Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2861/22.3T8BRR.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: INVERSÃO DO CONTENCIOSO
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
AUMENTO DO CAPITAL SOCIAL
REDUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL DE UM SÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–Do art. 369º, nº 1 Estabelece que Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio. do CPC resulta expressamente que a apreciação do pedido de inversão do contencioso só se coloca nos casos em que a providência cautelar é decretada.

2.–A providência cautelar de suspensão de deliberação social estende-se aos efeitos jurídicos que continue ou possa continuar a produzir para além da sua execução ou eficácia instantânea e dos atos que para sua execução foram empreendidos pelo órgão de administração da sociedade; efeitos que se enquadram na apreciação de mérito do requisito ‘perigo de lesão’ do direito pretendido tutelar.

3.–Em abstrato, a eficácia interna da deliberação de aumento de capital é suscetível de criar perigo continuado de lesão dos direitos sociais do sócio requerente que viu o valor nominal da sua participação social reduzida pelo aumento do capital social deliberado, por efeito da consequente redução da medida do direito de voto e do direito ao lucro final ou de liquidação da sociedade.

4.–No caso, o perigo concreto de lesão dos referidos direitos sociais da requerente advém da perda da posição relativa de sócia maioritária da sociedade requerida, de 50% para cerca de 16%, e da existência de lucros distribuíveis.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I–Relatório


1.–MM instaurou providência cautelar contra C. – Sociedade Imobiliária, SA para suspensão de deliberação social de aumento de capital da requerida de 05.09.2022, com inversão do contencioso nos termos do art. 382º do CPC, e, cumulativamente, mais requereu [o] ‘decretamento’, nos termos do art. 362º, nº 1 e 2 do CPC, de decisão cautelar de providência cautelar não especificada, que impeça, na pendência da presente providência de suspensão de deliberação social e/ou da ação principal e até que a requerente possa exercer o seu direito de preferência em aumento de capital, a venda do imóvel da requerida (…).”

Alegou em fundamento que: é titular de ações nominativas representativas de 50% do capital social da requerida, mas que foram ilegitimamente retidas pela requerida e só dispõe de cópia das mesmas; foi publicada convocatória para assembleia geral de acionistas da sociedade a realizar nos escritórios dos contabilistas da sociedade no dia 09.08.2022 e, em segunda convocatória, no dia 05.09.2022, tendo por objeto proposta de aumento do capital social de €50K para €150K através de novas entradas em numerário e subsequente alteração da redação do contrato de sociedade; compareceu na primeira e na segunda datas no local indicado, no qual não se encontrava nem compareceu qualquer outro acionista, incluindo a presidente da mesa da assembleia geral; na segunda data designada compareceu acompanhada do seu filho, de contabilista certificado e de advogado e, depois de indicar o propósito da sua presença, foi encaminhada para a sala onde se realizam as assembleias gerais e na qual estavam presentes apenas dois advogados, um dos quais se opôs à presença da requerente no local dizendo-lhe que ela não podia estar ali; a requerente, única acionista presente, deu início aos trabalhos da assembleia, tendo aquele advogado chamado a GNR ao local à qual comunicou que a assembleia estava a decorrer noutro local; a assembleia decorreu e, com o voto da requerente, foi deliberada a não aprovação do aumento do capital social, do que lavrou a ata avulsa que junta por não lhe ter sido fornecido o livro de atas que solicitou ao contabilista da requerida; por consulta ao portal das publicações do ministério da justiça, no dia 08.11.2022 tomou conhecimento do registo de aumento de capital social através de novas entradas em numerário no valor de €100K com origem em deliberação inscrita em 24.10.2022 e publicada em 26.10.2022 e, na ausência de resposta às comunicações que a respeito remeteu ao Presidente do Conselho de Administração, no dia 17.11.2022 requereu na Conservatória do Registo Comercial o documento suporte daquele registo, que corresponde à ata nº41; esta ata e o seu conteúdo são falsos e forjados porque dela consta certificado pelo advogado que no local e na segunda data da convocatória encontravam-se presentes o presidente do conselho de administração por si e em representação de outros três acionistas, e a presidente da mesa de assembleia geral, o que não corresponde à realidade porque a requerente era a única acionista presente; não foi disponibilizado, nem a convocatória refere, qualquer documento que suporte o aumento de capital pelo que não foi dado cumprimento ao direito de informação; o motivo para o aumento de capital indicado na referida ata  - dificuldades financeiras – é falso face ao total de ativos e capital própria da requerida em 31.12.2021; o prazo de 35 dias a contar de 05.09.2022 reservado aos sócios para realização das entradas em numerário para aumento de capital não foi comunicado à requerente e foi fixado com o propósito de a requerente não poder exercer o seu direito na subscrição do aumento de capital na medida em que já havia terminado quando aquela ata foi levada a registo e publicada; com as condutas descritas o presidente do Conselho de Administração obtém para si um ganho ilegítimo por ver aumentada a sua participação social em cerca de 83%, contra a diluição da participação social da requerente de 50% para 16,67% do capital social; através de comunicação de 12.10.2022 subscrita pelo presidente do conselho de administração e outra administradora, a requerente recebeu cópia das suas ações nominativas correspondentes a 50% do capital social indicado no valor de €50K; a requerida é titular de um imóvel objeto de contrato de arrendamento com renda mensal de €17K e termo em 2033, imóvel que o presidente do conselho de administração vem a tentar vender e que, a pedido da requerente foi avaliado em 31.10.2018 em cerca de €5.200M; numa hipotética venda do imóvel em 2033 pelo valor de €10.407.643,00, como resultado do aumento de capital a requerente receberia apenas €1.734.607,00 em vez de 50% daquele valor; a dita deliberação é nula nos termos do art. 56º, nº 2, parte final, do CSC ou, assim não se entendendo, é anulável por força das als. a) e b) do art. 58º do CSC, e dela decorrem danos de natureza patrimonial para a requerente; pelo perigo de venda do imóvel com o consequente referido prejuízo para a requerente, acessoriamente mais requer decisão que a impeça na pendência da providência de suspensão de deliberação social e/ou da ação principal e até que a requerente possa exercer o seu direito de preferência no aumento de capital, com averbamento dessa decisão na Conservatória do Registo Predial.

Requereu a notificação da requerida para apresentar documentos (livro de registo de ações, livro de atas da assembleia geral, e comprovativo da transferência bancária para subscrição do aumento de capital social no valor de €100K). Juntou documentos, requereu declarações de parte e rol de testemunhas.

2.–A requerida deduziu oposição.

Por exceção:
i)-arguiu a caducidade da providência com fundamento legal no art. 380º, nº 1 do CPC, alegando em fundamento que a deliberação foi tomada a 05.09.2022, que a requerente admite ter sido convocada para a assembleia e ter tido conhecimento da sua realização naquela data (por indicação do advogado da requerida que estava em reunião com outro colega na sala onde a requerente entrou), e só em 18.11.2022 requereu a sua suspensão;
ii)-arguiu a inutilidade do procedimento porque a deliberação cuja suspensão se requer foi já executada através da subscrição do aumento de capital, correspetivo registo, depósito integral do valor correspondente, e emissão dos títulos representativos das novas ações de capital.
Por impugnação, alegou que
iii)-a assembleia decorreu no local indicado na convocatória, mas numa sala (interior) diversa daquela onde a requerente entrou de rompante e se instalou de mote próprio e sem aguardar qualquer indicação, pelo que a reunião descrita no documento junto pela requerente e identificado como ‘acta avulsa’ não reporta a reunião da assembleia geral nem corresponde a ata da que foi realizada;
iv)-o advogado da requerida informou a requerente que, por instruções da presidente da mesa da assembleia geral, não estava autorizada a participar na assembleia por incumprimento dos requisitos fixados na convocatória, de conversão das ações em nominativas, determinado pela presidente da mesa, e depósito das mesmas na sede social com 8 dias de antecedência em relação à data da assembleia, previsto nos estatutos; a requerente não entregou nem depositou os originais dos títulos representativos das ações, que só em 07.09.2022 entregou junto do Tribunal do Barreiro e só então se tornou possível dar início ao processo de conversão das respetivas ações;
v)-as ações da requerente não estão retidas pela requerida, como aquela bem sabe, mas sim pelos agentes de execução que procederam à sua penhora e para dar cumprimento aos arts. 764º a 767º do CPC ex vi art. 783º do mesmo diploma;
vi)-na data em que foram emitidas as ações nominativas correspondentes à participação da requerente na requerida esta não podia emitir títulos com valor de capital que não estava realizado porque ainda estava a decorrer o prazo de 30 dias para qualquer interessado arguir a anulação da deliberação e o prazo de 35 dias para subscrição do aumento de capital, sendo que a requerida prestou à requerente todas as informações que esta lhe solicitou por carta correspondente ao doc. 12 junto com a petição (doc. 5 da contestação).
vii)-o alegado para fundamentar a verificação do dano apreciável – venda do imóvel da requerida - restringe-se ao teor de conversações entre a requerente e o administrador e o acionista sobre o património e a vida da requerida alegadamente decorridas em 2017, tempo em que aqueles eram ambos administradores da requerida;
viii)-ainda que fosse admissível a cumulação de providência cautelar de suspensão de deliberação social com providência cautelar comum, não estão preenchidos os requisitos para que esta seja decretada, desde logo por falta de factos que integrem o fundado receio, sendo que o alegado pela requerente são meras conjeturas sem conexão com a realidade, nem alega em que termos a alegada venda do imóvel e perda da sua parte no produto da venda constitui dano de difícil reparação já que não alega factos que demonstrem que não seria ressarcida do mesmo, pelo que o alegado risco de lesão não justifica a paralisação de uma eventual venda e da atividade da requerida, que só seria digno de tutela se a requerida tivesse concretizado o negócio de venda, que não existe.
Conclui requerendo:
a)-Seja julgada procedente a exceção da caducidade da providência; caso assim não se entenda,
b)-Seja julgada proceder a invocada exceção da inutilidade superveniente da lide com relação ao pedido de suspensão da deliberação de aumento de capital em razão da mesma ter sido já integralmente executada e concluída; caso assim não se entenda e sem conceder,
c)-Seja julgado o presente procedimento improcedente, pela ausência de preenchimento dos requisitos, cumulativos, previstos no artigo 380.º, n.º 1, e 362.º, n.º 1, do CPC, não sendo este ordenado.
d)-Caso assim não se entenda seja julgado totalmente improcedente o presente procedimento cautelar.
Requereu depoimento de parte e indicou testemunhas.

3.–Notificada para o efeito, a requerente respondeu às exceções deduzidas na oposição opondo aos seus fundamentos, no essencial, os factos que alegou no requerimento inicial, reiterando que, apesar de regularmente convocada para a assembleia, esta não se realizou no local e hora indicados e só veio a ter conhecimento da pretensa deliberação de aumento de capital quando no dia 08.11.2022 consultou o portal de www.publicações.mj.pt, e que não basta a declaração do presidente do conselho de administração da requerida junto da Conservatória do Registo Comercial para demonstrar a efetiva subscrição e realização do aumento de capital. Mais imputou condutas e alegações de má fé à requerida, ao acionista e presidente do conselho de administração, e ao ilustre subscritor da oposição, nos termos do art. 542º, nº 2, als. b) e c) do CPC, e alegou vicissitudes atinentes com duas outras sociedades de cujo capital social aquele é titular. Concluiu pela improcedência das exceções invocadas, pela condenação dos indicados como litigantes de má fé, e comunicação dos atos e factos ao Ministério Publico para fins de procedimento criminal.
Juntou documentos (4).

4.–Seguidamente foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente e absolveu a requerida do peticionado (subl. nosso).

5.–Desta decisão a requerente interpôs o presente recurso pedindoa revogação total da Sentença de que ora se recorre e, consequentemente seja concedido inteiro provimento ao presente recurso tudo com as legais consequências, designadamente, mas sem limitar, as decorrentes do estabelecido no art.º 369.º, n.º 3, conjugado com o art.º 370.º do CPC, articulado com o art.º 382.º do mesmo diploma legal, cumprindo-se assim a LEI e fazendo-se a costumada JUSTIÇA!

6.–Apresentou alegações com conclusões que formulou de A) a NN).

7.–Não foram apresentadas contra-alegações.

8.–Remetido o recurso a esta Relação, a relatora proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento para sintetização das conclusões por corresponderem à reprodução ipsis verbis da narrativa contida na motivação de facto e de direito. Em resposta a este despacho, a reclamante procedeu à reformulação de conclusões de A) a MM) para substituição das inicialmente apresentadas, na sequência do que a relatora proferiu decisão singular de rejeição do recurso com fundamento nos fundamentos do convite ao aperfeiçoamento e ausência de efetiva satisfação do mesmo, decisão que foi confirmada por acórdão proferido no âmbito da reclamação para a conferência e, este, posteriormente revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de revista ordinário que a recorrente dele interpôs e que, julgando-o procedente, determinou a baixa dos autos para conhecimento da apelação considerando as conclusões apresentadas.

9.–Conclusões que infra se transcrevem para subsequente delimitação e definição do objeto do recurso:
A)-Conforme alegado a Sentença sob recurso padece de vícios que impõem a sua revogação total, na medida em que se verificam erro de julgamento sob diversas formas, a saber erro de interpretação, erro de determinação da norma aplicável e erro na aplicação do direito (art.º 380.º e 381.º do CPC) e de omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).
B)-Os erros de interpretação ou de determinação da norma jurídica aplicável ou de aplicação do direito podem começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito e estender-se à própria qualificação, o que ocorreu no caso sub iudice e por isso conduz a violação da lei substantiva.
C)-Conforme se refere e se alega de forma consubstancia nos pontos 6. a 8 supra, verifica-se no caso sub iudice error in judicando.
D)-Conforme resulta dos autos, a aqui Apelante intentou providência cautelar de suspensão de deliberação social de aumento de capital, invocando nulidade da deliberação ou, no limite, de anulabilidade da mesma por força da preterição de formalidades essenciais, bem como de ilegalidades que determinavam que a referida “deliberação” de 5 de Setembro de 2022, constante de uma suposta reunião de Assembleia Geral transposta para uma “acta com o n.º 41”, fosse, com urgência, suspensa por forma a impedir que a Apelante sofresse danos patrimoniais avultados e de difícil reparação.
E)-A Apelante é accionista fundadora da sociedade C. - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A, sendo titular de 5.000 acções ao valor unitário de 5,00 € (cinco euros) cada uma. A Apelante tomou conhecimento da Convocatória para realização da assembleia geral datada de 04.07.2022, com o teor constante do Doc. 5 do RI e reproduzido no ponto 16. das Alegações relativa ao aumento de capital por consulta do portal www.publicações.mj.pt.
F)-Resulta comprovado dos autos que a Apelante, na sequência do conhecimento do anúncio da convocatória para a assembleia geral referido supra, se deslocou à morada constante da mesma convocatória para a realização da Assembleia Geral na primeira data indicada – 9 de Agosto de 2022, pelas 10:00 – indo acompanhada de terceiros identificados nos autos e, nessa data e local, ninguém compareceu, nem mesmo a Presidente da Mesa da Assembleia Geral, facto que devia ter sido dado como provado na Sentença sob recurso.
G)-Na data designada para a realização da assembleia geral, em segunda convocatória, i.e., em 5 de Setembro de 2022, pelas 10:00 – a Apelante voltou a deslocar-se ao Bombarral, à morada indicada na Convocatória, tendo sido igualmente acompanhada de terceiros identificados nos autos e nestas Alegações, não estando igualmente presentes nem os restantes accionistas, nem a Presidente da Mesa da Assembleia Geral, conforme resulta provado dos autos.
H)-A accionista e aqui Apelante detentora de acções representativas de 50% do respectivo capital social deliberou, sozinha, no dia 5 de setembro de 2022 — no local convocado para a realização da Assembleia Geral constante da publicação — uma vez que estava reunido quórum constitutivo e deliberativo para o efeito, não proceder ao aumento de capital social conforme resulta da documentação constante do Requerimento Inicial e aqui se dá por integralmente reproduzida e que não foi apreciada pelo Tribunal recorrido.
I)-A Sentença sob recurso também não deu como provado um facto essencial, alegado e provado por documentação junta aos autos, isto é, que houve uma deliberação tomada pela Apelante (constante de documento avulso, em virtude de o livro de actas não se encontrar no local que não é a sede social da sociedade apelada, cfr. Doc. 8 do RI), e, ainda que, quando esta se dirigiu e se manteve no local indicado para a realização da assembleia geral, em segunda convocatória, não se encontravam presentes nem os restantes accionistas nem a Presidente da Mesa da Assembleia Geral, nem tão-pouco o Fiscal Único da Sociedade.
J)-A Sentença sob recurso também não deu como provado um facto de primordial importância alegado e não contestado, qual seja, o de que à data de 5 de setembro de 2022, a composição accionista da Apelada era a constante do RCBE, junto aos autos como Doc. 2 do RI. Ou seja, que a Apelante era (e é) detentora de 50% do capital social da Apelada.
K)-A Sentença sob recurso não considerou, conforme se impunha perante os documentos juntos aos autos, os factos acima referidos e comprovados por documentos de forma a não deixar quaisquer dúvidas, ou seja, que apenas no dia 8 de novembro de 2022, a aqui Apelante se deparou, por consulta ao portal www.publicacoes.mj.pt com o registo de um alegado aumento de capital social na data de 2.ª Convocatória, tomada pelo accionista e Presidente do Conselho de Administração, LC, por referência à data de 5 de setembro de 2022, quando a própria Apelante havia estado fisicamente no local constante da convocatória assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral, para realização de Assembleia Geral, quer em 1.ª quer em 2.ª Convocatória e aí não estava ninguém para participar na assembleia geral.
L)-A Sentença sob recurso, fez uma errada interpretação dos factos, menosprezando outros que não podia, face ao teor do auto de ocorrência elaborado pela GNR, que não podia ser verdade que as pessoas que alegadamente nela são mencionadas tenham estado ao mesmo tempo que a Apelante no mesmo local e hora mencionados na convocatória a assembleia geral.
M)-A Sentença sob recurso também não apreciou o teor dos Doc. 11 e Doc. 12 do RI, onde a Apelante, face ao conhecimento da “deliberação” contida na “Acta 41” notificou a Sociedade apelada, bem como o seu Presidente do Conselho de Administração, solicitando esclarecimentos quanto ao registo da deliberação – fraudulento conforme já referido – e, sobretudo, que requereu prazo para o exercício do direito de preferência na subscrição no dito aumento de capital social, por forma a acautelar a manutenção da sua posição accionista na pendência do apuramento de responsabilidades civis e criminais advenientes da conduta dos intervenientes.
N)-À revelia dos mais elementares princípios de direito, nomeadamente do princípio do dispositivo, cabia e era imperativo que o Tribunal a quo tivesse, como era sua obrigação, apreciado estes factos e se dúvidas lhe subsistissem, tivesse realizado a audiência de julgamento, pois tal permitir-lhe-ia seguramente proceder a uma correcta subsunção dos factos às normas contidas nos arts.º 380.º e 381.º do CPC.
O)-A dita concatenação dos factos imporia que resultassem evidentes para o Tribunal a quo os seguintes vícios inerentes à “deliberação” constante “Acta 41”, pois, essa deliberação não poderia ter sido tomada na data, hora e local indicados na convocatória e na própria “Acta 41”, porquanto, a Apelante era a única accionista presente, tendo a própria elaborado a Acta Avulsa, em virtude de não dispor de livro de actas.
P)-É também mencionada na dita “Acta 41” que «o aumento do capital social da empresa para o valor de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) através de novas entradas, em numerário, no montante de 100.000,00 € (cem mil euros) que compreenderá a emissão de 20 000 (vinte mil) novas ações nominativas, tituladas com o valor nominal individual de € 5,00 (cinco euros) estará reservado aos accionistas da empresa e devendo as novas entradas serem realizadas no prazo máximo de trinta e cinco dias contados da presente de data, isto é, supostamente, a contar do dia 5 de Setembro de 2022, porém, a referida “Acta 41” foi levada a registo através da Inscrição 4/AP 1/20221024 e publicada em www.publicacoes.mj.pt, em 26.10.2022, pelo que, nesta data, já havia terminado o dito prazo de 35 dias (o qual teria ocorrido a 10 de outubro), pelo que a Apelante não dispondo de aviso de subscrição e de realização não pôde exercer o seu direito de preferência na subscrição do aumento de capital.
Q)-Por falta de publicidade no que concerne ao prazo para exercício do direito de preferência na subscrição e realização do aumento de capital, a participação social da Apelante foi diluída através de manobra ilícita do outro accionista para um montante de 16,67%, quando a mesma é titular de 50% do capital social da Sociedade.
R)-Com a devida vénia, o Tribunal a quo menosprezou a prova documental produzida em sede de articulados, pois, se assim não fosse, é evidente que não podia dar como provado o Facto constante do Ponto 9 da matéria de facto da sentença de que ora se recorre, já que as fotocópias dos títulos representativos das acções detidas pela Apelante e enviadas em momento posterior ao registo do suposto aumento de capital social não corresponde à percentagem da Apelante após o alegado aumento, nem tão-pouco o capital social constante dos títulos corresponde ao capital social alegadamente aumentado. A simples análise visual dos títulos demonstra que os mesmos não foram sujeitos a qualquer carimbo ou menção do alegado aumento de capital social.
S)-Com o devido respeito, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que a Apelante, mesmo consciente do registo de aumento de capital social já existente e das ilegalidades cometidas pela Sociedade apelada e pelo seu Presidente do Conselho de Administração, para “deliberar” o mesmo, manifestou, ainda assim e logo que tomou conhecimento da situação, em 8 de novembro de 2022, de forma clara e inequívoca a sua intenção de exercer o seu direito de preferência na subscrição do “aumento” de capital social.
T)-Perante a inexistência de prova relativa à emissão de novos títulos representativos do capital social em resultado do aumento e ao facto provado por documento constante dos autos da Apelante ter solicitado prazo – à cautela – para o exercício do direito de preferência que lhe foi coartado, bem como à prova produzida no que toca à deliberação em sentido inverso àquele que consta do registo, a eficácia interna da deliberação a que alude a Sentença sob recurso encontra-se evidente e irreversivelmente comprometida.
U)-Foi apenas porque o Tribunal a quo se recusou, quando não o podia fazer, a apreciar devidamente a abundante prova produzida em sede de articulados, que o impediu de concluir que, não obstante, a falsidade da deliberação constante da Acta 41 apresentada a registo, tinha havido uma preterição essencial do prazo de subscrição contido no artigo 459.º do CSC.
V)-Conforme foi alegado e provado documentalmente, mas não apreciado pelo Tribunal a quo, conforme se impunha, a Sociedade apelada promoveu o registo da dita “Acta 41” no termo do prazo fixado para a subscrição de modo a impedir da Apelante o direito de exercer a subscrição preferencial. A Apelante face ao supramencionado não podia adivinhar a existência da alegada deliberação já que, na data, hora e local, deliberou em sentido inverso não porque não estivesse interessada em acorrer ao aumento, se este se justificasse, através do exercício de direito de preferência que a lei lhe confere, mas porque, não dispunha nem dispõe de qualquer informação que lhe permitisse aferir da necessidade do aumento.
W)-A sentença a quo assentou conforme esse Venerando Tribunal facilmente constatará toda a fundamentação para indeferir a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação social de aumento de capital resultante – repita-se – de uma deliberação inválida por nulidade, ou, no mínimo, ferida de anulabilidade, no facto o aumento de capital já ter sido registado e que por isso nada havia a suspender. Ora, tal decisão não tem suporte legal no art.º 380.º do CPC, conforme é determinado pela exegese interpretativa quer dos nossos Tribunais superiores quer da doutrina mais avalizada.
X)-Na Sentença sob recurso ignora-se que a deliberação levada a registo configura uma violação do direito de preferência da Apelante cuja execução, salvo decretamento da sua suspensão, não se esgotou com o mero registo comercial, porquanto é de execução contínua e permanente.
Y)-O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, previsto no art.º 380.º do CPC, foi erroneamente interpretado na Sentença sob recurso, também em virtude de uma errónea e deficiente interpretação dos factos carreados para o processo, tem como escopo prevenir e impedir os prejuízos que para a Apelante adviriam da execução da deliberação durante a pendência da acção principal (foi, aliás, por essa razão que foi peticionada a inversão do contencioso) com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade da mesma.
Z)-As deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, nem esgotam os seus efeitos danosos num único acto, qual seja o do registo. Se assim fosse, a deliberação de nomeação de um administrador levada a cabo numa deliberação tomada à revelia do respeito pelos mais elementares direitos dos accionistas, só porque levada a registo comercial não era susceptível de suspensão, por via de providência cautelar.
AA)-No caso concreto, basta pensar que a Apelante, conforme foi referido no RI, continua accionista da Sociedade apelada e, por isso, mesmo haverá que decidir o quantum do seu direito de voto, o qual foi violenta e drasticamente diminuído, através de actos ilegais inerentes à deliberação social.
BB)-Os factos em apreço configuram uma deliberação social de execução permanente ou contínua, sendo que os seus efeitos danosos prolongar-se-ão no tempo, salvo decretamento imediato da suspensão de deliberação levada a registo. Esta questão foi alegada e demonstrada.
CC)-O referido supra resulta confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2014, proferido no âmbito do Processo 922/11.3TBPBL.C1, em www.dgsi.pt, que ponta para a necessidade de a exegese dos artigos 380.º e 381.º do CPC (refere-se ao art.º 396.º e 397.º do CPC, que se mantiveram inalterados e sofreram apenas renumeração com a última alteração legislativa do CPC), na medida em que, a justo título, sublinha que, nestes preceitos legais, há que fazer apelo a uma noção ampla de acto executório, na qual se incluem necessariamente os actos de execução que protraem no tempo, assim como “os efeitos sequenciais dos próprios actos de execução, justificando-se a utilidade da medida (leia-se, suspensão) com a sua extensão a efeitos futuros que ainda possam ser impedidos.” (op. cit.)
DD)-Também nos Acórdãos do STJ de 12/11/87 proferido no âmbito Proc. 075626, de 06/06/91, proferido no âmbito do Proc. 080848 e de 16/05/95, proferido a propósito do Proc. 085732, bem como os Acórdãos da Rel. Porto de 12/02/96 (Proc. 9551089) de 11/03/96 (Proc. 9551383); e Acórdãos desse Venerando Tribunal de 17/07/2008 (Proc. 2321/2008-1) de 04/06/2009, (Proc. 1196/07.6TYLSB-A.L1-8); e, ainda, o Aresto da Rel. Évora de 20/09/2007 (Proc. 1502/07-3), todos em www.dgsi.pt., vão no mesmo sentido, i.e., as deliberações sociais podem e devem ser suspensas mesmo que alguns actos de execução, entre os quais, o registo das deliberações em crise, tenham já acontecido, se essas deliberações forem deliberações de execução contínua ou permanente, ou sendo de execução num único acto, continuem a produzir efeitos danosos.
EE)-Para além da jurisprudência consagrada a este propósito nos arestos supramencionados, também mais recentemente, os tribunais superiores têm continuado a afirmar que se as deliberações, nulas ou anuláveis, podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos decorrentes da sua execução podem continuar a verificar-se, independentemente do registo, o fundamento para a medida cautelar de suspensão permanece intocado (vd. a este respeito, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 Maio de 2010 (Processo n.º 158/10) e do Tribunal da Relação do Porto de 22 Fevereiro de 2011 (Processo n.º 348/10)).
FF)-Os nossos tribunais superiores onde se incluem, para além desse Venerando Tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça, bem como a generalidade da doutrina, sustentam à semelhança do que o faz Lobo Xavier in (cfr. rev. legislação 123-378; Rev. Des. XXXIII, 195 e seguintes e na Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXII, sob o título “O conteúdo da providência de suspensão das deliberações sociais” que a suspensão de deliberações sociais existe em função de um outro processo, qual seja a acção principal e, por isso, aquilo que visa é obstar ao risco do decurso do tempo no que toca a uma decisão a obter em acção principal de declaração de nulidade ou de anulação.
GG)-Ficou demonstrado e alegado o perigo e prejuízo que pode decorrer e decorre para a Apelante da não suspensão da deliberação, no que concerne ao exercício dos seus direitos sociais vis-à-vis a diminuição da sua percentagem de direitos de voto por via de um aumento de capital “deliberado” à sua revelia.
HH)-A Apelante alegou e provou que, com a deliberação que, repita-se é de execução continuada, os seus direitos de voto ficaram diminuídos de 50% para 16,67% o que, numa deliberação social (qualquer que seja a sua natureza ou teor) ou, mais concretamente, na possível venda do único imóvel da sociedade apelada e do qual resulta toda a actividade da mesma, a Apelante sofreria danos avultados e de difícil reparação.
II)-A Sentença sob recurso não peca apenas por erro de julgamento, peca igualmente por omissão de pronúncia, porquanto, a Apelante requereu desde logo, no seu requerimento inicial, a inversão do contencioso nos termos do artigo 382.º do CPC esperando – face à evidência dos factos e da sua subsunção às normas em causa, bem como uma audiência de julgamento (que não se realizou, porque o tribunal a quo assim o entendeu) – uma decisão definitiva quanto à invalidade da deliberação em causa. Ora, a Sentença sob recurso não tece sobre esta matéria uma única palavra.
JJ)-Por outro lado, nos articulados são invocados factos e juntos documentos que integram as previsões normativas contida nos preceitos dos artigos 509.º a 527.º do CSC que são qualificados como crimes públicos, porém, também aqui a sentença sob recurso omitiu pronúncia e, sobretudo, não deu cumprimento à obrigação que se lhe impunha, qual seja, a da comunicação dos factos ao Ministério Público que pode e deve intervir nesses casos, pois, cabe-lhe promover acções em nome do Estado.
KK)-A Apelante requereu também e à cautela por dever de patrocínio, que o Tribunal a quo emitisse decisão cautelar que impedisse a venda do único imóvel da Sociedade apelada, que se encontra arrendado pelo valor mensal de 17.000,00€ e cujo valor de mercado ronda os 6.000.000,00 € conforme avaliações juntas aos autos e que o Tribunal a quo não cuidou de ver e apreciar, impedimento esse até que fosse decidida a providência requerida e/ou a acção principal.
LL)-É incorrecta a assumpção por parte do Tribunal recorrido quanto à falta de prova fumus bonus iuris, pois, a Apelante, por via da sua qualidade de accionista, terá direito conforme alegou e mantendo-se os seus 50% de capital social, a partilhar os resultados da venda do dito imóvel não em 16,67%, mas em 50%!
MM)-Também foi feita prova do periculum in mora, pois, é seguramente um prejuízo irreparável ou de difícil reparação o decorrente do cerceamento/diminuição dos direitos de voto da Apelante inerentes à titularidade de acções representativas de 50% do capital social, provocados pela deliberação eivada de diversos vícios, para já não falar dos decorrentes da falta de publicidade para o exercício do direito de preferência, facto que foi igualmente alegado e provado documentalmente.
Concluiu pedindo a revogação da sentença “com as legais consequências, designadamente, mas sem limitar, as decorrentes do estabelecido no art.º 369.º, n.º 3, conjugado com o art.º 370.º do CPC, articulado com o art.º 382.º do mesmo diploma legal”.

II–Objeto da apelação

Nos termos dos arts. 635º, nº2 e 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso corresponde às decisões por ele impugnadas, é definido pelo objeto destas, delimitado pelo teor das conclusões de recurso e, sem prejuízo das questões que oficiosamente cumpra conhecer, destina-se a reponderar e, se for o caso, a anular, revogar ou modificar as decisões objeto de censura, e não a apreciar e a criar soluções sobre questões de facto e/ou de direito que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos pedidos, bem como de novas causas de pedir em sustentação do pedido ou da defesa. Acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações, mas apenas das questões de facto ou de direito que, não estando cobertas pela força do caso julgado, se apresentem relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC).
Tendo o exposto por referência e o objeto do processo definido pelos fundamentos e pedidos deduzidos no requerimento inicial, considerando os termos da apreciação operada pela decisão recorrida e as alegações apresentadas, num esforço de síntese do respetivo teor e pela ordem lógica da sua apreciação, identificam-se as seguintes questões:
1.–Omissão de pronúncia por referência ao pedido de inversão do contencioso deduzido, à natureza (criminosa) dos factos alegados e documentos juntos, e à ausência de comunicação dos mesmos ao Ministério Público (conclusões II e JJ).
2.–Relativamente ao pedido de suspensão da deliberação social de aumento de capital:
i)-Utilidade da providência cautelar por referência ao registo que da mesma já foi realizado e à problemática da consumação da execução da deliberação (conclusões W a GG).
Caso não resultem prejudicadas pela solução da questão anterior,
ii)-Ampliação da matéria de facto considerada pela sentença recorrida e, se for o caso, prosseguimento dos autos para instrução em audiência de julgamento (conclusões E a N, R e S).
iii)-Vícios da deliberação de aumento de capital, por referência à falsidade da ata nº 41 com fundamento nos factos objeto da requerida ampliação (conclusão O e U), e por referência ao prazo para o exercício do direito de subscrição dos sócios e à data da sua publicação no portal publicações.mj.pt. (conclusões P, Q, T a V)
iv)-Verificação do requisito perigo de dano apreciável emergente da deliberação (conclusões HH, LL e MM).
3. Pressupostos do pedido de providência que impeça a venda do imóvel da requerida (conclusões KK), LL) e MM).

III–Fundamentação de Facto

1.–Da decisão recorrida consta consignado quese quanto à tempestividade do presente procedimento sempre seria necessária produção de prova (a fim de verificar se, de facto, a deliberação foi tomada em assembleia reunida em local – e/ou data – diversa da que constava da convocatória – assim se concluindo que não foi devidamente convocada para a mesma), é desde já possível, de acordo com os elementos constantes dos autos, conhecer da (in)utilidade do presente procedimento cautelar, sem necessidade de ulterior produção de prova, bem como emitir juízo quanto às condições de procedimento da segunda das providências requeridas.”

Por referência a esta questão – utilidade do procedimento cautelar - foram considerados demonstrados os seguintes factos:
1.–A Requerente é acionista fundadora da sociedade C. – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A, aqui Requerida;
2.–A Requerente é titular de 5.000 ações da Requerida, ao valor unitário de €5,00(cinco euros) cada uma;
3.–À data de emissão dos títulos os mesmos foram emitidos ao portador, tendo sido convertidos em títulos nominativos conforme resulta da Apresentação AP. 2/20200814, Inscrição 2 e da Apresentação AP. 87/20220112, referente ao averbamento 1 à inscrição 2, constantes da Certidão Permanente do Registo Comercial da Requerida;
4.–LC é Presidente do Conselho da Administração da Requerida;
5.–Através do portal www.publicacoes.mj.pt, a Requerente tomou conhecimento de uma convocatória datada de 04.07.2022, para a realização de uma assembleia geral de acionistas da Requerida, no dia 9 de agosto de 2022, pelas 10:00, tendo como ordem do dia:
- 1.–Deliberar sobre o aumento do capital social da empresa para o valor de €150.000.000,00 (cento e cinquenta mil euros), através de novas entradas, em numerário,no montante de €100.000.000,00 (cem mil euros) e que compreenderá a emissão de 20 000 (vinte mil) novas ações nominativas, tituladas, com o valor nominal individual de € 5,00 (cinco euros);
- 2.–Deliberar sobre a alteração à redação do artigo Quinto do contrato de sociedade, face à deliberação decorrente do ponto anterior;
6.–Da denominada “Acta n.º 41” consta, além do mais, que, na data referida no número anterior, “reuniu-se em segunda convocatória (…) a Assembleia-Geral da sociedade comercial C. – Sociedade Imobiliária, SA (…)” e que “foi submetida à votação a proposta de aumento de capital em discussão, tendo a sido aprovada por unanimidade proceder ao aumento de capital social da empresa para o valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), através de novas entradas, em numerário, no montante de €100.000,00 (cem mil euros), que compreenderá a emissão de 20 000 (vinte mil) novas ações nominativas, tituladas, com o valor nominal individual de € 5,00 (cinco euros), o qual estará reservado aos acionistas da empresa e devendo as novas entradas serem realizadas no prazo máximo de trinta e cinco dias, contados da presente data;
7.–Por declaração assinada e datada de 10 de outubro de 2022, LC, declarou “sob sua honra e responsabilidade e na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da C. – Sociedade Imobiliária, SA (…), que já foi integralmente depositado nas contas da sociedade o valor de €100.000,00 (cem mil euros) correspondente à totalidade do montante previsto para as novas entradas determinadas ao abrigo do aumento de capital aprovado na Assembleia Geral de acionistas da sociedade, realizada no passado dia 5 de setembro de 2022, razão pela qual igualmente confirma que todas as entradas foram já integralmente realizadas e que não é exigida pela lei, pelo contrato ou pela deliberação a realização de outras entradas;
8.–Pela Apresentação AP. 1/20221024, referente à inscrição 4, foi efetuado o registo de aumento de capital da Requerida, no montante de €100.000,00 (cem mil euros), em numerário, a que corresponderá a emissão de 20.000 novas ações (encontrando-se tal registo publicitado no portal referido em 5.;
9.–Na sequência do referido em 6., foram emitidos os títulos representativos das novas ações de capital;
10.–A Requerente tomou conhecimento do facto referido nos n.ºs 8. e 9. em novembro de 2022, antes de dar entrada em juízo do presente procedimento;
11.–O presente procedimento cautelar foi instaurado no dia 18 de novembro de 2022.
A prova dos factos acabados de assentar resultou da análise da prova documental junta aos autos – em especial, a junta com a petição inicial -, bem como do assentido pela própria requerente e pela requerida.

2.–Nos termos dos arts. 662º nº1, 663º nº 2 e 607º nº 3, do CPC, com interesse para apreciação do recurso, complementam-se os factos descritos sob os pontos 1, 6 e 9 da decisão de facto, aditando-lhes os segmentos que, para melhor perceção dos mesmos, se redigem com a letra arial. Mais se procede à ampliação da decisão de facto aditando factos que resultam documentados e/ou aceites pelas partes, e que se descrevem sob os pontos 1a., 1b., 12 e seguintes.
Assim:
1.–A Requerente é acionista fundadora da sociedade C. – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A, aqui Requerida, constituída por contrato de sociedade celebrado em 03.10.2000 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial em 11.01.2000 com o capital social de €50K, distribuído por 1.000 ações ao portador no valor nominal de €5,00, conselho de administração composto por 3 membros por períodos de 3 anos, com possibilidade de reeleição, tendo sido designados MC, que renunciou em 23.03.2007, a aqui requerente MM e LC, sendo a forma de obrigar com a intervenção conjunta de dois administradores.
1a.-Por apresentação de 14.08.2020 foi inscrito no registo alteração ao contrato de sociedade, correspondente à alteração das ações ao portador para ações nominativas, com indicação de processo de conversão pendente. Por apresentação de 12.01.2022 foi averbado o encerramento do processo de conversão de ações.
1b.-Por apresentação de 14.08.2020 foi inscrita a designação dos membros do conselho de administração para o triénio 2020/2023, LC, PX, e LZ, por deliberação de 07.06.2020.
6.–Da denominada “Acta n.º 41” consta, além do mais, que, na data referida no número anterior, “reuniu-se em segunda convocatória (…) a Assembleia-Geral da sociedade comercial C. – Sociedade Imobiliária, SA (…)”, que “a Presidente da Mesa [IR] verificou e informou a Assembleia que se encontram presentes e/ou representados, acionistas titulares de um total de 5.000 ações, correspondentes a metade do capital social da sociedade”, e que “foi submetida à votação a proposta de aumento de capital em discussão, tendo a sido aprovado por unanimidade proceder ao aumento de capital social da empresa para o valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), através de novas entradas, em numerário, no montante de €100.000,00 (cem mil euros), que compreenderá a emissão de 20 000 (vinte mil) novas ações nominativas, tituladas, com o valor nominal individual de € 5,00 (cinco euros), o qual estará reservado aos acionistas da empresa e devendo as novas entradas serem realizadas no prazo máximo de trinta e cinco dias, contados da presente data”, que “Pela acionista IR foi solicitada a palavra (…) para comunicar que não pretendia exercer o direito que lhe assiste, enquanto acionista, de participar no aumento de capital ora aprovado.//Pelo acionista LC foi igualmente solicitada a palavra (…) tendo declarado que nenhum dos acionistas que são por ele representados, a saber, RC, JC e PX, tem interesse em participar nessa subscrição, pelo que o próprio subscreverá a totalidade desse aumento de capital.
9.–Na sequência do referido em 6., foram emitidos os títulos representativos das novas ações de capital, datados de 10.10.2022 e subscritos pelos membros do conselho de administração da requerida, sendo um título de 10.000 ações de capital nº 9.501 a 19.500 com o valor nominal de €50.000,00, e outro título de 10.000 ações de capital nº 19 501 a 29 500, cada um com o valor nominal global de €50.000,00, pertencentes a LC.
12.–A requerida foi objeto de procedimento administrativo de dissolução e liquidação (nº 203/2021) averbado no registo em 18.06.2021 (“Pendente de Dissolução Administrativa”), cancelado no registo por averbamento de26.11.2021 com fundamento no art. 6º, nº 2 do RJPADLEC.
13.–Na primeira data e local designados na convocatória para realização da assembleia uma funcionária ali presente informou a requerente que tinha recebido instruções para se agendar um dia antes da 2ª data da próxima Assembleia para que a Sra. Acionista mostrasse as suas ações. (doc. nº 6 junto com a petição inicial).
14.–Através de e-mail que em 08.11.2022 endereçou ao presidente do conselho de administração da requerida, a requerente, referindo-se aos documentos suporte do registo da deliberação formalizada na ata nº 41, declarou que sem prejuízo de aferir e contestar a validade de tal procedimento e documentos, venho desde já informar que pretendo exercer o meu direito de preferência quanto à aquisição das novas acções, pelo menos em medida proporcional àquelas de que sou titular (ou seja, 50%). De modo a manter a minha posição na minha sociedade, C., SA.//Solicito ainda, na sequência da conversão das minhas acções em nominativas (conforme ordem recebida pelo Tribunal), que me seja informado qual o concreto valor dos dividendos que tenho a receber da minha sociedade C., SA. (doc. 11 junto com a petição).
15.–O pedido de registo da deliberação de aumento de capital formalizada na ata nº 41 foi instruído com declaração escrita emitida nos termos e para os efeitos do art. 88º, nº 2 do CSC, datada de 10.10.2022 e subscrita por LC, e com lista de sócios por referência ao capital social de €150K, dela constando aquele LC, divorciado, como titular de 24.996 ações com o valor nominal de €5,00, a requerente MM, casada, como titular de 5.000 ações com o valor nominal de €5,00, PX, casado, como titular de 1 ação com o valor nominal de €5,00, IR, divorciada, como titular de 1 ação com o valor nominal de €5,00, JC, solteira, como titular de 1 ação com o valor nominal de €5,00, e RC, solteira, como titular de 1 ação com o valor nominal de €5,00 (docs. nº 13 junto com a petição).
16.–Do anexo A às contas do exercício da requerida referentes ao ano de 2021, declaradas em 14.07.2022, consta resultado líquido do período, €166.696,26, resultados transitados, - €88.770,16 (negativos), total capital próprio (inclui resultados transitados e do período), €237.493,25 (doc 15 junto com a petição).
17.–Sob a ficha predial nº …, por apresentação de 29.03.2019 consta inscrito em benefício da requerida fração urbana/rés do chão correspondente a loja sita na Rua ....., em Lisboa, com 145,50m2, por compra a Caixa Leasing e Factoring, SA.
Por apresentação de 29.03.2020 mais consta inscrito em benefício de CZ, SA contrato de arrendamento pelo prazo de 13 anos a contar de 01.04.2020 (doc. 17 junto com a petição).
18.–A requerida emitiu recibo de renda datado de 22.04.2022 em beneficio de CZ, SA no valor de €17.000,00 (líquido de €12.720,00 após retenção de imposto) (doc. 20 junto com a petição).
19.–Através de email de 13.01.2017 LC comunicou à requerente o seguinte:Tenho um amigo meu endinheirado que considera que poderia assumir a possibilidade de que uma sociedade comigo a 50% cada um, poderia funcionar, porque na ótica dele temos um bom relacionamento além de sermos amigos o que é fundamental para um bom desempenho de uma sociedade, o que não acontece entre nós há algum tempo.// Visto que não é fácil arranjar interessados para 50% ou para meos de 50% numa sociedade porque ninguém quer uma posição minoritária ou de empate, ainda assim e neste sentido e… caso te interesse ele consegue financiamento e oferece como limite 900.000€ pelos teus 50% da loja, repito… caso estejas eventualmente interessada.” (doc. 21 junto com a petição)
20.–Através de email de 02.02.2017 LC comunicou à requerente o seguinte:Pedi a um amigo meu que foi quadro financeiro superior (…) e que (…) fez a contas para 2 cenários. Um para a venda e outro para o aluguer e a conclusão é que para um valor de renda de 17.000€ mês a loja não vale 4.125,00€ como o Filipe ofereceu, mas sim 7.285.643€, antes de impostos (brutos).” (doc. 22 junto com a petição)
21.–Em 31.10.2018 foi remetido email à requerente do endereço ….pt, com assuntoLoja Rua do Carmo”, com o seguinte teor:(…) ficamos a aguardar que nos informem a data da liquidação do leasing da loja Rua ....., nº --, de forma a que possamos informar a CZ, SA que, de acordo com o estipulado no contrato, terá de proceder ao agamento da 2ª tranche. (…). (…). Relativamente à questão da venda da loja, gostávamos de comentar que temos tido bastantes investidores a olhar para a zona da Rua Garret/Chiado e que poderemos ter algum com interesse em apresentar uma proposta para a loja que futuramente será ocupara pela CZ, SA.//(… o valor da loja não deverá ultrapassar os 6 milhões:considerando que o volume  médio das rendas ao longo dos 13 aos é de cerca de €210.000,00/ano (…). Se considerarmos (…) ajustada ao mercado, chegaríamos a um valor de venda na ordem dos 5,2 milhões.//(…)”. (doc. 23 junto com a petição)
22.–Em 14.06.2019 LC dirigiu email a Jorge, com conhecimento à requerente, com o seguinte teor:Informo que irá ser contactado (se é que já não foi pelo seu colega Dr. A) aqui de Torres Vedras, no sentido de se conseguir vislumbrar uma alternativa credível para a C. SA que parece que poderá ser encontrada em conjunto com o seu parecer”, ao que a requerente respondeu na mesma data com email do com o  seguinte teor: “(…). Vamos fechar os assuntos: 1 – (…).// 2- assunto dissolução da sociedade se fazes questão pode ser o advogado que estás a indicar, deve por isso ser numa reunião à posteriori. 3- (…).(doc. 24 junto com a petição).
 
IV– Fundamentos do recurso

1.–Das omissões de pronúncia
A recorrente alegou que a decisão recorrida padece de omissões de pronúncia por ausência de apreciação do pedido de inversão do contencioso que deduziu no requerimento inicial, e por ausência da comunicação que requereu ao Ministério Público.
Apesar de se ter abstido de arguir expressamente a nulidade da decisão recorrida com fundamento legal no art. 615º, nº 1, l. d) do CPC, procede-se à sua apreciação nesses termos para obviar a eventual arguição de nulidade do acórdão com esse fundamento.
Sem grandes considerações de direto, por inúteis ao resultado da apreciação, adianta-se a falta de fundamento das omissões imputadas. A primeira porque, como é óbvio, tendo como finalidade consolidar a tutela definitiva do direito do requerente e conforme resulta do art. 369º, nº 1[2] do CPC, a apreciação do pedido de inversão do contencioso só se coloca nos casos em que a providência cautelar é decretada, o que não foi o caso. A segunda porque, para além da ausência de vocação legal e processual do contencioso civil para intermediar a formalização e apresentação de queixas, junto de quem de direito, para imputação de factos suscetíveis de constituírem ilícitos criminais, ainda que a estes caiba natureza de crime publico, quando muito caberá comunicar os que dos autos resultem indiciados e não meramente alegados, sendo certo que dos factos assentes pelo tribunal nenhum resulta suscetível de enquadrar aquela natureza, e o tribunal recorrido não procedeu ao apuramento dos demais alegados porque os julgou inútil à economia da decisão que proferiu, neles se incluindo os que a recorrente reputa de criminosos e que imputa à requerida e aos que a representam, orgânica e processualmente.

2.–Do pedido de suspensão da deliberação social

i)-Da utilidade do procedimento de suspensão da deliberação social
A requerida arguiu e fundamentou a inutilidade do procedimento de suspensão de deliberação na alegada execução da mesma, consubstanciada na subscrição do aumento de capital, correspetivo registo, depósito integral do valor correspondente, e emissão dos títulos representativos das novas ações de capital. A decisão recorrida restringiu a apreciação do pedido de suspensão de deliberação a essa questão, assentando os factos documentados que para o efeito considerou relevantes e documentados ou aceites nos autos e, concluindo pela inutilidade arguida, com esse fundamento julgou o procedimento cautelar improcedente e dele absolveu a requerida. Em sede de enquadramento jurídico a decisão recorrida considerou que com a emissão da declaração prevista pelo art. 88º, nº 2 do CSC foram executados os atos de que legalmente depende a eficácia interna da deliberação, que esta eficácia é revelada pela emissão dos títulos representativos das novas ações de capital, que o aumento de capital foi publicado e registado e por isso é oponível a terceiros e que, tendo sido nesses termos executada, nada há para suspender.
À legalidade da decisão a recorrente opõe factos alegados e por aquela indevidamente desconsiderados (correspondentes, no essencial, aos que fundamentam a falsidade da ata da deliberação formalizada sob o nº 41), a falta de aviso para subscrição do aumento pelos acionistas e a preterição do prazo legal de subscrição, a ausência de prova da emissão de novos títulos representativos do capital social, e a intenção que nesse sentido manifestou ao presidente do conselho de administração por comunicação que lhe dirigiu em 08.11.2022, e concluiu que a eficácia interna da deliberação está comprometida. Com enfoque nos fundamentos da decisão, mais alegou que a execução da deliberação é contínua e permanente porque os seus efeitos danosos não se esgotam no registo da mesma, antes se repercute no exercício dos seus direitos sociais pela drástica diminuição da proporção da sua participação no capital social, com reflexo no quantum do direito de voto e no valor de liquidação, que se prolonga no tempo se a deliberação levada a registo não for suspensa, apelando a uma noção ampla de ato executório que inclui os efeitos sequenciais dos próprios atos de execução que se protraem no tempo, conforme jurisprudência que cita e invoca.

1.–Enquadramento geral

As deliberações de sócios correspondem aos atos jurídicos através dos quais, na síntese da posição dos sócios manifestada através da emissão dos respetivos votos ou declarações, as sociedades formam a sua vontade funcional destinada à produção de efeitos jurídicos, quer internos quer externos à sociedade, refletindo em princípio a vontade da maioria simples dos sócios, salva a exigência legal ou estatutária de maiorias qualificadas para determinadas matérias. Na perspetiva do sócio, é através das deliberações que exerce o domínio sobre a sociedade (cfr. art. 259º do CSC) o que pressupõe o Poder de participar nas deliberações sociais[3][4]que, por regra,é concretizado através da participação em assembleia de sócios.
A ação de impugnação para declaração de nulidade ou para anulação de deliberação social constitui o modo legalmente previsto de controlo, pelos sócios, da legalidade das deliberações, tendo como objeto mediato[5] a definitiva destruição ou a cessação dos efeitos que as mesmas visam ou tendem a produzir, sendo que “A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham intervindo na acção (art. 61º, nº 1 do CSC). 
O exercício do direito de suspensão de deliberação social é processualmente regulado pelos arts. 380º e ss. do CPC. Sob a epigrafe Pressupostos e formalidades, o art. 380º, nº 1 prevê que “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.” Assim, para que seja decretada a suspensão de deliberações sociais o art. 380º nº1 do CPC exige a verificação cumulativa de três requisitos positivos: a qualidade de sócio do requerente, a ilegalidade da deliberação por violação da lei ou dos estatutos, e o risco ou possibilidade da produção de dano apreciável. A inobservância de um deles inviabiliza a possibilidade do seu deferimento e justifica que se declare prejudicado o conhecimento de mérito do que demais vem alegado[6].
O procedimento cautelar para suspensão de deliberação constitui a via legalmente prevista para os sócios obstarem à produção das consequências danosas que da execução de uma deliberação inválida possam resultar durante a pendência da ação principal, obtendo a suspensão da sua execução para obviar aos prejuízos que decorram do maior retardamento ou demora na sentença da qual resulte a tutela definitiva do direito ou interesse ameaçado pela deliberação, e conservando os direitos dos sócios visados tutelar com a destruição da deliberação ilegal[7]. É precisamente em função do objetivo legalmente visado tutelar/prevenir com o procedimento cautelar de suspensão de deliberação social que um dos respetivos requisitos legais consiste na alegação e prova da possibilidade da produção de dano, elemento/fundamento que integra a complexa causa de pedir de procedimentos desta natureza - exige que a execução (ou continuação da execução) da deliberação possa causar um dano à sociedade ou ao sócio requerente; o designado periculum in mora, que a lei densifica com o qualificativo ‘apreciável’, “mas sem atingir, por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade”[8]. A suspensão de deliberações sociais consiste assim numa providência cautelar de natureza conservatória porque legalmente destinada a assegurar a manutenção da situação existente à data da citação[9] e a evitar a produção do concreto dano invocado ou o respetivo agravamento mas que, simultaneamente, através da suspensão da produção dos efeitos da deliberação, exerce provisoriamente uma função antecipatória dos efeitos práticos da tutela definitiva favorável decretada pela decisão final[10]. Nas palavras de Alberto dos Reis, o procedimento cautelar não se [p]ropõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material [11].
Em síntese, o que justifica e caracteriza a providência cautelar de suspensão de deliberação social é a sua exclusiva finalidade de tutela provisória de um direito ameaçado e a sua natureza instrumental em relação a um processo principal instaurado ou a instaurar com fundamento no direito objeto da requerida tutela (cfr. art. 364º do CPC), prevenindo o risco de lesão ou de continuação de lesão desse mesmo direito por forma a assegurar a produção do efeito útil da tutela definitiva favorável que venha a ser concedida na ação principal. Finalidade que pressupõe uma relação causa-efeito entre a deliberação pretendida suspender e o dano preconizado pelo requerente, pelo que só é possível afirmar um determinado dano como consequência dos efeitos de uma deliberação se, ficcionando a inexistência ou a suspensão dos efeitos por esta produzidos, for possível afirmar que aquela lesão não seria produzida.

2.–Execução e utilidade da suspensão da deliberação

Da definição legal da providência – suspensão da execução -, do requisito da possibilidade de produção de dano emergente da execução da deliberação, e da finalidade de prevenção de produção desse mesmo dano, resulta que o preenchimento deste requisito e o decretamento da suspensão da deliberação exige que esta ainda não tenha sido executada ou totalmente executada. Nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa,O pedido traduz-se na suspensão dos efeitos da deliberação que não tenha sido totalmente executada ou esteja ainda em execução”.[12] (…) às inteiramente executadas antes da instauração do procedimento, faltará uma condição de procedência da medida cautelar; para as executadas entre a propositura do procedimento e a citação da requerida, verifica-se uma situação de inutilidade superveniente da lide cautelar.”[13]Em qualquer dos casos, o resultado reconduzir-se-á à inviabilidade da pretensão.”[14]
A problemática na apreciação deste requisito coloca-se na definição ou delimitação do que seja execução da deliberação. Conforme sintetizado por acórdão da RC de 20.03.2012[15] A noção de execução das deliberações sociais para efeitos de apurar da utilidade da sua suspensão tem sido objecto de algumas flutuações jurisprudenciais, defendendo-se algumas vezes uma concepção restrita ao imediato acto executório, reduzindo, desse modo, o âmbito da respectiva providência cautelar, e pugnando-se, noutras situações, por uma noção mais ampla, na qual se incluem os actos de execução que muitas das vezes perduram no tempo, assim como os efeitos sequenciais dos próprios actos de execução, justificando-se a utilidade da medida com a sua extensão a eventos danosos futuros que ainda possam ser impedidos pelo decretamento da providência cautelar de suspensão.
Coutinho de Abreu define comoatos ‘em execução da deliberação’ (…) os praticados em conformidade com ela ou os que nela encontram fundamento[16]. Também Soveral Martins, acompanhando e citando a esse respeito Vasco Lobo Xavier[17] refere que A suspensão das deliberações sociais é suspensão de eficácia”, justificada pelo objetivo da providência, de prevenção do periculum in mora, que “só poderia ser alcançado se a suspensão da deliberação afectasse não só a eficácia executiva da deliberação, que diz respeito aos actos de execução, mas também, e por outro lado, a eficácia não executiva[18], abrangendo os atos jurídico-materiais necessários para conferir eficácia à deliberação e, ressalvando a posição de terceiros,  os efeitos que a deliberação tende a produzir a partir e para além daqueles atos de execução.
Assim, embora a letra da lei refira expressamente ‘execução’ da deliberação, conforme leitura defendida por Lobo Xavier[19], do que se trata é de uma verdadeira suspensão da eficácia da deliberação, que não se reduz à relação funcional sociedade-administradores e ao dever funcional de estes praticarem os atos necessários à execução das deliberações – como, por exemplo, o cumprimento do registo a que o objeto da deliberação esteja legalmente sujeito -, estendendo a suspensão à paralisação da totalidade dos efeitos jurídicos da deliberação se aptos a causar danos para o futuro para além ou independentemente dos emergentes dos concretos atos de execução. Posição que reflete a adoção de um conceito lato de execução da deliberação que se estende aos efeitos jurídicos que esta continue ou possa continuar a produzir para além da sua execução ou eficácia instantânea, ou dos atos que para sua execução foram empreendidos pelo órgão de administração da sociedade, para abranger deliberações cujos efeitos perdurem no tempo, como sucede com deliberações de destituição/nomeação de órgãos sociais e de aumento de remuneração dos membros dos órgãos sociais[20]; e deliberações cuja execução implique a prática de um conjunto encadeado de atos, como ocorre com as deliberações de exclusão de sócio e de amortização de quota[21]. É nesse sentido que António Pereira de Almeida faz corresponder a execução da deliberação suscetível de suspensão a “todos os seus efeitos danosos sejam eles directos, laterais ou secundários, reflexos.”[22] Efeitos que se enquadram na apreciação de mérito do requisito ‘perigo de lesão’ porque, como lapidarmente refere Alberto dos Reis[23], por definição não há receio de lesão quando esta já está consumada ou, dito pela negativa, quando a deliberação não seja suscetível de produzir outros efeitos para além dos já produzidos.
Nesse sentido, se não se questiona que as lesões de direitos já integralmente consumadas e/ou esgotadas ficam de fora da tutela cautelar, atualmente também é consensual que “nada obsta a que, relativamente às lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de atos lesivos (…)[24]. No mesmo sentido, Castro Mendes e Teixeira de Sousa: Não releva o desvalor próprio da deliberação – que pode ser nula, anulável ou ineficaz – e, se a deliberação produzir efeitos continuados, nada obsta a que a suspensão recaia sobre uma deliberação de execução imediata, como sucede, por exemplo, com a deliberação de destituição de um gerente ou administrador.[25]
No caso, do que se trata é de deliberação de aumento de capital por novas entradas em numerário.
Conforme é referido na decisão recorrida, munida da deliberação de aumento de capital formalizada em ata, a requerida praticou os atos legalmente exigidos para que a mesma ficasse apta à produção dos seus efeitos internos – através da declaração escrita da administração, de que foram realizadas as entradas correspondentes ao aumento de capital deliberado[26] – e externos – através do registo da deliberação na Conservatória do Registo Comercial. Atos que, sem dúvida, constituem atos de execução da deliberação de aumento de capital da competência funcional do órgão da administração da sociedade, em conformidade com o disposto nos arts. 88º, nº 2 do CSC e 3º, nº 1, al. r), 14º, nº 1 e 15º do Código de Registo Comercial, mas que, contrariamente ao que a recorrida e o tribunal defendem, neles não se esgota ou consome; antes continua a produzir efeitos suscetíveis de serem suspensos pelo tribunal, desde que concretamente aptos a causar dano apreciável na esfera jurídica do sócio requerente.
Ao que ora releva, para além das funções de financiamento e de garantia dos credores, o capital social desempenha uma relevante função de organização intrassocietária na medida em que a partir dele é determinada a posição jurídica de cada sócio na vida interna da sociedade, a medida dos direitos e dos deveres que emergem dessa qualidade, em função do valor nominal da sua participação no capital social. Tratando-se de sociedade anónima, como é o caso, as ações (nominativas) de que cada sócio é titular materializam essa qualidade/condição de sócio e a inerente relação jurídica que estabelece com a sociedade e com os outros sócios, ao mesmo tempo que determinam a sua concreta posição e peso no funcionamento dos órgãos sociais, máxime, em sede deliberativa - no exercício do direito de voto e cômputo do respetivo peso na aferição das maiorias legal ou estatutariamente exigidas para formação de deliberação -, mas também em sede de exercício de direitos patrimoniais - aquando da distribuição de lucros ou do valor de liquidação da sociedade, cuja medida ou quantum é aferida em função da proporção do valor nominal da participação em relação ao valor do capital social. Nas palavras de Paulo Tarso Domingues, importa sobretudo salientar o papel relevantíssimo desempenhado pelo capital social relativamente à tutela e proteção dos próprios sócios e dos respetivos direitos (…).//(…) o regime do capital social pretende ainda garantir a manutenção e conservação dos direitos dos sócios, nomeadamente através de mecanismos que visam impedir a “diluição” da participação social – v.g., através da consagração de um direito legal de preferência, em caso de aumento de capital – obstando dessa forma, a que um sócio possa, de alguma forma, ver diminuídos ou limitados, contra a sua vontade, os seus direitos sociais.[27] No âmbito desta função, e por referência ao valor da participação e ao aumento de capital real através de novas entradas, mais à frente acrescenta que “a grande vantagem do valor nominal é a de, por via de regra, permitir facilmente determinar a medida dos direitos sociais de cada um[28] e que “a posição e o peso de cada sócio na estrutura societária e, consequentemente, o equilíbrio de forças dentro da sociedade obtêm-se também em função da parte de cada um no capital social.
Efeitos internos que se repercutem externamente no valor de mercado ou comercial de cada participação, em relação direta com a dita proporção, e que justificam as cautelas e tutela legais previstas para a operação de aumento de capital por novas entradas, através dos requisitos da deliberação impostos pelo art. 87º do CSC[29], e do direito de preferência legalmente reconhecido ao sócio na subscrição do aumento de capital por novas entradas em dinheiro[30] [31] que, precisamente, visam assegurar o equilíbrio societário através da conservação da “quota de participação” do sócio e consequente manutenção da sua posição relativa dentro do coletivo social, “evitando a diluição ou ‘aguamento’, seja dos seus direitos políticos (vg. direito de voto) seja dos seus direitos patrimoniais (v.g. direito ao lucro)” e, por essa via, prevenir a diminuição do valor de mercado da participação que pode resultar dessa mesma ‘diluição’[32]; nas palavras de Menezes Cordeiro[33]o interesse dos sócios na conservação do peso relativo de que desfrutavam desde o início; a manutenção, na esfera da sociedade de (eventuais) mais valias correspondentes ao valor de mercado das acções” acrescentando.
Do exposto se conclui que o perigo de dano apreciável não só não se esgotou com os atos materiais de que legalmente dependem a perfeição e a eficácia interna e externa da deliberação de aumento social, como é precisamente a eficácia interna dessa deliberação que potencia o perigo de lesão dos direitos sociais pretendidos tutelar pela requerente, através da redução da medida do direito de voto na formação da vontade social da requerida (cfr. arts. 250º e 384º, nº 1 e 2 do CSC), da medida do direito ao lucro de exercício (cfr. art. 22º, nº 1 do CSC) e, sendo caso, de igual redução da medida do direito ao lucro final ou de liquidação da requerida (cfr. arts. 154º e 156º o CSC).
Relembrando que o dano legalmente tutelado é o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação, é ao “dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença"[34] que importa atender para aquilatar da procedência do pedido de suspensão da deliberação, que no caso se verifica para além de meras alegações especulatórias e de possibilidades em abstrato.
Assim, ao nível do direito de voto é evidente o perigo de dano apreciável pela perda da posição de sócia maioritária que detinha e, consequentemente, pela perda da faculdade de influenciar de modo determinante a formação da vontade social em todas as matérias sujeitas à deliberação dos sócios, designadamente, mas não só, na nomeação dos membros do conselho de administração da requerida, que são eleitos para períodos de três anos. Ainda que não tivesse poder para por si só fazer aprovar qualquer deliberação social contra a vontade do conjunto dos demais acionistas, o peso do seu voto era suficiente para bloquear e impedir a aprovação de propostas contrárias à sua vontade; com o aumento de capital não só perdeu essa posição de bloqueio, como ficou à mercê da vontade do acionista que veio a subscrever a totalidade do aumento de capital e que, com isso, passou a deter mais de 50% do capital social. O que vale por dizer que, contrariamente à posição que detinha antes da execução da deliberação do aumento de capital e contrariamente à vontade que manifestou antes e depois do aumento de capital impugnado, o direito de voto da requerente passou à situação de total irrelevância na formação da vontade e decisões da competência do coletivo de sócios.
Ao nível do direito ao lucro de exercício ou ao lucro final de liquidação, o perigo de dano apreciável decorre da mera existência de lucros distribuíveis, na medida em que a requerente viu o seu direito ao lucro drasticamente reduzido pelo aumento de capital, de 50% para cerca de 16%, perigo que se concretiza na medida dessa redução e independentemente da aprovação de proposta de distribuição de lucros aos sócios, por força do direito à distribuição de metade dos lucros de exercício previsto pelos arts. 217º e 294º do CSC, sobre a qual cada sócio pode exercer o direito social ao lucro na proporção da respetiva participação. Perigo de dano acrescido caso a venda do imóvel que integra o ativo da requerida seja concretizada, considerando as propostas ou declarações de intenção que nesse sentido foram exteriorizadas pelo Presidente do Conselho de Administração da requerida, agora sócio maioritário por efeito da subscrição dos €100K do aumento do capital social e, como tal, com o concreto poder de aprovar ou de rejeitar qualquer proposta submetida a deliberação, bem como de quinhoar e receber na proporção de cerca de 83% dos lucros de exercício e dos lucros de balanço que entenda distribuir, bem como do lucro de liquidação que resulte da venda do imóvel correspondente a loja comercial com mais de €140m2 sita na Rua ....., em Lisboa, ao qual já em 2018 foi atribuído valor de mercado a rondar os €5M, e do qual resulta à evidência que o valor nominal das ações se queda muito aquém do valor real das mesmas e que, com um incremento patrimonial de €100K injetado na sociedade, o acionista que o subscreveu granjeou aumentar em cerca de 33% a medida do seu direito relativo sobre os lucros de exercício da requerida (recorde-se que o valor da faturação anual corresponde a pelo menos €17.000x12 meses de renda) e, igualmente, sobre o ativo de liquidação que daquele resulta (atente-se que em 2018 foi avançado que o seu valor de mercado rondaria os €5M a €6M), à custa da redução da medida de iguais direitos da requerente.
Neste cenário, factual e jurídico, não sendo legalmente viável proibir a sociedade de submeter à deliberação dos sócios as matérias que sejam da competência destes, de proceder à distribuição de lucros, ou até de proceder à liquidação do respetivo ativo e passivo e à subsequente extinção, fica justificada a suspensão da deliberação de aumento de capital como medida cautelar “funcionalmente adequada a acautelar o efeito útil da acção principal[35]e, nos precisos termos que sustentam a verificação de perigo de dano apreciável, aferida pela positiva a utilidade da mesma para prevenir o dano apreciável que os efeitos da deliberação de aumento de capital, que perduram no tempo, são concretamente aptos a produzir sobre os direitos sociais da requerente[36].
Em conformidade com o exposto, procedem nesta parte as alegações de recurso, com consequente revogação da decisão que absolveu a requerida do pedido de suspensão da deliberação social com fundamento na sua inutilidade.

ii) a iv)- Dos demais fundamentos do recurso

Aqui chegados, não obstante a resposta positiva à alegada verificação do requisito perigo de dano apreciável e, assim, a conclusão pela utilidade da suspensão requerida, cumpriria ainda conhecer dos fundamentos invocados para fundamentar a ilicitude, e até a inexistência, da deliberação. Em suma, e de acordo com a regra da substituição prevista pelo art. 665º do CPC, cumpriria conhecer das questões que o tribunal recorrido não conheceu por prejudicadas pela decisão que proferiu.
Desde logo - e para além do alegado (i) vício de conteúdo da deliberação por referência à data da sua publicação no portal próprio, ao prazo definido pela deliberação para o exercício pelos acionistas do direito de subscrição do aumento de capital, e ao prazo previsto pelo art. 459º, nº 3[37] do CSC, e da invocada (ii) natureza abusiva da deliberação por alegadamente destinada a servir propósito exclusivo e benefício ilegítimo do acionista e presidente do conselho de administração da requerida com prejuízo para a posição societária da requerente - a questão da falsidade da ata nº 41 com fundamento na não realização do ato nas circunstâncias de tempo e lugar designadas na convocatória e ali referidas e que, no mínimo, se reconduz à questão de falta de convocatória nos termos e para os efeitos previstos pelo art. 56º, nº 2 do CSC e, no máximo, à questão da inexistência da deliberação a que os termos da invocada falsidade também é suscetível de reconduzir. Questão cujo conhecimento e solução interfere e condiciona o conhecimento da caducidade do direito de a requerente instaurar a presente providência cautelar excecionada pela requerida, por dela depender a definição do termo inicial do prazo legal de dez dias para o pedido da suspensão da deliberação social nos termos previstos pelo art. 380º, nº 3, parte final. Nesta matéria cumpre assinalar que a requerida não alegou que na data da instauração do procedimento cautelar já há mais de dez dias que a requerente tinha conhecimento da existência daquela ata e respetivo teor e, assim, da deliberação pela mesma formalizada, limitando-se a pressupor e a opor o conhecimento da deliberação que deriva do regular cumprimento da convocatória dos acionistas para a assembleia. Porém, provando a requerente que, contrariamente ao que a ata nº 41 descreve, a assembleia não foi realizada ou não foi realizada nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas no aviso convocatório, o cômputo daquele prazo não pode ser feito por recurso ao critério do cumprimento da convocatória invocado pela requerida na medida em que o facto que a lei define como o termo inicial – realização da assembleia – não aconteceu.
Trata-se de questão de facto que permanece controvertida e que, por isso, impõe o prosseguimento dos autos para que seja objeto de instrução, a par com a instrução dos demais factos que fundamentam a invalidade da deliberação e que não resultem desde já assentes por documento ou por acordo das partes, e que obsta a que no âmbito deste recurso a Relação proceda à apreciação de mérito da exceção arguida e dos demais fundamentos do recurso que, além do mais, pela ordem lógica das questões objeto do processo a que os mesmos se reconduzem, pressupõem o prévio conhecimento da exceção da caducidade arguida, e no sentido da sua improcedência.

3.–Do pedido de proibição de venda do imóvel

O tribunal recorrido enquadrou este pedido no âmbito das providências cautelares comuns, admitiu a sua cumulação com o pedido de suspensão de deliberação, e julgou-o improcedente com fundamento na ausência de alegação de danos suscetíveis de concretizar o perigo de dano irreparável.
Adiantando, confirma-se a improcedência, mas não a fundamentação que a suporta.
Sem curar da questão da admissibilidade da cumulação de pedidos - que não foi impugnada e, por isso, formou caso julgado formal nos termos em que foi conhecida pela decisão recorrida - sempre se imporia julgar liminarmente inadmissível o pedido de proibição de venda do imóvel por inútil à tutela cautelar do direito social patrimonial invocado pela requerente, de quinhoar na liquidação do ativo da requerida na proporção de 50% que detinha no respetivo capital social.
Com efeito, não resultando claro dos termos do pedido de proibição da venda, questiona-se antes de mais se era pretensão da recorrente enxertar um procedimento cautelar comum no procedimento cautelar especial de suspensão da deliberação social no sentido de o tribunal decretar preliminarmente a proibição da venda do imóvel até que, como requereu, possa exercer o seu direito de preferência no aumento de capital, ou se pretendia que esta proibição fosse decretada simultaneamente com o decretamento da suspensão da deliberação social, sendo certo que nenhuma das indicadas via poderia ser acolhida. A primeira, por logicamente impossível na medida em que os fundamentos da dita decisão cautelar de proibição de venda dependem da apreciação e procedência da alegada falsidade da ata e/ou da ilicitude da deliberação e da verificação do perigo de dano enquanto questão causais ou prius fundamentadores da requerida proibição da venda, o que implicaria a necessidade de conhecer dos fundamentos do pedido de suspensão da deliberação antes ou, pelo menos, em simultâneo com o conhecimento do pedido de proibição da venda. A segunda, por resultar numa redundância na medida em que, sendo decretada a suspensão da deliberação social de aumento do capital e deferida a inversão do contencioso, ficaria juridicamente consolidada a paralisação dos efeitos do aumento de capital – alteração da proporção da participação social da recorrente em relação ao capital social – e, assim, eliminado o perigo de dano, mediato ou colateral, pretendido prevenir com a proibição da venda do imóvel (distribuição do produto de liquidação entre os sócios de acordo com a proporção relativa das participações sociais que resulta do aumento de capital objeto da deliberação impugnada).
Termos em que se confirma nesta parte a decisão recorrida.

IV–Decisão

Em conformidade com o exposto, acordam as juízas deste coletivo em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida no segmento em que julgou improcedente o pedido de suspensão de deliberação social, e ordenar o prosseguimento dos autos para instrução e julgamento das questões de facto e de direito invocadas pelas partes que permanecem controvertidas, atinentes com a exceção da caducidade arguida e os vícios imputados à deliberação.
Custas da apelação a cargo da recorrente na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em metade, considerando que o recurso procedeu na questão da (in)utilidade do procedimento cautelar, mas improcedeu em todas as demais questões suscitadas.



Em 20.02.2024

Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
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[1]Estabelece que Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
[3]Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª ed., p. 112 e ss.
[4]Salvas as exceções e limitações legais exclusivamente previstas para a sociedade anónima, cfr. arts. 324º, nº 1, al. a) (ações próprias) e 384º, nº 2 (limitação do número de votos) do CSC.
[5]O pedido divide-se em imediato e mediato, ou seja, entre a pretensão de determinada tutela jurisdicional que no plano processual surge expressada pelo pedido e caracteriza a ação, e a finalidade da ação, correspondente ao efeito prático por aquele visado produzir na realidade do pedaço de vida a que o litígio reporta, para cuja garantia surge adequado aquele pedido e que em sede de provimento da ação deverá prevalecer sobre este.
[6]Entre outros, acórdão da Relação de Lisboa de 17.11.2009, disponível na página da dgsi, como todos os demais aqui citados sem outra indicação.
[7]Nesse sentido, entre muitos outros, acórdão da RC de 28.11.2018, proc. 4039/17.9T8LRA-A.C1, e acórdão do STJ de 14.06.2018, Revista nº 0435/18.
[8]A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, CPC Anotado, GPS, Vol. I, 2ª ed., p. 471.
[9]Cfr. art. 381º, nº 3 do CPC, nos termos do qual “A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada.
[10]Nesse sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. I, 4ª ed., p. 107, e Paulo Olavo da Cunha, Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, p. 262.
[11]C.P.C. anotado, vol. I, p. 623
[12]CPC Anotado, GPS, vol. I, 2ª ed., p. 471.
[13]Ob. cit., p. 470.
[14]A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, p. 83.
[15] Proc. nº 392/10.3TBTND.C1.
[16]Código das Sociedades Comerciais em Comentário do IDET, Vol. I, p 701.
[17]«Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”» em anotação ao acórdão da RC de 14.07.1987, RLJ, 123º.
[18]Em «Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas.”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-abr-2003/artigos-doutrinais/alexandre-soveral-martins-suspensao-de-deliberacoes-sociais-de-sociedades-comerciais-alguns-problemas
[19]Em “Conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», p. 247 e ss., apud Soveral Martins, Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-abr-2003/artigos-doutrinais/alexandre-soveral-martins-suspensao-de-deliberacoes-sociais-de-sociedades-comerciais-alguns-problemas/
[20]Na doutrina, entre outros, A. Geraldes, ob. cit. vol. IV, p. 85, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit. p. 109, com ampla citação de outros. Na jurisprudência, entre muitos outros, acórdãos da RC de 18.03.2014 e de 02.04.2019, de 01.06.2021; da RL de 08.03.2022, da RP de 14.07.2020 e de 22.02.2021, do STJ de 18.01.2000.
[21]Vd. A. Geraldes, ob. cit., vol. IV, p. 84 e s.
[22]Sociedades Comerciais, 2ª ed., p. 106. No mesmo sentido, A. Geraldes, ob. cit., p, 82.
[23]CPC Anotado, vol. I, p. 684.
[24]A. Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, p. 106.
[25]Manual de Processo Civil, vol. I, p. 601.
[26]Na apreciação da (in)utilidade da deliberação por referência ao âmbito da execução da deliberação não releva a discussão sobre a veracidade/falsidade da declaração de pagamento/depósito das entradas posto que esta constitui em si mesma ato formal legal de execução da deliberação independentemente da demonstração da sua correspondência com a realidade.
[27]Em “O Financiamento Societário pelos Sócios (e o seu reverso)”, Almedina, 2ª ed, p. 87.
[28]Pag. 97.
[29]Vd. Paulo Tarso Domingues, ob. cit., p. 302-304.
[30]Nas sociedades anónimas, arts. 458º, 459º e 460º do CSC.
[31]Sobre os termos do exercício do direito de preferência, autor e obra que temos vindo de citar, p. 328 e ss.; designadamente, e com pertinência ao caso, sobre a exigência legal de comunicação aos acionistas dos elementos essenciais da operação, e consequência preconizada pelo autor e por Pedro Albuquerque para a ausência de comunicação de prazo, ou para a fixação de prazo inferior ao legalmente previsto e exigido pelo art. 459º do CSC, que passaria pela imposição de “uma nova comunicação aos acionistas com a indicação correta do prazo de que dispõem para exercer o seu direito de subscrição preferente” (p. 331).
[32]Vd. Paulo Tarso Domingues, ob. cit., p. 317 e ss.
[33]Manual de Direito Das Sociedades, Vol. II, p. 842.
[34]Vasco Lobo Xavier "O conteúdo da providência das deliberações sociais" in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXII, p. 215, apud João Pimentel e David Sequeira Dinis, em «Ainda sobre o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais. O conceito de deliberação não executada para efeitos do artigo 396.º do código de processo civil», in Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 26, 2010
[35]Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. I, p. 593.
[36]Vd. a respeito, João Pimentel e David Sequeira Dinis, texto citado, p.
[37]Estabelece que O prazo fixado para o exercício do direito de preferência não pode ser inferior a 15 dias, contados da publicação do anúncio, ou a 21 dias, contados da expedição da carta, dirigida aos
titulares de acções nominativas. (subl. nosso)