Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24674/17.4T8LSB.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA SENTENÇA
QUEDA
DANO MORAL DO CÔNJUGE
PREJUÍZO SEXUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto em que assenta a decisão.
II- Já a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
III- Não é nula a sentença em que, pese embora a decisão de facto não seja feita ponto por ponto, mas por questões a apreciar, seja compreensível o percurso feito pelo julgador para chegar às conclusões de facto provadas e não provadas.
IV- Constitui dano moral a ser ressarcido em indemnização de 25.000,00 Euros, o dano sofrido pela mulher do lesado que sofreu uma queda, ficando como causa direta e necessária do acidente, com falta de libido, sofrendo repercussão na atividade sexual fixada no grau 5 em 7.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
AA e BB intentaram a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra COMPANHIA DE CARRIS DE FERRO DE LISBOA, S.A. pedindo a condenação da Ré: “a) no pagamento ao 1.º Autor da indemnização no montante global de 120.000,00 € a titulo de compensação de danos de natureza não patrimonial, e de 1640,00 € a titulo de danos patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora que se vierem a vencer desde a citação até integral pagamento, computados à taxa supletiva legal; b) no pagamento à 2.ª Autora da indemnização no valor global de € 40.000,00 € (quarenta mil euros), para compensação dos danos de natureza não patrimonial, quantia sobre a qual deverão incidir juros de mora à taxa supletiva legal desde a citação até integral pagamento”.
Alegaram, para tanto, e em síntese, que o Autor sofreu uma queda num edifício propriedade da Ré, da qual resultaram danos quer para o Autor quer para a sua mulher, Autora, porque aquela não cumpriu as normas de segurança a que estava obrigada, de modo a evitar o acidente. Era exigível à Ré, no cumprimento dos seus deveres de proteção, dotar o local de regras de segurança adequadas a prevenir os perigos que aquele local apresentava, ou então impedindo o seu acesso. Sabendo a Ré que o Autor se iria dirigir ao sótão não curou de instalar iluminação que permitisse aperceber-se do passadiço e da inexistência de guarda, não tendo sinalizado por qualquer modo a fragilidade da estrutura que servia de piso, incapaz de suportar o peso de um ser humano.
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Citada para contestar, a Ré veio alegar que o acidente ocorreu por negligência do Autor, não tendo violado ou omitido qualquer dever de cuidado que fosse causa do acidente, concluindo pela sua absolvição do pedido e requerendo a intervenção principal da AGEAS Portugal - Companhia de Seguros, S.A..
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Por decisão de 05/03/2018, foi deferido o chamamento da AGEAS Portugal - Companhia de Seguros, S.A..
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A Chamada apresentou Contestação, invocando a exclusão do sinistro sub judice do âmbito da responsabilidade contratualmente convencionada com a Ré, aderindo, no essencial, à Contestação da Ré e alegando ser exagerada a quantia reclamada a título de danos não patrimoniais. Referiu ainda dever ter-se em consideração os pagamentos já efetuados ao Autor ao abrigo do processo de Acidente de Trabalho.
Produzidos os meios de prova, veio a ser proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, condenar a Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, S.A. e a Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., solidariamente, a pagarem:
- ao Autor AA a quantia de € 120.500,00, (€ 500,00 + € 120.000,00), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos, sobre a quantia de € 500,00, desde a citação e, sobre a quantia de € 120.000,00, desde a presente data, até integral pagamento;
- à Autora BB a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos desde a presente data até integral pagamento.
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A chamada Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., inconformada com o teor da decisão, veio interpor recurso, concluindo da forma seguinte:
A. A recorrente não se conforma com o douta sentença recorrida, dado que entende que a R. carris não praticou qualquer ato ou omissão causal da queda do A. AA, devendo por isso o pedido improceder;
B. Porém, além do mais, o douto Tribunal a quo não fez a adequada valoração da prova;
C. Atendendo às transcritos passagens dos depoimentos testemunhais, do CC, ouvidas em audiência de julgamento na sessão de 17-10-2024, entre as 14:27:00 e as 15:25:00 horas, concretamente minutos 00:06:54 a 00:07:15; 00:07:53, 00:10:13 a 00:10:22, da DD, ouvidas na sessão de julgamento de 18-10-2024, entre as 10:18:00 e as 11:09:00 hora, minutos 00:01:47 a 00:04:10; 00:06:57 a 00:07:14; 00:11:33 a 00:11:43; 00:16:33 a 00:16:50, concatenadas com a comunicações trocadas entre o A. recorrido AA e a DD, enquanto representante da Carris, Docs.2 e 3 da douta p.i. e bem assim com o registo de entradas que consta como doc. 5 da douta contestação da Carris, impunha-se, por essencial, que o douto tribunal tivesse consignado expressamente nos factos provados, a qualidade em que CC esteve no local, sem o que, salvo melhor entendimento, o facto provado 5. não se afigura totalmente claro;
D. Em face do exposto, impõe-se a reformulação, clarificação e aditamento do facto provado 5., que salvo o devido respeito se mostra pouco claro e esclarecedor, sugerindo-se o seguinte conteúdo:
5. No dia 11 de novembro de 2014, foi agendada uma visita com a Mundimat, a pedido do Autor;
5. A Nessa visita, compareceu CC em representação da Mundimat.
E. Impõe-se ainda a reformulação e procedência da presente apelação e considerando os transcritos depoimentos, nomeadamente da DD aos minutos 00:04:16 a 00:06:54 (acesso ao local); 00.07.24 a 00:09:31 (configuração do “sótão”) e do EE, passagens 00:04.21 a 00:07.04 (acesso ao sótão); 00:08:31 a 00:08:58 (acesso condicionado) e 00:10:08 a 00:12:19, (configuração do “sótão”), suportados pelas comunicações trocadas entre as partes, Doc. 2 da douta p.i. e pelo registo de entradas, Doc. 5 da douta contestação da Carris, fotos 2 e 3 do relatório de peritagem junto com a contestação da recorrente seguradora, a clarificação e aditamento dos factos provado 3., 8. e 9., que salvo o devido respeito se mostram pouco claros e esclarecedores e, no que toca ao 9., até enganoso quanto à designação “sótão” sem mais explicações, sugerindo-se o seguinte conteúdo:
3. A As visitas a efetuar pelas entidades candidatas à adjudicação da obra, tinham de ser prévia e atempadamente agendadas com a DD e acompanhada por esta.
8. No dia 19 de novembro de 2014, sem prévio agendamento ou sequer conhecimento por parte da DD, o Autor, acompanhado de CC, dirigiu-se à portaria do edifício, identificando-se. O funcionário que aí se encontrava efetuou um telefonema para a DD que autorizou a entrada.
9. Dirigiram-se ao Edifício “E”, entraram no refeitório, que se situa no piso zero ou r/c, subiram as escadas de acesso ao 1º piso e acederam a este abrindo a porta com a chave que lhes havia sido cedida da portaria, daí acederam, através de uma escada vertical fixa, a um alçapão existente no teto do 1º andar, que dá acesso à laje da cobertura, onde se encontra uma porta de acesso à área técnica correspondente à parte inferior do telhado.
9.A Aquele local é uma área técnica, que dispõe de uma lage central, em betão, que percorre de um lado ao outro o edifício, com cerca de 1,20 metros de largura, rodeada de placas de teto falso, de sessenta por sessenta, colocadas ao nível da lage e com fios que as prendem à estrutura do edifício;
9.B Sobre a lage, estão colocadas calhas técnicas por onde passam os cabos elétricos que alimentam os candeeiros do teto falso.
F. Mais ainda, concatenando os transcritos depoimentos, passagens 00:10:46 a 00:11:31 e 00:11:43 do depoimento da DD, bem como passagens 00:28:47 a 00:29:11 do depoimento do CC e as fotos do local, nomeadamente foto 6 do relatório da contestação da recorrente e fotos 11 e 12 do Doc. 4 da douta p.i., o fato provado 11. Dos factos provados tem de ser parcialmente eliminado, devendo passar a ter a seguinte redação:
1. No local, não existia qualquer sinalização de “local perigoso e inseguro” ou iluminação artificial.
G. Por seu turno e na mesma linha de raciocínio e com base nos mesmos elementos de prova, importa aditar a seguinte matéria de facto, para o que se sugere a seguinte redação:
11. A luz natural proporcionada pela abertura da porta do vão, coadjuvada com a que entra pela superfície envidraçada do edifício, permite distinguir com nitidez os limites entre a superfície em betão circulável e o teto falso;
11. B Os limites do teto falso evidenciam-se pela forma quadrada das peças metálicas que o compõem e pelas guias verticais que delas emerge e são lhe dão suporte na estrutura do edifício,
11. C É ainda percetível, a fragilidade do teto falso e a sua inadequação para transitar ou exercer qualquer tipo de carga.
H. Ao decidir da forma diferente sobre a matéria de facto, a douta sentença recorrida incorre em erro notório na apreciação da prova, por ausência de análise da prova produzida conjugado com as regras da experiência comum, impondo-se pois a sua alteração nos termos preconizados na presente apelação.
I. Ora a ponderação critica da prova, nomeadamente no que toca aos excertos da prova testemunhal transcritos e sua confrontação com os demais elementos documentais aqui mencionados, impõe resposta à matéria de facto diversa da plasmada na douta sentença, devendo assim ser alterados e aditados como se sugere os factos provados 3, 5, 8, 9 e 11 da matéria de facto provada da douta sentença recorrida;
J. Note-se assim que, o A., contrariando as expressas indicações da Carris, deslocou-se às instalações daquela sem prévio agendamento, preterindo assim o previsto acompanhamento da visita. Não obstante, tendo sido anunciada na portaria a Mundimat e sabendo a Carris tratar-se da empresa que dias antes visitara o local, com profissionais habilitados, permitiu o acesso, já que na visita anterior a empresa havia sido acompanhada pela Carris, na pessoa da DD, que fez uma preleção sobre o local, dando a conhecer as suas características, finalidades e riscos.
K. Atenta a matéria de facto assim consolidada é forçoso ponderar que atenta a qualidade e formação técnica do A., que se deslocava a uma cobertura de edifício a substituir, com expetável risco de queda em altura, era exigível um cuidado que não teve, antes entrando no espaço sem se acautelar, como devia, se teria uma superfície transitável e mesmo sendo, se estaria em condições de segurança que o permitissem, pois, sublinha-se, o escopo da visita era a orçamentação de obra de substituição da cobertura daquele edifício. Cabia-lhe por isso um especial dever de cuidado, que desconsiderou.
L. Era, pois, o recorrido AA, Engenheiro Civil, e não a Ré Carris, empresa de transporte rodoviário, quem mais apto estava a avaliar e evitar os riscos de queda em altura, se necessário munindo-se dos adequados equipamentos de proteção individual.
M. Por outro lado, não se afigura haver norma legal que possa sustentar que a carris tinha obrigação de sinalizar ou iluminar o local, que mais não era do que o espaço entre a cobertura exterior do edifício e o teto falso, usado apenas para passagem de cablagem técnica. Salvo o devido respeito, crê-se inexistir legislação que obrigue os proprietários a sinalizar ou iluminar a parte superior de tetos falsos e os “forros” dos telhados de edifícios,
N. A esse respeito, há que ter bem presente que se tratava de um local apenas de acesso restrito e condicionado, acessível mediante prévia autorização e a transposição de uma porta trancada por chave apenas disponível, mediante expressa e prévia autorização, na portaria do complexo - Estação de Santo Amaro, seguida de um alçapão rasgado do teto, fechado e de acesso difícil, através de escada vertical que acedia à cobertura, havendo ainda de transpor, já na cobertura do edifício, uma porta fechada para alcançar o local de onde o A. caiu. Não era, pois, local onde qualquer pessoa pudesse passar ou sequer aceder acidentalmente.
O. Por outro lado, e ainda tendo presente que estamos a falar de um engenheiro civil, era claro e manifesto, mesmo sem que o local estivesse munido de iluminação artificial, a diferenciação entre o espaço circulável e o teto falso, não só pela diferença entre os materiais, mas também porque o teto falso estava fixo à estrutura do edifício com guias verticais bem visíveis e que preenchiam todo o espaço em redor do passadiço em betão.
P. Além disso, a abertura correspondente à porta que dá acesso ao “sótão” permite a entrada de luz natural com suficiente intensidade para permitir ver distintamente o seu interior.
Q. Com a alteração da matéria de facto nos termos supra explanados e tal como se disse supra, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, previstos no Art.º 483º Código Civil, no que toca à Ré Carris e assim à ora R., para quem estava transferido o risco de responsabilidade civil;
R. Há antes manifesta culpa do lesado, que contribuiu exclusivamente para a produção do acidente;
S. O que conduzirá necessariamente à improcedência da ação e à absolvição da recorrente do pedido.
T. Por outro lado, há que aqui consignar, com suporte na matéria de facto provada, que não descorou a R. carris em qualquer dever cuidado ou conservação do imóvel. De resto, não foi o edifício que causou danos ao A., o que ocorreria por exemplo se por falta de conservação o passadiço tivesse derrocado, foi antes este que, sendo incauto, caiu no edifício que visitava, sem que em nada a conduta da carris tenha contribuído para tal! Desta forma, e ao contrário do que defende a douta sentença, não tem pertinência ao enquadramento do litigo sub judice na previsão do Art.º 493º Código Civil.
U. Ainda que o fosse, no que não se concede, sempre a culpa do lesado afastaria o direito à indemnização, nos termos do nº 2 do Art.º 570º Código Civil.
V. Ao não decidir desta forma, o douto Tribunal à quo fez, salvo o devido respeito, uma incorreta valoração e apreciação da prova e em manifesto erro de julgamento, desconsiderou e interpretou erradamente os Art.ºs 483º, 493º e 570º do código civil, termos em que deverá a douta sentença ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgando a ação totalmente improcedente, absolva a recorrida do pedido.
Sem Conceder,
W. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, não se conforma igualmente a recorrente com o montante indemnizatório arbitrado à A. BB que, considerando os critérios jurisprudenciais se mostra desadequada ou pelo menos excessiva. Também, neste ponto, o douto tribunal fez, salvo o devido respeito, uma apreciação vaga e pouco criteriosa da prova.
X. Note-se que, o prejuízo sexual no qual a A. BB sustentou também o seu direito se deve, segundo o próprio A. a “falta de libido” e não a qualquer incapacidade funcional, pelo que não só se afigura reconvertível, como não se admite que seja por isso suscetível de lhe conferir o direito à indemnização por dano não patrimonial.
Y. Ao atribuir à A. BB tal indemnização, o douto tribunal a quo violou o Art.º 496º do Código Civil e interpretou erradamente a jurisprudência que estende ao cônjuge o direito aquele direito indemnizatório, devendo ser substituída por douto Acórdão que a revogue e absolva a R. e a chamada do pedido de indemnização por dano não patrimonial formulado pela recorrida mulher.
Z. Sem conceder, ainda que lhe assistisse o referido direito, este não poderá ser valorado da mesma forma que o dano morte, em termos do quantum da indemnização, nem sequer como nos casos de impossibilidade de ereção e ejaculação, pelo que sempre o montante fixado se mostra desajustado por excessivo.
AA. Assim, se se entender que, mesmo assim, ainda há lugar a indemnização à A. atendendo a todos os elementos que constam do processo, no dizer do art.º 566º, n.º 3 do CC, que o douto Tribunal quo desconsiderou, dentro dos limites tidos como provados, é exagerado qualquer valor que exceda o montante de € 5.000,00, face a critérios jurisprudenciais em casos análogos de maior gravidade.
BB. Mais uma vez, a douta sentença ao fixar indemnização por dano não patrimonial não fez o devido enquadramento do Art.º 496º C Civil, tão pouco considerou os critérios jurisprudenciais que têm versado sobre tal matéria em casos análogos, tão pouco aplicou o Art.º 566º nº 3 Código Civil, termos em que o segmento da douta sentença que condena a pagar à recorrida € 40.000,00 a titulo de não patrimonial deverá ser eliminado e substituído por douto Acórdão que rejeite tal pedido ou no limite, que o fixe em quantia não superior a € 5.0000.
Sem conceder,
CC. Ainda que se concluísse pela responsabilização da Ré Carris por omissão do dever de cuidado de sinalizar o local a intervencionar estaria ao abrigo do contrato de seguro excluída a responsabilidade da Recorrente.
DD. Pelo que se verifica que o douto Tribunal a quo decidiu em clara violação do disposto no n.º 1 alínea h) do artigo 3.º da Condição Especial 60 do contrato de seguro, devendo por esse motivo a douta sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido.
EE. Termos em que a apelação deverá merecer provimento, sendo revogada a douta sentença recorrida e substituída por douto Acórdão que absolva a recorrida no pedido.
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Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A., (CARRIS), veio igualmente interpor recurso, concluindo da forma seguinte:
1. A douta sentença em recurso encontra-se ferida de nulidade por violação do artigo 607.º do CPC - Nulidade por vício de fundamentação, pois não contém uma análise crítica e detalhada da prova que sustente a decisão, assim como não contém os concretos elementos de prova que justificaram ter dado como provado ou não provado cada um dos factos.
Pelo que merece censura a decisão do tribunal a quo, uma vez que é nula por violação do artigo 607.º, nº 4 do CPC, devendo tal nulidade ser declarada.
2. O recurso versa ainda sobre matéria de facto, porquanto a Recorrente considera que há
divergência entre a matéria de facto dada como provada e alguns dos depoimentos prestados, conforme resulta da gravação da audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos juntos aos autos.
Matéria de facto que deveria ter sido julgada de modo diferente ou que deveria ter sido dada como provada:
a) Pontos 4., 9. e 10. dos factos provados
Quanto à existência de um “Sótão”.
Considera a Recorrente que não resultou demonstrado o facto da existência no edifício em questão de um “sótão”.
O sótão é um compartimento entre o telhado e o último andar de um edifício, geralmente com tectos inclinados - in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/sotao
Por compartimento entende-se cada uma das divisões de uma casa.
Cobertura é telhado ou estrutura que serve para cobrir um espaço - in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/cobertura.
Donde, não tendo ficado provado que o local em apreço, mormente onde se deu a queda do Recorrido seja um sótão, mas sim uma cobertura, importa daí retirar as ilações e consequências, quanto à possibilidade de pisar e circular em cada um desses espaços, pois, num sótão enquanto divisão de um edifício, pode circular-se livremente, o que não acontece com uma cobertura cuja circulação pode ser restrita ou condicionada, como era o caso do espaço em causa nos presentes autos.
Assim depôs a testemunha CC, aos minutos 10:48: “(…) telhado e cobertura
(…)”.
Aos minutos 04:30 testemunha DD descreve o local e caracteriza-o como: “(…) cobertura (…)”.
b) Ponto 10 dos factos provados
“10. Ao entrar para o sótão (…)”
Não ficou demonstrado que a queda do Recorrido tivesse ocorrido aquando da sua entrada no sótão, mais corretamente cobertura.
A única testemunha que se encontrava no local, não presenciou a entrada do Recorrido na cobertura nem o momento ou o modo em como se deu a sua queda, porquanto se encontrava ainda no telhado. Quando a testemunha desceu e se dirigiu à cobertura, o Recorrente encontrava-se em queda.
Assim depôs a testemunha CC, aos minutos 13:35: “(…) começou a chover, entretanto começou a chover e o AA disse ó CC é melhor a gente ir para dentro
e tiramos as medidas de dentro, entretanto ele sai e entra para dentro do edifício, eu também vou atrás mas um bocadinho mais atrasado porque estava em cima do telhado e tive de descer (…)”.
c) Ponto 11 in fine dos factos provados
“11. (…) que permitisse ao Autor aperceber-se dos limites do passadiço e da instabilidade do “teto falso.”
Não resultou provado que que o Recorrido não tivesse tido a perceção dos limites do passadiço e da instabilidade do teto falso – Cf. declarações de parte.
Em particular atente-se ao minuto 08:29 o Autor declarou: “(…) eu não me lembro do acidente (…)”.
Factos não provados:
d) “a DD percorreu todo o passadiço central em betão na visita realizada com a Mundimat, no dia 11/11/2014, à frente dos trabalhadores desta empresa bem como das outras, e alertando sempre para os obstáculos neste sótão”
Devia ter sido julgado provado o facto da testemunha DD na primeira visita ter percorrido cerca de três passos no passadiço central de betão existente na cobertura – Cf. minuto 07:04 do respetivo depoimento.
e) Assim como deveria ter sido dado como provado que a testemunha DD explicou à testemunha CC as características do local que iriam visitar – Cf. minuto 11:37 do respetivo depoimento.
f) Diz ainda o Tribunal a quo o seguinte: “Refira-se que a alegação relativa a “todos os procedimentos que tinham que ser observados e as regras de segurança a cumprir no local
onde ocorreu a queda” não só não se mostra concretizada como não foi referido pela testemunha DD quais seriam esses procedimentos, limitando-se a referir que
era uma zona perigosa e chamando a atenção para a existência do passadiço ao centro.
Fica por saber quais seriam, de facto, no entendimento da Ré, os procedimentos a observar e as regras a cumprir!”.
Contudo, ao contrário do que diz o Tribunal a quo, a testemunha DD referiu que não caracteriza o local onde ocorreu a queda como perigoso, mas sim como sendo uma cobertura técnica de acesso reservado – Cf. minuto 08:00 do respetivo depoimento, o que deveria ser dado como provado.
g) Conforme resulta do depoimento da testemunha DD, aos minutos 04:30, a mesma descreve o edifício em questão e condições de acesso ao local onde ocorreu a queda do Recorrido, atente-se em particular ao minuto 0:36 em que a testemunha caracteriza o local como “desvão da cobertura”, isto é, a base interior do telhado - Cf. fotos de fls., o que deveria ser dado como provado.
h) Porque a Recorrente teve necessidade de proceder à substituição do telhado/cobertura, o Recorrido, considerou pertinente a visita ao local, não podendo deixar de estar ciente do espaço que visitava, atenta a sua experiência e qualificação técnica, de Engenheiro Civil.
i) Sendo certo que o dia em que ocorreu a queda do Recorrente, era a segunda visita da firma Mundimat e a testemunha CC tinha estado presente na primeira visita, pelo que já conhecia o local.
j) Conforme resulta do depoimento da testemunha CC, ao minuto 13:30, esta e o Recorrido acederam também à parte exterior do telhado.
k) Não tendo sido colocada qualquer questão quanto a tal acesso em termos de proteção e/ou segurança, pois dúvida não há de que o acesso à cobertura tanto pelo exterior como
pelo interior tem necessariamente de ser reservado e não de livre acesso e circulação.
l) Conforme depoimento da testemunha DD, minutos 4:16 a 6:54, o acesso à cobertura era de acesso reservado, não de livre circulação, com duas portas fechadas à chave escadas e porta de alçapão, o que deve ser considerado como provado.
m) Caberia ao engenheiro, neste caso o Recorrido, definir os parâmetros para execução da obra em função do projeto o autor do projecto a apresentar, devendo ter em conta os princípios gerais de prevenção de riscos profissionais consagrados no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
n) Mais referiu a testemunha DD que não foram ponderados outros procedimentos, porquanto para o efeito pretendido naquele momento, o local podia ser visitado e não carecia de qualquer alteração – Cf. minuto 24:00 do respetivo depoimento, o que deveria ser dado como provado.
o) Aliás, é essa a conclusão a que chega a testemunha FF, isto é, que eventuais medidas de segurança a tomar, não concretizando quais, deverá ser feito antes de ser feito aquando do início da empreitada – Cf. minuto 23:50 do depoimento.
p) Com efeito em função das caraterísticas do local e da obra a realizar, poderia eventualmente vir a ser ponderada a necessidade de implementação de eventuais medidas adicionais de segurança para a execução da obra que se pretendia realizar, mas não no momento em discussão nos presentes autos, ou seja, aquando da queda do Recorrido.
q) Outrossim, a douta Sentença recorrida fala amiúde de zona perigosa, perigo, procedimentos e regras, sem qualquer sustentação de facto, ou como se verá, de direito.
r) A Recorrrente considera que a douta Sentença faz uma apreciação vaga, imprecisa e tendenciosa da prova, em relação à factualidade provada, não traduzindo uma solução jurídica adequada, como a seguir melhor se demonstrará.
3. Do direito:
a) O Tribunal a quo fundamenta a condenação da Recorrente com base na responsabilidade civil de danos emergentes da queda do Recorrido, com fundamento na culpa da Recorrente por omissão de deveres de cuidado.
b) Dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Cód. Civil, que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses
alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
c) O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos acima referido, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
d) Ora, da factualidade provada e aquela que se considera dever ser considerada provada, tendo em conta os testemunhos e documentação junta aos autos, é fácil depreender que não se encontram verificados os pressupostos acima enunciados da responsabilidade civil por factos ilícitos. Senão vejamos,
e) Comecemos por analisar o facto. Entendeu o Tribunal a quo que no caso concreto, o facto se traduz na omissão da Recorrente do dever de cuidado ao não ter adotado mas medidas de segurança exigidas.
f) Desde logo, importa referir que o Tribunal a quo não diz quais as medidas de segurança a que se refere e que supostamente impendiam sobre a Recorrente, assim como da prova
produzida, também nenhuma das testemunhas se referiu em concreto a que medidas deveriam ter sido tomadas por parte da Recorrente e não foram.
g) Antes pelo contrário, como foi referido pela testemunha DD o local em questão podia, tal como se encontrava, ser observado para a apresentação do projeto de obra e respetivo orçamento.
h) Eventuais medidas de proteção, que repita-se, não se sabe quais, a serem ponderadas seriam-no posteriormente, aquando da realização da empreitada, como aliás foi referido pela testemunha FF no seu depoimento.
i) Donde, sem sabermos qual a ação que devia ter sido empreendida pela Recorrente ou se sobre a Recorrente impendia de facto uma ação, não tendo esta obrigação de agir, não podemos falar da sua omissão e, consequentemente, não se verifica um dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícitos, ou seja, o facto, ainda que traduzido numa omissão.
j) Passemos à análise da ilicitude. O Tribunal a quo limita-se a dizer que “(…) foi violado o direito de integridade física do Autor – direito esse protegido, desde logo pelo art.º 25º da Constituição da República Portuguesa (…)”.
k) Ora, a violação da integridade física supõe a produção de um resultado, no caso, a ofensa à saúde do Recorrido e que tem de ser imputado à conduta ou, no caso, à omissão da Recorrente, de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade, o que não discorre da douta Sentença.
l) Contudo, sempre se dirá que, com resulta do acima exposto, sobre a Recorrente não impendia qualquer obrigação de tomar medidas de segurança, aquando da visita do Recorrido às instalações da Recorrente.
m) Pelo que também não se encontra verificado o pressuposto da ilicitude por parte da Recorrente.
n) Quanto à culpa, importa referir que resulta da prova produzida, que o Tribunal a quo parece querer ignorar, que a Recorrente ilidiu a presunção de culpa, porquanto demonstrou cabalmente que não tinha o dever de implementar medidas adicionais de segurança à data da visita do Recorrido às suas instalações ou mesmo impedir o respetivo acesso.
o) A cobertura do edifício, como se disse, não é um local perigoso, mas uma zona técnica de acesso reservado.
p) Contudo, seria expetável que o Recorrido, experimentado Engenheiro Civil, caso considerasse existirem eventuais risco no local, designadamente o risco de queda, promovesse a instalação de dispositivos de segurança que considerasse adequados para fazer a análise do local em segurança.
q) E bem assim, o Recorrido poderia ter-se munido de equipamentos de proteção individual, tais como arnês e capacete, o que poderia ter evitado a sua queda ou minimizar o seu impacto.
r) Mas o que releva, é que da factualidade provada, não resulta que o local fosse um sótão, passível de ser pisado em toda a sua extensão.
s) Contudo, a adopção de medidas de protecção contra quedas em altura só é obrigatória quando os trabalhos a realizar impliquem um efectivo risco de queda em altura, o que naturalmente dependerá, antes de mais, da natureza dos trabalhos que viessem a ser efetuados. E, no caso da cobertura, a natureza, estrutura e estado da superfície da mesma
– Cf. artigos 44.º e 45.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41821/58, de 11 de agosto.
t) Não foi provado que a cobertura em questão apresentasse perigo de queda em altura, a não ser na zona de teto falso.
u) Mas atento o tipo de trabalho que o Recorrido foi fazer à cobertura não seria necessário tomar medidas de proteção por parte de Recorrente, uma vez que o trabalho em causa era um trabalho de mera observação (estudo prévio) que não implicava um efectivo risco de queda.
v) É verdade que o Recorrido acabou por cair, mas isso não significa que, a priori, existisse um efectivo risco de queda.
w) A queda acabou por acontecer por razões que se desconhecem, mas face à matéria de facto dada como provada, não havia motivos para razoavelmente prever que ela pudesse acontecer.
x) Atente-se, aliás, ao referido pela testemunha DD, que afirmou ser bem visível a distinção entre a zona central de betão e a parte de teto falso existente na cobertura.
y) Mais referiu, que a justificação para o acesso ao interior da cobertura, era a necessidade
de calcular a altura do teto, da viga central, para se calcular a inclinação da nova cobertura, o que podia ser feito medindo a viga central acessível perto da porta de entrada da cobertura, que tinha luz suficiente para o efeito.
z) Donde a simplicidade e brevidade da análise que o Recorrido iria fazer na cobertura do edifício, não justificava a adoção de medidas de segurança.
aa) Assim, não ficou provada a culpa da Recorrente.
bb) Quanto ao nexo de causalidade a douta Sentença recorrida não tece qualquer consideração sobre este ponto, ou seja, tendo em conta a factualidade provada de que modo no caso se verificaria, no entendimento do Tribunal a quo, a integração do conceito
jurídico constante do artigo 563.º do Código Civil, correlacionando a alegada omissão da
Recorrente como causa adequada ao dano sofrido.
cc) Pelo que, a Recorrente considera desde logo não verificado o pressuposto nexo causal entre o acidente e a alegada inobservância de normas de segurança por parte da Recorrente, como causa geradora do acidente.
dd) Não se demonstrando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos acima enunciados, fica prejudicada a apreciação da responsabilidade desta na reparação dos danos de natureza não patrimonial e patrimonial, porquanto não se verifica a ocorrência de comportamento ilícito da Recorrente, causa de pedir na presente acção.
ee) Pelo que não podia o Tribunal a quo como fez, condenar a Recorrente no pagamento aos Recorridos em indemnização por danos morais e patrimoniais.
4. Da indemnização:
a) Em qualquer caso, e sem conceder, quanto à indemnização sempre se dirá, que uma vez mais, no que toca a este ponto, a douta Sentença não analisa a prova de forma crítica,
não sustentando por qualquer forma a indemnização concedida aos Recorridos.
b) Pelo que, não pode ter sido qualquer atuação da Recorrente, que tivesse causado algum dano aos Recorridos.
c) Os Recorridos não sofreram, em consequência da alegada atuação ilegal por parte da Recorrente, qualquer dano moral grave que mereça a tutela do direito e que justifique o direito a ser indemnizados por esta.
d) O direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais apesar de especialmente previsto, não é de admiti-lo em regra, nem basta invocá-lo.
e) Deve ser visto o caso concreto, tem de existir uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão.
f) Não ficando demonstrada qualquer ligação, causalidade, entre a alegada atuação ilegal por parte da Recorrente e os invocados danos não patrimoniais, mostram-se infundados e não demonstrados danos morais dos Recorridos.
5. Da responsabilidade:
a) Em qualquer caso e sem conceder, a Recorrente, tinha na data do acidente do Recorrido, 19.11.2014, transferido para a AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A., atualmente denominada AGEAS Portugal, Companhia de Seguros, S.A., um seguro de Responsabilidade Civil Exploração, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 0084.10.133854, através da Condição Especial 60 – RC Empresas, que abrange os danos ocorridos no edifício onde se verificou o acidente, que é um edifício propriedade da Recorrente e destinado à sua atividade, encontrando-se no interior da Estação de Santo Amaro.
b) Não obstante o contrato de seguro supra referido, vem a douta Sentença condenar solidariamente a Recorrente a AGEAS - Companhia de Seguros, S.A, o que não se compreende, desde logo por falta de fundamento legal.
c) Com efeito, como bem entendeu o Tribunal a quo não se verifica qualquer causa de exclusão do contrato de seguro em questão.
d) No entanto, não tem aplicação aos autos, na definição de responsabilidade, o invocado na douta Sentença recorrida, ou seja, o disposto no artigo no artigo 425.º do Código Comercial, o qual se encontra revogado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril nem o disposto no artigo 100.º do mesmo código.
e) Pelo que, em caso de condenação da Recorrente, o que por cautela de patrocínio se admite, responde pelo pagamento dos danos, ao abrigo do referido contrato de seguro, a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., integralmente e não solidariamente, absolvendo-se a Recorrente.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida.
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Os Autores apresentaram contra-alegações, requerendo que este Tribunal da Relação julgue totalmente improcedente todas as conclusões dos recursos interpostos pelas Apelantes e em consequência seja mantida a sentença recorrida nos precisos termos em que foi proferida, condenando-se as apelantes a pagarem aos Apealados os valores indemnizatórios fixados pelo douto Tribunal a quo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
- Do Recurso interposto pela AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.
- Da Impugnação da decisão de facto;
- Saber se existe culpa do lesado, que contribuiu exclusivamente para a produção do acidente;
- Do montante indemnizatório arbitrado à A. BB;
- Aferir se houve violação do disposto no n.º 1 alínea h) do artigo 3.º da Condição Especial 60 do contrato de seguro.
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Do Recurso interporto pela CARRIS, Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A
-Da nulidade da sentença por violação do artigo 607.º do CPC - Nulidade por vício de fundamentação,
-Da Impugnação da decisão de facto;
-Saber se se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
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FUNDAMENTAÇÃO
A)- De facto:
Estão provados os seguintes factos:
1. O Autor é trabalhador da Sociedade Mundimat – Sociedade Técnica de Materiais de Construção Civil, Lda., onde exercia as funções de técnico de obras, como Engenheiro Civil.
2. No dia 7 de novembro de 2014, através de correio eletrónico, a Ré enviou para a Mundimat – Reabilita, Lda. e para outras quatro empresas, um convite para dar resposta ao procedimento concursal denominado “Consulta de preços para a substituição da Cobertura do Edif. “E” – Estação de Santo Amaro” e apresentar a respetiva proposta.
3. Na mesma comunicação, a Ré escreve que “deverão visitar o local e realizar as medições próprias para uma resposta adequada à presente consulta”.
4. No dia 10 de novembro de 2014, também através de correio eletrónico, a Ré, através da sua representante, DD, remeteu à entidade patronal do Autor, dirigindo-se ao Autor, as plantas do Edifício a intervencionar, mais dizendo que “caso pretenda ir ao local avise-me com alguma antecedência” e que “A chave da porta de acesso à escada para o 1º piso é a nº 18 (Portaria)”.
5. No dia 11 de novembro de 2014, foi agendada uma visita com CC, a pedido do Autor.
6. A visita foi acompanhada pela DD que avisou o Sr. CC que no “sótão” existia um passadiço central em betão e nas áreas laterais não existia estrutura que se possa pisar, mas apenas placas de teto falso metálicas com pendurais presas por arames à estrutura metálica da cobertura.
7. No dia 13 de novembro de 2014, também através de correio eletrónico, a Ré solicitou ao Autor que incluísse no orçamento a realizar uma outra reparação no mesmo edifício, decorrente das infiltrações existentes no refeitório.
8. No dia 19 de novembro de 2014, o Autor, acompanhado de CC, dirigiu-se à portaria do edifício, identificando-se. O funcionário que aí se encontrava efetuou um telefonema para a DD que autorizou a entrada.
9. Dirigiram-se ao Edifício “E”, entraram no refeitório, que se situa no piso zero ou r/c, subiram as escadas de acesso ao 1º piso e daí acederam, através de uma escada vertical fixa, a uma “abertura” que dá acesso à laje da cobertura, ao nível do telhado, onde se encontra uma porta de acesso ao “sótão”.
10. Ao entrar para o “sótão”, o Autor caiu desamparado através do “teto falso”, partindo vidros com o embate do seu corpo até cair sobre as mesas do refeitório, embatendo com a cabeça.
11. No local, não existia qualquer sinalização de “local perigoso e inseguro” ou iluminação, que permitisse ao Autor aperceber-se dos limites do passadiço e da instabilidade do “teto falso”.
12. O autor foi socorrido pelo INEM, tendo sido assistido por médico no local e transportado para o Hospital São Francisco Xavier, onde permaneceu na UCI, em coma induzido e com ventilação, tendo tido uma infeção respiratória associada ao ventilador.
13. Teve alta da UCI a 1 de dezembro e foi transferido para os cuidados intermédios de neurocirurgia, tendo depois sido transferido para a enfermaria de Neurocirurgia onde iniciou reabilitação.
14. Saiu do Hospital Egas Moniz, para onde havia sido transferido, no dia 17 de dezembro de 2014, dependente a 100% de terceira pessoa.
15. Além dos hematomas e cortes por todo o corpo, foram-lhe diagnosticadas as seguintes lesões:
- traumatismo craniano (TCE) com perda de conhecimento e convulsão;
- ruptura intra-ventricular e homorragia aguda tetra-ventriculars;
- hematoma sub-dural;
- subluxação da primeira articulação condro-costal direita;
- fractura do antro maxilar esquerdo;
- fractura articular da ATM esquerda.
- hemossinus maxilar e esfenoidal esquerdo;
- pleumotorax;
- deslocamento da retina;
- fractura do 4.º metacarpo da mão esquerda.
16. O acidente foi participado ao Tribunal de Trabalho pela Lusitânia- Companhia de Seguros S.A., para a qual a entidade patronal do Autor transferira a responsabilidade por acidente de trabalho.
17. O Autor perdeu a sua autonomia e ficou totalmente dependente de terceira pessoa, tendo tido um período de défice funcional temporário de 231 dias.
18. Face à gravidade da situação, a esposa, ora Autora, despediu-se da Empresa onde trabalhava para cuidar do marido, recebendo da Seguradora Lusitânia a quantia de € 461,00 a título de despesas com terceira pessoa.
19. Durante os anos de 2015, 1016 e 2017, a vida do Autor e da esposa foi passada entre consultas de apoio psicológico e psiquiátrico e tratamentos de fisioterapia e reabilitação de neuropsicologia, com deslocações semanais entre Sesimbra e Lisboa.
20. Algum tempo após o acidente, o Autor e sua família tiveram dificuldades económicas, situação que lhes causou sofrimento.
21. Como causa direta e necessária do acidente o Autor ficou com uma cicatriz discreta no crânio, sofreu dores, tendo sido fixado um quantum doloris de grau 6 em 7, ficou com diminuição da líbido, tendo a repercussão na atividade sexual sido fixada no grau 5 em 7, ficando com um défice funcional permanente de 43,255%, necessitando de ajudas técnicas permanentes (medicamentosas, acompanhamento psicológico e reabilitação neuro psicológica).
22. O Autor nasceu em ... de ... de 1976.
23. Era uma pessoa alegre e bem-disposta, feliz e realizada pessoal e profissionalmente, com duas filhas, uma com 2 anos de idade e a outra com 14.
24. O Autor, tendo ficado com alterações cognitivas e mnésicas importantes e incapacitantes, passou a manifestar uma sintomatologia depressiva e ansiosa associada a quadro neuro psicológico pós-traumático.
25. Passou a apresentar um quadro de agressividade e violência verbal, dirigida à esposa e às filhas.
26. Depois do acidente, o casal deixou de ter vida sexual.
27. O Autor deixou de conviver com os amigos, sente-se mal, não consegue expressar as suas emoções, perdeu a confiança e autoestima.
28. Com o acidente, o vestuário que o Autor levava ficou destruído.
29. No dia 19 de novembro de 2014, a Autora estava já no hospital quando o Autor deu entrada no serviço de urgência transportado pelo INEM, sentindo ainda hoje desespero com o barulho das sirenes dos bombeiros e ambulâncias.
30. A Autora assistiu à manifestação do rebentamento de um ventrículo cerebral do marido.
31. Durante o tempo que o marido esteve internado era ela que assegurava as refeições porque o Autor não comia sozinho.
32. Quando o Autor teve alta hospitalar, era a Autora que lhe dava banho, o vestia, lhe dava a comida à boca, e tudo o mais que ele precisasse, situação que perdurou por mais de quatro meses.
33. A Autora deixou de conviver com os amigos, dado que o marido não tolera movimento nem ruído, ficando muito perturbado e ansioso.
34. A Autora está a ter apoio psicológico.
35. À data do acidente tinha 37 anos de idade.
36. Em 19/11/2014, a Ré tinha transferido para a AGEAS Portugal- Companhia de Seguros, S.A. (anteriormente designada AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A.), através de um contrato de seguro do ramo “Responsabilidade Civil”, titulado pela apólice nº 0084.10.133854, além do mais, a responsabilidade civil extracontratual “decorrente da sua qualidade de proprietário (…) de imóveis, designadamente edifícios, depósitos, terrenos, instalações ou outros locais destinados à atividade da empresa” (Condição Especial 60, artigo 1º, 3.1).
37. Nos termos do artigo 3º, nº 1, da Condição Especial 60, ficam excluídos os danos:
“(…)
h) causados por falta de sinalização, sinalização deficiente (…) mesmo que a obrigação de sinalizar seja da responsabilidade do Segurado;
(…)
j) decorrentes de falta ou deficiente manutenção ou conservação ou deficiência de construção ou reparação de máquinas e equipamentos;
(…)”.
38. Nos termos da alínea b) da Cláusula Particular “Responsabilidade Civil Cruzada”, encontram-se excluídas do âmbito da “ampliação da cobertura” as “Lesões corporais de empregados efectivos ou contratados temporariamente ao serviço do Segurado, que estejam ou devam estar seguros em conformidade com o estabelecido na Legislação de Acidentes de Trabalho e/ou doenças profissionais”.
39. No processo .../15.5T8LSB, foi considerado que as lesões decorrentes do acidente de trabalho determinaram uma incapacidade permanente absoluta para todo o qualquer trabalho e foi proferida sentença, a 01/02/2018, nos termos da qual foi condenada a Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor a pensão anual de € 15.161,60 , devida desde 6 de novembro de 2015, acrescida do montante mensal de € 3.032,32 enquanto mantiver pessoas (filhas) a cargo e a prestação mensal para assistência a terceira pessoa no montante de € 428,90, do subsídio de elevada incapacidade, no valor de € 5.533,68, bem como das quantias de € 52,97 e de € 40,00, a título respetivamente de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias e despesas com transportes, tudo acrescido de juros de mora, contados a taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações.
*
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) no dia 18 de novembro de 2014, através de contacto telefónico que estabeleceu com a DD, o Autor informou que iria deslocar-se às instalações do edifico, no dia seguinte, dia 19, pelas 13h30, para proceder às medições com vista à realização do orçamento;
b) na entrada do sótão depararam-se com a porta aberta, entraram, mas como estava muito escuro o Autor começou a colocar o arnês de proteção;
c) o Autor caiu ao colocar um pé fora do passadiço;
d) todas as portas de acesso àquele local se encontravam abertas, estando o acesso ao sótão completamente livre;
e) o vestuário e os objetos pessoais que ficaram destruídos no acidente, tinham o valor global de € 1.640,00:
- Calças Tiffosy 90,00€
- Cinto Armani 60,00€
- Camisa Tommy Hilfiger 160,00€
- Casaco de malha Benetton 70,00€
- Casaco de Penas Benetton 200,00 €
- Óculos de sol Ray Ban 160,00
- Tablet Samsung - 300,00
- Relógio Tissot Seastar 1000 Power 80 BlK 600,00€;
f) a Autora assistiu à paragem cardíaca do marido e à sua reanimação e não conseguiu dormir durante os quinze dias em que o marido esteve em coma, medicada com calmantes;
g) a Autora passou a sofrer de insónia crónica, com dificuldade em conciliar o sono e estando sempre sobressaltada com sonhos recorrentes sobre o acidente;
h) numa crise de ansiedade, o Autor tentou atirar a Autora da janela da casa de banho, vivendo esta momentos de pânico e desespero;
i) o Autor tornou-se obsessivo compulsivo, deitando fora a roupa da Autora que tenha mais do que uma cor e deitando no lixo a comida que não cabe nas prateleiras, obrigando a uma vigilância constante;
j) a Autora passou a viver num ambiente de constante violência física, com um marido que na maior parte dos dias nem se lembra quem ela é, nem quem são as filhas;
l) CC era trabalhador da Mundimat;
m) na visita de 11 de novembro foi realizado o levantamento das medidas da cobertura pela Mundimat;
n) a visita realizada no dia 19 de novembro não foi autorizada pela DD ou pela Ré e as medições já tinham sido realizadas no dia 11;
o) no telefonema de dia 19, a DD pediu para falar com o Sr. CC, com quem já tinha estado a fazer as medições ao local a intervencionar, que lhe disse que iam apenas fazer uma observação rápida, tendo após a conversa desligado o telefone e entrado na estação;
p) todas as medidas e observações a efetuar ao local para elaborar o orçamento já tinham sido efetuadas pela Mundimat no dia 11/11/2014, pelo Sr. CC e por um outro trabalhador desta empresa que não o Autor;
q) a Mundimat após ter recebido o e-mail de 10/11/2024, agendou com a DD a realização das medições no dia 11/11/2014, o que foi feito neste dia;
r) a DD, no dia 11/11/2014, comunicou e explicou ao sr. CC todos os procedimentos que tinham que ser observados e as regras de segurança a cumprir no local onde ocorreu a queda;
s) a entrada no sótão faz-se através de uma escada amovível que se coloca ocasionalmente;
t) da cobertura, sem entrar no sótão, poderiam ser tiradas as dúvidas que existissem;
u) após a ocorrência, o Sr. CC confirmou que tinha conhecimento dos “procedimentos de segurança” e que os tinha comunicado ao Autor mas que por distração deste, ao voltar-se para trás para falar com o Sr. CC, colocou o pé direito no teto falso;
v) a Ré não sabia que os dois trabalhadores da Mundimat se iam dirigir ao sótão;
x) a DD percorreu todo o passadiço central em betão na visita realizada com a Mundimat, no dia 11/11/2014, à frente dos trabalhadores desta empresa bem como das outras, e alertando sempre para os obstáculos neste sótão;
z) a Ré, na pessoa da DD, alertou “em devido tempo” a Mundimat e todas as demais empresas convidadas das regras de segurança a observar na visita ao local.
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O demais alegado mostra-se instrumental ou conclusivo ou consubstancia matéria de direito.
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Fundamentação da decisão de facto:
A decisão do Tribunal quanto aos factos provados teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida, nomeadamente os documentos juntos aos autos (cópia dos e-mails em referência; Relatório de “Investigação e Análise de Acidente de Trabalho”, com fotografias; Nota de alta de Neurocirurgia; Relatório de perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho; Relatórios e Declarações médicas, com referência, nomeadamente, à sintomatologia depressiva; Registo de entradas e saídas de visitantes do “Complexo de Santo Amaro”; cópia das Condições Gerais, das Condições Particulares e da Condição Especial da apólice que titula o contrato de seguro celebrado com a Chamada; Relatório de sinistro, com fotos, e com a referência a que “o passadiço não está limpo de objetos”; sentença do Tribunal de Trabalho), os depoimentos das testemunhas ouvidas, a saber:
- GG, que na altura do acidente era colega de trabalho da Autora, caracterizou a personalidade desta, traçando o quadro do “antes” e do “depois”, dando até conta de dois episódios vivenciados por esta: um acidente de viação e um ataque de pânico a conduzir; não sabendo em que moldes se deu a saída da empresa, afirmou que a Autora acompanhava o marido a consultas e tratamentos;
- HH, amiga próxima do casal, descreveu a vivência do casal após o acidente, dizendo que a Autora lhe confidenciou que a vida sexual tinha terminado e dando conta da instabilidade do Autor, com comportamentos agressivos mesmo com as filhas;
- II, amiga do casal desde os tempos de escola, madrinha da filha mais nova, deu conta de os convívios que costumavam ter terem terminado, esclarecendo que o Autor ficava incomodado com o barulho e que ela própria se foi afastando porque não gostava de presenciar os comportamentos agressivos do Autor, até com as filhas, esclarecendo que a agressividade que presenciou era verbal; disse também que a Autora lhe disse a si que a vida sexual deles tinha terminado e deu conta de a Autora e a filha mais nova do casal terem começado a ter apoio psicológico;
- JJ, foi colega de trabalho do Autor na “Mundimat”, descrevendo o Autor como “bastante cuidadoso e organizado”; disse que no dia do acidente lhe ligaram e foi ao Hospital e viu o Autor chegar, tendo falado com ele, que lhe deu a aliança para entregar à mulher, e tendo sabido pela médica do INEM que lhe tinham feito reanimação no local; disse ainda que no início ligava à Autora para saber do estado do marido e afirmou que “ela passou um mau bocado”;
- CC, deu conta de não ser funcionário da Mundimat, sendo por esta subcontratado, e de ter ido ao local, no dia 11, a pedido do Autor para ir ver que tipo de obra era e as condições do local, esclarecendo que não tirou medidas nesse dia; disse que, no “sótão”, foi alertado para um passadiço em betão ao meio e que estava tudo com muito pó, tendo dado apenas 2 ou 3 passos; afirmou que no dia 19 combinou com o Autor para irem os dois tirar medidas e ver com mais pormenor o que era para fazer; disse que o “porteiro” falou com alguém ao telefone que deu ordem para entrarem; esclareceu que quando estavam no “terraço” a tirar medidas, que fica ao nível do telhado, subiu para ver o algeroz e, entretanto, começou a chover, altura em que o Autor lhe disse que era melhor ir para dentro e entrar para o “sótão” enquanto (a testemunha) descia do telhado; afirmou que não chegou a falar com o Autor sobre o passadiço e quando ia a entrar já o viu a cair
para cima do teto falso, tendo ficado no meio de mesas e cadeiras no 1º piso;
esclareceu que o local não tinha iluminação senão a claridade que vinha da porta e não se notava a diferença entre o passadiço e o teto falso por causa do pó; disse ainda que o Autor levava um arnês mas não o chegou a prender;
- KK, Técnica de Saúde e Segurança no Trabalho, autora do Relatório junto aos autos, cujo teor confirmou, esclarecendo que foi ao local e o mesmo não tinha iluminação, nem de emergência, não tinha baias nas laterias nem qualquer tipo de proteção; qualquer desequilíbrio provocaria uma queda;
- LL, Técnico Superior, atual responsável pela manutenção dos edifícios da Ré, esclareceu que não acompanhou visitas e foi chamado ao local onde falou com o funcionário que havia chamado o INEM, tendo- lhe sido dito que alguém ligou para a Arquiteta DD e que a visita não estava programada; descreveu o edifício e a forma de aceder à “cobertura” e ao “sótão”, zona que disse ser de acesso “condicionado” e descreveu como “área técnica”, “de risco”, que “implica cuidado”, dizendo que “quem lá vai conhece”; disse entender que as medidas de segurança seriam (apenas) necessárias no decorrer da obra; disse ainda que viu vestígios de sangue, luvas médicas e roupa rasgada, esclarecendo que quando chegou ao local já tinham ido para o Hospital;
- MM, Arquiteta, ao serviço da Ré até julho de 2024, descreveu o procedimento seguido com vista à substituição da cobertura de amianto, dizendo que marcou visita com o Sr. CC (convencida que era funcionário da Mundimat) e, sem certeza já, com uma engenheira “Maria”; fez a descrição do acesso do 1º andar à “laje” (cobertura), através de uma “escada de incêndio fixa” que dá para um “alçapão”, e daí para o “sótão”, que também descreveu, tendo dito que “em princípio” as portas estão fechadas e que “foi à frente”, explicando que “era preciso ter cuidado”; disse que no dia do acidente telefonaram para si da Portaria dizendo que lá estavam dois senhores da Mundimat que diziam precisar de tirar medidas e que deu o “ok” para poderem entrar;
- NN, perito averiguador, deu conta de ter ido ao local acompanhado pela Arquiteta da Ré, descrevendo-o;
Das declarações de parte do Autor resultou confirmado o depoimento de CC, no sentido de lá ter ido antes para visitar o local e de, no dia do acidente, irem com a intenção de verificar tudo e tirar medidas para apresentar a proposta, assim como a indicação de antes já ter apresentado orçamentos para obras da Ré, sendo conhecido.
Das declarações de parte da Autora resultou descrita a vivência no dia do acidente, nomeadamente no Hospital, e depois da alta, em casa, tendo afirmado não ter relações sexuais com o marido desde aquela data e esclarecendo que se despediu para poder acompanhar o marido que estava totalmente dependente, sendo, atualmente, “terapeuta” de yoga.
Do relatório pericial (em Direito Civil) resultaram as Conclusões que permitem aferir das sequelas e do grau de incapacidade que resultou para o Autor em consequência do sinistro.
Quanto aos factos não provados, o Tribunal assim os considerou porquanto não foi feita prova suficiente (als. a), b), c), e), f), g), h), i) e j)) ou foi feita prova em contrário (als. d), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), x) e z)).
Refira-se que a alegação relativa a “todos os procedimentos que tinham que ser observados e as regras de segurança a cumprir no local onde ocorreu a queda” não só não se mostra concretizada como não foi referido pela testemunha DD quais seriam esses procedimentos, limitando-se a referir que era uma zona perigosa e chamando a atenção para a existência do passadiço ao centro. Fica por saber quais seriam, de facto, no entendimento da Ré, os procedimentos a observar e as regras a cumprir!
*
DE DIREITO:
- Do Recurso interposto pela Apelante Carris:
Da nulidade da sentença:
A apelante vem arguir a nulidade da sentença, invocando a falta de fundamentação, considerando que o facto de a decisão de facto não estar feita ponto por ponto, acarreta a nulidade, nos termos do art.º 607º, nº 4, do CPC:
O art.º 607º, nº 4 do CPC determina que:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Tal exigência, abrange, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do acto.
O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, as causas de nulidade do acórdão.
Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito (alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Na verdade, a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional - art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - e legal - artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.
É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
(Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 9-12-2021, Relator Oliveira Abreu, Proc. nº 7129/18.7T8BRG.G1.S1)
A referida nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto em que assenta a decisão.
Já a deficiência cai no âmbito de aplicação do art.662º, nº, al. c), do CPC, tal como as outras situações ali descritas.
No caso dos autos, analisando a fundamentação de facto efectuada pela Senhor Juíza não se pode considerar que existe falta de fundamentação, nos termos sobreditos.
Admite-se que a sentença não faça uma discriminação, ponto por ponto, dos factos considerados provados, mas refere os meios de prova tidos em consideração, desde a prova documental, pericial ou testemunhal, e por declaração de parte, sendo possível entender qual a formação da convicção do julgador em relação a cada matéria em causa nos autos, a saber a factualidade relativa aos serviços solicitados, a visita do Autor ao local, a queda, as características do local e as consequências para o lesado e a sua esposa a Autora BB.
Embora de forma sintética, a Senhora Juíza indicou os concretos meios de prova produzidos nos quais alicerçou a sua convicção para dar como provado ou não provada a factualidade que selecionou como pertinente para uma boa decisão da causa.
Improcede a alegada arguição de nulidade, que nem sequer vem devidamente enquadrada.
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- Da impugnação da decisão de facto:
Questão diferente é saber se existe erro na fundamentação de facto o que nos remete para uma consequência diferente.
De acordo com o preceituado no artigo 662º, n.º 1 do CPC, «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.». A nova redacção do citado artigo 662º, em contraponto com o artigo 712º do Código anterior, pretendeu realçar que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação da decisão de facto que recai sobre o recorrente, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação do julgador, a Relação deve alterar a decisão de facto sempre que, no seu juízo autónomo, submetido às mesmas regras de direito probatório material que são aplicáveis em 1ª instância, os elementos de prova que se mostrem acessíveis imponham uma solução diversa da antes acolhida.
Afastada está, assim, a tese de que a modificação da decisão de facto pela Relação só pode ter lugar em casos de erro manifesto ou grosseiro de valoração ou apreciação dos meios probatórios produzidos, ou, ainda, que a Relação, atentos os princípios da imediação e da oralidade, não pode contrariar o juízo formulado em 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de «livre apreciação», sendo que a presente posição está vertida nos mais recentes arestos jurisprudenciais, conforme se pode ler do seguinte acórdão: “(…) II - No âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, ainda que esteja em causa a reapreciação de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, deve o Tribunal da Relação formar a sua própria e autónoma convicção, procedendo à análise crítica, à luz das regras da ciência, da lógica e das regras da experiência humana, dos meios de prova convocados pelo apelante e outros que julgue relevantes para a decisão e se mostrem acessíveis.(…)”- cfr. Acordão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-10- 2018, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f6688dd278f4925a8025834c00416699?OpenDocument
E o citado acórdão vai ainda mais longe e na sua fundamentação, referindo ainda que “Sem prejuízo do relevo de tais princípios ( princípios da imediação e da oralidade) e sem olvidar que o Juiz em 1ª instância se encontra, por via do imediato contacto com as provas, em particulares condições para efeitos de julgamento da matéria de facto - condições estas que, por regra, não são repetíveis no julgamento em 2ª instância -, dúvidas não existem que a evolução legislativa e o pensamento legislativo que vieram a obter consagração no artigo 662º, n.º 1 apontam no sentido de o Tribunal da Relação se assumir “como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), assistindo-lhe plena autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.” - Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 232-233, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 213-221 ou, ainda, por todos, AC STJ de 30.05.2013, relator SERRA BAPTISTA, AC STJ de 18.05.2017, relator ANA LUÍSA GERALDES, ambos in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 30-05-2019, Proc. nº 156/16.0T8BCL.G1.S1, Relatora Catarina Serra, in www.dgsi.pt.
Este entendimento não colide com aquele outro que também adoptamos, de tornar dispensável a apreciação da matéria de facto, quando essa apreciação é irrelevante para a questão de direito a aplicar ao caso.
Vejamos o caso concreto.
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Relativamente aos pontos 4º, 9º e 10º impugnados pela recorrente Carris:
A Recorrente começa por referir que não resulta demonstrada a existência no edifício, de um sótão.
No que se refere aos factos impugnados sob Pontos 4., 9. e 10. defende a Apelante não ter resultado da prova produzida a existência de um sótão, fundamentando a sua alegação nas definições do dicionário, denominação que transcreve “compartimento”, “cobertura”, e indica a fonte “- in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/sotao e “ in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/cobertura.
O certo é que, lendo a contestação, foi com a designação de sótão que sempre se dirigiu ao local do acidente na mesma peça processual nos arts. 29.º 30.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39. e 40.º.
É incoerente e sem sentido vir agora questionar a designação do local onde teve início a queda do Autor.
O que resultou da prova produzida e não foi colocado em causa pela Apelante, é que o piso do sótão era o teto falso do 1.º andar, e que desabou com a queda do Apelante que foi cair sobre as mesas que mobilavam o 1.º andar.
Pretendendo a Apelante com a requerida alteração demonstrar que o local onde ocorreu o acidente não era de livre circulação, mas sim de placas de teto falso, ou que era um acesso restrito e condicionado, ou de livre acesso, factualidade não está em causa, antes resulta expressamente da factualidade dada por provada. (Cfr. factos 4, 8)
Para além de que o acesso ao complexo de edifícios da Apelante era de acesso restrito e condicionado, existindo uma Portaria com segurança que controla todas as entradas e saídas, e bem assim onde se encontram as chaves de acesso aos Edifícios, só sendo possível o acesso com a autorização de quem de direito.
No mais, repare-se que embora a visita do dia 19 não estivesse agendada, só depois do telefonema por parte do agente da portaria para a Arquitecta DD é que foi disponibilizada a chave de entrada.
Caso a mesma não quisesse autorizar a entrada no local, ou por não existir pre-agendamento ou por não estar presente, não autorizava a entrega da chave que deu permissão ao acesso ao edifício e ao local onde veio a ocorrer a queda.
Quanto ao arts. 4º e 9º mantêm-se nos seus precisos termos.
Quanto às exactas circunstâncias em que ocorreu a queda, e a redação dada ao art.º 10º dos factos provados.
Considera este tribunal que, dos próprios articulados, até por confissão na parte desfavorável no art.28º da contestação, resulta que o Autor colocou o pé no teto falso, caindo desamparadamente.
Não são idênticas as versões constantes neste articulado e no documento/relatório junto pelo Autor quanto às circunstâncias que antecederam a queda.
O Autor não se recorda da queda e o Sr. CC, em audiência, apresentou uma versão diferente, afirmando que não viu o início da queda, porque estava no telhado e o Autor foi para a dentro à frente, porque começou a chover, mas só viu o Autor em queda, indo parar em cima das mesas.
A dinâmica da própria queda, o local onde foi cair o Autor e a zona por onde caiu, aliadas à experiência comum levam a conclui como se conclui no facto 10º.
Não se sabe o que antecedeu a queda, mas percebe-se como ela se deu e o local onde se iniciou. O Sr. CC referiu que quando entrou no sótão o Autor já se encontrava em queda, o que demonstra que o mesmo entrou primeiro dentro do sótão e a queda ocorreu.
Apenas se percebe que o Autor entrou primeiro no sótão e logo caiu, como provado no facto 10º, que se mantém.
Impugna ainda a Apelante o facto vertido no ponto 11 dos factos provados, requerendo a exclusão da parte final do facto: “(…) que permitisse ao Autor aperceber-se dos limites do passadiço e da instabilidade do “teto falso”.
Alega para o efeito “que não resultou provado que o Recorrido não tivesse tido a perceção
dos limites do passadiço e da instabilidade do teto falso.”
E o meio de prova que indica para fundamentar a sua pretensão são as declarações de parte do Apelado, que referiu que “não se lembrava do acidente.”
É manifesto que se o Autor não se lembra das circunstâncias do acidente, o que é compatível com os danos que sofreu na cabeça, não se podendo considerar não provado o facto, com base numa prova que não existiu. O Autor não fez tal referência.
E como resulta da prova documental produzida, nomeadamente do relatório elaborada na
sequência da investigação e exame do acidente por técnica especializada técnica em Saúde e Segurança no Trabalho, e dos esclarecimentos prestados por esta na audiência de julgamento, não foi nas declarações de parte do Apelado que o douto Tribunal formou a sua convicção para dar o facto como provado.
Relevando ainda quanto a este facto o testemunho de CC, que com consistência e verosimilhança depôs sobre o facto, referindo que havia muito pó no piso não sendo possível perceber a diferença entre o passadiço central e o teto falso.
De resto também confirmado pelos esclarecimentos da técnica especializada em Saúde e Segurança no Trabalho FF, técnica de Saúde e Segurança no Trabalho.
Donde se mantém o facto 11º nos seus precisos termos.
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Em relação aos factos não provados, defende a Recorrente, que
a- Devia ter sido julgado provado o facto da testemunha DD na primeira visita ter percorrido cerca de três passos no passadiço central de betão existente na cobertura – Cf. minuto 07:04 do respetivo depoimento.
b- Assim como deveria ter sido dado como provado que a testemunha DD explicou à testemunha CC as características do local que iriam visitar – Cf. minuto 11:37 do respetivo depoimento.
Estes alegados factos são excertos do depoimento da testemunha DD, que não valorizamos por falta de isenção e que, no mais, correspondem em conjunto ao facto x) dos factos não provados que não foi impugnado nos termos do art.640º, do CPC.
Assim, o facto a) é irrelevante para a decisão da causa, até porque a testemunha DD, além de apresentar um depoimento parcial, o que se entende face à sua relação de trabalho na Carris e ao seu envolvimento na obra, conhecia bem o local, designadamente a diferença entre o passadiço central e o tecto falso.
Quanto ao facto b), reportado ao facto x) não provado, não se considera provado, tanto mais que foi questionado que a arquitecta DD realizara a visita no dia 11, à frente dos trabalhadores da Mundimat, bem como das outras, e alertando sempre para os obstáculos deste sótão, e como resulta da troca de correspondência entre as partes e do próprio depoimento de DD e do CC, a visita foi efectuada apenas na presença deste e de nenhuma outra pessoa da Mundimat ou de outras empresas.
A Sr.ª testemunha DD não corroborou nenhum destes factos e o que resultou do seu depoimento é que a Sr.ª testemunha CC estava sozinho na visita do dia 11.11.2014 e, resultou também da prova produzida que essa visita ocorreu a pedido do Apelado, tendo sido combinada entre este e a Sr. testemunha DD.
Ao que acresce que o facto nos termos em que a Apelante o alegou foi dado como não provado sob a al. x), o qual a Apelante não impugnou.
Esta evidência inquina a prova quanto à veracidade do facto b).
Em razão do exposto indefere-se o aditamento de tais afirmações de facto.
No mais, a recorrente tece considerações com base em pedaços de depoimentos, pretendo extrair conclusões relativas à culpa do Autor, sem cumprir o disposto no art.640º, nºs 1 e 2, al. a) do CPC, em relação aos factos não provados, não se valorando em sede de facto tais considerações, extraídas de partes do depoimento da testemunha DD.
Improcede na totalidade o recurso sobre a decisão matéria de facto da Recorrente Carris.
Por uma questão de ordenação lógica e previamente à apreciação da questão de direito, passamos a apreciar a impugnação da decisão de facto efectuada pela interveniente AGEAS-Companhia de Seguros, S.A.
A Recorrente começa por defender a alteração do art.º 5º, sugerindo a seguinte redação:
5. No dia 11 de novembro de 2014, foi agendada uma visita com a Mundimat, a pedido do Autor;
5.A Nessa visita, compareceu CC em representação da Mundimat
Pese embora os argumentos expendidos pela recorrente, o Sr. CC distanciou-se da pertença à Mundimat. Refereiu claramente, como atrás descrito, que a visita foi organizada pelo Senhor AA, a firma dela organizou com ele, com…Penso que na altura foi com a arquitecta.
Portanto, não é rigoroso dizer que na visita compareceu CC em representação da Mundimat.
Não se acolhe o aditamento do facto 5º.A.
E quanto ao facto 5º foi a firma Mundimat quem organizou a visita, através do seu funcionário o Autor.
A forma como está descrito o facto 5º corresponde ao depoimento da testemunha CC, nada havendo que modificar.
Mais sugere a Recorrente que se aditem os factos seguintes:
3. A As visitas a efetuar pelas entidades candidatas à adjudicação da obra, tinham de ser prévia e atempadamente agendadas com a DD e acompanhada por esta.
8. No dia 19 de novembro de 2014, sem prévio agendamento ou sequer conhecimento por parte da DD, o Autor, acompanhado de CC, dirigiu-se à portaria do edifício, identificando-se. O funcionário que aí se encontrava efetuou um telefonema para a DD que autorizou a entrada.
9. Dirigiram-se ao Edifício “E”, entraram no refeitório, que se situa no piso zero ou r/c, subiram as escadas de acesso ao 1º piso e acederam a este abrindo a porta com a chave que lhes havia sido cedida da portaria, daí acederam, através de uma escada vertical fixa, a um alçapão existente teto do 1º andar, que dá acesso à laje da cobertura, onde se encontra uma porta de acesso à área técnica correspondente à parte inferior do telhado.
9.A Aquele local é uma área técnica, que dispõe de uma lage central, em betão, que percorre de um lado ao outro o edifício, com cerca de 1,20 metros de largura, rodeada de placas de teto falso, de sessenta por sessenta, colocadas ao nível da lage e com fios que as prendem à estrutura do edifício;
9.B Sobre a lage, estão colocadas calhas técnicas por onde passam os cabos elétricos que alimentam os candeeiros do teto falso.
Em nosso entender os factos alegados são meramente instrumentais não relevando para a decisão da causa.
Quanto ao facto de a visita não estar agendada, o certo é que a Senhora DD foi contactada e autorizou a entrega da chave. Dai que perca interesse a ilação que a parte pretende tirar dessa ausência de combinação prévia.
As características do local, no que importa ao desenvolvimento da queda, mostram-se provados no facto 6º.
No mais, tais factos não resultam alegados pela parte, sendo que os factos não provados relativos à ocorrência do acidente e suas características não foram impugnados pela recorrente, nem sobre as características do local, nos termos do art.640º, do CPC.
Desatende-se o aditamento dos referidos factos.
Quanto ao facto provado 11. Pretende a Apelante dar-lhe a seguinte redação:
“11. No local, não existia qualquer sinalização de “local perigoso e inseguro” ou iluminação artificial.
a sua impugnação é uma nova contestação, pretendendo aditar factos aos autos não alegados por nenhuma das Apelantes, pelo que se desatende a alteração sugerida.
No mais, o relatório- doc.4 da p.i.- elaborado pela técnica FF, que fez a investigação e exame do acidente, e que nos seus esclarecimentos referiu que o local não tinha iluminação aqui reportando-se, como não pode deixar de se entender que se refere às condições de luminosidade do local, quer se trate de luz natural ou artificial.
Não existindo, nem a Apelante o alega razões para colocar em causa a isenção, imparcialidade e profissionalismo na elaboração deste relatório “pericial” e dos esclarecimentos prestados em audiência julgamento pela técnica FF.
O que resulta do testemunho de DD, é que entrava luz natural até cerca de um metro e pouco, mas não referiu o que se via com essa claridade, essa luz que entrava no local.
Nem disse que com essa luz que entrava pela porta, via ou se via a diferença entre o passadiço em cimento e o piso feito de placas de teto falso.
Não é por acaso o aviso feito pela mesma testemunha ao Sr. CC provado no facto 6º.
A matéria provada no facto 11º, como já analisado corresponde ao que foi provado em audiência, devendo manter-se nos seus precisos termos.
Consequentemente, não se considera provado os sugerido facto 11º-A, 11-B e 11-C, que também não encontram suporte no alegado pelas partes.
O facto 11º-B sugerido funda-se, segundo a parte no depoimento de EE que fala em chapas fininhas, o que não corresponde às características do tecto falso e veio a referir que não foi ao local. Aliás, é notório quando descreve a escada de acesso ao terraço, que não é removível, mas metálica e fixa, como aliás resulta das fotografias juntas aos autos pelas partes.
O depoimento da testemunha não é credível e deve ser desvalorizado.
Em contrapartida, este tribunal colabora a valorização feita pelo tribunal de 1ª Instância quando à fixação dos factos provados e não provados, tendo em consideração o depoimento de parte, o depoimento do Sr. CC, de FF e do relatório por si elaborado e junto aos autos, das fotos analisadas, os e-mails trocados entre as partes, o depoimento da arquitecta DD na parte em que não entra em contradição com aquelas testemunhas e ainda das regras da experiência comum e das presunções judiciais.
Em face do exposto, improcede a impugnação da factualidade sugerida pela interveniente Ageas, mantendo-se os factos provados.
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DA RESPONSABILIDADE CIVIL:
Considerando que os factos a atender se mantêm na sua integralidade, este tribunal adere à fundamentação de direito efectuada pelo tribunal recorrido.
Estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, a saber, o facto, a ilicitude, o nexo causal entre o facto e a culpa da Recorrida, que no caso se presume, nos termos do art.493º, do CC, como bem descreve a sentença recorrida, ao referir:
O princípio geral no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos
está consagrado no nº 1 do art.º 483º, do Cód. Civil, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Decorre, assim, da norma supra citada que para que alguém incorra em responsabilidade civil extracontratual, suportando a respetiva obrigação de indemnizar, é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:
- o facto voluntário do agente – uma conduta humana dominada ou dominável pela vontade que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão, apenas se devendo excluir do conceito de facto voluntário as causas de força maior ou a atuação irresistível de circunstâncias fortuitas que a vontade do ser humano não pode controlar;
- a ilicitude desse facto – que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjetivo) ou de violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
- a imputação do facto ao lesante (culpa do agente) – que se traduz num juízo de censura ou reprovação da conduta do agente por parte da ordem jurídica e que assume natureza diversa consoante o agente tenha agido com dolo ou mera culpa (negligência);
- o dano;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano – relação que se exprime por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado como causalidade adequada: “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (art.º 563º, do Cód. Civil). Ou seja, “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Galvão Teles, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., p. 578).
Por sua vez, nos termos do art.º 486º do Cód. Civil, “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.
No caso vertente, o facto, naturalisticamente considerado, é causado pela queda desamparada do Autor através do “teto falso” ao entrar para o “sótão” do edifício propriedade da Ré onde tinha ido tirar medidas para ser apresentado um orçamento para a substituição da cobertura no âmbito de um procedimento concursal lançado pela Ré.
Rege ainda o art.º 493º, nº 1, do Cód. Civil, que: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que (…) causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua.”.
Estabelece-se neste artigo a inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo, nomeadamente, a vigilância de coisas móveis ou imóveis, assentando a sua responsabilidade na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano. Abre-se uma exceção à regra do nº 1 do art.º 487º, do Cód. Civil, mas mantém-se o princípio do art.º 483º, do mesmo Código, de que a responsabilidade depende da culpa.
Temos assim que o facto voluntário, enquanto pressuposto da responsabilidade civil pela culpa, se reconduz, no caso dos autos, ao facto de a Ré não ter empregue as medidas de segurança exigidas pela circunstância de ter pessoas estranhas ao seu edifício a aceder ao sótão, local reconhecidamente “perigoso”, prevenindo a possibilidade de ocorrência de danos, mormente uma queda, ou seja, omitindo o dever de cuidado, em termos de garantir a segurança dos utilizadores daquele espaço.
Por outro lado, é fora de dúvidas que foi violado o direito de integridade física do Autor - direito esse protegido, desde logo, pelo art.º 25º da Constituição da República Portuguesa - e que a produção do resultado danoso pode ser imputada à falta de cuidado da Ré que, não tendo tomado as medidas necessárias à prevenção do perigo, tornou-se responsável civilmente pelos danos que da sua omissão resultaram, sendo certo que não foi ilidida a presunção de culpa que sobre si recai.
Na verdade, a partir do momento em que a Ré sabe que pessoas estranhas ao edifício vão aceder ao local, independentemente da razão por que o fazem, sendo certo que a própria Ré o aconselhou “para uma resposta adequada” à consulta que lançou, devia ter tomado medidas de segurança ou, em alternativa, impedir de todo o acesso àquele local.
Não é o facto de (apenas) fazer saber ser aquele um local “perigoso” que retira a responsabilidade de o tornar menos perigoso, em termos de prevenir a ocorrência de uma queda, sendo certo que relativamente ao Autor não houve sequer tal informação.
Perante as características físicas do local, era altamente provável a possibilidade de ocorrer uma queda.
Mal se compreende que se possa dizer que o Autor foi negligente “ao não considerar todos os riscos do local” e não “ter observado todos os cuidados que a situação impunha”. Não só não lhe foi transmitido quais seriam tais riscos como não é “normal”, expectável, que o piso de um sótão não seja passível de ser pisado em toda a sua extensão, que se tratasse de um “piso falso”!
Refira-se que, mesmo conhecendo-se o local, não deixava de ser perigoso, exigindo-se a tomada de medidas de prevenção, fossem elas iluminação, colocação de guardas ou o simples impedimento de acesso.
Nem se diga que o facto de o Autor não levar capacete ou ter colocado arnês foi o que determinou o acidente ou a gravidade das lesões do mesmo decorrentes. Se a Ré entendesse que tais medidas deviam ser acauteladas pelos próprios deveria, então, ter feito saber isso mesmo, sendo certo que, como a mesma invoca, não estava em causa o cumprimento de regras no âmbito da legislação do Trabalho. Não estavam a ser executados os trabalhos que exigissem à entidade patronal do Autor assegurar as “condições de higiene e segurança no trabalho”. De resto, a adjudicação não estava sequer feita, pelo que, não se trata de o Autor estar ao serviço de uma empresa contratada pela Ré.
Também não se trata de “avaliar” as condições de segurança do local. O perigo era uma evidência! Talvez por isso a Ré alegue que explicou quais os procedimentos de segurança que tinham que ser observados (facto que não
concretizou nem provou), embora depois afirme não ter que os conhecer!
Deve, contudo, sublinhar-se que a Ré não teve intenção de produzir qualquer dano ao Autor, razão pela qual o facto só lhe pode ser imputado a título de mera culpa”
Tendo presente a fundamentação supra, está por um lado demonstrada a culpa da lesante Carris na produção da queda e a ausência de culpa do lesado, ao contrário do exposto pelas recorrentes.
E tendo presente o disposto no arts.562º, 564º e 566º, todos os CC, o lesante está obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da lesão.
Alega a recorrente Carris que não existem danos morais que mereçam a tutela do direito.
Bem ao contrário do que alega, e tendo presente o descrito no art.496º do CC, são vastos os danos sofridos pelo lesado Autor, em decorrência da queda. no caso de danos não patrimoniais, não é, em regra, possível reconstituir a situação que existiria se o evento danoso não tivesse ocorrido, pelo que se impõe atribuir ao lesado uma compensação pecuniária. Vaz Serra, in BMJ 83 - 85, explica que “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente ao dano, isto é, de valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas
moral, não é susceptível de equivalente”.
A fixação dos danos não patrimoniais é assim feita segundo juízos de equidade, tendo em conta a culpabilidade do lesante e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º, nº 3, e 494º, do Cód. Civil, aplicáveis “ex vi” art.º 499º, do mesmo Código). Deve ainda ter-se em conta os critérios usualmente seguidos nas decisões dos nossos tribunais, sendo certo que a jurisprudência tem vindo a reconhecer progressivamente a necessidade de atribuir indemnizações significativas por danos não patrimoniais.
Por outras palavras, tratando-se de danos não patrimoniais e não sendo possível a reconstituição in natura nem funcionando aqui a teoria da diferença, surge a dificuldade em apurar o quantum indemnizatório. Como se explica no Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Dezembro de 1993, “a indemnização não tem aqui o verdadeiro significado etimológico; não se trata de tornar indemne ou reconstituir a situação anterior que existiria se não tivesse havido dano mas antes de compensar de algum modo o abalo psicológico sofrido pela assistente, o abalo familiar, no seu repouso, na vida social. Este valor há-de ter em conta o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (Cód. Civil, arts. 494º e 496º, nº 3). A indemnização por danos não patrimoniais não pode conduzir a um injusto locupletamento à custa alheia”.
O artigo 496.º, n.º 1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos artigos 496º, nºs 1 e 3, e 494º, ambos do CCivil

O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano.

A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.

A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º, nº 3, do CC.
Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária.
A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.
Noutra ordem de considerações, desde há alguns anos, a jurisprudência tem chamado a atenção para a necessidade de as indemnizações começarem a ser aumentadas pouco a pouco, reconhecendo-se o carácter miserabilista das que eram fixadas. Supunha-se um aumento gradual das compensações mas sem alterar de forma brusca os critérios de valoração, não perdendo de vista a realidade económica e social do país.
Nas palavras de Menezes Cordeiro e Barreto Menezes Cordeiro, Código Civil comentado, II, CIDP/Almedina, 2021, p. 582, sob o tema ‘dignificação das indemnizações’, “como tem sido repetidamente defendido, os nossos tribunais devem ponderar seriamente uma majoração clara das indemnizações, designadamente nos casos de danos biológicos e de danos morais. Todos os dispositivos legais apontam nesse sentido.” E referindo-se ao facto de a jurisprudência se apoiar na “prática habitual”, dizem que isso “[p]arece razoável, desde que […] não congele uma evolução que deve ser incentivada: pondo termo a indemnizações miserabilistas, que não compensem minimamente os danos”.
Assim, se, por um lado, o Tribunal não pode deixar de ter em conta a jurisprudência para casos paralelos, por outro, sendo também certo que não tem sido feito um aumento gradual das compensações, nomeadamente adaptado à inflação, há que afastar as compensações miserabilistas.
Atente-se, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 04/03/2008, proc. 08A183, que atribuiu a compensação de € 224.459,05 a um autor com quase 59 anos por danos não patrimoniais que se achava impotente e incontinente e a sua autoestima sofreu um abalo fortíssimo; de 30/10/2014, proc. 2313/08.4TVLSB.L1.S1, em que o autor contava com 36 anos à data dos factos, ficou paraplégico, dependente do auxílio de terceira pessoa para as atividades da vida diária, de medicamentos, material e acompanhamento médico, com uma IPP de 75,5%, onde foi fixada da indemnização a título de danos não patrimoniais de € 470.000,00;
Na petição inicial o Autor atribui a esses danos o valor de € 120.000,00.
Tudo ponderado - as intensidade das dores e o desconforto vivenciado, o período de tempo em que esteve e estará submetido a tratamentos e consultas, as lesões de que ficou a padecer – tais danos assumem, sem margem para dúvida, uma gravidade muito elevada, não sendo excessivo o valor peticionado.
Assim, mantém o montante da indemnização devida nos € 120.000,00.
Quanto à Autora BB vem questionada a indemnização devida e o valor arbitrado, com fundamento, segundo a interveniente, em que o Autora apenas manifesta falta de libido, não estando em causa o dano de prejuízo sexual, pela alegada falta de relações sexuais entre ambos desde a ocorrência da queda.
Provou-se no facto 21, que, como causa direta e necessária do acidente o Autor ficou com falta de libido, sofrendo repercussão na atividade sexual fixada no grau 5 e 7.
Vem posta em causa a atribuição de indemnização ao cônjuge em geral pelo prejuízo de natureza sexual, que para nós cai sem sombra de dúvida no âmbito do art.496º do CC, em razão de as consequências do acidente se repercutirem no âmbito do relacionamento sexual do casal, que é uma das dimensões essenciais da vida em comum. A falta de libido conduz à ausência de relacionamento sexual e o grau atribuído- 5 em 7, é de natureza elevada.
Porém, considerando que o Autor não está totalmente incapacitado de se relacionar sexualmente, mas sofre uma falta de libido, não pode deixar de se repercutir tal situação na valoração do dano a indemnizar.
Pelo que, tendo presentes a natureza e extensão do dano, entende-se adequada a indemnização no montante de 25 mil Euros pelo sofrimento da Autora nesta área.
*
Da Responsabilidade
A Ré Carris considera que não está obrigada a indemnizar em razão do que vem provado em 36º, ou seja:
36. Em 19/11/2014, a Ré tinha transferido para a AGEAS Portugal- Companhia de Seguros, S.A. (anteriormente designada AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A.), através de um contrato de seguro do ramo “Responsabilidade Civil”, titulado pela apólice nº 0084.10.133854, além do mais, a responsabilidade civil extracontratual “decorrente da sua qualidade de proprietário (…) de imóveis, designadamente edifícios, depósitos, terrenos, instalações ou outros locais destinados à atividade da empresa” (Condição Especial 60, artigo 1º, 3.1).
Por sua vez a interveniente Ageas considera excluída a sua responsabilidade por força das clásulas 37º e 38º do contato de seguro, a saber:
37. Nos termos do artigo 3º, nº 1, da Condição Especial 60, ficam excluídos os danos:
“(…)
h) causados por falta de sinalização, sinalização deficiente (…) mesmo que a obrigação de sinalizar seja da responsabilidade do Segurado;
(…)
j) decorrentes de falta ou deficiente manutenção ou conservação ou deficiência de construção ou reparação de máquinas e equipamentos;
(…)”.
38. Nos termos da alínea b) da Cláusula Particular “Responsabilidade Civil Cruzada”, encontram-se excluídas do âmbito da “ampliação da cobertura” as “Lesões corporais de empregados efectivos ou contratados temporariamente ao serviço do Segurado, que estejam ou devam estar seguros em conformidade com o estabelecido na Legislação de Acidentes de Trabalho e/ou doenças profissionais”.
Analisando as cláusulas indicadas e compaginando-as com a matéria de facto provada, conclui-se que:
1º- Efectivamente a Ré Carris tinha a responsabilidade por danos como os dos autos abrangidos pelo contrato de seguro celebrado com a AGEAS, à data do evento danoso.
Deve a Ré Carris ser absolvida do pedido conforme peticionado.
2º-As descritas cláusulas 37º e 38º não excluem a responsabilidade da interveniente AGEAS, única responsável pela obrigação de indemnizar os danos sofridos pelos Autores.
Deverá a Ré pagar a indemnização no valor fixado na sentença recorrida ao Autor e bem assim a quantia de 25.000,000 Euros de indemnização à Autora BB, ambos acrescidos de juros à taxa legal, sendo os segundos devidos desde esta data até integral pagamento.
Procede o recurso interposto pela Carris, nos termos vistos;
Procede parcialmente o recurso interposto pela Recorrente Ageas.
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DECISÃO:
Nos termos vistos, acordam os Juízes da 8ª Secção em:
- Julgar procedente a Apelação interposta pela Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A., (CARRIS), absolvendo a mesma dos pedidos que contra a mesma foram formulados pelos Autores.
- Julgar parcialmente procedente a Apelação interposta por Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., fixando em 25.000,000 Euros a indemnização devida à Autora BB, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde esta data até integral pagamento, mantendo no mais a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Autores e da Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., na proporção do decaimento.
(Esta decisão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revista)

Lisboa, 10-04-2025
Maria Amélia Condeço Ameixoeira
Maria Teresa Lopes Catrola
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros