré, na sequência da compra de diversas fracções do “Centro Comercial de Massamá” pela Requerente”, com demolição de muros delimitadores de fracções e de corredores com elas confinantes.
*
Improcedendo pois as conclusões da Recorrente, nesta sede impugnatória.

II – 3 - Da prescrição do direito a indemnização reconhecido à A.

1. A sentença recorrida concluiu não ter ocorrido aquela, por isso que houve reconhecimento do direito dos AA., fato interruptivo da prescrição, nos termos do art.º 325º, do Código Civil.
Contrapondo a Recorrente que a matéria de fato “que se tem ou que se poderá ter como assente não permite concluir que tenha havido, seja em que momento for, reconhecimento expresso e inequívoco por parte da Ré do eventual direito a indemnização”, não sendo qualquer abordagem que possa ter havido sobre o assunto que traduz um reconhecimento expresso dos direitos ora invocados.”.

Logo cumprirá ter em atenção que sendo a prescrição interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular, por aquele contra quem pode ser exercido – cfr. n.º 1, citado art.º 325º - se admite, para além do reconhecimento expresso, o reconhecimento tácito, vd. n.º 2 do mesmo art.º.
Sendo porém que enquanto no tocante à declaração tácita, em geral, a lei se basta com a dedução daquela “de factos que, com toda a probabilidade, a revelem – cfr. art.º 217º, do Código Civil – já só concede o reconhecimento tácito quando este “resulta de factos que inequivocamente o exprimam.”.

Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, julgado, em Acórdão de 08-04-1997,[11] que “A declaração expressa emerge directamente do meio usado; as palavras faladas ou escritas podem, na declaração tácita, exprimindo directamente uma vontade, revelar indirectamente uma outra.”.
E, em Acórdão de 18-11-2004,[12] que “para haver reconhecimento com eficácia de interrupção da prescrição, é necessário que haja, ao menos, através de factos, afirmações pessoais, comportamentos ou atitudes, o propósito de reconhecer o direito da parte contrária.”.
Apontando António Menezes Cordeiro[13] a jurisprudência como permitindo apreciar melhor os “modos de concretização passíveis de reconhecimento”.
Assim “a embargante que sempre se mostrou disponível junto da embargada para proceder ao pagamento de letras, fazendo pedidos de prazo para a sua liquidação ou alegando impossibilidade momentânea para o fazer, reconhece o direito do credor e interrompe a sua prescrição.”.[14]
E “se uma seguradora põe à disposição do interessado uma quantia ainda que inferior à pretendida, tem-se a prescrição por interrompida.”.[15]

No caso em apreço, está provado, perante as insistências dos “condóminos” – para que voltasse a repor as divisórias das suas fracções no local que lhes pertencia, restituindo ao uso comum as áreas apropriadas – a Ré “foi respondendo que havia de resolver o assunto com um qualquer esquema compensatório, a estudar”.
E “Desde 1986, por diversas vezes, a Ré foi interpelada por vários administradores do condomínio do Centro Comercial de … e por outros condóminos para que cessasse de utilizar partes comuns daquele Centro.”.
Sendo que “A R. foi sempre prometendo que apresentaria proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns”.
“Pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto.”.

Ora, temos para nós, ao propor-se – e reiteradamente – “resolver o assunto com qualquer esquema compensatório, a estudar”, e ao prometer apresentar “proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns.” a Ré emitiu declaração – não interessando aqui se com reserva mental – que, de forma inequívoca, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a saber, os restantes “condóminos”, vale como reconhecimento do direito do “condomínio” a ser ressarcido/compensado, dos danos – emergentes e lucros cessantes – que a privação do uso das partes comuns pela Ré assim lhe ocasionou.
E, tratando-se como se trata de dois planos distintos, nem o reconhecimento implícito de tal direito é obnubilado pela objectivada intenção da Ré de protelar tanto quanto possível seja a devolução das usurpadas partes comuns, seja o pagamento de qualquer “compensação”.

Estando em causa a prescrição do direito de indemnização por acto ilícito, o prazo daquela é de três anos, “a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete…”, cfr. art.º 498º, n.º 1, do Código Civil.
Prazo que, dest’arte, se mostra interrompido pelo reconhecimento do direito a indemnização aqui exercitando, por parte da Ré, reiteradamente, desde 1986, e perante sucessivas interpelações de banda de vários administradores do “condomínio” e de outros “condóminos”.
Sem que a Ré sequer haja esboçado sustentar – o que a matéria de fato assente aliás nem acolhe – o decurso de novo prazo prescricional, após o último reconhecimento do direito do “condomínio” e até ao 5º dia posterior ao da entrada da acção…vd. art.ºs 323º, n.º 2, e 326º, do Código Civil.

2. Diga-se ainda, e conquanto assim apenas marginalmente, que a não se verificar a interrupção da prescrição, então, como bem se julgou na 1ª instância, sempre redundaria a invocação de tal matéria de excepção peremptória em efectivo abuso de direito.
Com efeito:
O Cód. Civil, no seu art.º 334º, dispõe que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A referência à boa fé – que representa em direito um conceito polissémico – tem, no preceito, um sentido objectivo ou normativo, que se manifesta noutras disposições do Código Civil quais sejam os art.ºs 227º, 239º, 437º e 762º, n.º 2, concretizando, em todos esses casos, regras de actuação,[16] exprimindo “os valores basilares da ordem jurídica, vocacionados para intervir em cada caso concreto considerado.”.[17]
E “Os bons costumes, correspondentes à moral social da linguagem clássica portuguesa, traduzem um conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico acolhidas pelo direito em cada momento histórico”.[18]
Nas palavras de Almeida Costa, por aqueles “há-de entender-se um conjunto de regras de convivência, de práticas de vida, que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente.”.[19]
 
3. De entre as várias categorias de actos inadmissíveis por abuso doutrinariamente autonomizadas, a saber, a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque, e o desequilíbrio no exercício, considerou-se verificado, na sentença recorrida, o venire contra factum proprium.
Tratando-se, aquele, de exemplo típico de exercício inadmissível de direito à qual se aparenta aquela “outra” modalidade típica de tal exercício inadmissível, qual seja a supressio, [20] em que o exercício do direito, decorrido um determinado lapso de tempo, a par de indícios objectivos de que esse direito não seria mais exercido, contrariaria a boa-fé.
Assinalando Menezes Cordeiro quanto à supressio, chegar-se “por uma via independente, a conclusões paralelas às alcançadas no estudo do venire contra factum proprium. Não é apenas coincidência.”.[21]
Também Rita Amaral Cabral[22] recusando autonomia a tal figura, no confronto do venire contra factum proprium.
Quanto àquele último temos que “só se considera venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor”.[23]
Sendo necessário que a segunda conduta, contraditória do factum proprium, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correcção, represente uma manifesta ultrapassagem dos limites impostos pela boa fé.

Menezes Cordeiro[24] distingue ainda entre o venire positivo – em que uma pessoa manifesta uma intenção ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o mesmo – e o venire negativo, em que o agente em causa demonstra ir desenvolver certa conduta e, depois, nega-a.
Referindo – depois de apontar como hipótese mais típica, aqui, a de “simplesmente se anunciar uma conduta que, depois, a “pretexto” da nulidade, seja negada” – que “A invocação de nulidades não esgota o universo dos “pretextos”; temos, ainda, a invocação de caducidade ou de outros factores impedientes, sempre em contradição”.
Citando a propósito o Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Junho de 1994,[25] onde se julgou haver venire quando o vendedor, decorrido o prazo de caducidade, aceita perante o comprador reparar a coisa e, depois, na acção por este proposta, invoque a excepção de caducidade da garantia.[26]

A afinidade da situação nos autos hipoteseada é evidente.
Recorde-se que tendo os “restantes condóminos” insistido com a R. para que voltasse a repor as divisórias das suas fracções no local que lhes pertencia, restituindo ao uso comum as áreas apropriadas, a isso foi a R. respondendo que havia de resolver o assunto com um qualquer esquema compensatório, a estudar.
E por diversas vezes interpelada, desde 1986, por vários administradores do “condomínio” do Centro Comercial de Massamá e por outros “condóminos” para que cessasse de utilizar partes comuns daquele Centro, a R. foi sempre prometendo que apresentaria proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns…
…Pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto.

Assim logrando o protelar do exercício do direito do “Condomínio do Centro Comercial”…com a expectativa criada de que apresentaria proposta compensatória/retributiva condigna.

4 – Mas isto, assim, apenas na perspectiva, aceite pelas partes e na 1ª instância, de se tratar a responsabilidade decorrente da ocupação de espaços comuns do centro comercial – que também o são do condomínio dos prédios onde aquele está instalado – de responsabilidade civil por acto ilícito.

Quando porém, e como se nos afigura mais curial, se descole a realidade “Centro Comercial”, dessa outra que é o condomínio dos prédios respectivos – como melhor se explanará infra, a propósito da invocada “desvinculação” da Ré – confrontar-nos-emos com uma forma de responsabilidade contratual, resultante da violação dessa lei negocial que são os “Estatutos do Condomínio do Centro Comercial”, na parte relativa à proibição de afectação ou ocupação, por qualquer dos condóminos, das partes comuns do mesmo “Centro”, cfr. n.º 6 da matéria de fato.
Correspondendo então ao direito da A. à indemnização pelos prejuízos resultantes de tal violação, o prazo de prescrição ordinária de vinte anos, cfr. art.º 309º, do Código Civil.
E, assim, para lá de, nas palavras de Menezes Cordeiro,[27] ser “Uma prescrição de vinte anos (…) hoje, irrealista. Trata-se de um período muito longo, que retira sentido ao instituto”.

5. Ainda nesta matéria da prescrição, sustenta a Recorrente que “tomando-se como critério de indemnização o valor locativo”, importará considerar o disposto no art.º 310º do Código Civil “quanto ao prazo de prescrição de rendas e alugueres ou quaisquer outras prestações periodicamente renováveis. E também quanto a estas teremos de concluir ter decorrido o prazo de cinco anos, por forma a considerar extinto tal direito. Ou pelo menos (…) sempre terá de considerar-se prescrito o direito à indemnização para além dos cinco anos anteriores à data da proposição da acção.”.

A doutrina é, nesta matéria, algo fluida.

Assim, Menezes Cordeiro[28] começa por assinalar que numa situação de prestações periódicas, cumprirá distinguir o direito unitário ao surgimento das diversas prestações, do direito singular de crédito a cada uma delas.
O direito singular tem autonomia, prescrevendo no prazo que lhe compita, normalmente o de 5 anos, nos termos do art.º 310º, do Código Civil.
O direito unitário é regulado no art.º 307º, pelo menos nalguns casos.
Deste modo, tratando-se de renda perpétua ou de renda vitalícia, a prescrição do direito unitário inicia-se desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
A especialidade desta situação, e como refere o mesmo Autor, “reside no fato de haver um título único e não, propriamente, uma prestação (ou direito de aproveitamento) nuclear, de que as prestações periódicas decorram, como acessórios.”.

P. Lima e A. Varela[29] dão como exemplos de prestações periódicas análogas à renda perpétua e à renda vitalícia, “a renda fixada como indemnização (cfr. art.º 567º), o legado de prestações periódicas (cfr. art.º 2273º), os juros (cfr. art.º 561)”.

Menezes Cordeiro, já não concede essa natureza de “prestações análogas” aos juros, e por isso que “a autonomia do crédito de juros reporta-se a cada concreta prestação de juros. Enquanto existir – e, logo, não prescrever – o crédito principal, sempre ocorreriam novos juros, sob pena de se admitir um capital improdutivo, Repare-se que o crédito principal é sensível à prescrição, precisamente ao contrário do que poderia suceder com as rendas perpétua, vitalícia ou análogas, que apenas se manifestam pelas diversas prestações periódicas a que dêem lugar”.

Por outro lado, P. Lima e A. Varela[30] recusam a analogia para aplicação da alínea g) do art.º 310º, do Código Civil – e descartando-se aqui as hipóteses das antecedentes alíneas do mesmo art.º, por não terem virtualidade de aplicação ao caso dos autos – que prevê a prescrição no prazo de cinco anos de “Quaisquer outras prestações periódicas renováveis”, às “prestações que (…) importem o pagamento parcial do crédito sujeito à prescrição ordinária”.

Já Menezes Cordeiro, “no tocante à prescrição de situações que envolvam prestações periódicas”, distinguindo as várias situações possíveis, refere “aquelas em que as prestações, por dependerem de um título único, não tenham a natureza de acessoriedade em relação a um direito principal (renda vitalícia)”.
Naquela situação já não haverão “prescrições diferenciadas”, “a prescrição do conjunto aferir-se-ia pela primeira prestação não paga, como manda o artigo 307º”.[31]

Ora, uma coisa é certa, pedida vinha a condenação da Ré no pagamento de indemnização à A. pelos prejuízos resultantes da ocupação por aquela – e designadamente através de obras feitas no espaço do “Centro Comercial – de espaços comuns desse mesmo “Centro”.
E se a A. apurou o montante a esse título peticionado com base em alegado valor locativo do espaço ocupado, ponto é que não foi pedida, na acção, a condenação da Ré no pagamento de quaisquer rendas, que como tal não seriam devidas.
Também, se a sentença recorrida condenou no pagamento de indemnização que, enquanto à razão de uma “quantia mensal de € 125,00”, “a partir de Janeiro de 2011 e até à entrega efectiva das partes comuns”, se poderia considerar indemnização em renda temporária, certo também é que mesmo nessa perspectiva nos confrontaríamos aí com “rendas vincendas”.
Finalmente, sempre se tratariam, quaisquer “prestações periódicas” que se quisessem vislumbrar no global indemnizatório arbitrado, de prestações dependentes de um título único, e importando o pagamento parcial do crédito sujeito à prescrição ordinária.

Posto o que sempre caberia aqui considerar apenas o prazo de prescrição, do direito unitário, que, como visto, não decorreu.
*
Com improcedência das conclusões da Recorrente nesta matéria.

II – 4 – Da condenação da Ré em custas incidentais, imposta na sentença.

Não se nos afigura interessar a, ainda que “manifesta”, improcedência de uma arguida excepção – como seria a do invocado abuso de direito por parte da A. – à área do “incidente tributável”, nos quadros do – aqui imperante, art.º 16º do Código das Custas Judiciais.
Com efeito, e como anota Salvador da Costa,[32] necessário é que se verifique a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, ser a questão suscitada descabida no quadro da sua dinâmica, e, em segundo lugar, estar em causa um mínimo de autonomia processual em relação ao processado da causa.

A equacionada “manifesta impertinência” da “alegada excepção” será assim valorável numa outra sede, qual seja a da litigância de má-fé, e enquanto corresponda à dedução de oposição cuja falta de fundamento a Ré não devia – sem negligência grave – ignorar, cfr. art.º 456º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil. 
 
E se é certo que tal condenação “incidental” não tem valor excedente da alçada da 1ª instância, ponto também é que vem integrada na economia de sentença recorrível.

Dela podendo assim conhecer esta Relação.

Sendo pois de revogar, nessa parte, tal sentença.

Com procedência, aqui, nesta conformidade, das conclusões da Recorrente.

II – 5 – Da “desvinculação” da Ré do “Centro Comercial de …”, comunicada pela carta datada de 27/06/2005.

1. Logo se dirá não ser de acolher a fundamentação da sentença recorrida, enquanto, nesta sede, refere quanto à “personalidade do Condomínio do Centro Comercial/desvinculação da Ré/abuso de direito com a desvinculação”, que “a personalidade e legitimidade do Condomínio de Centro Comercial de … foram já concretamente apreciados no despacho de folhas 396-401, transitado, pelo que nos encontramos vinculados ao respectivo caso julgado. Como tal seria absolutamente descabido, inoportuno inútil aflorar a questão suscitada pela Ré no seu articulado superveniente na parte em que, citando jurisprudência do S.T.J., sustentou entendimento diferente”, a saber, o da regra da livre exoneração ou desvinculação da organização em que se traduz a realidade conhecida como “Centro Comercial”, de qualquer dos associados, a todo o tempo.

Com efeito, o que em tal despacho (saneador) se decidiu foi, e expressamente, “No que respeita à invocada desvinculação da R., em sede de legitimidade processual e tão-só nesta (…)”, cumprir “considerar a mesma impertinente”, julgando AA. e R. “partes legítimas na presente acção” (o realce e sublinhado são nossos).

Não obstando uma tal decisão sobre pressuposto processual relativo às partes, e como é meridiano, ao conhecimento de questão atinente ao mérito da causa, onde já apenas se joga com a legitimidade material ou substantiva.

2. Isto posto:
Sobre situação afim daquela que nos presentes autos se mostra hipoteseada pronunciou-se já esta Relação, em Acórdão de 17-02-2011,[33] que aliás acompanhou de perto a fundamentação de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2004,[34] também citado pela Recorrente.
Assim dir-se-á:
O ordenamento jurídico nacional não contempla um regime jurídico sistematizado tendo por objecto os denominados Centros Comerciais.
Não sendo mesmo possível, a partir das escassas referências legais, encontrar um conceito definidor dessa realidade jurídica comercial essencialmente caracterizada pela afectação de um espaço físico, com uma área e número de lojas mínimos, a ramos de comércio e prestação de serviços diversificados, com serviços comuns às lojas nele instaladas e submetido a uma gestão unitária.

Mas, pelo que aqui está em causa, releva – mais do que definir o conceito e regime jurídico do Centro Comercial – a circunstância de aquele ser criado por um acto jurídico como um ente comercial, gozando de um estatuto que assenta necessariamente na autonomia privada, tratando-se sempre de um regime meramente obrigacional.
É se é certo que a autonomia privada também pode intervir no acto jurídico constitutivo da propriedade horizontal, moldando-lhe o estatuto e interferindo na fixação do conteúdo do direito real, ponto também é que tal ocorre por via dos efeitos do registo da escritura respectiva, tornando aquele vinculativo para os titulares do direito real (condóminos), nele se incorporando.

Um centro comercial instalado num edifício constituído em propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio.
Aquele constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros; o edifício, objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio.
Vigora para este o estatuto de natureza real a que são inerentes as regras da legalidade de reconhecimento e sujeição ao princípio da taxatividade, ou seja, a proibição de figuras de natureza real não tipificadas ou previstas pelo legislador, com o conteúdo também por ele balizado.

Os Estatutos do Centro Comercial …, em vigor, têm uma origem interna - resultam de deliberação da assembleia dos proprietários lojistas.
Como tal, não provém de declarações de vontade e vinculação dos condóminos do edifício, ou dos edifícios, em estabelecimento de regras disciplinadoras sobre o uso de coisas comuns e repartição de despesas segundo os direitos e obrigações respeitantes a cada condómino, mas provém, tão só, de proprietários de fracções de uma parte do edifício, de cada edifício, na sua qualidade de proprietários de fracções autónomas destinadas a lojas (“proprietários/lojistas”).
Nem mesmo isso sendo absoluto, e certo que alguns dos lojistas não são proprietários das fracções autónomas em que instalados foram os seus estabelecimentos, como é o caso da testemunha “K”.
Um tal ordenamento, assim destinado a disciplinar a actividade dos lojistas, fora e para além do que corresponde ao uso das coisas comuns do edifício – direitos incindíveis e compropriedade indivisível, cfr. art.º 1420.º do Código Civil – não é, não pode ser equiparado a um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto do direito real - a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio.

A existência do Regulamento do condomínio é obrigatória e dele, enquanto condóminos, devem participar os donos das fracções destinadas a comércio e integradas no Centro Comercial, mas a disciplina, regulamentação e gestão dos serviços e interesses comuns dos lojistas, proprietários ou não das fracções-lojas é coisa diferente que não tem de se situar no âmbito das relações condominiais, nomeadamente quando a totalidade do edifício não está afecta à instalação do Centro Comercial.

Sendo pois de reiterar a natureza meramente obrigacional do Estatuto do Centro Comercial …, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos dois edifícios em que está instalado e seu regulamento.

Tendo-se deste modo que os titulares das fracções autónomas em que instaladas se mostram as lojas integradas no Centro Comercial detêm uma sobreposição de duas qualidades: - enquanto donos das fracções autónomas, estão sujeitos ao regime da propriedade horizontal e à disciplina estabelecida no Regulamento do condomínio e na lei quanto à sua participação no uso, fruição e conservação das partes comuns e inerentes despesas, nos termos previstos nos art.ºs 1429º-A e 1424º Código Civil - enquanto lojistas, poderão estar sujeitos a um outro regulamento, como é o dito Estatuto, que foi elaborado para regular as relações dos lojistas entre si e com a Administração do Centro, em tudo o que não choque com a imperatividade absoluta do Regulamento de Condomínio de cada um dos dois prédios em causa.

Assim, a referência ao “condomínio próprio” do Centro Comercial de … – vd. v.g., 6 da matéria de fato, supra – deverá entender-se feita ao conjunto dos proprietários de estabelecimentos instalados em fracções autónomas/lojas dos dois prédios urbanos, que integra o Centro Comercial.

Sem que, reitera-se, o Estatuto daquele Centro tenha a virtualidade de se reconduzir a um Regulamento do condomínio de qualquer um dos prédios em regime de propriedade horizontal, em cuja parte comercial assim se mostra instalado o Centro.
E, muito menos, a um Regulamento de condomínio…dos dois prédios.
Na verdade, e como dos pontos 1, 2 e 12 a 22 da matéria de fato resulta – coisa diversa não tendo sido alegada, nem resultando das certidões da Conservatória do Registo Predial juntas – os dois prédios mantêm a sua autonomia jurídica, constituindo condomínios próprios.
E isto, assim, presente a imperatividade absoluta das normas legais em matéria de constituição da propriedade horizontal, conteúdo do título constitutivo e modificação do mesmo – cfr. art.ºs 1417º, 1418º e 1419º, do Código Civil – independentemente da implementação “Desde o início da ocupação dos prédios referidos (…) em 1982” de um “sistema de separar as partes habitacionais de cada um dos prédios, as quais passaram, cada uma delas, a ser administradas por uma administração com competência específica para a gestão dessas partes habitacionais, da outra parte comercial, entregue a uma administração única com competência para a parte comercial unificada dos dois prédios, nunca tendo existido qualquer espécie de subordinação da parte comercial à habitacional, nem qualquer conjugação de actuações quer no plano prático quer no financeiro entre os três condomínios”.
Bem como de no referido Centro existirem “estruturas que são únicas e servem a totalidade do Centro independentemente de se mostrarem fisicamente localizadas, ora num, ora noutro dos prédios (…)”.

3. Quanto ao grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que se reuniu em assembleia e elaborou e aprovou o estatuto do Centro Comercial, deve ser entendido como o substrato pessoal de uma associação, encontrando-se presentes, e agora à semelhança do que sucede com o condomínio, os demais elementos caracterizadores da figura, designadamente a prossecução de uma actividade destinada a satisfazer um interesse colectivo, de forma organizada e mediante a afectação de certos bens e fundos (elementos pessoal, teleológico e organizatório).
Confrontando-nos assim com uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os necessários requisitos de forma, vd. art.ºs 167º, n.º 1 e 168º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
Os direitos e obrigações dos proprietários/lojistas, enquanto associados devem, assim, reger-se pelo estatutos, aqui o Regulamento Interno, pelas disposições que regem as associações sem personalidade jurídica e, subsidiariamente, pelas normas relativas às associações, que não pressuponham a personalidade, vd. art.ºs 195º, n.º 1, e 167º a 184º, do Código Civil.
Perante um tal enquadramento – aliás não divergente do que corresponde ao condomínio, não fora a intervenção da natureza real deste e a incompatibilidade daí decorrente com o regime jurídico das associações – “não pode deixar de aceitar-se a regra da livre exoneração ou desvinculação da organização dos associados a todo o tempo, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação”, cfr. art.º 46.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e art.º 181º,  ex vi do art. 195 º, n.º 3, ambos do Código Civil.

4. Ora, isto visto, temos que importará considerar a desvinculação da Ré do “Condomínio do Centro Comercial”, comunicada à A. por carta datada de 27.06.2005.

Porém, tal desvinculação em nada afecta a condenação proferida.
E por isso que se não trata do pagamento de despesas inerentes à utilização ou possibilidade de utilização, pela Ré, de partes comuns do “Centro Comercial”.
A condenação da Ré foi em indemnização ao “condomínio” pelo prejuízos – lucros cessantes – ocasionados com a privação de áreas comuns do “Centro Comercial” em resultado das obras efectuadas pela Ré, no montante fixado de € 30.000,00 correspondentes aos 290 meses que decorreram “desde Novembro de 1986 até à presente data”, e “€ 125,00 mensais desde Janeiro de 2011 até à entrega efectiva do espaço por parte da Ré.
Reportando pois a acto ilícito praticado pela Ré, enquanto ainda fazia parte do substrato pessoal da associação em causa, mas provocando prejuízos, para além da desvinculação da Ré de tal associação, enquanto aquela não repuser a situação in natura.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 6 – Dos pressupostos da condenação da Ré no pagamento da arbitrada indemnização.

1. Ensaiando refutar a verificação daqueles, começa a Recorrente por afirmar, em citação de um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que estando em causa a violação do estatuto real do condomínio, por via de obras ofensivas do disposto na alínea a) do n.º 2, do art.º 1422º, do C. Civil, terá de lhe corresponder a sanção da destruição das mesmas, isto é (a) reconstituição natural, “a qual não poderá ser substituída por indemnização a ser fixada ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artigos 666º, n.º 1, “in fine” e 829º, do mesmo diploma, já que tal princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, subjacentes ao que se encontram regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que contendem com os interesses dos restantes condóminos do prédio”.
Mais alegando não terem as áreas comuns ocupadas aptidão locativa, não se mostrando “provado qualquer dano concreto, ou prejuízo, donde possa derivar a obrigação de indemnização”, nem se comprovando “qualquer nexo de causalidade” ou que a cedência de vitrine ou expositor “ficasse impossibilitado pelo fato da realização das obras.”.
Inexistindo suporte factual para a “ponderação ou quantificação” dos valores de indemnização.

2. Desde logo, o invocado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-05-2000, não tem o sentido que a Recorrente – salvo o devido respeito, aligeiradamente – lhe pretende atribuir.
O que mais exactamente se diz no sumário de tal Acórdão,[35] é que “À realização de obras ofensivas do disposto, na alínea a) do n. 2 do artigo 1422, do C.Civil, terá de corresponder a sanção da destruição das mesmas, isto é reconstituição natural, a qual não poderá ser substituída por indemnização a ser fixada ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artigos 566 n. 1, "in fine" e 829 n. 2 do mesmo diploma, já que tal princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, subjacentes ao que se encontram regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que contendem com os interesses dos restantes condóminos do prédio.”.
Ora – para além de a indemnização não reportar no caso em apreço, efectiva e directamente, à violação do estatuto real do condomínio do prédio, como visto já, e de resto anteriormente invocado pela própria Recorrente a propósito da sua alegada “desvinculação” do “condomínio do Centro Comercial”, em posição que agora pretende contradizer – não se decidiu, na sentença recorrida, pela substituição da reconstituição in natura, pelo que respeita às obras ilegais (no próprio plano obrigacional) levadas a cabo pela Recorrente.
O que naquela se fez foi condenar a Ré a entregar ao “A. Condomínio, livres e devolutas”, as áreas que “subtraiu” ao uso deste, no estado original e conforme “às telas finais aprovadas”, efectuando, “para o efeito as obras que para tanto se revelem necessárias (…)”, e, ainda, a pagar à A. as quantias discriminadas, a título de compensação pela “privação do uso de tais partes comuns e da possibilidade de rentabilização das mesmas”.
Ou seja, ao invés da substituição da reconstituição in natura da situação relativa aos espaços comuns, temos a cumulação com aquela, da indemnização em dinheiro relativa aos prejuízos – lucros cessantes – decorrentes da tal privação de uso.
A tanto nada obstando, e certo que como assinala Antunes Varela,[36] poderá verificar-se a insuficiência da reconstituição natural, quando esta “não cobre todos os danos (a reparação da viatura não compensa o utente quanto à privação do seu uso durante o período do seu conserto) ou não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra (…)”.
Também Menezes Cordeiro,[37] referindo que “A hipótese de, através de uma entrega específica, não se conseguir uma reparação integral de danos deriva de que, muitas vezes, a lesão de um bem provoca danos conexos com a própria lesão em si, os quais, naturalmente, não desaparecem retroactivamente, com a substituição do bem lesado. (…) Nenhuma razão encontramos para que, nessa hipótese, não possa haver lugar para uma indemnização específica e, nos danos remanescentes, a uma entrega pecuniária compensatória.”.

3. No que concerne aos outros referenciados pressupostos da responsabilidade civil, temos que a sentença recorrida, dá cabal resposta, nessa parte, às objecções da Recorrente.
Assim é que estando apurada a área comum do Centro Comercial que a Ré afectou, de fato, ao seu uso exclusivo, através das obras por si levadas a cabo, a saber, 42,76 m2, se ponderou na mesma sentença, o consequente dano consistente na privação do “condomínio” daquele Centro, do uso de tal área.

Operando-se mesmo, em tal sentença, e em via de julgamento de direito, uma impressiva e surpreendente compressão da extensão de tal dano, em relação ao que resulta da matéria de fato apurada.
Com efeito, recorde-se, provado está que: “49. Se a Ré não tivesse ocupado a área comum, a Administração do Condomínio teria arrendado tal área para instalação de outras lojas, bem como para aposição de vitrinas e expositores. 50. No Centro Comercial de … a procura de lojas e espaços comerciais sempre foi maior que a oferta. 51. A própria administração do condomínio deu de arrendamento todos os espaços similares de que dispunha para o efeito. 52. Em 1998 o preço do arrendamento no rés-do-chão do Centro Comercial de … era de cerca de € 24,00 o metro quadrado. 53. Em 1998, o preço do arrendamento na cave do Centro Comercial de … era de cerca de cerca de € 13,00 o metro quadrado.”.
Anotando-se que a Ré apenas impugnou – e sem sucesso – o provado da matéria de fato do n.º 49…

Ora a sentença recorrida, optando por uma indemnização equitativa “à luz do art.º 566º, n.º 3, do Cód. Civil” e “ponderando agora que as áreas subtraídas correspondem (a) 9 metros quadrados da escada (em princípio sem valor locativo), 23,50 metros quadrados na cave (correspondente a corredores, sala de arquivo e local da bomba de água e como tal, dificilmente arrendáveis) e 10,26 metros quadrados no rés-do-chão (anteriormente usados como corredor de passagem e, por tal razão, dificilmente arrendáveis)”, concluiu “que o Condomínio apenas poderia ter aproveitado para aumentar os ganhos relativamente a espaços comuns de reduzidíssima área, aí se incluindo com maior probabilidade vitrinas e expositores.”.
Posto o que “e na falta de melhor critério que não chegou a ser fornecido”, tomou como “justa e adequada a quantia de € 30.000,00 correspondentes aos 290 meses que decorreram desde Novembro de 1986 até à presente data, e € 125,10 mensais desde Janeiro de 2011 até à entrega efectiva do espaço por parte da Ré.”.
Tudo sem prejuízo dos respectivos juros “os quais, por respeitarem a quantia que se mostra actualizada na presente decisão, se contarão a partir da mesma”.

Posto o que sempre estará garantida a verificação dos danos, e o nexo de causalidade adequada entre aqueles e o acto ilícito da Ré.

Com improcedência, também nesta parte, das conclusões da Recorrente.

II – 7 – Da imposição à Ré de sanção pecuniária compulsória.

A Recorrente conclui a falta de fundamento daquela da circunstância de, alegadamente, não haver lugar à sua condenação “no pagamento de qualquer indemnização”.

Desde que assim, e como visto, não procedeu essa sua tese no sentido de apenas caber ao caso a reconstituição natural, também não colhe o decorrentemente concluído nesta.

II – 8 – Da condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
1. Aquela foi proferida na consideração de ter a Ré alegado, nos art.ºs 18º, 19º e 20º sua contestação, em frontal oposição ao que veio a resultar provado no tocante a obras.
E, bem assim, os teores de referências feitas pela Ré a folhas 364 “na parte em que menciona que "os AA. já não conseguem disfarçar as excrescências do seu parasitismo"; e 370 “na parte em que menciona "persistem agora os AA., como polícia de bons costumes, em arrotar toda a sua erudição e esgrimir quixotescamente contra a R.. Porém, à R. resta comentar que o Rei vai nu...! Na verdade, consideramos paranóica e ridícula a afirmação dos AA. (...). De facto, somos levados a concluir que os AA. é que confundem o tribunal com uma creche ou jardim infantil".

Como ainda de que “a postura de negação da Ré de uma situação por demais evidente e conhecida implicou para os AA. os inerentes custos com a presente demanda, pois só através dela vislumbraram a hipótese de acabar de vez com tal atitude ilícita. Nessa sequência, têm os AA. o direito a ser compensados por tais gastos na quantia que, deixada pelos AA. ao prudente arbítrio do Tribunal, e ponderadas as normais despesas processuais e patrocínio, se fixou na declarada quantia, na qual se ponderou ainda o direito à indemnização pelas expressões usadas pela Ré e o consequente uso reprovável que esta fez do processo.”.

Contrapondo a Ré que não existe da sua parte “qualquer actuação que possa consubstanciar litigância de má-fé, nos termos previstos no art.º 456º do C.P.C. Não se poderá deixar de ponderar que se trata de uma pessoa colectiva, onde não relevam factos pessoais. A impugnação dos factos contida na contestação não se afasta do âmbito da prova a produzir.”.
E “Além disso, aduzem-se na decisão recorrida alegações e afirmações que nada tiveram a ver com a discussão da causa, pois que tal constituiu um incidente processual, já decidido por despacho transitado em julgado, que consta a fls. 376.”.

2. Nos termos do art.º 456º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, “Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
De acordo com o n.º 2 do mesmo art.º, e assim pelo que aqui agora interessar poderia, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido...oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos...”.
Diversamente do que se verificava anteriormente à reforma processual civil introduzida pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, é actualmente sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.[38]
Em qualquer caso, à sua apreciação deverá proceder-se em complementaridade com o princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º, do Cód. Proc. Civil, e que impende sobre as partes com vista à descoberta da verdade (cfr. art.º. 519º, n.º l, do CPC).
Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 456º do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, a condenação nesse sentido, isto é, a delimitação dessa responsabilização impõe uma apreciação casuística, e onde deverá caber – pelo que à previsão da al. b) respeita – a natureza dos factos alterados/omitidos, e a forma como tal alteração ou omissão são feitas. [39]

Quando, porém, “a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa”, vd. art.º 458º do Cód. Proc. Civil.
Frisando a propósito José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto,[40] que “A litigância de má-fé é consequência da actuação reprovável de quem age no processo, pelo que, quando a actuação é dum representante, é este – e não a parte – quem deve ser condenado em multa e indemnização”.
Sem rejeitar o incontornável sentido do preceito, assinala Menezes Cordeiro[41] que “Como é sabido, as pessoas colectivas são, em geral, responsabilizáveis, quer civil, quer mesmo penalmente, por actos que, pela natureza das coisas, são necessariamente praticados pelos seus representantes. A regra processual relativa à litigância de má-fé vai em total contraciclo: apenas se explica pelas apontadas razões históricas”.
Reconduzindo tais razões à circunstância de que o instituto “na origem...é tomado, antes de mais, como uma resposta à rebelião contra o Estado e a Lei...”, [42] arrancando “nas Ordenações, da vontade normativa de prevenir e de punir a rebelião contra o Estado, traduzida pela litigância de má-fé”.
Também Abílio Neto,[43] depois de anotar o injustificado de alguma “desaplicação” jurisprudencial do citado art.º 458º, ressalvando que “Questão diferente é a de saber se a norma não deve ser alterada”.

Tem-se o Supremo Tribunal de Justiça pronunciado reiteradamente no mesmo sentido.
E, assim, v.g., no seu Acórdão de 2002-06-04,[44] considerou que, “I- Quando a parte for uma sociedade comercial, a responsabilidade pela condenação por litigância de má-fé só pode recair sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa, por força do preceituado no art.º 458º do Cód. Proc. Civil. II- A responsabilidade cominada para a representação da sociedade, estabelecida no citado preceito, só pode ter lugar certificando-se o tribunal previamente, com observância das regras do contraditório, de que aquele actuou no processo de má-fé, em termos da sua conduta preencher o conceito previsto no art.º 456º do Cód. Proc. Civil, em conformidade com o exarado no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 103/93, publicado no D.R., II série, de 17-06-1995”.

Ora a sentença recorrida, e como visto já, condenou, como litigante de má-fé, a Ré, ora recorrente, que é uma sociedade comercial por quotas.
Que não o representante daquela no processo, a saber, quem tiver outorgado a procuração respectiva ao ilustre advogado constituído.
Igualmente se colhendo da sentença recorrida, que a salvaguarda da prévia discussão contraditória, nesta matéria de condenação por litigância de má-fé, apenas teve lugar relativamente à Sociedade Ré...que não ao representante desta.
Outra coisa não se podendo deste modo concluir que não seja a ilegalidade da proferida condenação da mesma Ré como litigante de má-fé.

Isto, independentemente do que se possa entender ser a solução desejável, de jure constituendo.

Procedendo a correspondente conclusão de recurso.

Com prejuízo da abordagem das demais vertentes impugnatórias do trecho decisório em causa, alinhadas pela Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente,----------------------------------------------------------------------
e revogam a sentença recorrida, no tocante à condenação da Ré em custas incidentais, e como litigante de má-fé,------------------------------------------------------------------------------
confirmando-a no restante.---------------------------------------------------

Custas por Recorrente e Recorrida, na proporção de 19/20 para aquela e 1/20 para esta.

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Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue:
I - Ao propor-se – e reiteradamente – “resolver o assunto com qualquer esquema compensatório, a estudar”, e ao prometer apresentar “proposta financeira compatível com a utilização que mantinha de espaços comuns.” a Ré emitiu declaração – não interessando aqui se com reserva mental – que, de forma inequívoca, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a saber, os restantes condóminos/lojistas do Centro Comercial, e administradores do mesmo, vale como reconhecimento do direito do “condomínio” a ser ressarcido/compensado, dos danos – emergentes e lucros cessantes – que a privação do uso das partes comuns pela Ré assim lhe ocasionou. II – A não ser assim, também a circunstância de – perante as insistências daqueles – ir a R. respondendo em termos que tais, pedindo sempre mais tempo para estudar o assunto, implicaria ter a Ré incorrido, ao arguir a prescrição do direito invocado pela A., em venire contra factum proprium negativo. III - O Estatuto do Centro Comercial, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos dois edifícios em que está instalado e seu regulamento, tem natureza meramente obrigacional. IV - Quanto ao grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que se reuniu em assembleia e elaborou e aprovou o Estatuto do Centro Comercial, deve ser entendido como o substrato pessoal de uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os necessários requisitos de forma. V - Perante um tal enquadramento – aliás não divergente do que corresponde ao condomínio, não fora a intervenção da natureza real deste e a incompatibilidade daí decorrente com o regime jurídico das associações – não pode deixar de aceitar-se a regra da livre exoneração ou desvinculação da organização dos associados a todo o tempo, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação. VI - Na hipótese de, através de uma entrega específica, não se conseguir uma reparação integral de danos, nenhuma razão existe para que, além da indemnização específica, não possa haver lugar, quanto aos danos remanescentes, a uma entrega pecuniária compensatória.”. VII - Quando a parte for uma sociedade comercial, a responsabilidade pela condenação por litigância de má-fé só pode recair sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa, por força do preceituado no art.º 458º do Cód. Proc. Civil. VIII - A responsabilidade cominada para a representação da sociedade, estabelecida no citado preceito, só pode ter lugar certificando-se o tribunal previamente, com observância das regras do contraditório, de que aquele actuou no processo de má-fé, em termos da sua conduta preencher o conceito previsto no art.º 456º do Cód. Proc. Civil.

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Lisboa, 27 de Outubro de 2011

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 643, sendo nosso o sublinhado.
[2] Vd. Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, sendo o diploma anterior o Dec.-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.
[3] Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 3ª Ed., Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[4] Vd. Eurico Lopes Cardoso, in BMJ n.º 80, págs. 220/221.
[5] Dito ainda de outro modo, apenas poderá ter lugar a alteração das “respostas” à matéria de facto, em casos pontuais e excepcionais, quando se verifique que aquelas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 20-02-2001, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[6] Proc. 06S3540, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. vd. também, em sentido convergente, o Acórdão daquele Tribunal, de 20-09-2005, proc. 05A2007, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[7] Proc. 115/1997.S.1, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.     
[8] Proc. 1884/06.4TABRR.L1-5, proferido na jurisdição penal, mas com inegável interesse na jurisdição cível.         
[9]Vd. Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 395; Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª Ed., Almedina, 2002, págs. 133 e 134; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277 e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[10] Cfr. para além dos autores já citados, Armindo Ribeiro Mendes, in “Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto”, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Recursos)”, Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[11] Proc. 96A614, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[12] Proc. 04B3459, in www,dgsi.pt/jstj.nsf.
[13] In “Tratado de direito civil português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, pág. 199.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-04-1994, in CJAcSTJ, Ano II, tomo 2, págs. 70-71.
[15] Acórdão da Relação de Coimbra, de 05.11.1996, in BMJ 461º, 529.
[16] Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 180. Cfr. também Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª ed., Almedina, 2005, pág. 54.
[17] Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 193.
[18] Ibidem.
[19] Almeida e Costa, in “Direito das Obrigações”, 10ª ed., pág. 76.
[20] Vd. a propósito, Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina (2ª Reimpressão), 2001, pág. 810-811.
[21] Idem, pág. 821.
22 In RDES, 1993, pág. 315.
[23] Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina (2ª Reimpressão), 2001, pág. 746.
[24] In “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, págs. 280-282.
[25] In CJ, Ano XIX, tomo III, págs. 41-43.
[26] Em sentido próximo podendo ainda ver-se Vaz Serra, na R.L.J., Ano 107º, pág. 25, nota 2.
[27] In “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, pág. 173.
[28] In op. cit., págs. 167-168.
[29] In “Código Civil, Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 1982, pág.277.
[30] Idem, pág. 279.
[31] In op. cit. supra em nota 27, pág. 168.
[32] In “Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado”, 6ª Ed., 2004, Almedina, pág. 169.
[33] Proc. 349215/09.4YIPRT.L1-2, Relator: EZAGÜY MARTINS, in www.dgsi.pt.
[34] Proc. 03A4204, Relator: ALVES VELHO, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[35] Proc. 00B286, Relator: FERREIRA DE ALMEIDA  , in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[36] In “Das Obrigações em geral”, vol. I, 10 ª ed., Almedina, 2003, pág. 905.
[37] In “Tratado de direito civil português”, II, Tomo III, 2010, Almedina, pág. 725.
[38] Assim, José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 194.
[39] Acórdão do STJ de 18.12.97, Processo 98A819, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[40] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 201.
[41] In “Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo”, Almedina, 2006, pág. 27.
[42] Idem, pág. 16.
[43] In “Breves Notas ao Código de Processo Civil”, 1ª Ed. Setembro/2005, Ediforum-Edições Jurídicas, Lda., pág. 132,
[44]Rev.ª n.º 1621-6ª-Sumários. Como também nos Acórdãos de 19-02-02 – Rev.ª 3851/01-6ª-Sumários, 2/2002; de 28-05-02, Rev.ª 1483/02-6ª-Sumários, 2/02 e de 18-03-04 – Proc. 04B812/ITIJ/Net