Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
358/21.8T8LSB-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: FIANÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em relação a fiadores que não intervieram no contrato de arrendamento não é possível invocar a formação do título executivo previsto no artigo 14-A do NRAU
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

E-Lda, instaurou acção executiva sob a forma de processo ordinário para obter o pagamento de 109.701,98€, mais 7.700,42€ de juros de mora vencidos sobre os montantes de rendas vencidos de acordo com as taxas legais sucessivamente vigentes desde as respectivas datas de vencimento até ao dia 31/12/2020, contra A-Lda, M e C.
Como documentos junta uma “comunicação” (uma notificação judicial avulsa), uma folha em que reproduz o cálculo dos valores em dívida feita pela exequente) e o contrato de arrendamento (celebrado entre a exequente e a sociedade executada).
A exequente alega, no requerimento executivo, o seguinte: [apenas se transcrevem as partes que importam]:
1. A requerente é a actual dona e legítima proprietária da fracção autónoma […]
2. A requerida sociedade tomou de arrendamento aquela fracção autónoma nos termos e condições constantes do denominado contrato de arrendamento urbano não habitacional com prazo certo celebrado em 01/01/2012 […]
3. De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento, a renda mensal seria paga pela arrendatária por transferência bancária “todos os meses […]
[…]
5. A sociedade, entretanto, deixou de pagar a renda mensal tendo deixado acumular em rendas por pagar, tendo em conta a renda vencida de Setembro de 2018, respeitando a Outubro de 2018 uma quantia total não inferior a 34.708€ […]
6. A requerente aceitou o pagamento pela sociedade do montante da renda em dívida em prestações nos termos e condições do denominado acordo celebrado em 01/10/2018 […]
7. O casal de executados, no âmbito do acordo celebrado em 01/10/2018, assumiram a “qualidade de fiadores e principais pagadores […] do integral cumprimento quer do contrato de arrendamento quer do presente acordo vigorando a fiança pelo prazo de cinco anos” […]
[…]
10. A sociedade desde o dia 28/10/2019 (última prestação paga) que não voltou a pagar à requerente o valor das rendas constante das prestações previstas do acordo datado de 01/10/2018. Portanto:
[…]
30. A requerente, por via de notificação judicial avulsa efectuada em 18/09/2020, comunicou à sociedade que deve proceder ao pagamento de quantia não inferior a […]
31. A requerente, por via de notificação judicial avulsa efectuada em 09/09/2020, notificou ainda o casal de executados, enquanto fiadores, da mora e das quantias em dívida por parte da sociedade […]
32. Os executados nada pagaram até à presente data à exequente […]
33.O comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida efectuado por via de notificação judicial avulsa realizada, quando acompanhado do contrato de arrendamento, constitui título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário nos termos do artigo 14-A/1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano e nos termos do artigo 703/-1d do CPC, contra o arrendatário e contra os fiadores (nesse sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 07/11/2019, proferida no processo 1866/17.0T8ALM-A.L1-6), quer quanto às rendas vencidas, quer quanto aos juros de mora, à taxa legal, da obrigação exequenda (cfr. artigo 703/2 do CPC).”
O requerimento executivo, relativamente ao casal de executados, foi indeferido liminarmente, com os seguintes fundamentos:
A questão que se coloca é a de saber se os documentos apresentados pela exequente constituem título executivo relativamente ao casal de executados.
A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art. 10, n.ºs 4, 5 e 6, do CPC).
Estabelece o art. 703 do CPC (Espécies de títulos executivos) o seguinte:
1 — À execução apenas podem servir de base:
[…]
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
[…]
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
[…]
[…A] exequente apresenta como título executivo um contrato de arrendamento que celebrou com a sociedade executada, acompanhado de cartas registadas com aviso de recepção enviadas aos executados, comunicando-lhes o montante das rendas em dívida, e um documento particular denominado acordo, datado de 01/10/2018, celebrado entre exequente e executados.
Saliente-se, pois, que o casal de executados não teve qualquer intervenção no contrato de arrendamento celebrado entre exequente e a sociedade executada. Apenas teve intervenção no documento particular denominado acordo, na qualidade de fiadores da obrigação constituída pela sociedade executada nesse mesmo documento.
Estamos, pois, no que ao casal de executados diz respeito, perante um acordo celebrado por documento particular no dia 01/10/2018 que inclui um termo de fiança.
De acordo com o disposto no art. 363/1 do CC, os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares (n.º 2).
Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (n.º 3).
Documento autenticado é, pois, o documento particular cujo conteúdo é confirmado pelas partes perante o notário, que em consequência, nele lavra um termo de autenticação, sendo que, desde o DL 76-A/2006, de 29/03, não são apenas os notários que procedem à autenticação mas também as Câmaras de comércio e indústria, Conservadores, Oficiais de registo, Advogados e Solicitadores.
O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150 e 151 do Código de Notariado, devendo, nomeadamente, conter a declaração das partes de que leram o documento ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.
Exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria 657-/2006, de 29/07.
Ora, o documento particular denominado acordo de 01/10/2018, apresentado pela exequente, não contém termo de autenticação [...] para que possa ser considerado título executivo nos termos do art. 703/1b do CPC.
[…]
Por conseguinte, o documento apresentado pela exequente não integra nenhuma das alíneas do art. 703 do CPC, sendo manifesta a falta de título executivo relativamente ao casal de executados.
[…]
A falta de título executivo, sendo manifesta, constitui fundamento de indeferimento liminar (arts. 726/2ª do CPC).
A exequente recorre deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [que se transcrevem na parte que importa]:
[…]
2. O título executivo dado à execução é composto pelo (i) comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida efectuado por via de notificação judicial avulsa notificada à arrendatária e aos fiadores (artigos 30, 31 e 33 do requerimento executivo) e pelo (ii) contrato de arrendamento (artigos 2, 3, 4 e 7 do mesmo requerimento), composto pelo documento escrito de 01/01/2012 e pelo documento escrito de 01/10/2018, ambos assinados pelas partes, “nos termos dos artigos 14-A/1 do NRAU e 703/1d do CPC”.
[…]
4. O documento particular denominado acordo, datado de 01/10/2018, apresentado pela exequente não constitui, por si ou de forma isolada, o título executivo dado à execução nos presentes autos e a única parte do referido acordo que revela como título executivo é na parte em que o mesmo adita e clausula uma fiança a favor do contrato de arrendamento originário, isto é, o denominado contrato de arrendamento previsto no artigo 14-A/1 do NRAU é, no caso concreto, um documento complexo composto por dois documentos escritos autónomos assinados pelas partes.
[…]
8. A exigência de termo de autenticação prevista nos termos do art. 703/1b do CPC é a forma exigida para os títulos executivos autónomos que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, mas não é legalmente a forma exigida, quer para a celebração do contrato de arrendamento, quer para se declarar assumir a qualidade de fiador no mesmo contrato […]
9. A aceitar-se como verdadeira, por mero absurdo, a tese proposta pelo tribunal a quo tal implicaria concluir que só seriam de aceitar como título executivo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 14-A/1 do NRAU os contratos de arrendamento (e as fianças nele incluídas) sujeitos a termo de autenticação.
10. Considerando que os contratos de arrendamento não são, em regra, autenticados, não existiriam quaisquer contratos que pudessem, de uma forma geral, configurar títulos executivos […].
[…]
Os executados não contra-alegaram.
O relator deste acórdão - considerando que a questão a decidir era simples e que o recurso era manifestamente infundado (art. 656 do CPC) - proferiu decisão singular a 18/12/2021, que será reproduzida a seguir.
A exequente veio reclamar para a conferência (art. 652/3 do CPC) nos termos que serão reproduzidos a seguir à decisão singular.
*
Apreciando:
Aquilo a que o art. 14-A/1 do NRAU atribui força executiva, tal como previso no art. 703/1-d do CPC, é ao contrato de arrendamento acompanhado de um comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Um contrato de arrendamento é um contrato nominado, não um contrato misto. A lei ao referir-se a um contrato de arrendamento e a uma comunicação ao arrendatário não está a referir-se a um contrato de arrendamento com fiança nem a um fiador.
Por isso, entre várias outras razões (desenvolvidas exaustivamente no ac. do TRP de 24/04/2014, proc. 869/13.9YYPRT.P1), grande parte da doutrina, seguida por uma corrente minoritária da jurisprudência (a doutrina e as correntes da jurisprudência, quer num sentido quer noutro, estão extensamente referidas no ac. do TRL de 17/12/2020, proc. 2790/19.8T8OER-C.L1-2, e no ac. do STJ de 17/11/2020, proc. 3794/18.3T8SNT-A.L1.S1, para os quais se remete), nem sequer aceita que, ao abrigo da norma legal referida (norma excepcional, em princípio sem possibilidade de aplicação analógica: art. 11 do CC, para mais no actual contexto de desconfiança legal quanto aos títulos executivos particulares), se forme um título executivo contra o fiador, que não é arrendatário nem parte no contrato de arrendamento.
A corrente maioritária da jurisprudência que, pelo contrário, aceita essa formação, parte do pressuposto de que aquela norma legal pode englobar um contrato de arrendamento do qual uma outra pessoa, para além do arrendatário, participa como fiador, ou dito de outro modo um contrato de arrendamento em que também tenha intervindo um fiador.
(é o caso de todos os acórdãos integrados nesta corrente citados pelo ac. do TRL de 17/12/2020, bem como nele próprio e acontece também no caso do ac. do TRL invocado pela exequente; no mesmo sentido, o ac. do STJ de 26/11/2014, proc. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1: I- O art. 15/2 do NRAU, conjugado com o art. 46/1d do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida. II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15/2 do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título. III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida. IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida. […]. O ac. do STJ de 17/11/2020, proc. 3794/18.3T8SNT-A.L1.S1 I. O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. II. Tendo os embargantes sido fiadores dos arrendatários, figurando a fiança no contrato de arrendamento e não tendo aqueles sido notificados das rendas em atraso, nem da resolução do contrato pelo senhorio, ainda que este tenha notificado o arrendatário, não pode a execução avançar contra os embargantes, por falta de título. E o ac. do STJ, proc. 8520/20.4T8PRT-B.P1.S1: I. - Em contrato de arrendamento em que os executados intervieram como terceiros contraentes e declararam-se solidariamente como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do referido contrato, renunciando ao benefício de excussão prévia, esse contrato e a sua interpelação constitui título executivo para poderem ser accionados nos termos do art. 14-A da NRAU. II. - A notificação do fiador para permitir a obtenção contra ele de título justifica-se por razões de equilíbrio e proporcionalidade, atendendo à natureza das próprias obrigações tripartidas e ao facto de se tratar da criação de um título executivo cuja norma refere esse requisito para o arrendatário garantido.)
Ora, tal não se confunde, manifestamente, com o caso dos autos em que, 6 anos depois da celebração de um contrato de arrendamento sem fiador, terceiros se obrigam, num outro contrato, como fiadores em relação às obrigações da arrendatária constituídas no primeiro contrato.
Assim, sem se tomar posição, nesta decisão singular, sobre a questão de saber se o título executivo previsto no art. 14-A do NRAU pode, em geral, abranger um fiador, tem de se concluir que, no caso dos autos, tal não pode acontecer, porque o fiador não interveio na celebração do contrato de arrendamento que está em causa nessa norma.
E foi isto que o despacho recorrido disse, pelo que está certo.
A construção da exequente, no sentido de que o contrato de arrendamento dos autos é também composto pelo acordo celebrado 6 anos depois, é perfeitamente arbitrária, sem qualquer base legal, doutrinária ou jurisprudencial. É, dito de outro modo, uma simples afirmação, sem qualquer fundamentação.
Para ser como a exequente quer, isto é, para que existisse título executivo contra os fiadores, neste caso de fiança constituída depois do contrato de arrendamento, teria de haver uma norma legal que atribuísse força executiva, tal como previso no art. 703/1-d do CPC, ao próprio contrato de fiança.
Não estando em causa um título executivo previsto nos artigos 14-A do NRAU e 703/1-d do CPC, a outra hipótese de existência de título executivo possível seria a do art. 703/1b do CPC, que implicaria que, nos autos, se estivesse perante um documento exarado ou autenticado, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, o que o despacho recorrido demonstra não ser o caso, sem que a exequente tente, sequer, argumentar contra tal demonstração.
O que a exequente diz nas conclusões 9 e 10 esquece que o tribunal recorrido dá relevo ao contrato de arrendamento como título executivo contra a sociedade, o que é bastante para afastar esta última argumentação.
Pelo que o despacho recorrido está certo.
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Contra isto, a exequente diz agora (na reclamação para a conferência), em síntese feita por este TRL das 6 páginas da reclamação, que:
I - De acordo com o entendimento sufragado no despacho de 18/12/2021 uma pessoa só pode assumir a qualidade de fiador num contrato de arrendamento se intervier no contrato de arrendamento original. A exequente não consegue descortinar de onde retira este TRL que a fiança só pode ser constituída com a celebração do contrato de onde emerge o crédito garantido. A lei só exige que “a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal” (artigo 628/1 do CC) e nunca que “a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada” no mesmo documento contratual onde foi assumida “a obrigação principal”. Efectuar tal afirmação é desconhecer a realidade existente no comércio jurídico corrente, no âmbito do qual o reforço das garantias prestadas, maxime a constituição ex novo de uma fiança, é em regra exigido, quase sempre, como sucedeu no caso sub judice, num momento posterior à celebração do contrato de onde emerge “a obrigação principal” como resposta a uma situação de mora e incumprimento do principal devedor.
II - Contudo, ao que tudo indica, a questão é outra: o TRL parece entender que quando o legislador utiliza expressão “contrato de arrendamento” no artigo 14.º-A/1 do NRAU para lhe conferir força executiva está-se a referir apenas ao documento original “contrato de arrendamento”. Mas a realidade documental “contrato de arrendamento” a que se alude no artigo 14.º-A/1 do NRAU é uma realidade complexa composta não só pelo documento contratual escrito original, mas também pelos documentos contratuais escritos que lhe introduziram alterações supervenientemente. O contrário tem como principal consequência a afirmação de que serão muito raras as situações em que esse título executivo possa ser reconhecido enquanto tal, o que que esvazia por completo a intenção do legislador quando aditou o artigo 14.º-A ao NRAU com a Lei 79/2014, de 19/12. Levando às últimas consequências a lógica da tese defendida no despacho de 18/12/2021 basta que o senhorio ou o arrendatário, os fiadores se tenham alterado supervenientemente desde a data da sua celebração o conteúdo do documento contratual original para que deixe de ser possível formar o título executivo consagrado na lei. É que quanto o contrato é alterado, o novo senhorio ou mesmo, o novo fiador, não “intervieram” na “celebração do contrato de arrendamento que está em causa nessa norma” como se invoca no despacho sub judice. A situação é ainda mais grave porque situações há em que o arrendatário é alterado supervenientemente sem que o senhorio tenha que dar o seu consentimento (artigo 1112 do CC) e, portanto, na interpretação adoptada no despacho sub judice, basta que ocorra um trespasse, uma cessão de posição contratual ou uma alteração de fiador para que o senhorio não possa formar o título executivo a que se alude no artigo 14.º-A ao NRAU.
Apreciando:
A primeira parte da argumentação que antecede, é retórica, porque o despacho reclamado nunca disse que uma pessoa só pode assumir a qualidade de fiador num contrato de arrendamento se intervier no contrato de arrendamento original. A exequente sabe perfeitamente que assim é, como decorre do começo do que diz na segunda parte.
E o mesmo vale, no essencial, para a segunda parte da argumentação, pois que o despacho reclamado nunca disse que a expressão contrato de arrendamento abrange apenas o contrato original. O que o despacho recorrido disse foi que o título executivo que está em causa no art. 14.º-A/1 só pode abranger a fiança se esta for prestada no contrato de arrendamento. E para tal evocou-se uma série de acórdãos que, todos eles, se referem à possibilidade de o título executivo abranger o fiador, mas em todos eles o fiador estava abrangido pelo contrato de arrendamento que era o título executivo. Sendo que a exequente não tenta demonstrar o contrário, nem no recurso, nem agora na reclamação, nem invoca qualquer doutrina ou jurisprudência que sustente a sua posição.
O despacho reclamado, por outro lado, tal como o despacho recorrido, não recusa que a fiança, possa ser acrescentada posteriormente, para garantir o cumprimento das obrigações do arrendatário. O que diz é que essa fiança apenas será título executivo, nesse caso, se tiver observado a forma exigida por lei para esse efeito (art. 703/1-b do CPC).
Querer o contrário, como pretende a exequente, é pretender que, afinal, os títulos particulares continuam a ser títulos executivos, contra a decisão expressão do legislador da reforma de 2013 do CPC. Ou seja, que se pode constituir uma fiança por título particular e tal valer como título executivo, mesmo que ela não seja constituída no contrato de arrendamento a que a lei atribui força executiva.
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Pelo exposto, mantém-se a decisão singular reclamada, julgando o recurso improcedente, com custas do recurso [na vertente de custas de parte] pela exequente.
Custas da reclamação pela exequente que se fixam em 1 UC de taxa de justiça (artigos 527, nºs 1 e 2 do CPC e 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II, penúltima linha, anexo ao mesmo), levando-se em conta a taxa já paga pela exequente como impulso necessário da reclamação.

Lisboa, 24/02/2022
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas