Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
869/13.9YYPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
TÍTULO PARA PAGAMENTO DE RENDAS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP20140424869/13.9YYPRT.P1
Data do Acordão: 04/24/2014
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O título executivo previsto no artigo 14.º-A do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia.
II - No caso de se entender que aquela norma permite a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, dever-se-á exigir, por imposição das regras da boa fé e por maioria de razão, que o contrato de arrendamento seja acompanhado de comprovativo da comunicação ao fiador do montante da rendas em dívida, em termos similares ao que a norma exige relativamente ao arrendatário.
III - Quando se pretenda que a carta integre título executivo para pagamento de rendas ao abrigo do artigo 14.º-A, do NRAU, se a carta for devolvida por ter sido recusada ou não levantada na estação de correios a comunicação não se considera feita, sendo necessário o envio de nova carta registada com aviso de recepção, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira, considerando-se a comunicação feita no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta se ela for devolvida por ter sido recusada ou não ter sido levantada na estação de correios.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 869/13.9YYPRT.P1 [Juízos de Execução do Porto]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
Em 14 de Fevereiro de 2013, B…, residente em …, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra C… e D…, residentes no Porto, com vista à obtenção do pagamento da quantia de €3.715,20.
Apresentou como título executivo um contrato de arrendamento, no qual os executados intervêm como fiadores da arrendatária E… e diverso expediente relativo à comunicação da falta de pagamento de rendas e resolução do contrato.
No requerimento executivo expôs os factos relativos à celebração do contrato de arrendamento e a intervenção dos executados no mesmo como fiadores da arrendatária, descreveu as interpelações que promoveu ou realizou dos devedores e informou que requereu no Balcão Nacional de Arrendamento procedimento especial de despejo contra a arrendatária no qual cumulou o pedido de despejo com o pedido de pagamento de rendas, razão porque a presente execução é instaurada apenas contra os fiadores.
Em 15.10.2013, no primeiro despacho proferido nos autos, foi decidido rejeitar liminarmente a execução com fundamento na manifesta falta ou insuficiência de título executivo, tendo-se entendido para o efeito que para haver título executivo era necessário documento comprovativo da comunicação à arrendatária e aos fiadores do montante das rendas em dívida, sendo que os documentos juntos não demonstram que qualquer delas haja sido feita regularmente em conformidade com o disposto no NRAU.
Do assim decidido, a exequente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações do seguinte modo:
“Conclusões:
1. A decisão da qual se recorre concluiu pela manifesta insuficiência do título dado à execução para pagamento de quantia certa e, em consequência, foi essa execução rejeitada, sendo que objecto do recurso é, a final, verificar se o contrato de arrendamento oferecido aos autos, a notificação ao arrendatário da resolução do contrato de arrendamento e comunicação a todos os devedores dos valores de renda em dívida, é considerado título executivo relativamente aos fiadores, únicos demandados nos autos principais.
2. É entendimento da Recorrente que a decisão recorrida é violadora de normas jurídicas [arts. 812º-Eº.1, a) e 820º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à ora vigente, doravante designado CPC] e das recentes alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 12 de Novembro ao regime jurídico do arrendamento urbano (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), resultando ainda em erro na determinação da norma aplicável [art. 10º.5, b) desta Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro].
3. Aos processos executivos, apenas podem servir de base à execução os documentos devidamente elencados para tanto e, no caso em concreto, terão sempre que ser documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
4. No caso sub judice, o regime jurídico do arrendamento urbano refere especificamente o que é ou não é título executivo.
5. No anterior regime (da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), dispunha o art. 15º.2 que “o contrato de arrendamento é título executivo para acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
6. E no actual regime (ou seja, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 12 de Novembro), em vigor à data da propositura da acção, dispõe o art. 14º-A que “o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa (…)”.
7. Parece, pois, ser pacífico que, não obstante o legislador ter sistematizado a matéria sobre a formação do título executivo num artigo diferente (deixou de estar no art. 15º.2 para estar no art. 14º-A da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro), o regime jurídico não foi alterado, mantendo-se que só existe título executivo a partir do momento em que haja um comprovativo de comunicação do montante em dívida ao arrendatário.
8. É entendimento da aqui Recorrente que não é pela circunstância de o legislador ter sistematizado a matéria sobre a formação do título numa norma diversa que o seu regime adjectivo tenha sido alterado – como se vislumbra da leitura atenta de ambas as normas (15º. 2 do anterior regime e 14º-A do actual), pelo que, adjectivamente, o modo como se forma o título é precisamente o mesmo.
9. Ora, a notificação judicial avulsa (oferecida aos autos de execução) e de que a aqui Recorrente lançou mão, pretendeu cumprir com o previsto no art. 9º.7 do regime jurídico do arrendamento urbano (doravante designado por NRAU) – ou seja, não lhe sendo exigível manter um contrato de arrendamento cujas rendas não estavam a ser pagas há mais de um determinado tempo, nos termos do previsto nos arts. 1083º.3 e 1084º.2 do Código Civil (CC), a senhoria aqui Recorrente resolveu o contrato de arrendamento, pois que outros meios a que recorreu sempre resultaram infrutíferos.
10. Promovidas as diligências tendentes ao cumprimento da aludida notificação judicial avulsa, o oficial de justiça lavrou a certidão negativa oferecida aos autos de execução e de onde se alcança que a não conseguiu levar a cabo, tendo deixado avisos no correio para a arrendatária (e que não é demandada nesta execução, outrossim no âmbito do proc. n.º 247/13.0YLPRT) comparecer no serviço externo da Secretaria Geral – o que não sucedeu.
11. Uma vez que nos termos do art. 9º.7 do NRAU a notificação judicial avulsa se não conseguiu concretizar pelos motivos lavrados pelo oficial de justiça, a aqui Recorrente, e como prevê o art. 10º.5, alínea b) do NRAU (norma, aliás, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 12 de Novembro), a aqui Recorrente remeteu à arrendatária carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos que se mostravam 30 a 60 dias da data em que o destinatário não foi localizado – ou seja, decorridos da data de certidão negativa da sua notificação judicial avulsa.
12. E refere essa mesma norma do art. 10º.5, alínea b) do NRAU que essa comunicação se considera recebida no 10º dia posterior ao seu envio – o que foi observado pela aqui Recorrente, pois que quando instaurou a execução dos autos principais estava já ultrapassado o prazo acabado de mencionar.
13. Não pode, por isso, a aqui Recorrente concordar com a decisão do MM.º Juiz do tribunal a quo quando refere “exigia-se que tivesse sido junto documento comprovativo de que a arrendatária foi efectivamente notificada nos termos requeridos no requerimento de notificação judicial avulsa (a apresentação de um requerimento de notificação não equivale ao comprovativo da notificação – comunicação – do teor do requerimento àquele a quem se destina”.
14. A norma do art. 10º.5, alínea b) do NRAU pretende precisamente acautelar os senhorios relativamente a arrendatários que se pretendam furtar à notificação para resolução do contrato de arrendamento previsto no art. 9º.7 do mesmo diploma legal.
15. “A alteração mais relevante deste artigo [9º do NRAU] encontra-se no seu n.º 7 e respeita à notificação do arrendatário para efeitos de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas … (como previsto no artigo 1084.º, n.º 2…). A carta registada com aviso de recepção (…) pode tornar-se meio idóneo para notificar o arrendatário, nos termos do artigo 10.º, n.º 5, alínea b), quando falhem os meios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 9.º, por não ser possível localizar o arrendatário”. – in Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), págs. 175 e ss, anotação ao artigo 9º, Maria Olinda Garcia, Coimbra Editora, 1ª Edição, Novembro 2012.
16. “A grande novidade trazida pela nova redacção do artigo 10.º é o aditamento do seu n.º 5, que complementa a hipótese de notificação prevista no artigo 9.º, n.º 7, destinada a operar a resolução do contrato em caso de falta de pagamento de rendas.” – ibidem, pág. 178/179.
17. “Esta alteração legislativa vem dar resposta aos problemas de notificação do arrendatário que a prática evidenciou. Efectivamente, estabelecendo o n.º 7 do artigo 9.º que o arrendatário tem de assinar a comunicação que lhe é dirigida para que se considere notificado, quando o arrendatário se recusava a fazê-lo ou se furtava às tentativas de notificação não lhe era possível resolver o contrato por via extrajudicial (…). Nos termos desta nova disposição, o comportamento não cooperante do arrendatário deixa de o beneficiar.” – ibidem, pág. 179.
18. Salvo melhor opinião, nos termos da lei em vigor, não cumpria à Recorrente juntar outros documentos além dos que foram juntos com o requerimento inicial executivo: notificação judicial avulsa frustrada, com certidão negativa lavrada pelo oficial de justiça que fez a diligência e carta registada com aviso de recepção dirigida à arrendatária, para a morada do locado e que, não obstante a mesmo não ter conseguido ser notificada, nem procedido ao seu levantamento nos serviços postais dos CTT da aludida carta registada, se considerou validamente notificada, cumprido que foi o prazo de 30 a 60 dias aludido na lei [art. 10º.5, alínea b) do NRAU].
19. Em rigor, no cumprimento da lei em vigor, à data da propositura da acção executiva, a aqui Recorrente notificou validamente a arrendatária, pelo que o requerimento inicial executivo não deveria ter sido indeferido pelo MM.º Juiz do tribunal a quo.
Todavia, o requerimento executivo não deveria ter sido recusado não apenas por este motivo.
20. Não obstante o contrato de arrendamento ter sido validamente resolvido e a arrendatária considerada notificada nos termos e para os efeitos do previsto no art. 10º.5, alínea b) do NRAU, vem vertido na sentença recorrida que era exigível à aqui Recorrente que tivesse “junto ainda os comprovativos da notificação dos aqui executados fiadores do montante das rendas em dívida”.
21. Da leitura do previsto no art. 14º-A (ou até do antigo 15º.2) do NRAU – que é, como se refere correctamente na sentença recorrida, o preceito que atribui o carácter de título executivo aos documentos aí referidos – em momento algum se alcança ser necessário notificar outros intervenientes no contrato, que não o arrendatário, designadamente os seus fiadores.
22. Seja da disposição normativa primitiva (art. 15º.2 do NRAU), seja da contemporânea (art. 14º-A do NRAU, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012, de 12 de Novembro), nada vem dito acerca de ser ou não ser necessário existir uma comunicação aos fiadores para que estes possam ser demandados
23. Salvo devido respeito por opinião diversa, os fiadores demandados não teriam que ser notificados e nem sequer do mesmo modo que o foi a arrendatária.
24. Desde logo porque ubi lex non distinguit, nec nobis distinguere licet – se o espírito da norma do art. 14º-A é o mesmo da antiga norma do art. 15º.2 do NRAU e se o legislador não quis abranger qualquer comprovativo de comunicação ao fiador do arrendatário, então é forçoso concluir que não deverá a norma ser interpretada no sentido de ir além daquilo que o legislador deixou prescrito.
25. Numa palavra, a interpretação da norma deverá ser sempre literal e não extensiva.
26. Por outro lado, “a fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor. O fiador garante, assim, a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor – cfr. art.º 627º, n.º 1 do C.Civil” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-03-2013, Proc. n.º 8876/09.7TBMAI-A.P1, no qual foi relator a Mma. Juiz Desembargadora Anabela Dias da Silva.
27. Na verdade, os fiadores demandados na execução (e conforme se alcança do teor do contrato de arrendamento oferecido ao processo executivo) renunciaram ao benefício da excussão prévia dos bens da arrendatária e “tendo a fiança o conteúdo da obrigação principal e cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, cfr. art.º 634.º do C.Civil, é desnecessária a interpelação dos fiadores, salvo se houver diversa estipulação”- cfr. o supra citado Acórdão da Relação do Porto.
28. A Recorrente não pode aceitar que o MM.º Juiz do tribunal a quo refira que é “entendimento generalizado que não pode integrar o título executivo qualquer forma de comunicação que ofereça menos garantias que as resultantes do disposto no art. 9.º, n.º 1 do NRAU e do art. 10.º, n.s 2 e 3 do mesmo diploma …”.
29. Desde logo, pela circunstância de o entendimento generalizado a que se refere o MMº Juiz a quo não ser tão generalizado assim, pois que é abundante a Jurisprudência (e Doutrina) que contraria essa tendência.
30. Vejam-se a título de exemplo os seguintes arestos jurisprudenciais o citado Acórdão da Relação do Porto, de 21-03-2013, Proc. n.º 8876/09.7TBMAI-A.P1, no qual foi relator a MM.ª Juiz Desembargadora Anabela Dias da Silva; Acórdão da Relação do Porto, de 23-06-2009, Proc. n.º 2378/07.6YYPRT-A.P1, no qual foi relator o MM.º Juiz Desembargador Cândido Lemos; Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-03-2009, Proc. n.º 6957/2008-8, no qual foi relator a MMª Juiz Desembargadora Catarina Arêlo Manso; Acórdão da Relação do Porto, de 16-05-2011, Proc. n.º 515/10.2TBMAI-A.P1, no qual foi relator o MM.º Juiz Desembargador Rui Mora; Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2009; Acórdão da Relação do Porto de 06-10-2009; Acórdão da Relação do Porto de 04-05-2010; Acórdão da Relação do Porto de 18-10-2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
31. Mas também não pode a aqui Recorrente aceitar o entendimento de que a doutrina na qual se baseia a decisão recorrida seja a posição dominante, porquanto a mesma, no limite, se reputa a um momento histórico onde ainda não existia sequer a disposição prevista no art. 10º.5, alínea b) do NRAU.
32. A existência da norma do art. 10º.5, alínea b) do NRAU redunda na desnecessidade de qualquer aplicação analógica como vem referido na sentença recorrida e da desnecessidade de observação de outro prazo que não o que aqui está expressamente estipulado para o efeito pretendido.
33. Como vem referido no citado e douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2013, Proc. n.º 8876/09.7TBMAI-A.P1, “a nossa jurisprudência tem vindo a entender maioritariamente que o contrato de arrendamento, acompanhado da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, constitui (…) título executivo não apenas contra o arrendatário, mas também relativamente aos fiadores.” –sublinhado pelo mandatário subscritor.
34. E, em rigor, ao contrário do que vem sentenciado na decisão recorrida [onde se refere que “a falta de um destes elementos – no caso, o comprovativo da comunicação do montante em dívida que se pretende executar – determina a insuficiência do título dado à execução (…)]”, “o comprovativo de comunicação ao arrendatário (e nunca ao fiador) não serve para “demonstrar a constituição da dívida exequenda, já que ela emerge do próprio contrato. Não poderá ser também para operar a interpelação, visto que, tratando-se de obrigação pecuniária de montantes determinados e de prazo certo, tal interpelação está dispensada nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 805º do CC. Daí que a razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado” – cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 16-05-2011, Proc. n.º 515/10.2TBMAI-A.P1, no qual foi relator o MM.º Juiz Desembargador Rui Mora.
35. E não tendo que o fazer, em espírito aberto, de boa-fé e procurando lançar mão de todos os meios (extrajudiciais inclusive) para receber o seu crédito, a aqui Recorrente interpelou não apenas a arrendatária nos termos da alínea b) do nº.5 do art. 10º do NRAU, mas interpelou ainda, por carta registada com aviso de recepção, os fiadores daquela – os quais, à imagem da primeira, se furtaram ao seu recebimento.
36. Pelo exposto, entende a Recorrente que a decisão recorrida é violadora das normas jurídicas adjectivas que não deveriam ter obstado ao recebimento do requerimento executivo e prosseguimento da acção executiva [arts. 812º-Eº.1, a) e 820º do CPC, na redacção vigente à data da entrada do requerimento executivo], mas incorre ainda em erro na determinação da lei/norma aplicável ao caso sub judice [art. 10º.5, b) do NRAU e não o art. 10º.3 e 4 do mesmo diploma legal].
Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que conclua pela suficiência do título oferecido aos autos, ordene o recebimento do requerimento inicial executivo e determine o prosseguimento dos autos de execução para pagamento de quantia certa.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva as seguintes questões:
i) Se o contrato de arrendamento, em conjunto com o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, forma título executivo também contra os fiadores do arrendatário para obter o pagamento desse montante.
ii) Na afirmativa, se o título executivo se basta com o comprovativo da comunicação ao arrendatário ou exige o comprovativo da comunicação ao próprio fiador em termos similares ao da comunicação ao arrendatário.
iii) Se no caso essa comunicação foi feita.

III.
1. Os factos que relevam para a decisão a proferir são os seguintes:
2. Por contrato datado de 14 de Abril de 2009, a exequente declarou ceder a E…, para habitação, o gozo do seu imóvel sito na Rua …, nos. …/…, no Porto, pelo prazo de 5 anos, mediante a renda mensal de €450,00.
3. Os aqui executados C… e D…, ele residente na Rua … e ela na Rua …, no Porto, intervieram no contrato declarando que, solidariamente com a arrendatária, assumiam o cumprimento de todas as cláusulas do contrato, seus aditamentos e renovações, renunciando ao benefício de excussão prévia.
4. A exequente requereu a notificação judicial avulsa da arrendatária, a realizar no endereço do arrendado, de que as rendas relativas ao contratos estavam por pagar desde Fevereiro de 2012, inclusive, num total vencido até à data do requerimento de €3.200,00, e que por esse motivo resolvia o contrato devendo ser-lhe entregue o imóvel do final do terceiro mês posterior.
5. Em 28.11.2012 foi lavrada certidão negativa na qual consta que não foi possível concretizar a notificação por não ter sido possível encontrar a notificanda e não haver a certeza de que a mesma resida ainda no local arrendado.
6. Em 28.01.2013 a exequente expediu carta registada com aviso de recepção dirigida à arrendatária, para o endereço do arrendado, comunicando-lhe o valor das rendas em dívida e pedindo o seu pagamento.
7. Esta carta foi devolvida com a indicação “objecto não reclamado”.
8. Em 28.01.2013 a exequente expediu cartas registadas com aviso de recepção dirigidas aos executados D… e C…, para os respectivos endereços constantes do contrato, informando-os do montante das rendas em dívida, que o contrato de arrendamento foi resolvido e que iria encetar diligências para desocupação do imóvel e cobrança das rendas em dívida.
9. A carta destinada à executada D… foi devolvida com a indicação “objecto não reclamado”.
10. A carta destinada ao executado C… foi devolvida com a indicação “mudou-se”.

IV.
A situação que se nos apresenta nestes autos remete para as seguintes questões jurídicas:
-O título executivo previsto, em relação ao arrendatário, no artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, também se estende ao fiador do arrendatário?
-Na afirmativa, para o fiador ser executado com base nesse título basta que o contrato de arrendamento seja acompanhado de comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida ou é necessário também o comprovativo da comunicação ao próprio fiador?
A norma jurídica que prevê este título executivo é o referido artigo 14.º-A do NRAU que sob a epígrafe “título para pagamento de rendas, encargos ou despesas” dispõe o seguinte:
“O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Antes das alterações aditadas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, o NRAU regulava esta matéria no artigo 15.º, n.º 2, que dispunha o seguinte:
“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Como se vê, entre as duas normas existe apenas a correcção de uma imperfeição técnica (substituição da expressão incorrecta título executivo para “a acção” de pagamento de renda pela expressão correcta título executivo para “a execução” para pagamento de quantia certa) e o aditamento de que o título também pode compreender encargos e despesas que corram por conta do arrendatário[1].
Tal como o anterior artigo 15.º, n.º 2, também o actual artigo 14.º-A, lamentavelmente, não explicita contra quem se forma o título executivo que prevê. As normas referem os documentos que devem reunir-se para em conjunto formarem o título executivo, não referem as pessoas que ficam abrangidas pela força executiva desses documentos, ou seja, se havendo vários intervenientes no contrato – v.g. o arrendatário e o fiador, com ou sem renúncia ao benefício da excussão prévia – todos eles se devem considerar abrangidos pela força executiva ou apenas o arrendatário que é afinal o devedor principal e inevitável das rendas. Daí a dúvida quanto à inclusão do fiador nesse elenco.
É conhecida diversa jurisprudência[2] que se inclina para considerar que também existe título executivo contra o fiador, podendo mesmo afirmar-se que se trata da posição dominante da jurisprudência tornada pública. Entre os que defendem esta posição, discute-se ainda se para haver título executivo contra o fiador é necessário comprovativo da comunicação ao próprio ou basta mesmo a comunicação ao arrendatário, caso em que o fiador pode ser executado sem previamente saber sequer que a obrigação do arrendatário se venceu e lhe é exigível a si o pagamento, havendo defensores de ambas as posições.
Os argumentos normalmente apresentados para justificar a formação de título executivo também contra o fiador partem essencialmente do regime substantivo da fiança e da ideia de que de acordo com este a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634º do Código Civil), razão pela qual, salvo se houver estipulação diversa, é desnecessária a interpelação dos fiadores.
Depois acrescenta-se que enquanto documento particular que importa a constituição de obrigações pecuniárias, o contrato de arrendamento já seria título executivo, nos termos gerais, logo contra todas as pessoas nele obrigadas, e que a norma do NRAU apenas restringe a sua exequibilidade intrínseca ao exigir a apresentação conjunta do comprovativo da notificação ao arrendatário.
Finalmente, acentua-se a ideia de que essa notificação não é necessária para o vencimento da obrigação, apenas servindo o objectivo de obrigar a uma como que liquidação extrajudicial prévia do montante em dívida e que isso não é necessário em relação ao fiador uma vez que em qualquer circunstância a medida da sua obrigação é a da obrigação principal e daí que a sua notificação seja desnecessária e inútil.
De acordo com este entendimento, por essas razões, não restringindo a norma do NRAU o título ao arrendatário, deve entender-se que também existe título contra o fiador que tenha intervindo no contrato, assim se poupando a necessidade de instauração de uma acção declarativa contra o fiador.
Independentemente do mérito destes argumentos, afigura-se-nos que os mesmos devem ser reponderados à luz das últimas alterações do Código de Processo Civil ao nível do elenco de títulos executivos[3].
Com o novo Código de Processo Civil os documentos particulares que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias não são mais títulos executivos, pois não constam do elenco taxativo de títulos definido no artigo 703.º do novo Código de Processo Civil. Face ao novo Código de Processo Civil a previsão do artigo 14.º-A do NRAU não é pois uma restrição à regra geral de exequibilidade do contrato de arrendamento, é o único fundamento legal em função do qual se lhe pode atribuir esse valor.
Por outro lado, é extremamente discutível que no anterior Código de Processo Civil o contrato de arrendamento pudesse ser qualificado como título executivo à luz do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), ou seja, qualificado como documento particular que importa a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias.
Com efeito, o contrato de arrendamento é um contrato de execução continuada ou periódica uma vez que a renda é a contraprestação do gozo da coisa e esse gozo é algo que se vai fruindo paulatinamente, à medida do decurso do tempo. Não se trata de uma relação contratual de que resulte instantaneamente uma obrigação única mas cujo cumprimento foi apenas fraccionado no tempo (em que, portanto, o tempo funciona apenas como elemento espoletador do vencimento, sendo o contrato bastante para a sua constituição), mas antes de uma relação contratual de que resulta que, no futuro, como contrapartida de uma prestação a realizar correspondente a um período de tempo que há-de decorrer (e se decorrer), se constituirá a obrigação de pagamento da contraprestação fixada no contrato, isto é, se constituirá a dívida da renda relativa a um determinado mês de arrendamento.
Não é porque se celebrou um contrato de arrendamento que de imediato, com base nesse contrato, o senhorio pode exigir o pagamento das rendas de todo o prazo contratado de duração do contrato. Independentemente da data do seu vencimento, a obrigação de pagamento da renda de um determinado mês só se constitui quando se alcança o início do período de tempo correspondente. Nesse sentido, o contrato de arrendamento prevê a constituição futura da obrigação do pagamento da renda (definindo antecipadamente os termos dessa obrigação se a mesma se vier a constituir), mas não importa de imediato a sua constituição[4]. Para se constituir, a obrigação de pagamento da renda não depende de uma prestação por parte do credor (o que permitiria a instauração da execução mas exigiria, nos termos do artigo 804.º do Código de Processo Civil, a prova preliminar da realização ou oferta da prestação do credor), depende sim do decurso do tempo e esse naturalmente não resulta do próprio contrato de arrendamento que é temporalmente localizado.
Nessa medida, afigura-se-nos no mínimo altamente questionável qualquer argumento que vá buscar ao Código de Processo Civil apoio para a atribuição de força executiva quando esta não resulta expressamente da norma do NRAU em causa[5], e sobretudo, impossível fazer esse percurso argumentativo em face do disposto no novo Código de Processo Civil.
Muito discutível é também o argumento desenvolvido a partir do artigo 634.º do Código Civil e da desnecessidade da interpelação do fiador. É seguro que a medida da obrigação do fiador não depende da sua interpelação, pela simples razão de que a sua obrigação cobre as consequências legais da mora do devedor. Mas é só isso mesmo que se extrai do disposto no artigo 634.º do Código Civil, ou seja, o critério da extensão da medida do fiador, não a definição dos requisitos do exercício do direito do credor.
Na verdade, como qualquer outra relação jurídica, a relação que em virtude da fiança se estabelece entre o credor e o fiador não deixa de estar subordinada às regras da boa fé (artigo 334.º do Código Civil). Ora sendo o fiador um mero garante, não beneficiando ele da contraprestação da obrigação garantida[6], estando ele normalmente em más condições para acompanhar o decurso da relação que é fonte dessa obrigação e as respectivas vicissitudes, sendo a fiança um negócio de risco na medida em que o fiador não controla o cumprimento da obrigação e responde pelas consequências de uma actuação alheia, e tendo a relação entre o credor e o fiador natureza contratual, parece dever entender-se que as regras da boa fé impõem ao credor que informe o fiador da situação que o irá fazer ter de responder pela obrigação[7].
Diríamos mesmo que é o mínimo que se lhe exige, sendo certo que beneficiando embora da garantia, o credor não poder pretender exercer o seu direito desprezando por completo os interesses do fiador, o qual, respondendo embora perante o credor numa situação de incumprimento, tem todo o interesse em saber prontamente do incumprimento para tentar pôr-lhe termo, diligenciar pelo rápido cumprimento para obstar ao agravamento da prestação e/ou acautelar o exercício do direito de regresso sobre o garantido. Uma vez que estes interesses não colocam em risco os interesses do credor, muito pelo contrário, são absolutamente compatíveis com eles e podem mesmo contribuir para a satisfação do seu crédito, não vemos como deixar de lhe impor esse dever de informação com fundamento na sua vinculação às regras da boa fé.
Igualmente não nos convence o argumento tirado a propósito da suposta finalidade normativa da exigência da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida. A jurisprudência conhecida aceita que essa comunicação não é necessária “para demonstrar a existência do dever de prestar, visto que este resulta do contrato, nem para tornar a obrigação exigível, dado que tratando-se obrigação de prazo certo, nos termos do artigo 805.º, nº 2, do Código Civil, vence-se com o simples decurso desse prazo”, com o que se concorda plenamente. Mas depois sustenta que a finalidade normativa do preceito se prende “com a necessidade de proceder a uma liquidação aritmética, prévia e extraprocessual, do valor das rendas em dívida de modo a tornar claro os valores que o exequente considera compreendidos na prestação devida, tendo em conta a tendencial perdurabilidade do contrato de arrendamento e o carácter periódico da obrigação de pagamento da renda”.
Com todo o devido respeito, não vemos como é que isto pode constituir a finalidade normativa de um preceito legal destinado a atribuir a um documento força de título executivo. De facto, independentemente da reacção do arrendatário a essa comunicação, mesmo que o arrendatário responda ao senhorio impugnando que o seu débito ascenda ao valor comunicado, o senhorio poderá sempre instaurar a execução pelos valores que entende serem-lhe devidos, designadamente pela singela razão de que entre o momento do envio da comunicação e a instauração da execução se continuaram a vencer rendas e nenhum motivo há que impeça que as mesmas sejam logo pedidas na execução. Sendo assim, para que serviu a comunicação? Nessa lógica, aparentemente, apenas para o arrendatário ter mais tempo para preparar a oposição à execução. Não parece que este possa ser a finalidade normativa de um preceito legal e, em rigor, tal só é normalmente afirmado pela dificuldade em ver mesmo qual possa ser essa finalidade.
Tanto quanto julgamos, a lógica da norma tem de se encontrar nas circunstâncias da elaboração do NRAU e nas finalidades a que se propôs o legislador. Tratou-se de uma reforma que procurou, mais uma vez, tornar mais flexível o mercado do arrendamento, agilizando as situações de actualização da renda, as formas de extinção do contrato, os procedimentos para a recuperação do gozo arrendado pelo senhorio. A criação de diversos títulos executivos para obtenção da entrega do arrendado e de um título executivo para a obtenção do pagamento das rendas é parte da realização dessas preocupações. Contudo, como o arrendamento é um contrato com particular incidência e acuidade social e particularmente importante para a satisfação do direito à habitação, o seu regime jurídico é sempre o resultado de um compromisso decidido pelo legislador entre o objectivo último da liberalização quase total do contrato e a impossibilidade de gerir as consequências sociais e económicas que isso traria para milhares de arrendatários. Daí que muitas das suas normas sejam exactamente isso: a definição de um compromisso entre o que se pretendia e o que se considera socialmente aceitável.
A comunicação ao arrendatário do montante em dívida insere-se nessa lógica. A comunicação não serve nenhum objectivo específico, não serve rigorosamente para nada: o arrendatário sabe seguramente o que pagou e, consequentemente, o que está em dívida, como sabe o dia em que devia ter efectudo o pagamento em falta e que desde essa data se encontra em mora, não necessita pois que lhe façam qualquer liquidação da dívida. A comunicação não tem qualquer vantagem ao nível nem da certificação, nem da segurança, nem da certeza de que a dívida que vai ser exigida se constituiu, é certa, é liquida, é exigível, que seriam afinal os objectivos que poderiam condicionar a atribuição ao documento de força executiva. O objectivo da norma é, a nosso ver, um só: na medida em que se consente a passagem imediata à acção executiva sem as delongas do processo declarativo, quer-se com isso criar mais um compasso de espera, mais um interregno no exercício coercivo do crédito das rendas, dar ao arrendatário mais uma oportunidade para pagar e evitar a execução, regularizando a situação contratual.
Ora não vislumbramos razão para excluir o fiador, que não obstante haja renunciado ao benefício da excussão prévia continua a ser um mero garante da obrigação, dessa vantagem, desta oportunidade que a norma dá ao arrendatário. Pelas razões antes mencionadas quanto à boa fé com que o credor deve exercer o seu direito à satisfação do crédito, afigura-se-nos mesmo que em relação ao arrendatário a comunicação ao fiador não é exigível por igualdade de razões, ela é exigível por maioria de razões.
Se analisarmos o regime jurídico da fiança encontramos, aliás, todo um conjunto de norma cuja ideia força é a de que o fiador não pode ser colocado em condições mais gravosas do que o devedor principal (artigos 631.º, 635.º, 636.º, 637.º, 642.º do Código Civil), pelo que dificilmente se pode conceber que o NRAU pudesse introduzir um tratamento mais desfavorável do fiador (ser executado sem a diligência prévia que o devedor principal pode exigir) sem introduzir alterações naquele regime jurídico, que seria naturalmente a localização sistemática indicada, para mais quando nada justifica que só por ser garante de um arrendatário, o fiador do arrendatário tenha um regime diverso dos demais fiadores[8].
A nosso ver, sendo esta uma situação de título executivo definido especialmente pela lei, ou seja, uma situação particular em função de cujas particularidades o legislador decidiu conferir ao0 credor, de modo excepcional[9], o acesso directo à acção executiva, e sendo o elenco de títulos executivos um elenco taxativo e excluído da disponibilidade das partes, que nem por acordo podem criar títulos executivos ad hoc, para poder abranger qualquer outro responsável pelo pagamento da renda para além do arrendatário, a norma devia referi-lo de modo claro e isso não sucede.
Por esse motivo, cremos que ou a atribuição de força executiva resulta com grande segurança do conjunto da ordem jurídica ou a mesma deve ser recusada. Com a nota de que estando em causa uma condição de acesso a um determinado processo judicial as normas que podem relevar para esse efeito são as normas processuais, não as normas substantivas já que é por demais evidente que não é haver vários responsáveis por uma determinada dívida que todos podem ser accionados judicialmente de igual forma[10].
Sucede que existe na lei um diploma assaz revelador da intenção legislativa. Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, procedeu à instalação e à definição das regras de funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento, com vista à concretização do procedimento especial de despejo, o qual se aplica, designadamente, à resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de renda por mais de dois meses.
No respectivo artigo 7.º este diploma estabelece expressamente que quando seja deduzido pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, este apenas pode ser deduzido contra os arrendatários, não sendo, por isso, possível deduzir, no BNA, um pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, contra devedores subsidiários da obrigação do arrendatário. Admitindo a norma que além do arrendatário possam ser executadas outras pessoas (o cônjuge do arrendatário, mesmo que não seja parte do contrato de arrendamento) é forçoso concluir que o que justifica a solução não é o número de pessoas a demandar e que a existência de outros possíveis demandados para além do arrendatário não levanta afinal qualquer dificuldade que impeça a sua demanda através do Balcão Nacional do Arrendamento.
Por outro lado, não se deve ignorar que a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que alterou o NRAU teve o cuidado de retirar este normativo do lugar secundário de último número do artigo 15.º, conferindo-lhe a dignidade de constituir sozinho um preceito autónomo. Por isso, sendo já conhecida a polémica jurisprudencial e doutrinal que a norma vinha suscitando, a circunstância de as melhorias introduzidas no seu texto não terem compreendido, como era possível que tivesse acontecido, a tomada de posição expressa sobre a divergência de posições e se ter antes optado pela manutenção da menção exclusiva ao arrendatário (e não, por exemplo, a sua substituição pela referência a “devedor” ou a “obrigado”), pode ser interpretada como um sinal de que para o legislador a norma legal abrange exclusivamente a formação do título executivo contra o arrendatário.
Defendendo que não se forma título executivo contra o fiador pronunciou-se Rui Pinto Duarte, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, págs. 1164 e 1165. Este autor apresenta os seguintes argumentos para defender essa posição: a norma não o prevê e por força do princípio da taxatividade dos títulos executivos e da natureza restritiva das normas que os prevêem não é possível fazer interpretações extensivas da norma; o título executivo é complexo e pressupõe a reunião conjunta de dois documentos, pelo que se o fiador não consta de um deles não existe título executivo contra ele; a alteração do NRAU pela Lei n.º Lei n.º 31/2012, de 14/08, deixou intocado o texto quando a questão já se discutia num sinal de que o legislador não pretendeu tornar claro que o fiador também pode ser executado; o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, denuncia essa intenção legislativa ao consagrar expressamente que só o arrendatário pode ser objecto do procedimento especial de despejo quando nele está compreendido a execução das rendas em dívida.
Também Fernando de Gravato Morais, in Cadernos de Direito Privado, n.º 27, pág. 57 e seguintes, e in Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, pág. 76 e seguintes, defende que não se forma título executivo contra o fiador, com o fundamento essencial de que não sendo a norma clara no sentido de incluir o fiador e havendo elementos literais que indiciam que o quis excluir, uma vez que o fiador se encontra numa posição mais débil não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele.
Pelas razões que acabamos de explicitar, afigura-se-nos que a razão está com estes autores: o artigo 14.º-A do NRAU não prevê a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário. No caso de se sustentar a posição contrária, para haver título executivo deve exigir-se, por maioria de razão, o contrato de arrendamento onde o fiador intervenha e o documento comprovativo da comunicação ao fiador das rendas em dívida, nos precisos termos em que essa comunicação deve ser feita ao arrendatário.
Por conseguinte, sendo a presente execução movida apenas contra os fiadores, somos a entender que pura e simplesmente não existe título executivo para os demandar. Mas vejamos se de acordo com a outra posição que não professamos mas que, em tese, admitimos (ser necessária a comunicação ao fiador para se formar título executivo contra este), haveria título executivo.
Na decisão recorrida entendeu-se que a comunicação ao arrendatário e aos fiadores não foi realizada com as formalidades legais, conclusão que a recorrente contesta.
A matéria das modalidades e formalidade da comunicação entre as partes no contrato de arrendamento encontra-se regulada de modo exaustivo e cuidadoso nos artigos 9.º e 10.º do NRAU.
Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, o artigo 9.º que rege sobre a “forma de comunicação” estabelece o seguinte:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
(…) 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efectuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
Por sua vez o artigo 10.º, preocupado com as vicissitudes que podem impedir o sucesso da comunicação ou os litígios a propósito da sua concretização, estabelece o seguinte:
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;
b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e actualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a recepção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efectuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Aplicando o regime destes dispositivos legais ao caso em apreço e tendo presente os factos apurados acima relatado, é fácil concluir que quanto à arrendatária a notificação se deve considerar efectuada regular e eficazmente.
Com efeito, sendo a primeira comunicação para efeitos de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e interpelação para o pagamento destas, a senhoria promoveu a notificação da arrendatária, como devia, por notificação judicial avulsa (artigo 9.º, n.º 7).
E uma vez que essa notificação judicial avulsa se frustrou por a arrendatária não ter sido encontrada, a senhoria enviou, como devia, carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que a destinatária não tinha sido localizada (artigo 10.º, n.º 5), sendo que nos termos legais, apesar de esta carta não ter sido recebida (foi devolvida), a mesma considera-se recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
A arrendatária considera-se, pois, regular e eficazmente notificada. A entender-se que essa comunicação é necessária e suficiente para a formação de título executivo teríamos título executivo. Não é, contudo, a comunicação à arrendatária que, em nossa opinião, releva para o presente caso. É a comunicação aos fiadores.
Quanto a estes, a senhoria limitou-se a enviar uma carta. E, apesar de a mesma ter sido devolvida (no caso da fiadora por não ter sido reclamada; no caso do fiador por constar a informação de que o destinatário se mudou), certo é que a senhoria, ao contrário do que fez com a arrendatária, relativamente à qual cumpriu a derradeira tentativa prevista no artigo 10.º, não tentou novamente comunicar-lhes a falta de pagamento da renda, não tendo enviado nova carta registada com aviso de recepção conforme prevê o artigo 10.º.
Ora nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea b), nos casos em que a carta haja sido devolvida por ter sido recusada ou não ter sido levantada na estação de correios (sendo certo que no caso do fiador o motivo da devolução anotado no envelope não é sequer nenhum desses) a comunicação não se considera feita quando as cartas integrem título para pagamento de rendas ao abrigo do artigo 14.º-A, que é precisamente a finalidade que aqui estaria em causa. Nessa situação, o n.º 3 do artigo 10.º exige o envio de nova carta registada com aviso de recepção, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, e o n.º 4 prescreve que se esta segunda carta for devolvida por ter sido recusada ou não ter sido levantada na estação de correios a comunicação se considera feita no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta.
Por conseguinte, tendo enviado apenas uma carta dirigida aos fiadores e tendo esta sido devolvida, no caso da fiadora por não ter sido reclamada [situação em que o envio da segunda resolvia o impasse na comunicação], e no caso do fiador por este se ter mudado [sem que o contrato contenha convenção de domicilio que tornasse essa mudança inoponível ao senhorio - cf. parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º - e em que, portanto, o envio de uma nova carta para a mesma morada não resolvia o impasse – cf. primeira parte do n.º 4 do artigo 10.º -], a senhoria não procedeu, em relação aos fiadores, às comunicações exigíveis, por equiparação à posição da arrendatária, para se formar o título executivo do artigo 14.º-A do NRAU.
Em suma, bem andou a decisão recorrida ao rejeitar liminarmente a acção executiva por manifesta falta de título executivo em relação aos executados, atenta a sua qualidade de fiadores da arrendatária. Improcedem por isso as conclusões das alegações de recurso.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Porto, 24 de Abril de 2014.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator por vencimento; Rto136)
Teresa Santos (vencida, conforme declaração de voto que junto).
José Amaral
______________
[1] A norma abandonou ainda o último número do artigo 15.º onde se encontrava, autonomizando-se e passando a constituir, sozinha, um artigo da Lei.
[2] Que vem mesmo elencada nas alegações de recurso, pelo que nos dispensamos de a indicar aqui de novo, remetendo para as conclusões supra.
[3] Sem prejuízo de o mesmo não se aplicar ao presente processo executivo, conforme resulta do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[4] Nesse particular, o contrato de arrendamento não se distingue do contrato de empreitada ou do contrato de compra e venda do vinho a produzir nos anos seguintes ao contrato, relativamente aos quais não nos consta que alguma vez hajam sido aceites como títulos executivos para obter o pagamento do preço da obra (a realizar) ou do preço do vinho (que ainda não se produziu). Mas distingue-se, por exemplo, do contrato de compra e venda em que o efeito translativo do direito real opera por mero efeito do contrato e se constitui de imediato a obrigação de pagamento do preço, ou do contrato de mútuo em que haja de imediato a entrega da quantia mutuada e no qual a obrigação de restituição dessa quantia se constitui de imediato.
[5] Que esse argumento prova demais resulta aliás da própria existência da norma do NRAU, a qual, em relação ao arrendatário, que não pode deixar de estar presente em qualquer contrato de arrendamento mas é, apesar disso, o único contraente indicado na norma, não seria necessária se a força executiva do contrato resultasse das normas do Código de Processo Civil (sendo certo que mesmo quem entenda que o contrato de arrendamento “importa a constituição da obrigação” de pagamento das rendas futuras não ousará sustentar que para reunir essa qualidade o contrato necessite do comprovativo da notificação ao arrendatário do montante de rendas em dívida).
[6] Em condições normais, uma vez que não está excluído – e parece ser o caso – que o fiador seja alguém que reside em economia comum com o arrendatário e, por isso, usufrua do imóvel arrendado para habitação. Mas mesmo nesse caso, esse benefício resulta da situação de vivência em economia comum com o arrendatário e dela depende, e não de qualquer posição jurídica emergente directamente do contrato e exercível em relação ao senhorio.
[7] Neste sentido cf. Januário Gomes, in Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág. 941 e segs.
[8] Não existe aliás norma do NRAU que consinta essa extrapolação.
[9] Dizemos excepcional porque no nosso sistema jurídico a regra é a necessidade de obter previamente uma sentença condenatória que afirme e reconheça o direito antes de se poder reclamar a sua execução coerciva. Essa regra foi mesmo acentuada com o novo Código de Processo Civil.
[10] A invocação das normas do Código Civil que definem o jurídico da fiança para permitir a instauração da execução contra o arrendatário e também contra o fiador, deveria levar a aceitar, afinal, em qualquer situação em que haja um garante da obrigação, que a execução pudesse ser instaurada contra o devedor principal e o garante ainda que o documento que constitui o título executivo (v.g. título de crédito) apenas tenha a intervenção do devedor principal (o contrato de arrendamento não é, como vimos, o título executivo, este é composto pela reunião de dois documentos, sendo que a ambos deve ser reconhecido relevo para a determinação da legitimidade passiva para a execução).
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Voto vencido:
Quanto ao título executivo, no caso da existência de fiadores, ser exigível, para além do contrato de arrendamento, do comprovativo da comunicação à arrendatária do montante em dívida, ainda do comprovativo de que àqueles foi feita a comunicação do montante em dívida, adiro antes à posição assumida maioritariamente nesta Relação, cujos argumentos, no essencial são coincidentes, conforme se constata, entre outros, nos seguintes Arestos: Acórdãos desta Relação de 12.5.2009 (Relator, Guerra Banha), proc. n.° 1358/07.6YYPRT-B.P1, de 23.6.2009 (Relator, Cândido Lemos), proc. n.° 2378/07.6YYPRT-A.Pl, de 6.10.2009 (Relator, Henrique Antunes), proc. n.° 2789/09.2YYPRT.P1, de 04.05.2010, (Relator, Rodrigues Pires), proc. n.° 3913/08.8TBGDM-B.P1, decisão individual, de 16.05.2011, (Relator, Rui Moura), proc. n.° 515/l0.2TBMAI-A.Pl, Acórdãos, de 18.10.2011, (Relatora, Maria Cecília Agante), proc. n.° 8436/09.5TBVNG-A.P1 e de 21.03.2013, (Relatora, Anabela Dias da Silva), proc. n.° 8876/097TBMAI-A.P1, decisão individual da Relação de Lisboa (Relator Tomé Gomes), proc. n.° 10790/2008.7, Acórdão da RC de 21.04.2009, proc. n° 7864/07, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Assim, e seguindo esta posição, consideraria que os documentos que foram apresentados pela exequente com o requerimento executivo - contrato de arrendamento e comprovativo da comunicação à arrendatária do montante das rendas em dívida, - constituem título executivo tanto contra a arrendatária como contra os fiadores.
E, daí, revogaria a decisão recorrida, que deveria ser substituída por outra que desse normal andamento ao requerido.

Teresa Santos