Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1442/12.4TCLRS-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXEQUIBILIDADE
EXECUTADO
FIADOR
RENDA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULO EXECUTIVO - PROCESSO DE EXECUÇÃO / PENHORA.
Doutrina:
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 329.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 627.º, N.ºS 1 E 2, 634.º, 638.º, 640.º, ALÍNEA A), 1041.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 46.º, N.º1, ALS. C) E D), 828.º.
LEI N.º 6/2006, DE 27 DE FEVEREIRO, NA REDACÇÃO ANTERIOR À DA ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 31/2012, DE 14 DE AGOSTO (NRAU):- ARTIGO 15.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 31.03.2009 E DE 21.04.2009, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 17.06.2010 E DE 6/05/2014,ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 23.06.2009 E DE 6.10.2009, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O art. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o art. 46.º, n.º 1, al. d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.

II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título.

III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.

IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida.

V - Não obstante o art. 15.º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita também aos fiadores.

VI - Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação referida em V.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - AA – Comércio de Artigos Desportivos, L.da, intentou, em 24/02/2012, contra BB, S.A., CC e DD acção executiva para haver deles a quantia de € 54.455,86.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que celebrou com a 1ª executada, em 21 de Setembro de 2010, um contrato de arrendamento, pelo prazo de cinco anos, sucessivamente renovável, com início em 1 de Outubro de 2010, tendo os demais executados assumido nele a posição de fiadores, responsabilizando-se solidariamente com a arrendatária pelo cumprimento das obrigações emergentes do contrato.

Tendo sido acordada a renda mensal de € 2.500, a 1ª executada nada pagou, para além da quantia de € 1.250 na data da outorga do contrato, tendo entregue o local arrendado à exequente em 15 de Julho de 2011, o que constituiu denúncia unilateral do contrato, sem respeitar o pré-aviso de 180 dias acordado.

São, por isso, devidas as rendas de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012, no valor global de € 35.000, a que acrescem € 17.500, quantia correspondente a 50% do valor das rendas em atraso, nos termos do artigo 1041º, nº 1 do C. Civil e bem assim € 1.955,86, a título de despesas respeitantes a electricidade, água e condomínio.

Apesar de interpelados, nenhum dos executados pagou à exequente a quantia em dívida.

Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo quanto aos executados fiadores, com o fundamento de que, quanto as eles, inexistia título executivo.

Contra tal decisão apelou a exequente, tendo a Relação, por douto acórdão de 6/05/2014, na parcial procedência da apelação, declarado a existência de título executivo quanto aos fiadores no tocante às rendas indicadas como estando em dívida na comunicação feita, ou seja as rendas respeitantes aos meses de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012, ordenando, por isso, que, também quanto a eles, a execução prosseguisse em conformidade, ou seja, quanto ao pedido valor de € 35.000 (trinta e cinco mil euros).

Inconformado, recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o executado CC, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:

1ª - O presente recurso tem o seu fundamento no facto de o ora recorrente não se conformar com o douto acórdão de fls. 56 e seguintes, que, julgando a apelação parcialmente procedente, declarou a existência de título executivo quanto aos fiadores, sendo que a presente Revista é referente apenas à matéria de direito, tendo por essência, o disposto no artigo 674º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

2ª - Deliberou o Acórdão recorrido que, tendo em conta o disposto no artigo 15º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na sua redacção anterior à alteração operada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, o título executivo assim formado também respeita aos fiadores. Ora,

3ª - O citado artigo 15º n.º 2 do NRAU veio atribuir força executiva ao contrato de arrendamento para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em divida.

4ª - Continuava o nº 1 do artigo 45º do CPC a dispor que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução, destacando-se de entre as espécies de títulos previstas no n.º 1 do artigo 46º, no que ao caso importa, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, e os documentos a que por disposição especial, seja atribuída força executiva.

5ª - Assim sendo, não restam dúvidas que o nº 2 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, ao conferir força executiva ao contrato de arrendamento condicionada à apresentação do mencionado comprovativo, criou um título executivo complexo, porque composto por dois documentos específicos, e constitui uma disposição especial para efeitos de cumprimento coercivo das rendas.

6ª - E porque se trata de norma especial não comporta interpretação analógica (cfr. artigo 11º do Código Civil), não podendo ademais olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (cfr. artigo 9º n.os 2 e 3 CC).

7ª - Deste modo, em presença de norma especial que cria um específico título executivo, também ele de natureza especial, face à letra da lei e à presumida correcção do acerto e correcta expressão do pensamento legislativo, temos de concluir que o artigo 15º nº 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra o arrendatário e não contra os fiadores, ainda que figurem no contrato como principais pagadores.

8ª - A interpretação de que a dívida exequenda emerge do próprio contrato de arrendamento e, por isso, tem como sujeito passivo todo aquele que se obrigou a pagar as rendas em dívida, incluindo os fiadores, vai contra a letra da Lei, porque se assim fosse então qual a utilidade da comunicação ao arrendatário, prevista especificamente na Lei.

9ª - Não havendo a obrigação de comunicação ao fiador, este pode ser surpreendido com uma execução, com penhora dos seus bens, sem sequer saber previamente que havia rendas em dívida.

10ª - O fiador de um arrendamento, assumindo a responsabilidade por rendas em dívida, pode, confirmando que a dívida existe, querer pagar voluntariamente ao senhorio e não ser sujeito a um processo executivo, com os custos inerentes com agentes de execução e custas processuais e com o seu nome constando de listas públicas em que figuram executados.

11ª - O fiador, mesmo à data da assinatura do contrato em causa nos presentes autos em que um mero documento particular de confissão de dívida poderia servir de título executivo, não admitia que ao assinar um contrato de arrendamento, nessa qualidade, pudesse conferir a esse mesmo contrato, o valor de título executivo, caso o arrendatário não pagasse as rendas.

12ª - A fiança é uma garantia de satisfação do direito de crédito - artigo 267º do Código Civil - sendo que e devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – artigo 805º, do Código Civil; e, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados no Código Civil e nas leis de processo - artigo 817º, do Código Civil.

13ª - Pelo que, a interpretação feita no Acórdão recorrido viola, também, todas estas regras gerais.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.

Os elementos processuais aqui certificados e com interesse para a decisão do recurso são os seguintes:

1º - Como título executivo, a exequente apresentou o contrato de arrendamento de fls. 10/17, celebrado pela exequente e pela 1ª executada, nos termos do qual a 1ª declarou dar de arrendamento à 2ª a fração correspondente ao 2º andar letra D do imóvel situado na Rotunda …, nº …, na Portela de Sacavém, em Loures, de que é dona, mediante o pagamento, por esta última, de renda mensal no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros).

2º - Segundo o mesmo acordo, o arrendamento, com início em 1 de Outubro de 2010, vigoraria pelo período de cinco anos, renovando-se por períodos iguais e sucessivos de três anos, salvo se alguma das partes se opusesse à renovação.

3º - Nele intervieram como terceiros contraentes os 2º e 3º executados, os quais, como consta da cláusula 10ª, declararam constituir-se “Fiadores da Inquilina” e, sem benefício de excussão prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo deste e as suas eventuais renovações.”

4º - A exequente, através da sua Advogada, enviou aos executados BB, S.A., DD e CC as cartas juntas em cópia a fls. 18/19, 21/22 e 24/25, onde lhes pede o pagamento das rendas correspondentes aos meses de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012, a indemnização legal pela mora e os valores respeitantes às despesas de electricidade, água e condomínio, no valor global de € 46.955,86.

3.

Atendendo às alegações do Recorrente e respectivas conclusões, a questão sujeita à apreciação do STJ é a de saber se o artigo 15º nº 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra o arrendatário, que não contra os fiadores, ainda que figurem no contrato como principais pagadores.

4.

A sentença, depois de concluir que o artigo 15º, n.º 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra o arrendatário, veio a considerar, como corolário lógico retirado da 1ª conclusão, que a exequente não dispõe de título executivo contra os executados fiadores.

Nestes termos, a sentença decidiu pelo indeferimento liminar parcial do requerimento executivo no que aos fiadores concerne, prosseguindo a execução apenas contra a executada sociedade.

Os fundamentos da sentença foram, em síntese, os seguintes:

1º - O nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, na anterior redação, ao conferir força executiva ao contrato de arrendamento, condicionada à apresentação do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, criou um título executivo complexo, porque constituído por dois documentos específicos, e constitui uma disposição especial para efeitos de cumprimento coercivo das rendas que, por isso, não comporta interpretação analógica – artigo 11º do Código Civil.

2º - Por outro lado, não pode esquecer-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de se presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento – artigo 9º, n.os 2 e 3 do Código Civil.

3º - Perante norma especial que cria um específico título executivo e face à letra do preceito e à presumida correção de expressão do pensamento legislativo, tem de concluir-se que o nº 2 do citado artigo 15º só permite a formação de título executivo contra o arrendatário.

Por sua vez, o acórdão recorrido assentou a decisão, acima referida, nos seguintes fundamentos:

1º - O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.

2º - Com efeito, emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea a), todos do Código Civil.

3º - Porém, a força executória dos referidos documentos apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário e não a indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil nem quaisquer outros valores alegadamente em dívida.

5.

O recorrente CC, na sua qualidade de fiador, não se conforma com o segmento do acórdão na parte em que declarou a existência de título executivo quanto aos fiadores, pretendendo que a execução prossiga apenas quanto à arrendatária, retomando os argumentos em que se apoiou a sentença, atrás explicitados.

Ou seja, enquanto o acórdão recorrido considerou que o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no contrato tenham assumido a obrigação de fiadores, o recorrente pretende a repristinação da sentença na parte em que considerou que o artigo 15º, n.º 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra o arrendatário, não dispondo, por isso, a exequente de título executivo contra os executados fiadores.

Assim sendo, transitou o segmento do acórdão na parte em que considerou inexistir título quanto às rendas vincendas ou não mencionadas na comunicação à arrendatária, não abrangendo igualmente tal força executiva as demais obrigações imputadas ao arrendatário e seus fiadores, como sejam a indemnização pela mora (artigo 1041º, n.º 1 do Código Civil) ou outros valores alegadamente em dívida.

Vejamos, então, a quem assistirá a razão:

Dispõe o n.º 2 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à da alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, aqui aplicável o seguinte:

O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.

Por seu lado, o artigo 46º do CPC, à altura vigente e aqui aplicável[1], estabelecia no seu nº 1,[2] que à execução podem servir de base, além de outros, os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – alínea c) -, e, ainda, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – alínea d).

Assim o artigo 15º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o disposto no artigo 46º, n.º 1, alínea d), confere especificamente força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, para a sua cobrança judicial.

Como muito bem considerou o acórdão recorrido, merecendo a nossa anuência, “a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, exigida no nº 2 do artigo 15º do NRAU, cuja única razão de ser será a de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato[3], funciona, pois, como requisito complementar da exequibilidade daquele título que é agora de natureza complexa por integrar dois elementos: o contrato onde a obrigação exequenda foi constituída e a demonstração da realização de comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida”.

“Mas o dito preceito legal, limitando-se a acrescentar um requisito para a exequibilidade de documento assinado pelo devedor que demonstra a constituição da dívida exequenda, não indica o arrendatário - nem podia fazê-lo, sob pena de contrariar o regime substantivo vigente - como único sujeito passivo da obrigação ínsita no título complexo que cria, antes omitindo toda e qualquer referência à identidade do obrigado, e fazendo referência ao arrendatário apenas como destinatário da comunicação que exige em complemento do contrato de arrendamento”.

“Daí que, a nosso ver, não tenha fundamento, salvo o devido respeito por opinião contrária, a ideia segundo a qual o título executivo assim formado respeita apenas ao arrendatário, e não também ao seu fiador, por só ao primeiro se referir o preceito”.

Com efeito, como flui do artigo 627º, n.º 1 do Código Civil, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”. A situação do fiador é, assim, a de garante da obrigação com o seu património pessoal.

A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade. A acessoriedade aparece referida no artigo 627º, n.º 2, que nos diz que «a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”. Esta característica significa que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinado por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos[4].

Dito de outro modo, por força da regra da acessoriedade, “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634º). Daqui resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor.

Por sua vez, a subsidiariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor (artigo 828º do CPC aplicável).

O benefício da excussão visa evitar a execução judicial dos bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança não se mostre insuficiente para assegurar o cumprimento da obrigação.

Ora, como ficou provado, no aludido contrato de arrendamento, os 2º e 3º executados intervieram como terceiros contraentes e declararam constituir-se fiadores da inquilina e, sem benefício de excussão prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo deste e as suas eventuais renovações.”

Significa isto que o benefício de excussão prévia foi excluído, porque os fiadores a ele renunciaram, responsabilizando-se desse modo como principais pagadores.

Assim, “emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea a), todos do Código Civil”.

Apesar de o artigo 15º, n.º 2 da Lei 6/2006 se referir apenas à comunicação ao arrendatário, consideramos que, por identidade de razão, a comunicação também deverá ser feita aos fiadores.

Ora, no caso, aos aqui fiadores foi feita comunicação idêntica à que foi dirigida à arrendatária.

Deste modo, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário e aos fiadores do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.

Neste sentido se tem pronunciado, ao que cremos, maioritariamente, a nossa jurisprudência. [5]

Acrescentou o acórdão recorrido que “do teor do citado artigo 15º, nº 2, resulta que o contrato de arrendamento e o comprovativo da comunicação feita à arrendatária dos valores em dívida, é título executivo apenas quanto às rendas indicadas naquela comunicação, e já não quanto às vincendas ou às não mencionadas naquela comunicação, não abrangendo igualmente tal força executiva as demais obrigações imputadas ao arrendatário e seu fiador, como sejam a indemnização pela mora – artigo 1041º, nº 1 do C. Civil - ou outros valores alegadamente em dívida”[6], inexistindo, por isso, título executivo quanto ao mais pedido dos fiadores, sendo certo que apenas quanto a estes a questão é objecto de recurso.

Este segmento do acórdão recorrido transitou em julgado, tornando-se, por isso, inútil apurar se seria também devido ao senhorio a indemnização pela mora (artigo 1041º, n.º 1) e outros valores alegadamente em dívida.

Assim, os documentos dados à execução constituem título executivo quanto aos fiadores no tocante às rendas indicadas como estando em dívida na comunicação feita – as respeitantes aos meses de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012.

6.

Sumariando:

I - O artigo 15º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o artigo 46º, n.º 1, alínea d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.

II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o artigo 15º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título.

III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.

IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida.

V - Não obstante o artigo 15º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita também aos fiadores.

VI - Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação referida em V.

7.

Pelo exposto, negando-se a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 26 de Novembro de 2014

Manuel F. Granja da Fonseca

António Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira

_________________________
[1] Segundo o disposto no artigo 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o CPC por ela aprovado em anexo, relativamente aos títulos executivos, só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.

[2] Matéria hoje regulada no nº 1, alíneas c) e d) do artigo 703º do NCPC.

[3] Decisão singular desta Relação, proferida em 12.12.2008, Relator Manuel Tomé Soares Gomes, www.dgsi.pt 

[4] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 329.

[5] Para além da já referida decisão singular, foi neste sentido o entendimento adoptado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 17.06.2010, Relatora Fátima Galante e de 6/05/2014, Relatora Rosa Ribeiro Coelho; da Relação do Porto de 23.06.2009, Relator Cândido Castro de Lemos e de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde Rosa Antunes; e da Relação de Coimbra de 21.04.2009, Relatora Sílvia Pires, todos acessíveis em www.dgsi.pt

Em sentido diverso se decidiu no acórdão desta Relação de 31.03.2009, Relatora Ana Resende , www.dgsi.pt.

[6] Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde Rosa Antunes, já citado.