Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
279/24.2JELSB-C.L1-5
Relator: PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO
Descritores: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
IRREGULARIDADE
SEGREDO DE JUSTIÇA
EXCECIONAL COMPLEXIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. A falta de fundamentação de uma decisão verifica-se quando existe uma absoluta ausência do enunciar das razões pelas quais se decidiu num determinado sentido, ocorrendo uma fundamentação insuficiente quando, apesar de serem enunciadas razões, estas são incompletas ou insuficientes para permitir que se extraia a ilação jurídica formulada pela decisão;
II. A falta de fundamentação gera a nulidade do ato decisório, quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.º 118.º, n.º 1, do C.P.P.), ou a sua irregularidade, nas demais situações (cfr. art.º 118.º, n.º 2, do C.P.P.), ao passo que a fundamentação insuficiente sujeita o ato decisório em causa ao risco de ser revogado ou alterado em recurso, mas não produz a nulidade ou irregularidade do mesmo;
III. Tendo o recorrente suscitado tempestivamente a irregularidade de determinado despacho, questão que foi conhecida pelo tribunal recorrido por decisão da qual não foi interposto recurso, não pode tal questão (irregularidade) ser novamente suscitada, nos mesmos termos, em recurso interposto apenas daquele primeiro despacho;
IV. Estando o inquérito sujeito a segredo de justiça, aquando da fundamentação da decisão que declara a excecional complexidade do procedimento, ter-se-á também que ter em conta que não poderá ser revelado aquilo que o segredo de justiça pretende ocultar, nomeadamente a estratégia processual do Ministério Público, as diligências probatórias já realizadas e quais aquelas que ainda se encontram em curso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório:
I.1. Da decisão recorrida:
No âmbito do inquérito n.º 279/24.2JELSB, que corre termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, em 29-10-2024, pelo Tribunal Central Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 8, foi proferido despacho declarando a excecional complexidade do procedimento, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 1.º, al. m), e 215.º, n.º 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal (C.P.P.).
I.2. Do recurso:
Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. Por despacho datado de 30-10-24 foram os presentes autos declarados como sendo de especial complexidade.
2. Porém, o mesmo não se encontra devidamente fundamentado.
3. Tendo sido tempestivamente arguida a irregularidade do mesmo por violação do artigo 97º n.º 5 do CPP.
4. Com efeito, despacho que declarou a especial complexidade se limita a enunciar algumas características do processo sem especificar em concreto de que forma é que as mesmas revelam uma especial complexidade.
5. Enunciam-se diligências sem se concretizar:
a) quais são as diligências em concreto;
b) sem se concretizar se no presente caso serão efetivamente realizadas e em que termos;
c) de que modo as mesmas se afiguram especialmente complexas;
d) que diligências já foram realizadas;
e) em que estado se encontram;
f) se as mesmas ainda se vão realizar;
6. A decisão limitou-se a acolher os argumentos do Ministério Público sem realizar um juízo critico da complexidade dos presentes autos e das diligências ainda a realizar.
7. As perspetivas de investigação do MP não podem condicionar a liberdade dos arguidos sem mais, cabendo ao Juiz de Instrução tal ponderação face aos direitos fundamentais previstos nos artigos 18º, 27º, 28º e 32º da CRP.
8. No entender da defesa tal não aconteceu, não estando assim o despacho devidamente fundamentado quanto à especial complexidade dos autos.
9. a decisão proferida, neste processo não exprime qualquer juízo critico, objetivo e autónomo que possa ser atribuível à autoria do juiz que as produziu.
10. Acolhemos inteiramente a argumentação do Tribunal da Relação, no âmbito do processo n° 442/19.8JAPDL-AL1, proferido em 4 de março de 2020, em situação em tudo idêntica a esta: "(...) Dela não se retira em que estágio de evolução se encontram as diligências probatórias a realizar em sede de cooperação judiciária internacional, sendo que, como diz o recorrente e bem, da circunstância de os arguidos serem estrangeiros, não pode retirar-se seja que ilação for sobre o acréscimo de tempo e de esforça que é necessário desenvolver, no âmbito da investigação e que, para justificar a declaração de especial complexidade, repete-se, tem de ser um acréscimo importante e assente em circunstâncias concretas pertinentes à investigação e às suas necessidades, o mesmo tenho de dizer-se das menções à «cooperação internacional desencadeada» à «necessidade de investigar suspeitos estrangeiros, em conexão com os arguidos do presente processo e considerando, por fim, a moldura penal abstrata aplicável ao crime em investigação». (...)"
11. O despacho não está devidamente fundamentado e que não estão preenchidas as condições cumulativas previstas no nº 4 do artigo 215° do CPP para que os autos fossem declarados como de excecional complexidade.
12. De nenhuma forma se pode considerar a complexidade descrita pelo despacho recorrido como excecional, outro entendimento permitiria que se transformasse aquilo que é a exceção numa regra, com o consequente prolongamento injustificável dos prazos.
NORMAS VIOLADAS:
· Artigos 97° n°1 al. b) e n°5 e 215º n°3 e 4 do Código de Processo Penal
· Artigos 18°, 27º, 28° e 32° da Constituição da República Portuguesa
O referido recurso foi admitido por despacho de 11-12-2024.
I.3. Da resposta:
Ao dito recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo da seguinte forma:
1- O arguido AA é cidadão portador de dupla nacionalidade: dominicana (por ser natural da ...) e também norte americana;
2- É responsável, conjuntamente com outros três co-arguidos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e um crime de associação criminosa, respectivamente previstos e punido pelo disposto nos artigos 21.° n.º 1 e 24.° alínea c) e j) e artigo 28.° do Decreto Lei n.º 15/93 de 22/01, com referência à Tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal;
3- A cocaína apreendida foi enviada desde a ... e remetida para Portugal, vinha dissimulada dentro de contentores marítimos, dissimulada entre matéria orgânica (frutas e vegetais) de forma a dificultar a sua detecção pelas autoridades;
4- Numa primeira fase, no dia ........2024, logrou-se apreender, já no interior do armazém que os arguidos arrendaram para efectuar a descarga do material, cerca de 251, 769 kg de cocaína, sendo certo que nos dias ........2024 e ........2024, foram apreendidos dentro de outros contentores marítimos, destinados àqueles, dissimulados entre vegetais e frutas, mais 154, 65 kgs de cocaína;
5- Num total estão apreendidos 406, 419 kgs. de cocaína;
6- Os tribunais têm a obrigação constitucional e legal de fundamentar as suas decisões (cfr. artigo 205.°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e n.º 5, do artigo 97.° do Código de Processo Penal), dever legal que tem subjacente a legitimação interna (por via do processo, na perceção do despacho pelos sujeitos processuais) e externa das suas decisões (por via da perceção que a comunidade faz da decisão judicial);
7- No caso vertente, facilmente se conclui pela fundamentação do despacho recorrido;
8- A Meritíssima Juiz a quo narra e analisa de forma conjugada as questões processuais que revelam a necessidade da declaração de especial complexidade, em análise semelhante à que o Ministério Público tinha realizado no seu requerimento;
9- Tal é a consequência lógica da própria estrutura acusatória do processo e a dimensão garantística da função jurisdicional do Juiz de Instrução criminal em sede de inquérito, que importa não vá mais além do que lhe é pedido para apreciar, mas não se coibindo, todavia, de analisar perfunctoriamente os fundamentos apresentados pelo Ministério Público;
10- A Meritíssima Juiz a quo convoca a fundamentação de facto e de direito do Ministério Público, e subsume os factos ao direito aplicável e termina com a declaração de especial complexidade;
11- A decisão colocada em crise contém a enunciação das razões de facto e de direito que suportaram a decisão proferida, cumprindo cabalmente o dever genérico de fundamentação;
12- A Meritíssima Juiz a quo justificou a decisão tomada atendendo às concretas dificuldades presentes na investigação desenvolvida e que se adivinham pelas diligências ainda a realizar atentas as características do fenómeno criminoso em causa nos autos;
13- Foi realizada uma análise cuidada, contida na decisão recorrida, correlacionando as dificuldades do procedimento verificadas no inquérito, decorrentes do objecto da investigação, com a criminalidade altamente organizada, concretizando as diligências realizadas e seus resultados bem como ainda as diligências que se perspetivam realizar, e por isso cumpre integralmente o dever de fundamentação da decisão interlocutória de declaração da excepcional complexidade;
14- A decisão colocada em crise contém a enunciação das razões de facto e de direito que suportaram a decisão proferida, cumprindo cabalmente o dever genérico de fundamentação;
15- A Meritíssima Juiz a quo justificou a decisão tomada atendendo às concretas dificuldades presentes na investigação desenvolvida e que se adivinham pelas diligências ainda a realizar atentas as características do fenómeno criminoso em causa nos autos;
16- Se todas as diligências ainda não se mostram concluídas, tal não se deve a qualquer menosprezo da investigação pela situação de detenção a que os arguidos estão sujeitos, mas sim à extensão das mesmas, decorrente da indicada actividade daqueles;
17- Verifica-se efectiva dificuldade em concretizar e ultimar a investigação de forma célere, ocorrendo a necessidade de apurar os factos através de diligências de prova ainda a decorrer, e bem assim a necessidade de realizar outras, dependentes do resultado destas ainda a realizar, com vista a que o Ministério Público possa ficar habilitado a cumprir os objectivos da investigação, de descoberta da verdade material, em ordem à formulação de uma decisão final (do inquérito) fundamentada;
18- A extensão e deslocalização destas diligências, algumas a realizar, necessariamente que determina uma maior dilação na decisão final do inquérito, estando preenchidos os pressupostos da aplicação da norma do artigo 215.°, n.º 3 do Código de Processo Penal;
19- O prolongamento do referido prazo de prisão preventiva não contraria direitos do arguido, reconhecido em Tratado ou Convenção Internacional ou na própria Constituição da República Portuguesa, porquanto é justificada, na perspectiva da lei, pelas especiais dificuldades que a investigação, num caso concreto, possa encontrar;
20- Em tais casos, é feita uma cuidadosa ponderação entre os valores da Justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva;
21- Os crimes fortemente indiciados nos autos permitem tal elevação de prazos, por se incluírem no conceito de "criminalidade altamente organizada" referenciado artigo 215°, n.º 1-4 do Código de Processo Penal;
22- Por outro lado, não se verificam atrasos na investigação, sendo que as dificuldades sentidas em a ultimar, não revelam incúria, antes radicam na multiplicidade de circunstâncias fácticas que cumpre ainda apurar, decorrente do próprio modus operandi dos arguidos, com ligações quer a Portugal, quer transnacionais;
23- Como tal, os fundamentos de facto e de direito conducentes à elevação do prazo de duração da prisão preventiva, ditados pela necessidade de continuar a investigação, constavam dos autos, tendo sido levados em consideração pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, aquando do juízo concreto que teve que realizar, deles tendo retirado a necessária consequência;
24- Os crimes investigados foram cometidos de forma organizada, estão a ser efectivadas diligências de prova, elaboração de cartas rogatórias a expedir, perícias, diligências que exigem tempo, mas essenciais para o apuramento total dos crimes identificados;
25- No caso de inquérito sujeito a segredo de justiça, como é o caso dos autos, não é sequer obrigatório o conhecimento pelos arguidos dos fundamentos invocados pelo Ministério Público na respectiva promoção para a declaração da excepcional complexidade — tendo contudo nestes autos sido os arguidos notificados do despacho de promoção -, bastando que lhes seja dado conhecimento do teor de tal promoção;
26- Desde a data da aplicação da medida de prisão preventiva ao arguido AA, em ........2024, a mesma foi reapreciada por diversas vezes, quer por imposição legal, quer por impulso dos arguidos, sendo sempre a mesma mantida;
27- E a situação do arguido permanece inalterada ( tal como dos restantes três co-arguidos) sendo intenso o perigo de continuação da actividade criminosa, atento o indiciado modus operandi, a rede de contactos dos arguidos, que permite, com facilidade, dar prosseguimento aos actos que vinham desenvolvendo, por si próprios ou através de terceiros que conhecem ou lhe são próximos), considerando-se igualmente intenso o perigo de fuga, porquanto o arguido AA, tem dupla nacionalidade — natural da ... e também cidadania norte americana, pelo que a restituição, sem mais, à liberdade, seguramente que não impediria fugas, em ordem a eximir-se á acção da Justiça e a conseguir recuperar dos prejuízos causados com a apreensão de cocaína.
Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
I.4. Do parecer:
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer através do qual propugnou pela improcedência do recurso, subscrevendo a posição assumida pelo Ministério Público em 1.ª instância.
I.5. Da tramitação subsequente:
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (C.P.P.), nada foi acrescentado.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso:
Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-2995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.3).
Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar.
II.2. Das questões a decidir:
A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:
A. Se o despacho recorrido está ferido de irregularidade por não estar devidamente fundamentado em obediência ao disposto no art.º 97.º, n.º 5, do C.P.P. (cfr. II.4.A.); e
B. Se estão verificados os pressupostos de que depende a declaração do procedimento de excecional complexidade nos termos do art.º 215.º, n.º 3 e 4, do C.P.P. (cfr. II.4.B.).
II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso:
Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:
II.3.A. Do primeiro interrogatório de arguido detido (cfr. ref.ª 8928318 de 28-06-2024 do referido inquérito):
No dia 28-06-2024 teve lugar o primeiro interrogatório judicial dos arguidos BB, CC, AA e DD, a que foram submetidos detidos, tendo-lhes sido nomeado um intérprete de língua espanhola, por aqueles não dominarem a língua portuguesa.
II.3.B. Da factualidade considerada fortemente indiciada (cfr. ref.ª 8928318 de 28-06-2024 do referido inquérito):
Findo aquele interrogatório, por despacho de 28-06-2024 foi considerada fortemente indiciada a prática, pelos arguidos BB, CC, AA e DD, em coautoria e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa, tendo-lhes sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, por força da seguinte factualidade:
Os arguidos integram uma rede de tráfico de estupefacientes, com ligações internacionais, designadamente à ... e também a … e Portugal, cujo objectivo será a introdução de cocaína, produto de natureza estupefaciente, em território europeu.
Desde data não concretamente apurada, mas seguramente já desde o início do ano de 2024, que os arguidos integram tal organização.
Para concretização do plano criminoso, previamente delineado e por todos aceite, utilizam a empresa denominada ...
Esta empresa tem a sua sede na …, em ..., tendo sido constituída em ........2023, e o seu objeto será o ...
Tem como gerente e único sócio BB, requerente de asilo em Portugal, aqui chegado em ........2023, apresentando-se como empresário (actividade que indicou no seu documento de manifestação de interesse), e que é residente em ..., sendo natural da ....
Através da empresa, importam fruta altamente perecível, como é o caso dos ananases e no meio desta carga legitima, que é declarada às autoridades alfandegárias, dissimulam os vários quilogramas de cocaína.
A cocaína é carregada desde a ..., servindo Portugal como porta de entrada para a União Europeia, onde se irá iniciar o armazenamento, distribuição e comercialização daquele produto de natureza estupefaciente.
A empresa não apresenta actividade, para além de importação recente de ananases, e no seu site, na internet surge apenas a referência “em construção”, sem quaisquer dados ou links associados.
No dia ........2024, chegaram ao ..., por via marítima, a bordo do navio porta contentores …, dois contentores carregados com ananases.
Estes contentores estavam devidamente fechados e com selos inviolados, que tinham sido apostos no local da carga.
Trata-se da importação do lote de dois contentores desde o ..., na ..., com as matrículas … e …, com indicação de chegada ao porto de ....
A carga é destinada à empresa importadora -“...”, e dentro dos contentores, por entre a fruta, suspeitou-se que estaria cocaína.
No dia ........2024, Inspectores da Policia Judiciária e membros da autoridade tributária procederam a rápida inspeção, tendo sido detectadas inconformidades no acondicionamento de mercadoria e dado o elevado estado de maturação da fruta, foi interrompida a inspecção e logo se procedeu à selagem de cada contentor, respectivamente com selo … e selo ….
Os contentores foram colocados em local inacessível, sob vigilância, aguardando a finalização do procedimento alfandegário, nomeadamente com levantamento e subsequente transporte.
No dia ...-...-2024, pelas 09h, Inspectores da PJ procederam a uma vigilância e verificaram a saída dos contentores ...e EE. Cerca das 13H26 – Os aludidos contentores foram observados a ser carregados em camiões. O contentor EE no camião com as matrículas AQ-..-CT e L-...... e o contentor ..., no camião com a matrícula AH-..-DV e SE-..... Pelas 13H47 – Os camiões saíram do ... do ..., tendo sido iniciado o seguimento.
As viaturas tomaram sentido à ... rumo a ..., sempre em proximidade entre si.
Às 17H03 – O camião AQ-..-CT parou no … de ... no …, tendo o outro camião também parado na berma da estrada. O condutor foi à loja, onde comprou apenas tabaco e pouco depois ambos os camiões retomaram a viagem.
Pelas 18H06 – O camião com a matrícula AQ-..-CT e galera …, com o contentor EE, entrou na ... (zona industrial), tendo parado à frente de um armazém que continha indicações quase ilegíveis na fachada. Neste local foi abordado por DD, e que conversou com
Às 18H08 – O camião com a matrícula AH-..-DV e galera …, com o contentor …, chegou junto do referido armazém e parou no exterior.
No local havia pouca afluência de pessoas e reduzida circulação de viaturas.
Pelas 18H09 - O camião com as matrículas AQ-..-CT e …, com o contentor EE efetuou várias manobras na rua por forma a conseguir colocar as portas do contentor no interior do portão lateral do armazém.
Cerca das 18H25 – No exterior do armazém é detetada uma carrinha de trabalho de cor branca da marca ..., com matrícula ….
18H34 – A ... saiu da zona do armazém e foi ao posto de abastecimento da …, sito na ..., apurando-se que a matrícula era …. Ao volante seguia AA, que se dirigiu ao café contíguo à bomba de gasolina.
18H41 –AA entrou no ..., saiu da … e regressou ao armazém.
19H03 – O camião AH-..-DV – … e o contentor …, efetuaram manobras e colocaram-se na mesma posição para descarga no armazém, o outro camião aguardou no exterior.
19H04 – O AA no interior da ... circulou pela zona e estacionou na ..., na mesma zona industrial, vestia camisola vermelha, andava apeado com o telemóvel na mão, olhando sempre para todo o lado e a controlar as movimentações que ocorreram na rotunda existente na zona industrial que dava acesso ao armazém, chegando mesmo a efetuar parte desta rua apeado espreitando para as viaturas que lá se encontravam.
19H19 – Posteriormente, ainda apeado retornou à zona onde tinha a ..., na qual permaneceu, no seu interior.
19H27 – AA arrancou na ..., seguiu para o armazém, desta feita já com uma camisola preta vestida, tendo sido percetível que trocou de roupa desde a última vez que foi avistado.
19H31 – De seguida, o mesmo indivíduo e um outro entraram na carrinha ..., com o AA ao volante, tendo arrancado de seguida saindo do local.
19H43 – A viatura ..., regressou ao local do armazém, sem o AA,
19H44 – O segundo camião acabou de descarregar e saiu do armazém.
19H53 – A ... saiu da zona do armazém, foi efetuado seguimento.
19H55 – A mesma viatura parou no ..., onde se encontrou com AA que entrou à pendura.
20H04 – A ... arrancou apenas com o condutor. O AA que trocara novamente de roupa, desta vez, vestia uma camisola beje e um boné, saiu da viatura e seguiu apeado entrando no ... que ficava à frente da residencial.
20h08 – A ... retornou ao armazém.
20H10 – Após pedir uma bebida, AA senta-se na esplanada numa clara posição de controlo sobre as movimentações em seu redor. Tinha uma chave de automóvel na mão.
20H12 – A ... entrou para o armazém pelo portão lateral, sendo o portão fechado de seguida.
20H55 – AA saiu do … e seguiu apeado para a ...onde entrou.
21H35 – No parque de estacionamento situado nas traseiras da ... é detetada a viatura … com a matrícula ….
22H12 – AA saiu da ... e foi apeado até ao …, desta feita trouxe uma sweat branca vestida e um boné, claramente na tentativa de passar despercebido.
22H31 – O aludido indivíduo saiu do restaurante após ter comido e seguiu para a ....
22H51 – Saiu da … ao volante do … e seguiu em direção a ..., não tendo sido efetuado seguimento devido ao estado de alerta do indivíduo e ao pouco trânsito de viaturas no local.
Cerca das 23h55 – O … regressou à zona do armazém, efetuando diversos circuitos nos arruamentos circundantes. Após efetuar várias inversões de marcha e manobras redundantes, encaminhou-se à ..., onde deixou apeado BB, regressando de seguida à …, onde foi mantido o controlo sobre o mesmo.
00h30 – No armazém da ..., Inspectores da PJ procederam á abordagem dos indivíduos, e ultrapassado o portão exterior, que se encontrava fechado com recurso a corrente e cadeado, observou-se DD a abrir a porta de acesso frontal. Na nave central, foi de imediato detetado CC em fuga para a zona de arrumos, tendo sido este também controlado por elementos desta Polícia. ---
00h35 – Na nave central, foi desde logo detetada a presença de uma palete danificada que tinha vertido uma quantidade significativa de COCAÍNA.
Junto à carrinha ... com matrícula ..., que se encontrava no interior, junto ao portão, foi ainda detetada a presença de diversas paletes semelhantes à contaminada [lote de .../.../24], agrupadas em prejuízo das caixas de ananás, que se encontravam no chão.
Quanto à carrinha ... , foi de imediato identificado que teria fundos falsos nas portas, com rebites aplicados na estrutura, encontrando-se silicone ainda fresco nas juntas da mesma. Do mesmo modo, suspeita-se que o chão teria também um fundo falso, sendo visível silicone fresco nos bordos.
00h40 – foi encontrado BB, escondido no interior da sala de arrumos, procurando furtar-se à presença dos elementos policiais no local.
AA foi abordado em simultâneo, na pensão da ..., onde se encontrava alojado e que se situa nas imediações do armazém da ..., após ter ido ao armazém controlar e verificar os acessos ao armazém.
03h20 – As paletes que se encontravam junto à carrinha de matrícula espanhola, a camada superior era composta por um conjunto redundante de dez ripas de madeira afagada e polida, apresentando um aspeto, densidade e peso manifestamente diferente do normal. Por perfuração, foi possível perceber que todas estas se encontravam contaminadas com COCAÍNA. Desmanteladas algumas ripas, com recurso às ferramentas encontradas no local, constatou-se que que cada uma continha duas placas de COCAÍNA entalhadas e coladas, sendo na grande maioria dos casos objetivamente impossível a sua separação sem espalhar o produto estupefaciente no interior.
No interior do armazém, detetaram-se ainda sete paletes do lote .../.../24, com marcas semelhantes às paletes de .../.../24 depois de retiradas as ripas contaminadas, bem como pedaços de paletes do lote .../.../24, com marcas de corte e fresa compatíveis com a presença de duas placas por trave/ripa.
Assim, foi AA quem estabeleceu e controlou, durante todo o tempo, as movimentações entre o armazém, a zona da ... e o ....
Já no armazém AA continuou a vigiar a carga a ser descarregada, reagindo à chegada e manobras para descarga dos contentores, importados pela empresa “...”, bem como circulando nas imediações sempre vigiando todas as imediações, e assegurando a deslocação dos indivíduos de/ e para o local.
Foi AA que foi a um local desconhecido recolher e transportar para o interior do armazém BB, o dono da empresa importadora.
Enquanto BB, CC, e DD, se encontravam no armazém para descarregar a mercadoria AA, permaneceu no exterior a efetuar diversas passagens de controlo ao armazém e às viaturas nas imediações.
No momento da abordagem do Inspectores da PJ ao armazém, BB, CC, e DD, estavam a trabalhar a mercadoria que havia sido descarregada dos contentores e colocada em zona não refrigerada (o armazém não é refrigerado) no chão e sem qualquer cuidado ou preocupação de preservação.
No armazém onde foram descarregados os contentores, situado na ... foi encontrado e apreendido o seguinte:
1. Trezentas e noventa e nove (399) ripas de madeira que, por amostragem, se presume terem setecentos e noventa e oito (798) placas de produto estupefaciente, o qual sujeito a teste rápido para Cocaína, reagiu positivamente e que pesado por amostragem, apresentou um peso bruto, total, presumido e aproximado de 251,769 kg. (duzentos e cinquenta e um quilos e setecentos e sessenta e nove gramas). As aludidas ripas foram extraídas com recurso as ferramentas disponíveis no armazém, de 40 paletes de madeira que se encontravam algumas ainda consolidadas com caixas de ananás e outras já selecionadas e colocadas à parte, na nave central;
2. Ananases de diferentes calibres, acondicionados em diversas caixas de cartão, com a indicação de produto da ..., descarregadas dos contentores marítimos com as matrículas EE e C…;
3. Dois (02) porta paletes manuais, um da marca ..., de cor amarela e outro da marca ..., de cor vermelha;
4. Um (01) porta paletes elétrico, da marca ..., de cor amarela, com respetivo cabo de alimentação;
5. Uma (01) destroçadora a motor, de cor vermelha, da marca ..., modelo …, com vestígios de serradura no interior;
6. Uma (01) palete de madeira, parcialmente desmantelada, com inscrição da data de “...-...-24”, apreendida a título exemplificativo de uma pilha sete (07) de paletes idênticas, que se encontravam arrumadas ao fundo da nave central;
7. Quatro (04) pedaços de palete de madeira, com a inscrição da data “...-...-24”, com marcas de corte e fresa, apreendidos a título exemplificativo, dentro de uma caixa de uma destroçadora elétrica, que continha vários pedaços de madeira idênticos, que se encontravam arrumados ao fundo da nave central;
8. 1.600,00 € (mil e seiscentos euros) em notas do BCE, encontrados no interior da carteira de BB, em cima de uma mesa de apoio na nave central;
9. Um (01) carimbo da empresa “... com o NIPC ...;
10. Uma (01) folha A4, referente a …) atinentes a transportes de mercadorias, onde a empresa ... figura como recetora da mercadoria, emitida .../.../2024, correspondente ao contentor …;
11. Um (01) folha A4, com o timbre do banco ..., com várias inscrições manuscritas;
12. Dois (02) selos de contentores marítimos, com os números … e …;
13. Nove (09) folhas A4, atinentes a documentação aduaneira e do armador, tendo como recetora dos contentores: … expedido a .../.../2024, … e …, expedidos a .../.../2024, todos provenientes da ... e com destina à empresa ...;
14. Uma (01) folha A4, referente a … atinentes a transportes de mercadorias, onde a empresa ... figura como recetora da mercadoria, emitida .../.../2024, correspondente ao contentor …;
15. Um (01) bloco de notas A5, com o timbre da …, com diversas inscrições manuscritas, para posterior análises;
16. Um (01) telemóvel da marca ..., de cor preta, com o IMEI ...;
17. Um (01) tablet da marca ..., de cor cinzenta, com o IMEI ...;
No interior de uma mala de computador pertencente a BB, os seguintes objectos (18 a 21):
18. Um (01) cartão de suporte de Cartão Sim, sem operadora, com os IMSI ..., agora em folha de suporte;
19. Um (01) telemóvel, da marca ..., modelo …, de cor preta, com capa azul, Dual SIM, IMEI1 …. IMEI2 …;
20. Um (01) telemóvel, da marca ..., modelo …, de cor azul, …, com o IMEI1 … e IMEI2 …;
21. Uma (01) Folha A4, atinente a uma fatura emitida pela ..., em nome BB, com o respetivo talão de pagamento aposto, agora em folha de suporte;
22. DD da marca ..., modelo …, de cor branca, com a matrícula … ..., com 173069km, apresentando diversas alterações, como compartimentos dissimulados nas portas traseiras e diversas anomalias no isolamento do interior da zona de carga, por analisar;
No interior da DD, uma mala de cintura de CC, com os seguintes objetos:
23. Um (01) telemóvel da marca ..., com IMEI ..., com o cartão Micro Sim, da ..., com o IMSI ..., e ainda, no interior da capa de proteção um (01) Cartão MicroSim da ..., com o IMSI ...;
24. Três (03) cartões de suporte de Cartão Sim, sem operadora, com os IMSI ..., ... e ..., agora em folha de suporte;
25. Um (01) pedaço de papel manuscrito, com a inscrição “142536#”, agora em folha de suporte;
26. Um (01) cartão de embarque, em nome de “...”, para o voo …, a ..., às 19h40, de ... para o ..., da companhia ..., agora em folha de suporte;
27. Um (01) pedaço de papel, contento um orçamento para reparação Automóvel, com o NIPC ... e o número manuscrito “...”, agora em folha de suporte;
28. Quatro (04) cartões de visita do ..., com várias inscrições manuscritas, agora em folha de suporte;
Na dispensa da nave central do armazém:
29. Quatro (04) escopos de mão, da marca ..., de cor azul e laranja;
30. Três (03) latas de …, da marca ...;
31. Quatro (04) formões de mão, três da marca ... e um da marca ..., todos com marcas de uso extensivo;
32. Uma (01) rebitadora de mão, da marca ..., de cor azul e preta, com respetiva caixa de rebites de alumínio;
33. Dois (02) martelos, com marcas de uso extensivo;
34. Um (01) maço de borracha, com marcas de uso extensivo;
35. Dois (02) rolos de fita adesiva, transparente, da marca …;
36. Três (03) arranca pregos, dois de cor preta e um de cor laranja, todos com marcas de uso extensivo;
37. Três (03) martelos de carpinteiro, dois da marca ... e um da marca ...;
38. Duas (02) motosserras tico-tico, da marca ..., de cor laranja, com três (03) serras de madeira;
39. Um (01) serrote de ferro, de cor azul, da marca ...;
40. Uma (01) serra elétrica, da marca ..., de cor vermelha, com uma serra de madeira, com vestígios de serradura;
41. Uma (01) fresadora elétrica, com serra de madeira, da marca ..., de cor vermelha, com vestígios de serradura;
42. Dois (02) berbequins elétricos, com martelo, da marca ..., de cor azul, um deles, na respetiva caixa selada e, outro, que se encontrava na zona de trabalho, a uso, com sete (07) brocas de ferro;
43. Dois (02) serrotes de mão, da marca ..., com pega laranja, ambos com resíduos de madeira;
Na zona do escritório:
44. Um (01) computador portátil da marca …, modelo …, de cor preta, com o n/s … e com o respetivo cabo de alimentação;
45. Oito (08) folhas A4, referentes a … atinentes a transportes de mercadorias, onde a empresa ... figura como recetora ou expedidora da mercadoria, todos emitidos no corrente ano de 2024;
46. Sete (07) folhas A4, referentes a documentação aduaneira alusiva ao transporte de contentores marítimos expedidos pela empresa ..., sediada em ..., com destinatário a empresa ..., sediada na ..., todos emitidos no ano de ...;
47. Três (03) folhas A4, referentes a … atinentes a transportes de mercadorias, onde a empresa ..., figura como recetora ou expedidora da mercadoria, todos emitido no ano de ...;
48. Cinco (05) folhas A4, referentes a faturas emitidas em nome da empresa ..., todas emitido no ano de ...;
49. Cinco (05) folhas A4, referentes a documentação aduaneira, alusiva ao transporte de contentores marítimos com o destinatário a empresa ..., sediada ...;
50. Um (01) telemóvel, da marca ..., modelo …, de cor azul, …, com o IMEI1 … e IMEI2 … (que o arguido ... disse ser seu);
51. Uma (01) camara de videovigilância, da marca ..., contendo no interior um cartão de memória, da marca ..., com capacidade de armazenamento de 128GB, com o respetivo cabo de alimentação;
52. Uma (01) folha A5, com o timbre da empresa “...”, com várias inscrições manuscritas, agora em folha de suporte;
53. Um (01) cartão de suporte de cartão MicroSim, da operadora ..., com a referência ..., agora em folha de suporte;
54. Um (01) cartão de suporte de cartão MicroSim, da operadora ..., com a referência ..., agora em folha de suporte;
55. Um (01) cartão de suporte de cartão MicroSim, da operadora ..., com a referência ..., agora em folha de suporte;
56. Um (01) cartão de suporte de cartão MicroSim, da operadora ..., com a referência ...;
Na posse de CC e de BB, foram encontrados diversos cartões multibanco, os quais não foram apreendidos, apenas fotografados, conforme imagens juntas à respetiva reportagem fotográfica.
Em suma:
Pelas 00H35, do dia ........2024, foi proceder à apreensão, dissimulada na carga de ananás e paletes de suporte, nomeadamente, por amostragem, 798 (setecentas e noventa e oito) placas de produto estupefaciente que se encontram acondicionadas no interior de 399 (trezentas e noventa e nove) ripas, apresentam um peso bruto, total e aproximado de 251,769 kg. (duzentos e cinquenta e um quilos e setecentos e sessenta e nove gramas).
Dada a complexidade técnica do exame pericial- uma vez que se trata de elevada quantidade, impregnada em material inerte- paletes de madeira, sendo difícil a respectiva extração, prevê-se que exista maior quantidade de cocaína, para além daquela que já foi possível extrair e quantificar.
Quanto à concreta situação dos quatro arguidos em Portugal, apurou-se o seguinte: BB:
Anteriormente à sua entrada em Portugal, efectuou três pedidos de visto de curta duração (dois a ... e um a ...) tendo sido todos recusados por não haver indicação clara de que regressaria ao seu país de origem dentro da validade do visto.
Viajou para Portugal aos .../.../2023 sem visto, tendo feito um pedido de proteção internacional no aeroporto de Lisboa na mesma data (o pedido de asilo).
Nessa sequência, foi criado o pedido de proteção internacional número …/23 que tem presentemente indicação de que o requerente tem paradeiro desconhecido e de que o procedimento se encontra suspenso.
Posteriormente, submeteu uma manifestação de interesse em .../.../2023 como ..., sem a junção de qualquer documento. Esta manifestação de interesse foi anulada aos .../.../2024.
Na mesma data (.../.../2024) registou nova manifestação de interesse, desta vez com base na criação da sua própria empresa denominada ... com o NIPC ... e sede social na ....
Apresenta como morada em território nacional a ... e como contacto telefónico o número ....
Além da sua entrada em território nacional, não constam mais movimentos na fronteira externa.
CC é natural da ..., nascido aos .../.../1991, com nacionalidade ….
Por ter a nacionalidade de um país membro da União Europeia, não há registo dos seus movimentos na fronteira externa portuguesa. Foram contudo observados dois (2) registos de alojamentos em unidade hoteleiras em Portugal, a saber:

Unidade HoteleiraLocalidadeEntradaSaída
…/2023…/2023
…/2023…/2023
Quanto a AA, é natural de ..., nascido a .../.../1971, titular do Passaporte dos … e DD também natural de ..., nascido a .../.../1984, titular do DNI n.º: …, não existem quaisquer registos.
Os arguidos adeririam aos objectivos da associação criminosa, e em cumprimento do plano por todos aceite e conhecido, determinaram-se e conseguiram organizar o transporte e armazenamento da cocaína desde a ..., até ao território nacional, com o objectivo de aqui e nos restantes países europeus, comercializarem tal produto estupefaciente, obtendo lucros elevados coma respetiva venda.
Agiram sempre livre, consciente e voluntária.
(…)
- O arguido [BB] veio da ... para Portugal, onde vive há cerca de um ano;
- Vive sozinho;
- Aufere um rendimento mensal de €1.500,00 proveniente da sua actividade de …;
- Não tem familiares a residir em Portugal;
- Tem dois filhos, com 4 e 1 anos de idade, que vivem na ....
(…)
- [AA] Vive na ..., tendo-se deslocado para Portugal no dia ........2024, nunca antes tendo estado na ...;
- Não tem familiares a residir em Portugal;
- Viveu nos ... desde os 14 anos de idade até há cerca de 1 ano;
- Tem dois filhos, com 24 e 20 anos de idade, que vivem nos ....
II.3.C. Do segredo de justiça (cfr. fls. 37 a 41 e ref.ª 8924026 de 29-10-2024 do referido inquérito):
Por despacho proferido em 29-10-2024 foi determinada pelo Ministério Público a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, tendo em 26-06-2024 sido proferido despacho judicial com o seguinte teor:
Pelos fundamentos consignados na decisão do Ministério Público que antecede, que determinou a sujeição do processo a segredo de justiça, valida-se tal decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 86º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
II.3.D. Do despacho recorrido (cfr. ref.ª 9073038 de 29-10-2024 do referido inquérito):
É do seguinte teor o despacho recorrido:
O Ministério Público promove que seja declarada a especial complexidade dos autos e, em consequência, que o prazo da prisão preventiva aplicada aos arguidos BB, CC, AA e DD seja alargado até ao limite máximo de 1 (um) ano, nos termos do artigo 215º, n.º 1 a 4 do Código de Processo Penal, com os fundamentos exarados na promoção constante de fls. 995 a 998, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Notificados os arguidos para se pronunciarem nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, n.º 4 do Código de Processo Penal, vieram os arguidos AA e BB deduzir oposição à pretensão do Ministério Público nos termos e com os fundamentos constantes dos respetivos requerimentos de fls. 1094 a 1099 e 1102 a 1105, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 107º, n.º 6 do Código de Processo Penal estabelece que: "Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215º, os prazos previstos no artigo 78º, no n.º 1 do artigo 284º, no n.º 1 do artigo 287º, no n.º 1 do artigo 311º-B, nos n.º 1 e 3 do artigo 411º e no n.º 1 do artigo 413º, são aumentados em 30 dias, sendo que, quando a excecional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior".
O artigo 215º, n.º 3 do Código de Processo Penal, por sua vez, prescreve o seguinte: "Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respetivamente, para um ano, uma ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime".
Nos presentes autos de inquérito, investigam-se factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e de um crime de associação criminosa, previstos e puníveis pelos artigos 21º, n.º 1, 24º, alíneas c) e j) e 28º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal.
Os ilícitos criminais sob investigação inserem-se no conceito de criminalidade altamente organizada tal como definida no artigo 1º, alínea m) do Código de Processo Penal.
Analisando os elementos constantes dos autos, atendendo aos meios utilizados pelos arguidos e à quantidade de produto estupefaciente apreendido, transportado da ... para Portugal, conclui-se pela forte indiciação do caráter altamente organizado dos crimes sob investigação, bem como pela sua dimensão transnacional e internacional, o que determina a especial dificuldade e morosidade da investigação.
Assim, considerando que a investigação em curso respeita a criminalidade altamente organizada, com o envolvimento de vários arguidos de nacionalidade estrangeira e a necessidade de recurso a tradutores ou intérpretes, e ponderando a amplitude das diligências investigatórias e de obtenção de prova que estão em curso e as necessárias realizar, a sua complexidade e morosidade, com a expedição de cartas rogatórias para a ..., a emissão de DEI’s para países europeus e a necessidade de realização de perícias, justifica-se e impõe-se a declaração de excecional complexidade do procedimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Face ao exposto, e pelos fundamentos de facto e de direito constantes da promoção de fls. 995 a 998, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, declaro a excecional complexidade do presente processo, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas nos artigos 215º, n.º 2, 3 e 4 e 1º, alínea m) do Código de Processo Penal, com o consequente alargamento do prazo de duração máxima da medida de coação de prisão preventiva, sem ser deduzida acusação, para doze meses.
Notifique e mais D.N..
O mandatário do recorrente foi notificado de tal despacho, mediante via postal registada, por meio de carta registada enviada em 30-10-2024 (cfr. ref.ª 9075403).
II.3.E. Da arguição da irregularidade (cfr. ref.ª 9167987 de 08-01-2025 do presente):
Em 07-11-2024 AA veio arguir a irregularidade do mencionado despacho (cfr. II.3.D.) por violação do dever de fundamentação.
II.3.F. Do despacho que se pronunciou sobre a arguida irregularidade (cfr. ref.ª 9094411 de 14-11-2024 do referido inquérito):
É do seguinte teor o despacho de 14-11-2024 que se pronunciou sobre a arguição da irregularidade:
O despacho constante do ponto I de fls. 1140 não padece de qualquer vício, ambiguidade ou obscuridade e encontra-se devidamente fundamentado, sendo perfeitamente claro e apreensível o seu teor, afigurando-se definitivamente esgotado o poder jurisdicional relativamente à questão em apreço, nada havendo a corrigir ou a alterar.
Face ao exposto, por total ausência de fundamento legal, indefiro o requerido pelo arguido AA.
Notifique e mais D.N..
Não foi interposto recurso de tal despacho.
II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso:
Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente:
II.4.A. Da irregularidade (por violação do dever de fundamentação) do despacho recorrido:
As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (cfr. art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.), sendo que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão” (cfr. art.º 97.º, n.º 1, al. b), e n.º 5, do C.P.P.).
Em decorrência do disposto no art.º 205.º, n.º 1, da C.R.P., e em coerência com o disposto no art.º 97.º, n.º 1, al. b), e n.º 5, do C.P.P., o art.º 215.º, n.º 4, do C.P.P. estipula que “a excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é, sob o ponto de vista endoprocessual, um instrumento de racionalização técnica da atividade decisória do tribunal, com um triplo objetivo: fornecer ao julgador um meio de verificação e autocontrole crítico da lógica da decisão, permitir aos sujeitos processuais o perfeito conhecimento da situação objeto da decisão, habilitando-os a dela recorrerem, se tal entenderem, bem como, por fim, garantir que o tribunal superior, em caso de recurso, se encontra em posição de poder exprimir, em termos mais seguros, um melhor juízo sobre a decisão de 1.ª instância. Contudo, tal dever assume também uma finalidade extraprocessual, tornando possível um controlo externo sobre a decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão, fazendo emergir o carácter legitimador do órgão que a profere, implicando prestação de contas e a responsabilização dos juízes (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2022, processo n.º 1063/19.0GCALM.L2.S14).
Contudo, a falta de fundamentação não se confunde com uma fundamentação insuficiente.
Existirá uma falta de fundamentação quando ocorre uma absoluta ausência do enunciar das razões pelas quais se decidiu num determinado sentido. Por seu turno, uma fundamentação insuficiente ocorrerá quando, apesar de serem enunciadas razões, estas são incompletas ou insuficientes para permitir que se extraia a ilação jurídica formulada pela decisão.
No entanto, só a primeira situação gera a nulidade do ato decisório, quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.º 118.º, n.º 1, do C.P.P.), ou a sua irregularidade, nas demais situações (cfr. art.º 118.º, n.º 2, do C.P.P.). Na verdade, a segunda situação, isto é, a fundamentação insuficiente, sujeita o ato decisório em causa ao risco de ser revogado ou alterado em recurso, mas não produz a nulidade ou irregularidade do mesmo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2014, processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S15).
Ora, no presente caso, em 29-10-2024 o tribunal recorrido proferiu um despacho declarando de excecional complexidade o procedimento (cfr. II.3.D.). Em 1.ª instância, o recorrente arguiu a irregularidade de tal despacho, por violação do dever de fundamentação, no prazo de 3 dias após a notificação do mesmo (cfr. art.º 123.º, n.º 1, do C.P.P.) (cfr. II.3.E.). Por despacho de 14-11-2024, o tribunal recorrido apreciou essa questão suscitada, indeferindo-a (cfr. II.3.F.). Entretanto, o arguido interpôs o recurso em apreço daquele primeiro despacho de 29-10-2024, onde suscita, com os mesmos fundamentos, a irregularidade de tal despacho (cfr. I.2.), sem que tenha interposto qualquer recurso do despacho de 14-11-2024 (cfr. II.3.F.).
Assim sendo, neste segmento, o recurso incide sobre questão já apreciada jurisdicionalmente por decisão de 14-10-2024 que não foi objeto de oportuna impugnação, tendo transitado em julgado (cfr. arts. 4.º do C.P.P. e 628.º do C.P.C.), procurando o recorrente alcançar, por via do presente recurso, uma decisão alternativa àquela entretanto proferida pelo tribunal recorrido sobre a mesma questão.
Em tais circunstâncias, não pode esta instância apreciar o que já se mostra definitivamente decidido, dado que o caso julgado garante precisamente a impossibilidade de ser decidida a mesma questão por mais do que uma vez, seja de forma diversa, seja da mesma forma.
Assim, neste segmento, o recurso visa matéria já apreciada por decisão transitada em julgado (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do ..., de 15-01-2025, processo n.º 492/15.3T9VLG.P26).
Mesmo que assim não se entendesse, o facto de o recorrente se insurgir contra as razões avançadas na decisão recorrida é por si só demonstrativo que esta enuncia as razões pelas quais decidiu como decidiu, não sendo inexistente a sua fundamentação.
O que fica evidente é que o recorrente não concorda com a fundamentação do tribunal recorrido. Contudo, uma fundamentação em desacordo com a argumentação expedida pelo respetivo recorrente também não conduz à nulidade ou à irregularidade, consoante o caso, do ato decisório em causa (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Livraria Almedina, 2022, pág. 798).
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
II.4.B. Dos pressupostos da declaração do procedimento de excecional complexidade:
Cumpre apreciar aquilo que efetivamente importa, concretamente, se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a declaração de excecional complexidade do procedimento.
A decisão de excecional complexidade do procedimento depende da verificação de determinados pressupostos, indicados na lei de processo de forma não taxativa e não cumulativa, entre os quais o legislador, a título exemplificativo, indicou o número de arguidos ou de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime (cfr. art.º 215.º, n.º 3, 2.ª parte, do C.P.P.).
Contudo, mesmo que se verifiquem formalmente aquelas circunstâncias, pode ainda assim não se verificar qualquer justificação para a declaração de excecional complexidade do procedimento. Na verdade, é necessário que seja ultrapassada de forma relevante ou extraordinária as normais dificuldades que, em geral, andam associadas à investigação criminal (cfr. DIAS, Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Almedina, 2021, pág. 483).
Não obstante o processo penal não possa ser instrumentalizado ou subvertido, tendo que ser justo, equitativo e decidido em prazo razoável (cfr. art.º 20.º, n.º 4, da C.R.P.) e o direito à liberdade estar consagrado constitucionalmente (cfr. art.º 27.º, n.º 1, da C.R.P.), o certo é que, caso cumulativamente esteja em causa um dos crimes previstos no art.º 215.º, n.º 2, do C.P.P., a referida declaração de excecional complexidade do procedimento tem como consequência um mais dilatado prazo de duração máxima do inquérito (cfr. art.º 276.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.) e a elevação do prazo máximo da prisão preventiva (cfr. art.º 215.º, n.º 3, do C.P.P.).
Contudo, haverá também que ter em conta que, no caso de sujeição do processo a segredo de justiça, durante a fase de inquérito, há a necessidade de salvaguardar os interesses da investigação, o que acarreta uma inevitável restrição para os direitos de defesa do arguido (cfr. art.º 86.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P.).
Ora, na decisão de declaração de excecional do procedimento terão que ser sopesados todos esses conflituantes direitos e interesses, sendo certo que qualquer restrição dos mesmos, desde que proporcional ou adequada na medida necessária à salvaguarda dos demais, será constitucionalmente permitida (cfr. art.º 18.º, n.º 2, da C.R.P.).
No presente caso, é inegável que o crime considerado fortemente indiciado é classificado pela própria lei de processo como “criminalidade altamente organizada” (cfr. art.º 1.º, al. m), do C.P.P.) e, assim, um dos previstos no art.º 215.º, n.º 2, do C.P.P.
Acresce que, de acordo com a factualidade fortemente indiciada (cfr. II.3.B.), a atividade de tráfico de estupefaciente em investigação envolve três distintos países (...), assumindo um caráter internacional, sendo que, só em Portugal, se dispersou por diferentes localidades de distintos distritos.
Por outro lado, e ainda de acordo com a factualidade fortemente indiciada (cfr. II.3.B.), estão em causa elevadas quantidades de estupefaciente que integra a categoria das chamadas “drogas duras” pela sua grande capacidade lesiva, sendo o seu transporte efetuado de forma bastante dissimulada, envolvendo também uma sociedade comercial.
Por outro lado, embora sejam apenas quatro os arguidos, nenhum deles possui a nacionalidade portuguesa, sendo todos de nacionalidade dominicana, embora um deles possua também nacionalidade norte americana. Acresce que nenhum deles domina a língua portuguesa, sendo necessária a nomeação de intérprete.
Dos factos considerados fortemente indiciados (cfr. II.3.B.) resulta evidente um elevado grau de sofisticação no seu cometimento que, de acordo com as mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, só é compatível com um rigoroso, cuidado e prolongado planeamento e execução por parte de diferentes pessoas localizadas nos diferentes países referidos e, assim, necessariamente com uma bem definida e montada estrutura logística reveladora de elevada perigosidade.
Assim, é por demais evidente que, para a sua cabal investigação, é necessário realizar perícias ao que já foi apreendido, levar a cabo atos processuais em diferentes locais do país e até lançar mão de mecanismos de cooperação internacional, o que, atenta a sua conhecida morosidade ao nível das respostas, por incluírem intervenção de entidades estrangeiras e necessárias traduções, por si só, não é compatível com um prazo de 8 meses para a conclusão do inquérito (cfr. art.º 276.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.) (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12-06-..., processo n.º 2462/20.0JABRG-G.G17).
Acresce que o alargamento do prazo da prisão preventiva daí decorrente não viola o preceituado nos arts. 18.º, 27.º, 28.º e 32.º da C.R.P., já que o art.º 28.º, n.º 4, da C.R.P. confere ao legislador uma margem de liberdade de conformação larga e suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objetiva dos crimes e da complexidade dos processos (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-06-2024, processo n.º 419/22.6JELSB-M.L1-58; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17-03-2015, processo n.º 1245/13.9GBABF-A.E19).
Por outro lado, a pretendida concretização defendida pelo recorrente conduziria a que lhe fosse revelado exatamente aquilo que o segredo de justiça pretende ocultar, podendo comprometer, em absoluto, o interesse público e comunitário na preservação do segredo de justiça, ameaçando, desta forma, os fundamentos dos procedimentos de investigação criminal e arriscando, para além do mais, comprometer, definitivamente, a descoberta da verdade material, uma vez que tornaria pública a estratégia processual do Ministério Público, revelando quais as diligências probatórias já realizadas e quais aquelas que ainda se encontram em curso e, fornecendo, enfim, ao arguido, o conhecimento de pistas investigatórias cuja realização se tornava, assim, suscetível de ser prejudicada, comprometendo a realização da justiça (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 689/2019, de 03-12-201910).
Deste modo, afigura-se que as referidas circunstâncias, mencionadas no despacho recorrido e reveladoras do exercício de uma ponderação própria da sua subscritora, são, por si só, adequadas e suficientes para declarar de excecional complexidade o procedimento em curso, o que não se mostra desproporcional ou excessivo, antes se contendo, claramente, no justo equilíbrio entre os direitos e interesses em causa.
Improcede, pois, o recurso interposto.
II.5. Das custas:
Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.).
Assim, nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P. e da Tabela III a ele anexa, deve o recorrente ser condenado entre 3 UC e 6 UC a título de taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa.
Atendendo ao número de questões em causa e à sua reduzida complexidade, mas também ao facto de a uma das pretensões do recorrente colidir com a força do caso julgado (cfr. II.4.A.) e a outra não ser razoável a nível da necessária ponderação dos direitos e interesses em causa (cfr. II.4.B.), julga-se adequado fixar a taxa de justiça em 4 UC.

III. Decisão:
Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
Condena-se o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça por ele devida em 4 UC.

Lisboa, 18-02-2025
Pedro José Esteves de Brito
Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira
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1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf
2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument
3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf
4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/90c6da39f801d65f8025884b00348994?OpenDocument
5. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c48079cb0b1e7b0180257cf2005184ca?OpenDocument
6. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ad2f7e8bd821d3b780258c23003a6e7a?OpenDocument
7. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/60b172b63e43b7b3802589e800529966?OpenDocument&Highlight=0,excepcional,complexidade↩︎
8. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/84ee3afd35649b3f80258b42004be7c7?OpenDocument
9. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f45a6b0f5d6349da80257e20003c4c68?OpenDocument
10. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190689.html