Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
941/20.9GAFAF.G1
Relator: FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA
DANOS SOFRIDOS PELO FILHO MENOR DA VÍTIMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Atendendo às lesões sofridas pela vítima e ao facto desta não ter perdido a sua consciência é do mais elementar senso comum que a vítima sofreu dores inquantificáveis.
II. Não obstante ter decorrido pouco tempo entre o embate e a morte da vítima em virtude de esta ter sofrido lesões que lhe atingiram particamente todo o corpo e uma série de órgãos vitais, a vítima ainda manteve consciência suficiente para se aperceber da iminência da sua morte e para pedir como última vontade que tomassem conta do seu filho,.
III. Neste circunstancialismo, o valor indemnizatório arbitrado de € 20.000,00 até se mostra frugal.
IV. Reputa-se como equitativo o valor de € 70.000,00 para efeito de indemnização do sofrimento de uma criança com 7 anos de idade - cuja paternidade não está estabelecida - que assiste à morte da sua jovem mãe de 23 anos de idade, nomeadamente que a observa a ser violentamente colhida por uma carrinha que a projecta vários metros pelo ar e a vê cair ainda consciente no solo antes de morrer.
V. Embora existam, instrumentos legislativos vários que visam a disciplina do ressarcimento dos inúmeros tipos de danos que resultam, em especial, de acidentes de viação – designadamente a Portaria nº 377/2008, de 26-05 - os cálculos e tabelas fornecidos por tais instrumentos não devem ser seguidos de forma acrítica pelo juiz sob pena deste se tornar mero executor da vontade das seguradoras.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o nº 941/20...., após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 16-02-2024, com a refª ...67 relativamente à arguida AA, e à demandada cível EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. através da qual as mesmas foram condenadas nos seguintes termos (transcrição):
           
“V – DECISÃO:
Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se:
1. Condenar a arguida AA, pela prática de um crime de Homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, nº1 e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução pelo período de 2 (dois) anos.
2. Condeno ainda a arguida AA na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 02 (dois) anos, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, fixando em 10 dias, após o trânsito desta sentença, o prazo para a arguida entregar a sua licença de condução neste Tribunal ou no posto policial da área da sua residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
3. Condenar a arguida AA, como autora material, e na forma consumada de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art.200º, nº1 e 2 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
4. Condenar ainda a arguida a pagar as custas do processo, com taxa de justiça, que se fixa em 3 UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P..
5. Julgo parcialmente procedente, o pedido cível de fls. 275 e ss., e condeno a demandada cível, “EMP01...-Companhia de Seguros, S.A”, a pagar:
5.1. €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de direito de alimentos, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna,CC;
5.2 €70.000,00 (setenta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo menor ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC, pela perda precoce da sua mãe;
5.3. €20.000 (vinte mil euros), de dano intercalar –dano não patrimonial da vítima DD, ocorridos entre o acidente e a morte da mesma, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC;
5.4 €100.000 (cem mil euros) pela perda do direito à vida de DD, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC;
5.6. €3.006,23 (três mil e seis euros e vinte e três cêntimos) a título de despesas de funeral e despesas com a escritura de habilitação de herdeiros e certidões, aqui devidos a CC;
5.7. €240 (duzentos e quarenta euros), a título de despesas com consultas de psicologia do menor BB, aqui devidos a CC, que as suportou.
6. A estes montantes supra referidos acrescem juros legais, desde a notificação e da presente sentença, respectivamente, em relação a danos patrimoniais e não patrimoniais, até efectivo e integral pagamento.
7. No restante vai a aqui “EMP01...-Companhia de Seguros, S.A” absolvida do restante peticionado pelos de mandantes.
8. Custas por demandantes e demandada, na proporção do decaimento.
Após trânsito, remeta boletins à D.S.I.C.. e comunique à ANSR e ao IMT.
Notifique e deposite (art. 373º, n.º 2, do C.P.P.).”

II. Inconformadas com as suas respectivas condenações, vieram a arguida e a demandada cível interpor recurso nos seguintes termos:

a) A arguida apresentou recurso em 20-03-2024 com a refª ...89, tendo rematado com as seguintes conclusões:
“1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nestes autos que decide;
1. Condenar a arguida AA, pela prática de um crime de Homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, nº1 e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspendendo-se a sua execução pelo período de 2 (dois) anos;
2. Condenar ainda a arguida AA na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 02 (dois) anos, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, fixando em 10 dias, após o trânsito desta sentença, o prazo para a arguida entregar a sua licença de condução neste Tribunal ou no posto policial da área da sua residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
3. Condenar a arguida AA, como autora material, e na forma consumada de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200º, nº1 e 2 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
4. Condenar ainda a arguida a pagar as custas do processo, com taxa de justiça, que se fixa em 3 UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P..
5. Julga parcialmente procedente, o pedido cível de fls. 275 e ss., e condena a demandada cível, “EMP01...-Companhia de Seguros, S.A”, a pagar:
5.1. €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de direito de alimentos, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC;
5.2 €70.000,00 (setenta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo menor ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC, pela perda precoce da sua mãe;
5.3. €20.000 (vinte mil euros), de dano intercalar –dano não patrimonial da vítima DD, ocorridos entre o acidente e a morte da mesma, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC;
5.4 €100.000 (cem mil euros) pela perda do direito à vida de DD, devidos ao menor BB, aqui representado pela sua tutora legal, a sua avó materna, CC;
5.6. €3.006,23 (três mil e seis euros e vinte e três cêntimos) a título de despesas de funeral e despesas com a escritura de habilitação de herdeiros e certidões, aqui devidos a CC;
5.7.c €240 (duzentos e quarenta euros), a título de despesas com consultas de psicologia do menor BB, aqui devidos a CC, que as suportou.
6. A estes montantes supra referidos acrescem juros legais, desde a notificação e da presente sentença, respectivamente, em relação a danos patrimoniais e não patrimoniais, até efectivo e integral pagamento.
7. No restante vai a aqui “EMP01...-Companhia de Seguros, S.A” absolvida do restante peticionado pelos demandantes.
8. Custas por demandantes e demandada, na proporção do decaimento.

2 - Visa o presente recurso apreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto com reapreciação da prova gravada e a sua falta de fundamentação;
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício da alínea a) do nº 2 d artº 410º do CPP;
Vício de erro notório na apreciação da prova – alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP;
3 - A recorrente impugna, nestes recurso, a matéria de facto, pelo que, dá  cumprimento a um tríplice ónus, qual seja:
a)- Indica, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que faz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão,
b)- Indica, as provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa;
c)- Que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Como o meio de prova se encontra gravado, indica-se o início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação - as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do encimado art.º 412.º;
d) - Indica que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
4- Dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados:
A recorrente considera incorretamente julgado a factualidade identificada nos pontos  4, 5, 15, 16, 17, 21, 22 e 23 dos factos provados.
3) Nessa altura, DD tinha saído da sua residência, sita no n.º...81 da aludida avenida e preparava-se para entrar no veículo com matrícula ..-RZ-.. que se encontrava estacionado na baía de estacionamento, para ocupar o banco do passageiro da frente, veículo no interior do qual já se encontravam o seu filho menor e o companheiro.
4) No momento em que DD se preparava para abrir a porta do passageiro da frente, junto do limite direito da faixa de rodagem, foi colhida pelo “RM”, o qual lhe embateu com a parte frontal lateral direita, projectando-a, tendo a mesma ficado prostrada na baía de estacionamento aproximadamente a 6,70 metros da rectaguarda do veículo para onde pretendia entrar.
5) Após o atropelamento, e pese embora dele se tivesse claramente apercebido porque por si causado, a arguida não imobilizou a viatura que tripulava, prosseguindo a marcha em direcção à sua residência sita na Avenida ..., na freguesia ..., abstendo-se de contactar telefonicamente qualquer meio de socorro ou de pedir a outrem que o fizesse.
(…)
15) E o facto de o não fazer, originador do atropelamento, ficou a dever-se à forma descuidada e temerária como a arguida tripulou o veículo, por desajustada das características da via, bem como à sua distração, a qual não lhe permitiu avistar a vítima junto do limite da faixa de rodagem, pese embora circulasse numa recta com perfeita visibilidade, em plena luz do dia.
16) A arguida agiu com manifesta falta de consideração pelas normas legais relativas à circulação automóvel e, ao dirigir o veículo do modo e nas condições descritas, não agiu com a diligência, atenção e cautela que lhe eram exigíveis e que estavam ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.
17) Por outro lado, a arguida bem se apercebeu da violência com que embateu no corpo de DD, tendo noção que a mesma ficara, pelo menos, gravemente ferida.
(…)
21) Sabia que, face aos contornos do atropelamento, a vítima só podia apresentar leões muito graves com grave risco para a sua vida - acabando esta por falecer – estando impossibilitada de valer por si a tais leões e mesmo de buscar os ditos cuidados médicos.
22) Agiu a arguida sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabedora do dever que sobre si impendia de prestar socorro a DD.
23) Tinha perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5) As provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação;

Conforme resulta da ata da audiência de julgamento, os únicos depoimentos objeto de registo (gravação) correspondem a EE, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 16h 36 e termo pelas 17h05 minutos.
6 - Esta testemunha referiu que se encontrava no interior do veículo automóvel matrícula ..-RZ-.., estacionado na baía de estacionamento, no sentido inverso (contramão) e no qual DD iria entrar.
7 - Este depoimento algo controverso, uma vez que insistiu que o veículo conduzido pela arguida embateu no espelho retrovisor do ..-RZ-.., danificando-o. Contudo não identificou estes danos ao Guarda da GNR que elaborou o auto de noticia. Guarda este que afirmou repetidamente não ter verificado quaisquer danos no veiculo ..-RZ-...
8 - Confrontado este depoimento com outros elementos de prova que integram os presentes autos, nomeadamente o depoimento da testemunha FF, com fotos e reportagem televisiva, ficou demonstrado que o veículo ... RM não embateu no espelho retrovisor do ..-RZ-...
9 - No que respeita aos movimentos efetuados pela DD, esta mesma testemunha referiu que a vítima saiu de casa, desceu as escadas, passou pela frente do veículo e abriu a porta. O que não corresponde exatamente ao que se encontra reproduzido no auto de notícia.
10 - Esta testemunha foi a mesma que indicou ao guarda da GNR que elaborou o relatório do acidente o local provável do embate entre o RM e a vítima. Sendo certo que, a posição em que se encontrava a testemunha, ao volante do ..-RZ-.., não lhe permite com toda a segurança determinar o local onde se verificou o embate.
11 - FF, militar da GNR, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 16h06 minutos e termo pelas 16h30 minutos e pelas 16h57 minutos e termo pelas 16h59 minutos, conforme consta da ata da audiência de julgamento realizada no dia 25-10-2023.
12 - Esta testemunha referiu que elaborou o relatório do acidente e que a localização provável do embate foi indicada pela testemunha EE.
Para a devida ponderação acerca dos depoimentos prestados pelas testemunhas infra indicam-se as respetivas passagens dos registos dos respetivos depoimentos;
EE
00:01:26 a 00:03:00
00:03: 45 a 00:03:56
00:04:00 a 00:04:41
00:05:00 a 00:05:16
00:05:38 a 00:05:46
00:07:20 a 00:07:46
00:11:17 a 00:11:29
00:15:50 a 00:16:02
00:19:54 a 00:20:06
00:25:24 a 00:26:03
FF
00:00:49 a 00:01:34
00:01:40 a 00:02:06
00:02:21 a 00:02;38
00:05:08 a 00:05:12
00:05:28 a 00:06:30
00:0:35 a 00:07:23
00:07:52 a 00:09:16
00:11:20 a 00:11:30
00:19:27 a 00:19:36
00:19:45 a 00:20:00
00:27:50 a 00:28:16
00:30;45 a 00:33:13
00:33:20 a 00:33:43
13        - Que decisão se impõe face a esse meio de prova
Tendo em consideração a conjugação da prova testemunhal especialmente dos depoimentos prestados pela testemunha EE e FF, conjugado com o auto de notícia de fls. 3 e 4, relatório fotográfico de fls. 115 a 126, do ponto 3 dos factos provados deve ficar a constar que, o veículo ..-RZ-.., no qual DD se preparava para ocupar o banco do passageiro da frente, estava estacionado na baía de estacionamento em sentido inverso (contramão).
14 - Do ponto 4 dos factos provados, não tendo sido possível determinar o local em que ocorreu o embate entre o veiculo RM e a vítima, deve retirar-se a referência “Junto do limite direito da faixa de rodagem”.
15 - Infelizmente DD foi colhida pelo veículo RM.
Ponderando todos os elementos de prova, designadamente as fotos do veículo RM, verifica-se que, com grande probabilidade a vítima foi colhida na via de circulação automóvel. Com efeito, os danos que o veículo RM apresenta, na parte frontal e frontal direita, tudo leva a crer que a dinâmica do acidente não ocorreu conforme se encontra descrita na sentença recorrida.
16 - Também o registo do local para onde a vítima foi projetada, permite admitir que esta terá sido colhida na via de circulação automóvel. Se o veículo RM tivesse embatido na vítima com a parte lateral direita, esta teria sido projetada contra o veiculo ..-RZ-.. e não para a parte traseira do mesmo.
17 - No que respeita ao ponto 5 dos factos provados, discorda a recorrente da expressão “pese embora dele se tivesse claramente apercebido porque por si causado”. Com efeito, a recorrente explicou de forma repetida que não sabe o que lhe aconteceu quando ocorreu o embate por que não tem memória do que aconteceu.
18 - A verdade é que a recorrente foi recebida na sua residência pelo companheiro que a descreveu como parecendo ter tido um AVC.
19 - A este respeito entende a recorrente que não pode deixar de se valorizar o “Resumo da informação Clinica” de 11 de Março de 2022 no qual consta que “Não se pode excluir a ocorrência de evento vascular transitório, crise epilética ou perda de consciência de outra etiologia, nomeadamente cárdica.”.
20 - Relatório este que não foi apreciado no conjunto das provas que se encontram na fundamentação da decisão de facto no que respeita á factualidade sob apreciação.
21 - Terá de se considerar como não provada a factualidade objeto de impugnação nos termos em que aqui se faz, por manifesta falta de prova.
22 - Esta argumentação serve também para que seja alterada a factualidade constante dos pontos 13, 14, 15, 16 e 17 dos factos provados.
23 - Se a arguida padeceu de doença momentânea, ficou impedida de ter uma conduta diversa da que manteve.
24 - Sendo certo que, tal como se refere atrás, com grande probabilidade o embate entre o RM e a vitima ocorre na via de circulação, não sendo possível determinar o momento em que DD invadiu a via de circulação automóvel. Podia esta ter acontecido no exato momento em que o veículo RM passava no local. Nada permitindo afirmar da previsibilidade da vítima invadir a via de circulação automóvel.
25 - Por conseguinte, não se pode aceitar que “A arguida, contudo, não adoptou tal conduta, como podia e devia – facto 14);
26 - Bem assim não se conforma a recorrente com o facto assente do facto 15)  “E o facto de o não fazer, originador do atropelamento, ficou a dever-se à forma descuidada e temerária como a arguida tripulou o veículo, por desajustada das características da via, bem como a sua distração, a qual lhe permitiu avistar a vítima junto do limite da faixa de rodagem, pese embora circulasse numa recta com perfeita visisbilidade, em plena luz do dia.”
27 - Sem prejuízo do alegado estado de saúde, nada indica nos autos que a arguida conduziu de forma “descuidada e temerária”, nem distraída. Também nada consta dos autos que a recorrente avistou antecipadamente a vítima.
28 - Contudo pode lêr-se no auto de noticia o que disse a testemunha EE:
“Pelas 11h55 saiu de casa e entrou no seu veiculo automóvel com o seu enteado de 7 anos (filho da vitima), que foi para os bancos traseiros, tendo a vítima ficado para trás cerca de 20 segundos. A testemunha já sentada no banco do condutor viu a sua companheira na descer as escadas a correr, atravessou o passeio e o estacionamento já a andar, abriu a porta do passageiro, tendo nesse momento sido atropelada por uma carrinha de cor ... conduzida por uma senhora de meia idade. O depoente ao ver a sua companheira a ser projetada foi de imediato em seu socorro e contatou o 112.”
29 - Será que a vítima revelou o cuidado que lhe era exigível quando passou pela frente do veículo para entrar para o banco da frente?
30 - Além disso, a sentença recorrida nenhuma valorização fez ao relatório de autopsia item “H. EXAMES COMPLEMENTARES” do qual consta que “Procedeu-se a colheita de sangue periférico e da cavidade pleural opara realização de exame toxicológico para pesquisa de álcool etílico, drogas de abuso e substância medicamentosas, cujo relatório segue em anexo, e cujo resultado revelou a presença de THC-COOH na concentração de 5,3 ng/ml.”
31 - Que efeito terá produzido na vítima “THC-COOH na concentração de 5,3 ng/ml.”? Agiu a vitima com a diligência, atenção e cautela que lhe eram exigíveis?
32 - Por fim, nenhuma prova se encontra produzida que permita considerar assente os factos 16) e 17) que aqui são impugnados.
33 - Por conseguinte, estamos perante uma situação em que se justifica a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, por não se ter efetuado uma correta interpretação da prova produzida e se considerar factos provados sem que para tal exista alguma prova nesse sentido, como é o caso da forma como a recorrente conduzia o veiculo RM, o seu cuidado, atenção e sensibilidade e o local onde efetivamente ocorreu o embate com a vítima.
34 - A vítima foi, salvo o devido respeito pelo seu perecimento, imprudente e descuidada ao pretender entrara no veículo automóvel pelo lado da via de circulação, contribuindo infelizmente para o acidente e para a sua morte.
35 - Com o devido respeito, é entendimento da recorrente que a vitima atuou com negligência. Tendo causado, face a essa conduta um resultado típico através de uma ação que aumento o risco. Quem criou em primeiro lugar o risco foi a vitima que veio a falecer.
36 - Inferindo-se da dinâmica do acidente que a vítima passou pela frente do veiculo onde pretendia entrar para o banco da frente, sem o cuidado e diligência que lhe era exigível, tendo invadido a via de circulação no exacto momento em que o veiculo conduzido pela recorrente passava no local, não se pode considerar que esta teve tempo para uma reação que evitaria o acidente e consequentemente a morte.
37 – Face a todas as conclusões aqui formuladas, não se pode concluir que a responsabilidade pela produção do acidente tenha sido da recorrente;
38 –  A dinâmica do acidente implica responsabilidade da vitima pela produção do acidente.
39 - Não podendo assim a recorrente ser condenada pela prática do crime de homicídio com negligência grosseira.
40 – Considerando o estado de saúde da recorrente, admitida como possível no relatório clínico se se alude acima, também não se pode imputar à arguida a prática do crime de omissão de auxílio.
41 – Sendo certo que, o facto de a recorrente não ter prestado qualquer apoio á vítima nenhum reflexo teve. Encontrando-se no local outras pessoas que prontamente prestaram o auxílio possível.
42 – Sendo importante sublinhar que a conduta da recorrente subsequente ao acidente revela claramente que nunca teve intenção de ocultar o acidente. Designadamente parou o veículo em local bem visível da estrada, a pouca distância do local do acidente.
43 – Deve assim ser revogada a sentença recorrida e julgando-se improcedente a acusação, absolvendo-se a recorrente da prática dos crimes que lhe são imputados.
Termos em que nos melhores de Direito que V.Ex.ªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente revogada sentença recorrida, substituindo-a por decisão que absolva a arguido dos crimes que lhe são imputados nestes autos como é de inteira J U S T I Ç A !”

b) A demandada cível EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. apresentou recurso em 18-03-2024 com a refª ...56, tendo rematado com as seguintes conclusões:

“1 - O presente recurso, restrito à parte cível, tem por objeto a quantificação das indemnizações fixadas pelo tribunal a quo, no que respeita aos seguintes danos:
a) dano patrimonial futuro ou perda do direito a alimentos por parte do filho da vítima;
b) dano não patrimonial próprio do filho da vítima;
c) dano não patrimonial sofrido pela vítima entre o acidente e o decesso - o chamado “dano intercalar”; e
d) dano da morte.
2 – Esses danos, na perspetiva da recorrente, foram quantificados em excesso, ainda que se reconheça a gravidade do caso, quer pelo resultado do acidente, que vitimou mortalmente uma jovem mãe, quer pelas consequências que dele advieram para o seu filho de tenra idade, cujo pai é desconhecido.
3 - A fixação dos montantes realizada pelo tribunal a quo afasta-se daquilo que tem sido a prática jurisprudencial dos tribunais superiores, e que constitui a principal guia de orientação para se achar o valor indemnizatório justo e equilibrado, aplicável ao caso em concreto.
4 – No que concerne ao dano patrimonial atinente à perda do direito a alimentos, ficou provado o seguinte:
“24) A demandante CC é mãe da infeliz vítima, DD e avó materna do seu representado, BB.
25) O menor BB é filho de pai incógnito.
26) CC foi nomeada tutora do seu neto BB pelo Tribunal de Família e Menores de ..., no âmbito do P. de Instituição de Tutela n.º356/21..... fls.285 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
27) Na data da ocorrência do falecimento da sua mãe, o menor tinha 7 anos de idade, contribuindo aquela para o seu sustento e educação.
(…)
39) A ofendida nasceu a ../../1997 (23 anos à data dos factos).
40) O menor BB nasceu a ../../2013 (07 anos à data dos factos).
(…)
47) Por falecimento da ofendida não foram requeridas junto da Seg. Social prestações por morte - cfr. fls. 352.
(…)
49) A ofendida falecida, entre ../../2018 e ../../2020, trabalhou como trabalhadora por conta de outrem nas entidades referidas a fls. 354-357, nos termos aí melhor constantes.”
5 – Além desses factos provados, interessa mencionar que resultou não provado o exato montante mensal com que a ofendida vítima contribuía para o sustento e educação do menor seu filho.
6 - O que se sabe com interesse para a análise desta questão, é apenas que a vítima tinha 23 anos à data do sinistro, o seu filho tinha 7 anos e que a mãe deste trabalhou por conta de outrem nas entidades referidas a fls. 354-357, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - As fls. 354-357 respeitam à consulta ao Sistema de Informação da Segurança Social, efetuada pelo Centro Distrital da Segurança Social ..., e ao Extrato de Remunerações e Equivalências da beneficiária DD, mãe do menor.
8 – Através desses elementos, sabe-se que entre ../../2018 e ../../2020, mês do acidente, a mãe do menor trabalhou, por conta de outrem, nas seguintes empresas:
- Entre ../../2016 e ../../2018, na “EMP02..., Unipessoal, Lda.”;
- Entre ../../2018 e ../../2018, na “EMP03.... Lda.”;
- Entre ../../2018 e ../../2019, na “EMP04..., Lda.”;
- Entre ../../2019 e ../../2020, na “EMP05..., Unipessoal, Lda.”;
- Entre ../../2020 e ../../2020, na “EMP06..., Lda.”; e
- Entre ../../2020 e ../../2020, na “EMP07..., Unipessoal, Lda.”.
9 - Neste percurso, apenas apresentou 5 meses com remuneração completa de 30 dias, correspondentes aos meses de março a julho de 2018, na firma “EMP03.... Lda.”.
10 - Essa remuneração mensal correspondia à remuneração mínima mensal garantida em 2018, que era de 580,00 € - cfr. DL n.º 156/2017, de 28/12.
11 - Na última empresa em que trabalhou – a firma “EMP07..., Unipessoal, Lda.” – o maior salário que conseguiu auferir, em termos de remuneração base, foi de 430,04 €, correspondentes a 21 dias de trabalho.
12 - Tomando em consideração os últimos descontos efetuados para a Segurança Social, conclui-se que o contrato com essa firma cessou no início de outubro de 2020, pelo que, à data do acidente, a mãe do menor estava desempregada.
13 - Resulta do exposto que a vítima não era capaz sequer de auferir com regularidade o salário mínimo nacional e, na verdade, teria que aplicar o rendimento que conseguia receber quer nas suas necessidades básicas quer nas necessidades básicas do menor.
14 - De acordo com aquele percurso profissional, a que dificilmente se pode chamar “dinamismo profissional”, como faz a sentença em crise a págs. 42, a sobrevivência da mãe e do filho dependia necessária e objetivamente da ajuda económica de terceiras pessoas. 
15 - O filho BB tem direito a ser ressarcido em sede de dano patrimonial futuro no que respeita a "alimentos" que receberia da sua mãe, ao abrigo do disposto no art. 495.º, n.º 3 do C. Civil, e de acordo com a noção de "alimentos" que é dada pelo art. 2003.º do C. Civil.
14 - Nos termos da referida norma legal, "alimentos" é tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, bem como à instrução e educação do alimentado, no caso de ser menor.
15 - Por outro lado, é ao salário real da falecida que se deve atender para a fixação dos alimentos devidos ao filho menor. Com efeito, a indemnização visa tornar indemne o lesado e não enriquecê-lo ou apoiá-lo de uma forma mais avantajada do que vinha sendo até esse momento.
16 - Num agregado familiar composto apenas por mãe e filho, é de ficcionar que 1/3 do rendimento seria despendido em alimentos para o filho.
17 - O facto de se proceder ao ressarcimento, de uma só vez, da indemnização a esse efeito destinada, faz com que esta deva ser calculada de forma a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a situação anterior e a atual até ao final do período que se vier a considerar, pelo que a mera multiplicação por um determinado número de meses, sem tomar em consideração a capacidade que o capital tem de gerar rendimentos, fará com que o valor final seja apresentado por excesso.
18 - Afigura-se justo proceder a uma redução de 10% do valor total que se vier a calcular.
19 - O período a considerar não deve ultrapassar os 25 anos de idade, altura em que o menor, em abstrato, acabaria a sua formação profissional, o que significa que o cálculo deve ser efetuado para um período de 18 anos (25 – 7 = 18).
20 - Sob este conspecto, o tribunal a quo ficou aquém do limite máximo do período a considerar, na medida em que, no cálculo, terá levado em linha de conta os 18 anos de idade, momento em que se atinge a maioridade, e não a idade em que supostamente se termina a formação profissional, que é a de 25 anos – cfr. págs. 42 da sentença - o que significa que a indemnização arbitrada pelo tribunal de primeira instância assume um volume ainda superior quando relativizada com o facto do seu cálculo se quedar pelos 18 anos de idade.
21 - Em ..., data do sinistro, a remuneração mínima mensal garantida tinha o valor de 635,00 €, nos termos do DL n.º 167/2019, de 21/11, sendo certo que a partir de 1 de janeiro de 2021, passou para os 665,00 €, conforme DL n.º 109-A/2020, de 31/12.
22 - O valor do dano patrimonial futuro do menor BB ou a indemnização pela perda de alimentos, não deverá ultrapassar a verba de 50.000,00 €, assim calculada:
665,00 (smn em 2021) x 14 = 9310
9310 x 18 = 167.580
167.580 : 3 = 55.860 x 10% = 5.586
55.860 – 5.586 = 50.274,00 € (50.000,00 € por arredondamento)
23 - A sentença determinou, no ponto 6 da parte decisória, que “A estes montantes supra referidos acrescem juros legais, desde a notificação e da presente sentença, respectivamente, em relação a danos patrimoniais e não patrimoniais, até efectivo e integral pagamento”.
Quer isso dizer que no que concerne à indemnização pelo dano patrimonial associado à perda de alimentos, a demandada foi condenada em juros a contar da notificação do pedido de indemnização civil.
24 - Ora, nos termos conjugados dos artigos 804.º n.º 1 e 2, 805.º n.º 1, 2 alínea b) e 3 e 806.º n.º 1, todos do Código Civil e da interpretação jurisprudencial uniformizadora do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4 / 2002 de 09/05/2002 (publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A  de  2002-06-27), “sempre  que  a  indemnização  pecuniária  por facto  ilícito ou pelo  risco  tiver  sido objeto de cálculo atualizado,  nos  termos  do  n.º  2  do  artigo  566.º  do Código  Civil,  vence  juros  de mora,  por  efeito  do  disposto  nos  artigos  805.º,  n.º  3  (interpretado restritivamente), e 806.º,  n.º  1,  também  do  Código  Civil,  a  partir  da  decisão  atualizadora, e não a partir da citação.”
25 - Estando em causa nestes autos a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e bem assim montantes indemnizatórios fixados para ressarcimento de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros com base na ponderação fundada, total ou parcialmente, em critérios de equidade, não poderá deixar de se ter em conta que a decisão deve ser e é atualizadora, e que só são devidos juros de mora a partir da decisão e não da citação ou, neste caso, da notificação do PIC.
26 - Em suma, a indemnização a título de direito a alimentos que se impõe no presente caso, deve ser fixada em 50.000,00 €, com base numa decisão atualizadora e, por isso, com juros a contar da prolação da sentença.
27 – No que respeita à indemnização fixada pelo dano não patrimonial próprio do menor BB, ficou provada a seguinte factualidade:
“24) A demandante CC é mãe da infeliz vítima, DD e avó materna do seu representado, BB.
25) O menor BB é filho de pai incógnito.
26) CC foi nomeada tutora do seu neto BB pelo Tribunal de Família e Menores de ..., no âmbito do P. de Instituição de Tutela n.º356/21..... fls.285 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
27) Na data da ocorrência do falecimento da sua mãe, o menor tinha 7 anos de idade, contribuindo aquela para o seu sustento e educação.
28) O menor BB perdeu a sua jovem mãe, sentindo a falta da mesma.
29) O menor BB jamais esquecerá o trágico desaparecimento da sua querida mãe do mundo dos vivos.
30) O menor BB todos os dias sente a sua falta, recordando com imensa solidão e tristeza, de uma forma mais acentuada, o seu precoce desaparecimento, no dia de “Todos os Santos”, quando se dirigem em romagem sentida ao cemitério, onde repousa para sempre, bem como no dia da mãe, nos dias de aniversário, no dia de Natal e demais festas, como a Páscoa.
31) A falta da mãe é um pesadelo que acompanha o demandante-representado-menor e é exactamente enquanto menor que aquele mais precisava de companhia, carinho e auxílio da mãe, tendo ficado amputado da presença da mãe em muita tenra idade, tendo ficado privado da sua companhia e convívio durante toda a sua vida, do seu afecto, tendo ficado sem a figura de referência que dele cuidava e promovia todo o desenvolvimento global enquanto pessoa, numa lacuna que não será preenchida.“
28 - Trata-se, sem dúvida, de um caso grave em que um menor de 7 anos de idade, filho de pai incógnito, perde a sua mãe de 23 anos, quando estava presente no momento do acidente.
29 - Apesar da relevância deste dano, é manifestamente excessiva a verba de 70.000,00 € fixada pela Mma. Juíza a quo, tomando em consideração a jurisprudência praticada pelos tribunais superiores.
30 - A sentença em crise refere que o valor de 70.000,00 € foi obtido, designadamente, por recurso à “comparação com os valores médios da jurisprudência” – cfr. págs. 44 da sentença. Porém, a sentença não aponta um único acórdão a título de exemplo.
31 – De acordo com os acórdãos acima citados pela recorrente, deverá ser reduzido o valor indemnizatório atribuído ao recorrido em sede de danos não patrimoniais próprios, para o montante de 35.000,00 €, sendo essa a compensação justa, equilibrada e razoável.
32 – No que tange ao dano não patrimonial entre o acidente e a morte, crê-se que, mais uma vez, o tribunal a quo utilizou uma bitola que ultrapassa os valores que a jurisprudência superior costuma atribuir a esse título.
33 - Para a análise deste segmento indemnizatório, importa atentar na seguinte factualidade dada como provada:
“1) No dia ..., pelas 11h50m, a arguida tripulava o veículo ligeiro misto, de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matrícula RM-..-.., na Avenida ..., freguesia ..., neste concelho ..., fazendo-o no sentido de marcha ... – .... 
(…)
6)  Como consequência directa e necessária do embate, DD sofreu múltiplas escoriações na cabeça, pescoço, tórax, abdómen; fractura da clavícula; múltiplas escoriações nos membros superiores e inferiores, esquerdo e direito; fractura dos ossos da cabeça; contusão do pulmão esquerdo e direito; múltiplas lacerações do baço e do rim esquerdo; fractura da bacia e do corpo da 1ª e 2ª vertebras cervicais e do corpo da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª vértebras lombares e da apófise transversa direita da 5ª vertebra lombar (cfr. relatório de autópsia médico-legal cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 
7) Tais lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais determinaram, como consequência directa e necessária, a morte de DD, a qual foi verificada no local pelas 12h20m.
(…)
32) A vítima, antes de falecer teve dores, angústia e sofrimento inqualificável, ao ver-se ferida, sem possibilidade de se poder defender e a sentir aproximar-se a morte.
33) A vítima era uma jovem, ainda na pujança da idade e com um largo futuro à sua frente. Viu a vida fugir-lhe. “
34 - O tribunal de primeira instância atribuiu uma indemnização pelo dano não patrimonial atinente ao sofrimento da vítima no período que decorreu entre o acidente e a sua morte, no montante de 20.000,00 €.
35 - O dano sofrido pela vítima antes de morrer varia em função de fatores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas, a existirem, se teve consciência de que ia morrer.
36 - No caso em apreço, não obstante o óbito da sinistrada ter sido declarado pelas 12:20, cerca de 30 minutos depois do embate, os elementos probatórios produzidos não permitem concluir que a sinistrada estivesse em sofrimento e agonia durante todo aquele período de tempo.
37 – De acordo com a jurisprudência acima citada pela recorrente, respeitante, inclusivamente, a situações mais graves, a indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima entre o acidente e o decesso, não deverá ultrapassar os 10.000,00 €.
38 – Por fim, no que concerne ao dano da morte, de acordo com a Portaria n.º 377/2008, de 26/05, na redação dada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, a indemnização a conceder pelo direito à vida da mãe do recorrido, com 23 anos de idade à data do óbito, verificado em ../../2020, seria de 68.301,17 €, com introdução do fator de atualização previsto no art. 13.º da referida Portaria, aplicável ao ano de 2020, fator de atualização esse que parece ser ignorado na sentença quando vem referido que os valores contemplados pela Portaria “datam de 2009, ou seja, há 11 anos atrás e são genéricos, abstractos, não estando adaptados às particularidades de cada caso”.
39 - O critério desta Portaria, conhecida por "proposta razoável", é de tomar em linha de conta na determinação da indemnização, enquanto estabelecendo critérios e valores orientadores.
40 - Afigura-se que a verba de 100.000,00 € não se coaduna como resultado da prolação de um juízo de equidade na situação em concreto, para além de estar acima daquilo que tem vindo a ser a prática jurisprudencial supra citada.
41 - In casu, a indemnização pelo dano da morte não deverá ultrapassar os 80.000,00 €, sendo esse o valor adequado, justo, razoável e proporcional, em função dos factos provados.
42 - A douta decisão recorrida violou, designadamente, os arts. 494.º, 496.º, n.º 4, 562.º, 566.º, n.º 3, 804.º n.º 1 e 2, 805.º n.º 1, 2 alínea b) e 3 e 806.º n.º 1, todos do Código Civil.
43 - A sentença deve ser parcialmente revogada, passando os pontos 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4, da parte decisória, a contemplar, respetivamente, os valores de 50.000,00 €, 35.000,00 €, 10.000,00 € e 80.000,00 €.
44 - Os juros sobre todas estas indemnizações devem ser contados a partir da decisão, que se quer atualizadora, alterando-se também, desta forma, o ponto 6 da parte decisória.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada parcialmente a douta sentença recorrida, de acordo com o acima exposto, com o que se fará INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

III. O recurso da demandada cível foi admitido por despacho de 18-03-2024, com a refª ...72, e o recurso da arguida foi admitido por despacho de 21-03-2024, com a refª ...07, tendo sido fixado efeito suspensivo a ambos os recursos.

IV. Respondeu o MºPº (ao recurso da arguida) em 06-05-2024, com a refª ...40, através de contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso, tendo oferecido as seguintes conclusões:

“1 - Erro notório na apreciação da prova representará uma falha flagrante, ostensiva gritante e indubitável da análise do acervo factual angariado no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Esse erro deverá ser apreensível pelo homem médio, pelo cidadão não munido de formação jurídica.
2 - Destarte, está vedada aos recorrentes a sindicância da forma empreendida na valoração da prova produzida em audiência, atento o preceituado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
3 - Dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o Tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.
4 - A arguida omitiu nas suas alegações a referência a todos os esclarecimentos médicos prestados, inclusivamente pela médica que prestou a informação que refere e que contradize o que defende quanto ao padecimento de doença súbita e que, por isso, não pode evitar o sucedido e que, por isso, abandonou o local.
5 – A arguida ocultou das suas alegações a referência ao resultado da inquirição do militar da GNR GG, que nos veiculou que atento o grande impacto e violência do embate, era impossível a arguida não dar conta do que havia acabado de acontecer.
6 - A Drª HH, asseverou que apesar da idade a arguida não apresenta lentificação nem física, nem psíquica, e não possui história clínica, nem sinais de epilepsia ou outra doença neuropsiquiátrica que possa justificar episódios de alteração do estado da consciência, acrescentando que as pessoas quando sofrem um AVC param, deitam-se ou sentam-se, não prosseguindo a marcha até casa, continuando a conduzir.
7 - De igual forma, ouvida a Drª II, que efectuou a triagem no serviço de urgência e que deu a informação clínica que a que a arguida se refere, confirmou que foram efectuados exames e observações clínicas à arguida e tudo estaria bem, nada tendo sido detectado
8 - Mais esclareceu que fez tal menção porque ainda iria a arguida ser sujeita a exames de outras especialidades e que por isso, não poderia descartar a possibilidade de ocorrência de eventos.
9 - Quando confrontada tal médica com a possibilidade da arguida ter sofrido um enfarte ou um AVC mas ter continuado a conduzir até casa, estacionando o carro, a mesma esclareceu que não tinha essa informação, entendendo que seria impossível tal ter sucedido, facto que a arguida omitiu nas suas alegações.
10 - Todos os militares da GNR inquiridos afirmaram que, se a DD tivesse sido colhida na via de circulação, os danos no veiculo atropelante seriam diferentes bem como a posição do corpo daquela.
11 - Das fotografias juntas aos autos verifica-se que os danos na viatura ocorreram no lado mais à direita, sendo que aqueles referiram que face aos mesmos, a DD terá sido colhida primeiramente nas pernas e após tronco e cabeça.
12 - Caso a dinâmica do acidente fosse a defendida pela arguida nas suas alegações, os danos no seu veículo ocorreriam, necessariamente, mais para o centro daquela e nunca no limite direito da mesma.
13 - Foi possível visualizar uma reportagem televisiva dos factos, por mim junta, e da qual ressalta a completa visibilidade em toda a extensão da via e que bem demonstra que seria impossível a arguida não ver a DD, a não ser que seguisse distraída e a omitir o cuidado de uma condução atenta.
14 – O EE disse ter ouvido o barulho de um bueiro imediatamente antes a DD ter sido colhida, sendo que das fotos juntas nos autos se verifica a existência de tal bueiro, que se encontra bem junto ao passeio. Nem se diga que o facto de não ter referido os adnos no espelho aquando do atropelamento poe em causa a sua credibilidade pois que estava abalado, não sendo essa decerto a sua prioridade e das imagens vistas não se consegue divisar a existência ou inexistência de danos.
15 - Mais refere esta testemunha ter a impressão de que a arguida terá subido o passeio, sendo que esta referiu o mesmo aquando do atendimento hospitalar, recordar-se de ter subido um passeio, sendo que afirmou em julgamento não poder descartar a hipótese de ter subido o passeio antes de colher a DD, o que agora é omitido nas suas alegações.
16 - A circunstância determinante do acidente foi a arguida não ter estado atenta e adaptar a sua condução às características da via.
17 - Deveria contar com a eventualidade de peões acederem às suas viaturas, até porque é conhecedora do local e sabe que existem residências e veículos estacionados junto às mesmas, tendo referido que conhecia bem o local.
18 - Nem a circunstância do veículo estar estacionado em sentido inverso ao devido retira a culpa da arguida, pois que, também os condutores entram para as suas viaturas devendo a arguida com isso contar.
19 –Quanto à questão da presença de canabinóides sempre teria que se provar que a DD não tomou o cuidado devido e que isso se ficou a dever ao efeito de tal produto, o que não se pode quedar como provado, por tudo o que já se referiu.
20 - E ainda que assim não fosse, sempre teria que se aferir se a arguida poderia ter feito algo para evitar o embate sendo que a conclusão seria a de que poderia, seguisse atenta.
21 - Analisadas as vertentes da negligência a que se acrescenta o comportamento licito alternativo temos que a actuação da arguida, in casu, excedeu os limites do risco permitido e violou o princípio da confiança, neste caso, a confiança da DD de que os automobilistas adaptassem a sua condução à existência de peões, designadamente, que entrassem para os veículos ali estacionados
22 - Bastava seguir atenta e guardar das bermas a devida distância, o que, manifestamente não fez, tendo atropelado a DD, mortalmente, tendo abandonado o local rumo a casa, nunca tendo pedido desculpas à família da DD pelo sucedido.
Deverá, assim, a decisão recorrida ser mantida pois que não nos merece qualquer reparo. V. E.xas, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.”

V. Respondeu ainda a demandante cível CC (em representação do filho menor da falecida vítima) a ambos os recursos através de contra-alegações juntas em 06-05-2024 com a refª ...60, através das quais pugna pela improcedência de ambos, tendo rematado com as seguintes conclusões:

a) em relação ao recurso da arguida:
“1- O presente recurso está centrado na reapreciação da matéria de facto.
2- Ora salvo devido respeito e conforme resulta de toda a prova produzida, a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada.
3- Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente do testemunho de FF e EE, coadjuvados com a prova documental conclui-se, sem margem para duvidas que a culpa do acidente foi da arguida, uma vez que foi dirigiu a sua viatura para junto do limite da faixa de rodagem tendo batido com a
parte frontal direita na vitima, projetando-a, tendo a mesma ficado prostrada na baía de estacionamento aproximadamente a 6,70 metros da retaguarda do veículo para onde esta pretendia entrar e que a arguida teria que se ter apercebido do embate, bem como os danos provocados na vitima, tendo em conta a violência do mesmo.”

b) em relação ao recurso da seguradora:
“1- A demandada entende que o dano patrimonial futuro ou perda do direito a alimentos por parte do filho da vítima, o dano não patrimonial próprio do filho da vitima e o dano não patrimonial sofrido pela vitima entre o acidente, o decesso (denominado dano intercalar) foram quantificados em excesso e o dano da morte.
2- O filho menor da vítima tinha cerca de 7 anos de idade, pelo que, pelo menos, até atingir a maioridade iria continuar na dependência económico-financeira da sua mãe.
3- Acresce que era filho único da vítima e filho de pai incógnito, pelo que todo o suporte alimentar era e seria prestado pela sua mãe.
4- A vítima encontrava-se na flor da idade, sendo uma jovem mãe, trabalhadora e que se não tivesse sido vitima deste infortúnio iria continuar a sua profissão auferindo no mínimo o salario mínimo nacional que atualmente se cifra em €820.
5- Pelo que a indemnização pelo dano da perda de alimentos se deve manter fixado no montante de €75.000,00.
6- No que diz respeito ao dano intercalar, não há palavras para descrever tanta angústia sofrida pela vítima, ao ver-se ferida, sem possibilidade de se poder defender e a sentir aproximar-se a morte, e nas circunstâncias em que a mãe do menor faleceu, entendemos que o montante de € 20.000 atribuído a título de indemnização mostra-se a mais adequada.
7- A vítima era uma jovem, ainda na pujança da idade e com um largo futuro à sua frente, viu a vida fugir-lhe, ficando assim o menor privado da companhia da mãe que esperava que a tivesse durante muitos e longos anos, sendo assim a indemnização atribuída no montante de € 100.000 é a única adequada, não sendo assim excessiva.
8- Em suma a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada, face à gravidade do acidente e resultado do mesmo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e em consequência deverá ser confirmada a sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA!”
           
VI.  Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 03-06-2024 com a refª ...50 relativamente ao recurso interposto pela arguida, através do qual também pugna pela improcedência do mesmo, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº na 1ª instância nas suas contra-alegações.

VII. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP nenhuma resposta foi oferecida.

VIII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

IX. Analisando e decidindo.

O objecto dos recursos, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas respectivas conclusões dos mesmos, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP bem como das nulidades previstas no artº 379º do mesmo CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]

Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:

1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º do CPP e os vícios previstos no artº 410º nº 2 do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.

A arguida, que impugna a matéria de facto, entende que:
- a sentença recorrida padece de falta de fundamentação, embora não invoque qualquer nulidade da mesma;
- houve erro notório na apreciação da prova;
- há insuficiência para a decisão da matéria de facto.
           
Estará, assim, em causa aferir, em relação ao recurso da arguida:
I) se a sentença recorrida é nula nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do CPP por falta de fundamentação;
II) se a sentença recorrida padece dos vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a) e c) do CPP.
III) se a matéria de facto deve ser alterada nos termos propostos.

A seguradora, que apenas impugna os valores indemnizatórios, entende que:
- os valores indemnizatórios referentes aos danos devidos a título de:
- alimentos ao menor;
- danos não patrimoniais sofridos pelo menor;
- danos não patrimoniais sofrido pelas falecida vítima entre a ocorrência e a sua morte;
- danos não patrimoniais pela perda do direito à vida da vítima devem ser reduzidos nos termos por si propostos;
- devem os juros também ser corrigidos.

Estará, assim, em causa aferir em relação ao recurso da seguradora:
IV) se os valores indemnizatórios fixados em 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4 da sentença devem ser reduzidos;
V) se os juros fixados em 6 devem ser contados a partir da decisão que se quer actualizadora.

Por uma questão lógica, iremos analisar, em primeiro lugar, o recurso da arguida e depois o recurso da demandada cível.

Antes de entrarmos na análise dos recursos vejamos, primeiro, os factos que foram dados por provados e não provados e a respectiva fundamentação levada a cabo pelo Tribunal a quo (transcrição):

“III – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Factos Provados:
1) No dia ..., pelas 11h50m, a arguida tripulava o veículo ligeiro misto, de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matrícula RM-..-.., na Avenida ..., freguesia ..., neste concelho ..., fazendo-o no sentido de marcha ... – ....
2) Fazia-o a velocidade não concretamente apurada.
3) Nessa altura, DD tinha saído da sua residência, sita no n.º...81 da aludida avenida e preparava-se para entrar no veículo com matrícula ..-RZ-.. que se encontrava estacionado na baía de estacionamento, para ocupar o banco do passageiro da frente, veículo no interior do qual já se encontravam o seu filho menor e o companheiro.
4) No momento em que DD se preparava para abrir a porta do passageiro da frente, junto do limite direito da faixa de rodagem, foi colhida pelo “RM”, o qual lhe embateu com a parte frontal lateral direita, projectando-a, tendo a mesma ficado prostrada na baía de estacionamento aproximadamente a 6,70 metros da rectaguarda do veículo para onde pretendia entrar.
5) Após o atropelamento, e pese embora dele se tivesse claramente apercebido porque por si causado, a arguida não imobilizou a viatura que tripulava, prosseguindo a marcha em direcção à sua residência sita na Avenida ..., na freguesia ..., abstendo-se de contactar telefonicamente qualquer meio de socorro ou de pedir a outrem que o fizesse.
6) Como consequência directa e necessária do embate, DD sofreu múltiplas escoriações na cabeça, pescoço, tórax, abdómen; fractura da clavícula; múltiplas escoriações nos membros superiores e inferiores, esquerdo e direito; fractura dos ossos da cabeça; contusão do pulmão esquerdo e direito; múltiplas lacerações do baço e do rim esquerdo; fractura da bacia e do corpo da 1ª e 2ª vertebras cervicais e do corpo da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª vértebras lombares e da apófise transversa direita da 5ª vertebra lombar (cfr. relatório de autópsia médico-legal cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
7) Tais lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais determinaram, como consequência directa e necessária, a morte de DD, a qual foi verificada no local pelas 12h20m.
8) No local onde se deu o atropelamento, a via apresenta uma faixa de rodagem com uma via de transito em cada sentido, separadas por uma linha longitudinal descontínua.
9) A largura da faixa de rodagem é de 5,65 metros.
10) O troço da estrada onde seguia o “RM” configura uma recta com boa visibilidade, sendo ladeado por habitações.
11) No momento do atropelamento, o céu encontrava-se limpo, sendo a luminosidade ambiente provida apenas pela luz solar.
12) O piso da via em causa, asfaltado e regular, encontrava-se seco à data dos factos.
13) Conhecedora do percurso e da sua configuração, ou pelo menos podendo apercebê-los, nada impedia a arguida de conservar da berma distância suficiente que lhe permitisse reagir à presença de peões junto dos limites da faixa de rodagem, evitando, desse modo, o atropelamento.
14) A arguida, contudo, não adoptou tal conduta, como podia e devia.
15) E o facto de o não fazer, originador do atropelamento, ficou a dever-se à forma descuidada e temerária como a arguida tripulou o veículo, por desajustada das características da via, bem como à sua distração, a qual não lhe permitiu avistar a vítima junto do limite da faixa de rodagem, pese embora circulasse numa recta com perfeita visibilidade, em plena luz do dia.
16) A arguida agiu com manifesta falta de consideração pelas normas legais relativas à circulação automóvel e, ao dirigir o veículo do modo e nas condições descritas, não agiu com a diligência, atenção e cautela que lhe eram exigíveis e que estavam ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.
17) Por outro lado, a arguida bem se apercebeu da violência com que embateu no corpo de DD, tendo noção que a mesma ficara, pelo menos, gravemente ferida.
18) Contudo, nada fez para lhe prestar socorro ou para providenciar que terceiros lho prestassem.
19) Admitiu que, face às circunstâncias do atropelamento, tivesse DD sofrido lesões que tornassem urgente a prestação de cuidados médicos e previu que dessas lesões pudessem resultar sequelas físicas para a mesma, ou mesmo a morte.
20) Nada fez, apesar de tal, para verificar da necessidade de socorro da vítima nem para lho prestar por si própria ou para providenciar por quem lho prestasse, conformando-se com os eventuais resultados.
21) Sabia que, face aos contornos do atropelamento, a vítima só podia apresentar leões muito graves com grave risco para a sua vida - acabando esta por falecer – estando impossibilitada de valer por si a tais leões e mesmo de buscar os ditos cuidados médicos.
22) Agiu a arguida sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabedora do dever que sobre si impendia de prestar socorro a DD.
23) Tinha perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
PIC de fls. 275 e ss
24) A demandante CC é mãe da infeliz vítima, DD e avó materna do seu representado, BB.
25) O menor BB é filho de pai incógnito.
26) CC foi nomeada tutora do seu neto BB pelo Tribunal de Família e Menores de ..., no âmbito do P. de Instituição de Tutela n.º356/21..... fls.285 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
27) Na data da ocorrência do falecimento da sua mãe, o menor tinha 7 anos de idade, contribuindo aquela para o seu sustento e educação.
28) O menor BB perdeu a sua jovem mãe, sentindo a falta da mesma.
29) O menor BB jamais esquecerá o trágico desaparecimento da sua querida mãe do mundo dos vivos.
30) O menor BB todos os dias sente a sua falta, recordando com imensa solidão e tristeza, de uma forma mais acentuada, o seu precoce desaparecimento, no dia de “Todos os Santos”, quando se dirigem em romagem sentida ao cemitério, onde repousa para sempre, bem como no dia da mãe, nos dias de aniversário, no dia de Natal e demais festas, como a Páscoa.
31) A falta da mãe é um pesadelo que acompanha o demandante-representado-menor e é exactamente enquanto menor que aquele mais precisava de companhia, carinho e auxílio da mãe, tendo ficado amputado da presença da mãe em muita tenra idade, tendo ficado privado da sua companhia e convívio durante toda a sua vida, do seu afecto, tendo ficado sem a figura de referência que dele cuidava e promovia todo o desenvolvimento global enquanto pessoa, numa lacuna que não será preenchida.
32) A vítima, antes de falecer teve dores, angústia e sofrimento inqualificável, ao ver-se ferida, sem possibilidade de se poder defender e a sentir aproximar-se a morte.
33) A vítima era uma jovem, ainda na pujança da idade e com um largo futuro à sua frente.
Viu a vida fugir-lhe.
34) A demandante CC também sofreu imenso com a perda trágica da sua filha querida., só lhe restando agora saudade, solidão e tristeza, a imagem da filha e os seus restos mortais que repousam em paz no cemitério.
35) Com a perda daquela sua filha nunca mais a demandante teve alegria, prazer e vive em intensa tristeza.
36) A demandante com a habilitação de herdeiros, certidões e funeral despendeu €3.006,23, e ainda tem tido despesas com o seu neto com consultas de psicologia, fruto deste terrível evento, que à data da dedução do pedido de indemnização civil se cifravam no montante de €240,00.
37) A arguida havia transferido a responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de viação causados a terceiros por tal veículo através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...67, válida à data do acidente.
38) A arguida nasceu a ../../1939 (tinha assim 81 anos à data dos factos).
39) A ofendida nasceu a ../../1997 (23 anos à data dos factos).
40) O menor BB nasceu a ../../2013 (07 anos à data dos factos).
41) Por decisão do Trib. Família proferida no P.356/21...., a avó materna do menor BB, CC, foi nomeada sua tutora-cfr. fls. 285 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido;
42) O teor da habilitação de herdeiros junta a fls. 289 e ss, para cujo conteúdo se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida.
43) O teor da Factura do funeral de fls. 296-297;
44) O teor da Factura da placa memorial-fls. 298;
45) O teor das Facturas consultas-fls. 299-300.
46) O teor da apólice de fls.327-328;
47) Por falecimento da ofendida não foram requeridas junto da Seg. Social prestações por morte-cfr. fls. 352
48) O Centro Nacional de Pensões não recepcionou nenhum pedido de subsídio de despesas de funeral-cfr. fls. 353;
49) A ofendida falecida, entre ../../2018 e ../../2020, trabalhou como trabalhadora por conta de outrem nas entidades referidas a fls. 354-357, nos termos aí melhor constantes.
50) A carta de condução da arguida encontrava-se válida à data dos factos, devendo o título ter sido revalidado até ../../2021, o que não sucedeu, tendo caducado por falta de revalidação- cfr. fls.393.
51) A Arguida:
a) é viúva, vivendo em união de facto, e aufere uma reforma mensal de ... cerca de €400,00 mensais e uma pensão de sobrevivência no valor de €218,00;
b) habita com o seu companheiro em casa arrendada, reformado, pagando €100,00 de renda;
c) não tem filhos;
d) Do crc da arguida junto a fls.378 não constam averbados antecedentes criminais.
2- Factos não Provados:
Não se provou:
-que a ofendida DD chegou a abrir a porta do passageiro da frente;
- a arguida tenha sido nas circunstâncias de tempo e lugar do atropelamento acometida de um surto (psicológico) que terá colocado em causa a sua imputabilidade.
-o exacto montante mensal com que a ofendida contribuía para o sustento e educação do menor seu filho.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e não provados, baseou-se, na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova oferecida, a saber:
Documental:
- Auto de notícia de fls. 3 e 4;
- Auto de apreensão de fls. 12 e 16, 20.3 e 20.4;
- Participação de acidente de viação de fls. 7 a 9;
- Aditamento à participação de acidente de viação de fls. 37;
- CRC de fls. 378;
- Documento de fls. 114;
- Relatório fotográfico de fls. 115 a 126;
- Certidão de fls. 211;
- Relatório de ocorrência de fls. 227;
- Elementos clínicos de fls. 229 e 230, 238 a 245.
-Documentos juntos com o PIC de fls. 285-302;
-Apólice de seguro de fls. 327-328;
-Informação da Seg. Social de fls.352-357 e 363;
-CRC de fls.378;
-Print de condutora de fls.387 e informação de fls.393;
-Documentos juntos durante a audiência de julgamento, inclusive vídeo do local.
Pericial:
- Relatório de autópsia médico-legal de fls. 149 a 152;
- Relatório do Serviço de Química e Toxicologia Forenses de fls. 39, 50;
- Relatório de Exame Pericial de fls. 55 a 62;
- Relatório Técnico de Inspecção Judiciária, de fls. 139 a 147.
- Relatório médico legal junto a fls. 358 e ss;
Em apreciação conjunta com as declarações da arguida AA, ouvida em audiência de julgamento e demais prova testemunhal arrolada, quer pela acusação quer pela defesa.
Desde logo, surge-nos como pacífico, designadamente atento o teor do relatório pericial de autópsia junto aos autos a fls. 45 e ss, participação de acidente de viação de fls.7 e ss, material recolhido para exame a fls. 55 e ss e depoimento da testemunha presencial EE, que no dia em causa ocorreu um acidente de viação na via acima assinalada, que consistiu num atropelamento de um peão-a aqui ofendida, DD por um veículo, do qual viria a resultar a sua morte.
Ora, tendo o condutor de tal viatura se ausentado do local do acidente, não parando, antes de mais, previamente, caberá apurar a identificação da viatura envolvida e identidade do seu condutor, designadamente se a viatura atropelante foi o veículo ligeiro misto, de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matrícula RM-..-.. e a sua condutora, aquando do atropelamento, a aqui arguida AA.
Desde já avança-se que nos parece evidente que sim.
Com efeito pese embora o condutor da viatura se tenha ausentado do local do acidente não parando, e não contemos com o contributo da vítima para o apuramento da verdade, face ao seu decesso, o certo é que o companheiro da vítima, EE, que se encontrava já no interior do veículo estacionado em que a ofendida pretenderia ingressar, virado de frente para o sentido de trânsito do veículo atropelante, logo soube avançar que a viatura atropelante tinha sido uma carrinha antiga, de cor ..., conduzida por uma senhora já com alguma idade, tendo no local do acidente sido recolhidos diversos vestígios resultantes do atropelamento (cfr. fls. 118 e ss-fragmentos de tinta de cor ...; fragmentos de plástico de cor ...; fragmentos de plástico de cor ... e uma escova para-brisas-cfr. fls. 20.3 e ss, com os quais a PJ a fls. 55 e ss viria a concluir serem fragmentos e componentes provenientes da viatura RM-..-.., também cautelarmente apreendida-fls.20.3, chegando até a fazer uma reconstituição parcial da viatura sinistrada (do farolim direito dianteiro da luz de presença e da luz de mudança de direcção e do elemento lateral direito do pára-choques, fazendo um exame comparativo dos fragmentos colhidos com os elementos afectados e sinistrados na carrinha, bem como dos fragmentos de tinta colhidos, concluindo pelo seu match, remetendo-se aqui na íntegra para o teor do exame pericial junto a fls. 55 e ss, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Acresce que no local do atropelamento foi recolhida uma escova limpa para-brisas –cfr. fls. 120 e como resulta das fotos fls.124 e ss, na viatura identificada verifica-se a ausência da escova limpa pára-brisas do lado direito, encontrando-se a viatura indicada na acusação registada a favor da aqui arguida, nascida em 1939-cfr. despacho de fls.346 e cópia dos documentos na contracapa.
Assim sendo dúvidas não surgem que foi o ligeiro misto identificado na acusação de marca RM o envolvido neste atropelamento.
Resulta igualmente da prova efectuada que a condutora da mesma na altura do acidente era a aqui arguida.
Com efeito, pese embora a arguida AA afirme que “não se apercebeu de nada”, “não sei nada deste acidente”, dizendo ter sentido uma grande dor de cabeça e não se lembrar de nenhum atropelamento, a mesma não nega que a carrinha, registada em seu nome, apenas por si era exclusivamente conduzida, dizendo recordar-se de nesse dia ter ido nela (então ainda não amassada, mas aquando da entrada em casa já sinistrada) a Guimarães (ver a caixa de correio da sua casa em Guimarães e enfeitar a campa do falecido marido), voltando a conduzi-la de regresso a ..., lembrando-se ainda de estar a conduzir até ao cruzamento que dá para a ..., e que seria perto do meio-dia, quando diz ter sentido uma dor horrível de cabeça, dizendo “não ter visto o acidente”, já depois só se recordando de estar a “chegar a casa doente” e o seu companheiro, percebendo-a alterada, ter chamado a ambulância, dizendo “deve ter sido um princípio de enfarte”.
Disse conhecer bem aquela avenida, “passando lá muitas vezes”, “não tendo nada registado na memória”, “não vi nada que me impedisse de andar” “o que aconteceu nesse dia não sei”, dizendo que a sua casa dista 1 km ,1 km e pouco do apontado local do acidente.
Confrontada com o que terá dito então ao médico reconheceu que possa ter dito que “parece que o carro lhe ía a fugir e apertou mais as mãos”, dizendo não saber em que sítio isso aconteceu.
Face ao acima dito é também seguro que a arguida era a condutora da viatura no dia e hora dos factos em discussão. Aliás, em sede de contestação, a mesma também não pôs isso em causa.
Resta-nos assim analisar a dinâmica do acidente.
Visto a ofendida atropelada ter acabado por perder a vida em resultado do acidente e da alegada falta de memória da arguida quanto ao sucedido, o Tribunal socorreu-se, para formar a sua convicção sobre o sucedido, do depoimento da testemunha presencial EE, motorista profissional e companheiro da vítima, que por ela aguardava, juntamente com o filho desta, no interior da viatura estacionada onde a mesma prenderia ingressar e que assistiu ao atropelamento, bem como no depoimento dos militares GG, militar da GNR e FF, Militar da GNR do NICAV, que tomaram conta da ocorrência.
Com efeito, como de forma credível avançou EE, motorista profissional, o mesmo nesse dia, planeava ir almoçar à sua avó, juntamente com a ofendida e o filho desta, encontrando-se este e a testemunha a aguardar pela ofendida, no interior do veículo automóvel estacionado na baía de estacionamento, quando a mesma acabou por descer as escadas, contornar a viatura pela frente, estando a mesma, segundo o mesmo, junto ao carro e com a mão sobre o puxador da porta do passageiro da frente para abrir a porta do carro, mas sem ainda a ter aberto, quando foi colhida pela carrinha conduzida pela arguida.
Diz ter visto tudo, pois estava no interior da viatura mas virado com a frente para onde vinha a carrinha, motivo pelo qual soube descrevê-la e indicar o género e idade, já algo avançada, de quem a conduzia, dizendo que a carrinha circulava “rente aos passeios mas não pensei que tal viesse a suceder”, segundo estima a 70/80 km/h, dizendo que a ofendida estava junto ao carro quando foi colhida, não tendo a carrinha feito qualquer tentativa de travagem, começando o mesmo a gritar alto mas que a carrinha não abrandou nem parou. Que também o filho da ofendida assistiu a tudo. Que o atropelamento teve um impacto e estrondo muito forte, tendo a ofendida sido projectada vários metros, perdendo uma sapatilha e rebentando o fecho das calças, ficando-lhe a impressão, de dentro do interior do carro em que se encontrava, que a arguida terá “subido o passeio”-entenda-se baía de estacionamento-, recordando-se de ouvir um calcar de bueiro. Diz ter-se dirigido de imediato à ofendida, a qual ainda lhe terá pedido para cuidar do seu filho e que depois “apagou”.
Ora o depoimento da testemunha pareceu-nos esclarecedor e verosímil, encontrando a sua versão dos factos eco probatório na localização e extensão dos danos apresentados pela carrinha acidentada, na forma melhor retratada nas fotografias juntas aos autos, bem como a localização final da vítima após a projecção-na baía de estacionamento, atrás alguns metros da viatura onde pretendia ingressar-também assim o parece corroborar-cfr. croquis de fls.9.
Nesse sentido aliás vão também as regras da experiência comum e do normal acontecer: Com efeito, quem tenta entrar para viaturas estacionadas em zonas próximas à via de circulação ou mesmo estacionadas na própria via, regra geral, normalmente, tendo total percepção de estar junto de uma zona perigosa, na condição frágil de peão, e não dentro de qualquer veículo protector, instintivamente, regra geral, encosta-se à viatura e aguarda o melhor momento para, com segurança, abrir a porta e entrar para o carro, imobilizando-se junto/na proximidade da porta do mesmo até que o possa fazer, o que se nos afigura ter sido o caso, não fazendo aqui sentido, atenta a intenção da ofendida (entrar na viatura estacionada na baía de estacionamento) que a mesma se tivesse colocado e circulado em zona muito distante da porta que pretenderia abrir, sendo que a ter sido assim, então a zona da carrinha atingida e sinistrada antes seria mais central.
Antes nos ficou a convicção que a mesma estava confiada que a condutora da carrinha a estaria a visualizar e que teria isso em consideração, contornando-a, parando ou abrandando a marcha, o que a arguida inesperadamente não fez e só encontramos uma razão para não o ter feito.
A arguida não viu a ofendida, daí que não tivesse ensaiado qualquer travagem brusca ou manobra de desvio de rota, actos estes que instintivamente surgem quando um condutor se depara com algum obstáculo no seu trajecto.
Seguia a arguida certamente distraída, pois atentas as condições da via, uma recta com boa visibilidade, com bom tempo e dada a hora do dia, nada impedia que a tivesse visto (dizendo a mesma ter boa visão e que “não usa óculos por estarem sempre a cair”, dizendo depois que se estaria a referir a óculos de sol), devendo a mesma estar especialmente atenta naquela zona do trajecto, que bem conhecia, pois o mesmo é ladeado de casas, sendo urbanizado e com baías de estacionamento em ambos os lados, sendo o tráfego que ali se faz sentir de alguma dimensão, pelo que é expectável que a qualquer momento haja necessidade de adaptar a condução a esses condicionalismos, tanto é que a zona é servida de passadeiras, o que uma vez mais evidencia a necessidade de circular a uma velocidade adequada a tal cenário e contexto, e com especial atenção não só à via em si strictu sendo mas ao que a circunda-visão panorâmica aquando da condução.
Aliás, se seguisse atenta, poderia ter-se certamente atempadamente apercebido da ofendida já ao descer as escadas de casa, ou pelo menos vê-la já a contornar pela frente a viatura onde pretendia entrar, onde deitou a mão ao puxador da porta, oportunamente, se afastando mais da berma direita ou mesmo, se necessário, abrandando ou parando a marcha da sua viatura a fim de evitar acidentes.
Não o fez, e não tendo a arguida lançado mão de manobras de travagem e desvio de rota, instintivas por natureza, estamos em crer que desatentamente não viu a ofendida-podendo vê-la, apenas se apercebendo da presença da mesma no local quando a atropela.
Com efeito, com bem referiu GG, militar da GNR, atento o grande impacto e violência do embate, bem ilustrado não só nas extensas lesões sofridas pela vítima, como nos metros de projecção da mesma, bem como nos danos materiais exibidos pela viatura atropelante, as quais chegam a situar-se na zona do vidro frontal (perda de um limpa para-brisas) a arguida “teria de dar conta” do sucedido.
Também assim o julgamos: o vidro frontal desta carrinha é de grandes dimensões –cfr. fls.123, não possuindo praticamente o chamado capôt, pelo que a barreira-distância entre a arguida e a vítima quando a colheu era muito próxima, vítima esta que teria cerca de 1,69, como avançado pelo seu companheiro, pelo que, não sendo um “obstáculo” propriamente pequeno, e tendo sido até projectada por diversos metros, com o enorme estrondo ocasionado não se divisa que a arguida não tenha então visto, pelo menos parte, do corpo da vítima que acabava de colher, o que não é credível.
Na realidade, como melhor consta do teor do relatório do IML de fls. 359 e ss, subscrito pela Drª HH, ouvida também em julgamento em sede de esclarecimentos, a arguida apesar da idade não apresenta lentificação nem física, nem psíquica, e não possui história clínica, nem sinais de epilepsia ou outra doença neuropsiquiátrica que possa justificar episódios de alteração do estado da consciência, acrescentando que as pessoas quando acometidas de um AVC repentino-o que não terá sido o caso-param, deitam-se ou sentam-se, não prosseguindo a marcha até casa.
De resto, ouvida a Drª II, que efectuou a triagem no serviço de urgência a mesma confirmou que foram efectuados exames e observações clínicas à arguida e tudo estaria bem, nada tendo sido detectado.
Não se percebe assim muito bem esta “amnésia intercalar” da arguida, quanto ao que se passou no momento do acidente, apenas diz a mesma recordar algo antes e depois do mesmo, na parca medida avançada, causando reflexão ao Tribunal que a certa altura do seu depoimento, depois de repetir várias vezes não se recordar do acidente ou do sucedido, no final tenha dito que lamenta muito e que afinal “não lhe sai da memória”, “quero me esquecer e não posso”.
Seja como for, à data do atropelamento, ficou o Tribunal convicto, como já acima avançado, que a mesma bem se apercebeu da violência com que embateu no corpo de DD, tendo noção que a mesma ficara, pelo menos, gravemente ferida mas que contudo, nada fez para lhe prestar socorro ou para providenciar que terceiros lho prestassem, admitindo que, face às circunstâncias do atropelamento, tivesse DD sofrido lesões que tornassem urgente a prestação de cuidados médicos e previu que dessas lesões pudessem resultar sequelas físicas para a mesma, ou mesmo a morte e nada fez, apesar de tal, para verificar da necessidade de socorro da vítima nem para lho prestar por si própria ou para providenciar por quem lho prestasse, conformando-se com os eventuais resultados, bem sabendo face aos contornos do atropelamento, que a vítima só podia apresentar leões muito graves com grave risco para a sua vida - acabando esta por falecer - estando impossibilitada de valer por si a tais leões e mesmo de buscar os ditos cuidados médicos, agindo a arguida sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabedora do dever que sobre si impendia de prestar socorro a DD, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, aliás como infra dito e para que aí se remete, acreditamos até que o estado percepcionado pelo seu companheiro seria o resultado de bem ter consciência da gravidade do acidente que tinha provocado e em que se tinha envolvido, encetando uma fuga à sua responsabilidade no sucedido, pese embora a testemunha EE, tenha logo de seguida gritado bem alto na via, do que também podia e se deve ter apercebido a arguida, mesmo assim se ausentando prosseguindo a sua marcha até casa.
O mesmo atestou também que a ofendida ainda que por pouco tempo ainda sobreviveu ao atropelamento, chegando a falar, como infra mencionado mas que passado pouco tempo teria “apagado”, acabando por vir a ser declarado o óbito ainda no local.
Quanto ao local provável de embate, como o próprio nome diz é provável e não exacto nem matemático e a testemunha em causa que presenciou o atropelamento pese embora o tenha presenciado encontra-se dentro da viatura estacionada não sendo de lhe exigir maior exactidão quanto ao mesmo, não se me afigurando existir dúvidas que o mesmo se situaria junto do limite da faixa de rodagem, atenta a intenção perseguida pela ofendida (entrar na viatura estacionada), zonas da carrinha atingidas e até ponderando a localização final do corpo da ofendida, após a projecção, analisados de forma conjugada com o depoimento da testemunha presencial EE. Aliás, como infra sublinhado, e para cujo teor se remete a aqui ofendida, nas urgências terá dito que “sentiu a carrinha a subir o passeio”, o que parece significar que estando recente o acidente, a mesma falando do assunto pretenderia avançar com a ideia da carrinha em sítio não adequado, falando de passeio mas querendo certamente referir-se à baía de estacionamento, do que o Tribunal ficou convicto.
Valoraram-se também os depoimentos de todos os militares ouvidos, GG, FF, JJ e KK, os quais não assistiram ao atropelamento mas souberam explicitar e detalhar as diligências por si encetadas e recolha de prova efectuada, em grande  parte melhor vertida na prova documental já acima referida, para cujo teor integral se remete.
O Tribunal teve ainda em consideração o depoimento de CC, mãe da ofendida, que não assistiu ao acidente mas se deslocou ao local de imediato, chamada pelo aqui companheiro da ofendida, que lhe relatou o sucedido, em termos sobreponíveis aos avançados pelo mesmo em julgamento, dizendo que “só a medicação é que a segura”, que o menino viu tudo, estando dentro do carro a olhar para trás onde estava a mãe e que pouco fala, estando a ser seguido por uma psicóloga, chorando amiúde, tendo tido nos primeiros 6 meses de dormir com o mesmo pois só chorava. Mais prestou esclarecimentos quanto à situação sócio-profissional da vítima e da própria, explicando que a ofendida não deixou qualquer património que agora possa ajudar o seu filho e que ela própria avó tem mais dois filhos menores para também sustentar e cuidar, elencando ainda as despesas com o funeral e burocracia por si suportadas originadas por toda esta situação.
Também LL, companheiro desta corroborou que o filho da ofendida é agora “um menino triste; encosta-se a um canto e começa a pensar”.
Por último, no que concerne à testemunha MM, companheiro da arguida, o mesmo também não assistiu ao atropelamento, dizendo que a mesma quando chegou a casa não lhe parecia bem, estando muito pálida e/ou afinal roxa, parecendo desnorteada, tendo visto a carrinha sinistrada, tendo então chamado o 112, dizendo que só soube do acidente pela GNR. Diz que a arguida “nunca mais foi a mesma mulher” e que “nunca mais conduziu”.
Remete-se ainda aqui para as considerações infra também avançadas, na parte concernente à dinâmica do acidente e da omissão de auxílio, que aqui, se dão também por reproduzidas.
Quanto aos factos dados como não provados, tal resultou do facto de que sobre os mesmos não ter sido feita qualquer tipo de prova, ter ficado demonstrado o contrário ou o Tribunal ter considerado a mesma não cabal nem suficiente para os poder dar como demonstrados, nos termos do art.127º do C.P.P.., nos termos melhor supra e infra esclarecidos, remetendo-se aqui para a leitura integral da sentença.”

Vejamos, agora, as concretas questões submetidas a recurso, começando, como supra referimos, com o recurso da arguida.

I)  Da nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal:

Embora a arguida não tenha suscitado expressamente a nulidade da sentença recorrida, a mesma invoca a falta de fundamentação da mesma na 2ª conclusão do seu recurso, pelo que, e pese embora não tenha enquadrado tal vício na correspondente norma legal, porque a falta de fundamentação da sentença integra a nulidade prevista no artº 379º nº 1 al. a) do CPP, a qual é de conhecimento oficioso, iremos analisar essa nulidade.

Vejamos.

O artº 379º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “nulidade da sentença” determina o seguinte:

“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
- sublinhado nosso

Por sua vez, o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “requisitos da sentença” diz o seguinte:

“2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

Ora, da cuidada análise da sentença recorrida se conclui, com clareza, que a mesma não padece de nulidade por falta de fundamentação, uma vez que o Tribunal a quo expressou de forma cuidada, cabal e pormenorizada todos os passos seguidos na construção do seu edifício lógico para ter chegado às conclusões a que chegou, mormente, na fixação da matéria de facto.

De notar que a lei é clara ao impor “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” sendo que o Tribunal a quo até fez uma exposição detalhada, demonstrando cada passo por si seguido na formação da sua convicção revelando a lógica utilizada e a prova de que se socorreu.

Se a convicção do Tribunal a quo se mostra errónea é outra situação que não implica a nulidade da sentença.

Por conseguinte, não se vislumbra a apontada nulidade devendo o recurso improceder nesta parte.

II) Dos vícios do artº 410º nº 2 als.  a) e c) do Código de Processo Penal:

A arguida, pretendendo impugnar a matéria de facto, invoca em relação à sentença recorrida a existência de erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto, ou seja, os vícios previstos no artº 410º nº 2 als. a) e c) do CPP.

Vejamos.

Conforme dispõe o artº 410º do Código de Processo Penal:

“1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;     
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”  

Esclarecem Simas Santos e Leal Henriques[2] “Deve notar-se que a al. a) do nº 2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
Por sua vez a contradição a que se reporta a al. b) é só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.
Finalmente o erro notório na apreciação da prova a que alude a al. c) é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente. Esse erro existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, v.g., quando se dá por assente que o arguido está num determinado local a determinada hora e ao mesmo tempo se tem como provado que ele estava em local longínquo minutos depois; ou quando se dá por assente que o arguido disparou três tiros de pistola a 4 metros de uma mesa onde estavam sentadas várias pessoas, no interior de um café apinhado e se dá por provado que ele não previu a possibilidade de atingir mortalmente alguém.(…)
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ao das legis artis.
Não pode esquecer-se que, como se prescreve na 2ª parte do corpo do nº 2, os vícios apontados nas suas alíneas têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou com recurso às regras da experiência comum, não sendo permitida a consulta de outros elementos constantes do processo.”

Como muito bem explicitado no Acórdão do STJ de 15-09-2009 (procº nº 103/09 da 3ª Secção, in Boletim do STJ):
“I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.”

Assim, os vícios previstos no artº 410º do CPP, embora de conhecimento oficioso, são vícios que têm de resultar da análise da sentença/acórdão em si, sem recurso a outros elementos processuais, e têm de ser vícios patentes que sobressaem da sentença pela simples leitura desta.

Ou conforme se refere no recente Acórdão do STJ de 06-02-2019 (in stj.pt) tratam-se de vícios que “decorrem do texto da própria decisão”.

Em relação aos vícios concretamente anunciados sabemos que:

O vício da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto, plasmado na al. a) do nº 2 do artº 410º CPP não se confunde com a falta de prova para a matéria de facto, antes, traduzindo a falta de factos para a decisão dada, isto é, constata-se, da simples leitura da sentença/acórdão de que não existem factos suficientes para integrar o crime imputado e pelo qual se veio a condenar determinado arguido, ou então, não há factos suficientes para a determinação da pena em concreto, como, por exemplo, para se concluir pela taxa diária da multa aplicada desconhecendo-se por completo a situação económica do arguido.
           
“O vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPPerro notório na apreciação da prova – só se pode verificar quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio.”[3]

Nos termos do Acórdão do STJ de 15-09-2009 (já supra citado):
“O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção no caso em apreço, afigura-se-nos que não assiste qualquer razão à arguida porquanto, olhando o teor da sentença recorrida, da mesma não resulta nenhum dos apontados vícios.

Relembremos que os vícios em causa têm de resultar do texto da sentença, ainda que conjugado com as regras da experiência comum.

Assim, no que tange ao erro notório na apreciação da prova constata-se que este vício não se apresenta da cuidada leitura da sentença recorrida, uma vez que não ressalta da análise da mesma qualquer vício de raciocínio, ou salto lógico, não se constatando qualquer violação das regras da experiência comum, ou valoração positiva de prova proibida, ou violação do princípio in dúbio pro reo.

O facto da arguida discordar da convicção alcançada pelo Tribunal a quo não significa que o Tribunal a quo tenha cometido um erro na sua apreciação, erro esse que, como vimos, tem de ser patente e resultar do próprio texto da sentença.
           
Por outro lado, da forma como a arguida apresenta o seu recurso torna-se claro que a mesma confunde a falta de prova para fixar a matéria de facto, com a falta de factos para a sua condenação.

Não faltam quaisquer factos na sentença recorrida para se imputar à arguida, quer o crime de homicídio negligente, quer o crime de omissão de auxílio, constando da matéria de facto provada todos os elementos objectivos e subjectivos necessários à respectiva imputação penal, e constando dos factos não provados aqueles com os quais a arguida pretende ver-se exonerada de responsabilidade criminal.

Ora, a argumentação despendida pela recorrente obriga a que se analise depoimentos que a mesma indica, o que é um elemento externo à sentença, pelo que, se é preciso trazer à colação documentos e/ou depoimentos para demonstrar o erro na formação da convicção do Tribunal a quo, então, seguramente não estamos perante os vícios do nº 2 do artº 410º do CPP.

Nem se vislumbra do texto da sentença que o Tribunal a quo tenha violado qualquer regra da experiência comum, nem que se tenha estribado em pressupostos ilógicos, tendo exercido a livre apreciação da prova prevista no artº 127º do Código de Processo Penal de acordo com fundamentos lógicos, despendendo argumentos coesos e pertinentes.
           
Pelo que, não se vislumbram os apontados erro notório na apreciação da prova e insuficiência, para a decisão, da matéria de facto, sendo que o que a arguida efectivamente faz é invocar um erro de julgamento o que de seguida analisaremos.

Improcede, assim, também esta parte do recurso da arguida.

III) Da Impugnação da Matéria de Facto:
           
A arguida impugna parte da matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo entendendo que o Tribunal a quo errou na apreciação da respectiva prova.

Vejamos.

A impugnação da matéria de facto segue o disposto no artº 412º nº3 do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte:

“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”

Tendo a prova sido gravada diz o nº 5 do citado artº 412º do CPP que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Sendo que, nos termos do nº 6 do artº 412º do CPP “no caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

No que se refere às declarações dos arguidos, aos depoimentos das testemunhas e à sua articulação com os documentos, vigora o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artº 127º do CPP, que assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no artº 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
 
Assim, “O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida” (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).

“Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.
Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”[4]

Conforme se esclarece ainda no Acórdão da Relação de Lisboa (9ª secção) de 08-10-2015, proferida no procº nº 220/15.3PBAMD.L1-9, in dgsi.pt:
“III- O recurso em matéria de facto, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente à decisão sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgado, fazendo referência expressa às concretas passagens/excertos das declarações, que, no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer;
IV- Não basta ao recorrente enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal superior, oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à sua pretensão final e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra, uma vez que o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal “ad quem”, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros relevantes (evidentes e óbvios) na apreciação e ou aquisição da prova produzida em sede de primeira instância.”

Por isso é que é absolutamente fundamental que no recurso interposto da matéria de facto, nos termos do artº 412º nº 3 do CPP, o recorrente identifique os concretos factos cuja alteração pretende e as concretas provas que impunham a requerida alteração, não cabendo a este Tribunal de recurso refazer o julgamento, ouvir toda a prova e voltar a decidir.
É que a alteração da matéria de facto em sede de recurso só deve ocorrer se, após cumprimento do disposto no artº 412º do CPP, o Tribunal de recurso constatar que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido como decidiu face à concreta prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, da lógica, etc.
Se apenas se constatar que o Tribunal a quo seguiu uma possível solução de entre várias possíveis interpretações válidas resultantes da prova produzida, então, deve ser dada prevalência à convicção do Tribunal a quo por ser o tribunal mais bem colocado para avaliar toda a prova atendendo ao princípio da imediação da prova.

Conforme se esclarece de forma clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:[5]
“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.
II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.
III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.” – sublinhado nosso

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque na sua anotação ao artº 412º do Código de Processo Penal[6]:
“A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de «voltas» do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. (…)

Por fim, e como explicado de forma muito clara e compreensiva no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 3/2012 de 08-03-2012 (in DR 1ª Série, nº 77 de 18-04-2012):

“Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, «o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».
O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros. (…)
Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar».
Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º -A, e actualmente do artigo 685.º -A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.”

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção, não assiste qualquer razão à arguida, estando a impugnação que faz da matéria de facto votada ao insucesso.

Isto porquanto, pese embora a arguida tenha identificado os concretos factos que impugna, e pese embora não tendo dado cabal cumprimento ao disposto no artº 412º do CPP, uma vez que não identificou as concretas voltas das referidas gravações, contudo, identifica o começo e fim dos vários trechos das gravações que invoca, a verdade é que a arguida não logrou demonstrar porque motivo a prova que oferece “impõe” decisão diversa daquela adoptada pelo Tribunal a quo.

É que a arguida se limita a oferecer a sua leitura da prova, discordando da convicção do Tribunal a quo sem lograr demonstrar em que sentido o Tribunal a quo errou na apreciação da prova que efectuou.

Aliás, os argumentos que a arguida oferece, bem como os trechos que indica para justificar a sua posição em nada beliscam a narrativa alcançada pelo Tribunal a quo, que não se terá baseado unicamente no que foi dito, mas como foi dito, os olhares, os tiques, a linguagem corporal e toda uma panóplia de linguagem não verbal que auxilia na apreensão do que terá acontecido, e na formação da respectiva convicção.

Antes, pelo contrário, ouvindo nós a prova gravada, com as inerentes limitações que tal implica, pois não dispomos de tal linguagem não verbal como acompanhamento, dessa audição sai reforçada a versão pela qual o Tribunal a quo se convenceu.

Vejamos.

São estes os factos que a arguida pretende ver dados por não provados:

4) No momento em que DD se preparava para abrir a porta do passageiro da frente, junto do limite direito da faixa de rodagem, foi colhida pelo “RM”, o qual lhe embateu com a parte frontal lateral direita, projectando-a, tendo a mesma ficado prostrada na baía de estacionamento aproximadamente a 6,70 metros da rectaguarda do veículo para onde pretendia entrar.
5) Após o atropelamento, e pese embora dele se tivesse claramente apercebido porque por si causado, a arguida não imobilizou a viatura que tripulava, prosseguindo a marcha em direcção à sua residência sita na Avenida ..., na freguesia ..., abstendo-se de contactar telefonicamente qualquer meio de socorro ou de pedir a outrem que o fizesse.
15) E o facto de o não fazer, originador do atropelamento, ficou a dever-se à forma descuidada e temerária como a arguida tripulou o veículo, por desajustada das características da via, bem como à sua distração, a qual não lhe permitiu avistar a vítima junto do limite da faixa de rodagem, pese embora circulasse numa recta com perfeita visibilidade, em plena luz do dia.
16) A arguida agiu com manifesta falta de consideração pelas normas legais relativas à circulação automóvel e, ao dirigir o veículo do modo e nas condições descritas, não agiu com a diligência, atenção e cautela que lhe eram exigíveis e que estavam ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.
17) Por outro lado, a arguida bem se apercebeu da violência com que embateu no corpo de DD, tendo noção que a mesma ficara, pelo menos, gravemente ferida.
21) Sabia que, face aos contornos do atropelamento, a vítima só podia apresentar leões muito graves com grave risco para a sua vida - acabando esta por falecer – estando impossibilitada de valer por si a tais leões e mesmo de buscar os ditos cuidados médicos.
22) Agiu a arguida sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabedora do dever que sobre si impendia de prestar socorro a DD.
23) Tinha perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Ora, a arguida traz à colação o depoimento da testemunha EE, companheiro da falecida vítima e ocupante do lugar de condutor do carro, o qual, terá visto o acidente.

Diz a arguida que a referida testemunha terá dito que “a vítima saiu de casa, desceu as escadas, passou pela frente do veículo e abriu a porta.”

Na sentença recorrida, o Tribunal a quo é claro ao afirmar que:
“Com efeito, como de forma credível avançou EE, motorista profissional, o mesmo nesse dia, planeava ir almoçar à sua avó, juntamente com a ofendida e o filho desta, encontrando-se este e a testemunha a aguardar pela ofendida, no interior do veículo automóvel estacionado na baía de estacionamento, quando a mesma acabou por descer as escadas, contornar a viatura pela frente, estando a mesma, segundo o mesmo, junto ao carro e com a mão sobre o puxador da porta do passageiro da frente para abrir a porta do carro, mas sem ainda a ter aberto, quando foi colhida pela carrinha conduzida pela arguida.”
 
A arguida não invoca no seu recurso que este trecho da sentença não correspondesse ao que a respectiva testemunha terá dito, o que, a existir uma discrepância destas, seria revelador de um erro de julgamento.

E não o faz, seguramente, porque não resulta do depoimento da testemunha EE – cujas declarações ouvimos na íntegra – que este tivesse dito que a falecida vítima “abriu a porta”.

Na realidade o que a testemunha disse a instâncias da Srª Procuradora, aos minutos 2:21 a 2:34, do dia 25-10-2023, foi que:
Testemunha: “Estava a tentar abrir, eu dei conta que ela deitou a mão ao puxador.”
Procuradora: Aquilo que sabe é que deitou a mão ao puxador”
Testemunha: “Não é o que sei, é o que vi. Que ela abriu…tava a tentar abrir a porta, eu dei conta que ela botou a mão ao puxador e depois deu-se o embate.”

E, a instâncias da Mmª Juiz a quo voltou a frisar aos minutos 14:49:
“Ela não chegou a abrir a porta, ela só deitou a mão ao puxador que eu vi….”

E, de facto, tivesse a falecida vítima já aberto a porta esta seguramente teria sido arrancada com o embate.

Mas, mais do que isso, tal significaria que a vítima pudesse ter invadido a faixa de rodagem e, nesse caso, o embate na carrinha conduzido pela arguida não teria sido na lateral direita, como foi e se retira com toda a clareza das imagens juntas a fls. 122 a 124, mas, antes, mais ao centro da carrinha.

É que a parte da carrinha que se mostra danificada é precisamente a “esquina” direita da viatura, ou vértice como referiu a testemunha FF, agente da GNR que tomou conta da ocorrência, tendo sido partidos os farolins do “pisca” e dos “mínimos” do lado direito, bem como foi arrancada o extremo direito do pára-choques.

Inclusive, foi arrancada tinta do lado direito da carrinha, no sítio onde é visível uma grande amolgadela por cima dos farolins do mesmo lado direito, o que até atesta a violência do embate, levando-nos a crer que a arguida, não só seguia a velocidade elevada – a testemunha EE, que também é motorista profissional, disse que a arguida seguia a mais de 70 km/hr, tanto que, quando saiu do carro aos gritos e foi socorrer a vítima reparou que a carrinha já ia bem longe – como nem sequer travou ou tentou abrandar a sua marcha.
Por outro lado, a testemunha EE foi bem firme quando disse que viu e ouviu a carrinha conduzida pela arguida calcar a sargeta, a qual, das fotos tiradas no local se mostra pintada com o traço branco, ou seja, a sargeta está na linha do limite da faixa de rodagem, pelo que dúvidas não podem restar de que a arguida colheu a vítima, do lado direito desta, a qual se encontrava junto ao carro, prestes a abrir a porta, e junto do limite direito da faixa de rodagem.

Afirma a arguida que “a posição em que se encontrava a testemunha (EE), ao volante do ..-RM-.., não lhe permitia com toda a segurança determinar o local onde se verificou o embate.”

Contudo, esta afirmação não faz sentido uma vez que estando o carro (estacionado) para onde a vítima pretendia entrar, situado numa posição virada contra o sentido em que seguia a arguida, ou seja, o carro da vítima estava estacionado em “contramão”, a testemunha, enquanto condutor, tinha total visibilidade à sua frente para se aperceber não só dos carros que circulavam na via à sua direita, como os movimentos que a vítima teria efectuado desde que passou pela frente do carro e se dirigiu à porta onde colocou a mão para abrir a porta sem, contudo, ter tido o tempo de a abrir.

Aliás, se olharmos o relatório da autópsia, junto a fls. 45 e ss, o que se apreende é que além das múltiplas lesões e fracturas sofridas pela vítima em virtude do embate, a predominância é no lado direito da vítima onde a mesma teria sofrido fractura da clavícula bem como dos arcos costais anteriores da 1ª à 7ª costela e das posteriores da 1ª à 6ª e da 9ª à 11ª costela.

O que nos permite concluir com segurança que a vítima é colhida num primeiro momento no seu lado direito, o que faz sentido com a dinâmica descrita pela referida testemunha, uma vez que a vítima já estaria junto à porta com a mão direita no respectivo puxador, junto ao carro e virada para a porta do mesmo.

Tanto que, na mão direita da vítima, diz-nos o relatório da autópsia que “no dorso da mão, (há) presença de múltiplas escoriações puntiformes e uma escoriação com 2 por 1,5 centímetros de maiores dimensões. No dorso das falanges proximais do 3º, 4º e 5º dedos, presença de escoriações que no seu conjunto ocupam uma área com 5 por 2,5 centímetros de maiores dimensões”, enquanto que na mão esquerda “na face dorsal, (há) presença de duas escoriações, uma mais lateral com 2 por 1,5 centímetros de maiores dimensões e uma mais medial com 0,5 centímetros de diâmetro. Na face dorsal da falange proximal do 2º dedo, presença de uma escoriação com 1 centímetro de diâmetro. Na face dorsal da falange proximal do 2º dedo, presença de uma escoriação com 1,3 centímetros por 1 centímetro de maiores dimensões.”

Claramente, a vítima foi colhida, pelo carro da arguida, do seu lado direito o que é perfeitamente consentâneo com a descrição que a referida testemunha, EE, fez do acidente.

Aliás, a testemunha FF, agente da GNR que tomou conta da ocorrência e tem 20 anos de experiência em acidentes de viação, também entende que a vítima foi colhida de lado pela carrinha.

Tendo depois sido projectada vários metros vindo a cair no solo, desamparada, por detrás da viatura.

Argumenta a arguida que, tivesse a sua carrinha “embatido na vítima com a parte lateral direita, esta teria sido projectada contra o veículo ..-RZ-.. (o carro para onde  a vítima se dirigiu) e não para a parte traseira do mesmo”.

Contudo e, salvo o devido respeito, este raciocínio não faz sentido, não só porque existem fotografias da carrinha da arguida que revelam, sem sombra de dúvida, a parte da carrinha que colheu a vítima (precisamente a lateral direita)[7] como, estando a vítima junto ao carro para lhe abrir a porta, e não na faixa de rodagem, como pretende a arguida, a mesma é colhida, pelo seu lado direito (repare-se que a vítima está virada para o seu carro para abrir a porta) sendo que e a arguida apresenta-se pela sua direita, indo colher a vítima junto do carro RZ contra o qual acaba por ser empurrada – a testemunha EE disse que a vítima “rolou” contra o carro – e depois projectada.

Como é que a vítima poderia ser “projectada” contra o veículo RZ se a mesma é colhida pelo seu lado direito, posição perfeitamente consentânea não só com a descrição oferecida pela testemunha EE, que disse que a vítima já estava com a mão no puxador, virada para o mesmo, portanto, de lado para a carrinha, como pelo relatório da autópsia?

Pretende ainda a arguida, por vários meios, descredibilizar o depoimento desta testemunha, mormente, afirmando que no auto de notícia consta o relato pela testemunha EE no sentido de que a vítima, desceu as escadas a correr, facto que teria omitido no seu depoimento em sede de julgamento.

Ora, não só não relevam as declarações que a testemunha eventualmente teria prestado logo em sede de inquérito, atento o disposto no artº 355º do CPP, como tendo sido prestadas declarações perante OPC, no âmbito do auto de notícia, as mesmas jamais poderiam sequer ser lidas em audiência, atento o disposto no artº356º nº 2 do CPP.

Em todo o caso, uma coisa é a vítima descer as escadas “a correr”, outra é dirigir-se ao carro a correr o que, olhando o auto de notícia, se retira que a testemunha foi clara ao dizer que a vítima, embora tivesse descido as escadas a correr, “atravessou o passeio e o estacionamento já a andar”, pelo que a observação da arguida é, salvo o devido respeito, inócua para se descredibilizar a testemunha em causa.
 
Por outro lado, ainda na tentativa de descredibilizar a testemunha EE, a arguida tenta demonstrar que o mesmo “prestou um depoimento algo controverso…uma vez que insistiu que o veículo conduzido pela arguida embateu no espelho retrovisor do (seu) veículo ..-RZ-.., danificando-o” o que, confrontado com a prova documental junta aos autos, bem como com o depoimento do agente da GNR, a testemunha FF, não encontra eco.

Em primeiro lugar, não é por haver uma ou outra inconsistência num depoimento que se deve automaticamente descartar ou descredibilizar esse depoimento.

Por outro lado, ouvindo a testemunha EE o mesmo depôs com absoluta convicção quando disse que o espelho retrovisor do seu carro ficou danificado e que até hoje está danificado, tendo ainda sofrido danos na porta de lado da sua viatura, pois a vítima foi esmagada contra a mesma com o embate antes de ter sido projectada, contudo em relação a esses danos já os concertou.

O facto de não haver documentação de tal situação nos autos não significa nada de per se uma vez que toda a investigação se baseou nos vestígios deixados no local que pudessem levar à identificação da viatura e, consequentemente, à identificação do seu respectivo condutor, responsável pelo atropelamento, uma vez que a arguida não parou a sua carrinha para sequer perceber o que se tinha passado, tendo continuado a sua marcha.

Até porque, durante o depoimento da testemunha EE, e em virtude do mesmo ter referido os danos que sofreu no seu carro, dentre os quais o dano no espelho retrovisor cujo valor de reparação foi orçado em € 150,00 segundo quantificou, foi chamado à sala novamente o agente da GNR FF, que havia deposto em momento anterior, e quando confrontado com os danos que a testemunha EE referiu, a testemunha FF disse apenas que não lhe foi chamada a atenção para esses danos, dando, assim, a entender que não incluiu na reportagem fotográfica danos no carro da testemunha EE porque não lhe foi chamada a atenção para os mesmos o que não permite excluir que não tivessem havido quaisquer danos, apenas que não tomou conhecimento pessoal da existência dos mesmos.

Aliás, tendo a testemunha EE acabado de ver a companheira colhida por uma carrinha, é normal que a sua atenção estivesse focada na vítima, que tentou logo socorrer, e não nos danos no seu carro que, seguramente, só mais tarde notaria.

As declarações da testemunha EE não são, de forma alguma, desmentidas pela testemunha FF (cujo depoimento também ouvimos na íntegra) e que, tendo já 20 anos de experiência na área de acidentes de viação, e tendo recolhido os vestígios deixados junto da vítima, adiantou o seu parecer dizendo que a vítima foi colhida junto do carro RZ, para onde queria entrar, tendo a arguida circulado muito próximo do limite direito entre faixa de rodagem e o estacionamento.

Entende ainda a arguida que não foi devidamente valorizado o “Resumo de Informação Clínica” de 11-03-2022 no qual consta “não se pode excluir a ocorrência de evento vascular transitório, crise epiléptica ou perda de consciência de outra etiologia, nomeadamente cardíaca.”

Isto porquanto, na óptica da arguida que alega não ter memória do sucedido, a mesma teria sofrido de doença que momentaneamente a impediu de ter conduta diversa daquela que teve, mormente de ter visto a vítima e de ter posteriormente parado a sua viatura para a ir socorrer.

Contudo, este documento[8], referente ao episódio de entrada da arguida no hospital ..., no dia 31-12-2020 (dia seguinte ao acidente) tem de ser conjugado com o depoimento da perita de medicina legal, Drª HH (cujo depoimento ouvimos na íntegra) que concluiu que a arguida é considerada “imputável” – cfr. perícia médico-legal de fls. 358 e ss – sendo que, da respectiva perícia consta, entre outras coisas, o seguinte:

“A examinanda não tem história clínica, nem sintomas ou sinais de epilepsia, outra doença neuropsiquiátrica que possa justificar episódios de alteração do estado da consciência.
Não manifesta qualquer alteração do curso ou do conteúdo do pensamento. Não tem alterações de percepção.”

De notar que consta ainda da perícia em causa que “a examinanda apresenta-se, inicialmente, com atitude não colaborante, não respondendo às perguntas iniciais, referindo nada saber, inclusive, da sua identificação e história pessoal.
Explicado o sentido da avaliação…e tendo-lhe sido permitida a sua versão dos factos, verificou-se que se encontrava orientada no tempo, espaço e situação, sem dificuldades de memória antiga ou recente, sem dificuldades de atenção ou concentração.”
           
Tendo o referido documento ainda de ser conjugado com as declarações da própria médica que elaborou o referido relatório, Drª II (cujo depoimento também ouvimos na íntegra), a qual explicou a razão de ser de ter colocado a referida frase[9], mormente, porquanto, quando observou a arguida, a mesma estava normal, contudo, como não tinha acesso ao que se tinha passado antes, pois não houve nenhuma testemunha que pudesse esclarecer o que se teria passado, à cautela não excluiu a possibilidade de ter havido uma situação “transitória”, havendo necessidade de se proceder a exames complementares para excluir a possibilidade dos referidos estados patológicos.

Ora, a referida testemunha depois explicou que, com os exames complementares, excluíram aquelas possibilidades patológicas.

Como também esclareceu, depois de ter sido elucidada sobre o que a arguida referiu em tribunal, lembrando-se de tudo que ocorreu naquele dia fatídico, à excepção do acidente, e que continuou a conduzir até casa, que uma ocorrência de evento vascular transitório, crise epiléptica ou perda de consciência de outra etiologia, nomeadamente cardíaca, não seria já compatível com o continuar da condução que a arguida efectuou nesse dia, em especial, após o embate na vítima.

Tal como a Srª Procuradora do Tribunal a quo muito bem refere na sua resposta ao recurso da arguida, e que aqui citamos pela sua pertinência, em face da audição que efectuámos das declarações da perita médica (Drª HH), da médica que elaborou a tal “informação clínica” (Drª II) e o outro agente da GNR GG:

“…a arguida omitiu nas suas alegações a referência a todos os esclarecimentos médicos prestados, inclusivamente pela médica que prestou a informação que refere e que contradize o que defende quanto ao padecimento de doença súbita e que, por isso, não
pode evitar o sucedido e que, por isso, abandonou o local.
No que se reputa a essa tal doença súbita e à dinâmica do acidente, providencialmente, a arguida ocultou das suas alegações a referência ao resultado da inquirição do militar da GNR GG, que nos veiculou que atento o grande impacto e violência do embate, postulados nomeadamente nos danos existentes na viatura conduzida pela arguida, os quais também se visualizaram na zona do vidro frontal (perda de um limpa para-brisas), era impossível a arguida não dar conta do que havia acabado de acontecer. Por outro lado, a perita médica responsável pelo exame à arguida e subscritora do relatório pericial e também ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, Drª HH, asseverou que apesar da idade a arguida não apresenta lentificação nem física, nem psíquica, e não possui história clínica, nem sinais de epilepsia ou outra doença neuropsiquiátrica que possa justificar episódios de alteração do estado da consciência, acrescentando que as pessoas quando sofrem um AVC param, deitam-se ou sentam-se, não prosseguindo a marcha até casa, continuando a conduzir. Acrescentamos que não é consentâneo com a normalidade das coisas que consiga chegar a casa, e estacionar o veículo. De igual forma, ouvida a Drª II, que efectuou a triagem no serviço de urgência e que deu a informação clínica que a que a arguida se refere, confirmou que foram efectuados exames e observações clínicas à arguida e tudo estaria bem, nada tendo sido detectado. Mais esclareceu que fez tal menção porque ainda iria a arguida ser sujeita a exames de outras especialidades e que por isso, não poderia descartar a possibilidade de ocorrência de eventos. Ressalva-se que esta foi a avaliação inicial. Porém, quando confrontada tal médica com a possibilidade da arguida ter sofrido um enfarte ou um AVC mas ter continuado a conduzir até casa, estacionando o carro, a mesma esclareceu que não tinha essa informação, entendendo que seria impossível tal ter sucedido, facto que a arguida omitiu nas suas alegações.”
- negrito e sublinhado nossos

Por fim, a arguida, em sua defesa, ainda tenta imputar à vítima a responsabilidade pelo acidente alegando que, na análise de sangue efectuada à mesma, foi detectada a presença de THC-COOH na concentração de 5,3 ng/ml, deixando no ar a questão “será que este estado não terá contribuído para uma conduta desatenta e descuidada da vítima?”.

Ora, e uma vez que a arguida alega não se recordar do acidente, embora conseguisse recordar tudo que ocorreu antes e depois, a mesma não consegue afirmar que fora a vítima a lançar-se para a via, pois nem se lembra de sequer ter embatido na vítima, e dada a versão apresentada pela testemunha EE, que viu o acidente e afirmou que a vítima estava junto do carro, bem como as declarações dos agentes da GNR (FF e GG) que, em face do tipo de dano sofrido na carrinha, afirmam que a carrinha teria estado muito próximo do limite da berma, dúvidas não há que a vítima não teve qualquer culpa na produção do acidente, não tendo sido sequer estabelecido qualquer nexo causal entre o resultado toxicológico obtido da vítima e a produção do acidente, sendo as especulações da arguida irrelevantes.

           
Em todo o caso, atendendo ao valor que consta do relatório de autópsia – concentração de 5,3 ng/ml – constata-se, que, segundo o Colóquio no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses de 2022[10]:
“Em contexto da segurança rodoviária é de salientar que o valor médio de THC no âmbito da fiscalização (código da estrada) foi de 6,0 ng/mL e nas vítimas mortais de acidentes de viação (patologia) foi de 20,1 ng/mL.”

Pelo que, tendo a vítima um valor inferior ao acima apontado, nem sequer seria possível conjecturar-se sobre o contributo da mesma para a produção do acidente.

Claro se torna ver que a arguida não oferece prova que imponha uma alteração à matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, resultando da conjugação dos depoimentos, ouvidos na sua íntegra, bem como da análise das fotografias, que o Tribunal a quo avaliou de forma criteriosa, e sem reparo, toda a prova produzida nos autos.

Não havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, verifica-se a correcta imputação à arguida dos crimes pelos quais fora condenada.

Uma vez que a arguida não impugnou as respectivas medidas da pena, conclui-se que o seu recurso tem de improceder in totum.

Vejamos, agora, o recurso da demandada cível, olhando, primeiro  o que o Tribunal a quo disse quanto à fixação dos quantuns indemnizatórios que aquela impugna.

“Pedidos de Indemnização Civil
De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, designadamente, no que toca ao montante indemnizatório e seus pressupostos.
À data dos factos, o veículo conduzido pela arguida tinha a responsabilidade civil de indemnizar terceiros pelos danos decorrentes de acidentes causados com o veículo transferida para a “EMP01...-Companhia de Seguros, SA” através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...67, válida à data do acidente- cfr. o teor da apólice de fls.327-328.
Deste modo, tal como na lei civil, é a seguradora que garante, perante terceiros, o ressarcimento dos danos provocados pela circulação do veículo interveniente no acidente, tanto mais que os valores a indemnizar peticionados se situam dentro dos valores de capital mínimo legal estipulados.
Assim sendo, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, competirá à Seguradora Demandada satisfazer as indemnizações por danos corporais, decorrentes do acidente discutido nos autos, sendo responsável pelo pagamento da indemnização devida-sem prejuízo de, uma vez satisfeita a indemnização, poder vir a exercer direito de regresso contra a condutora por abandono de sinistrado/a, nos termos do art. 27.º, n.º1, al. d) do DL n.º291/2007, de 21-08, como já demonstrou ser sua intenção, daí ter requerido a intervenção acessória provocada da condutora, aqui arguida-cfr. fls. 325 v e ss, o que foi deferido.
Cfr. Ac. RC de 24-04-2013, in www.dgsi.pt
“Se, em face do disposto no artigo 19.º, alínea c), da Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro [em vigor à data do acidente], no caso de ter ocorrido abandono de sinistrado, o direito de regresso que à seguradora assiste incide, tão só, sobre a indemnização relativa ao quid resultante da descrita situação, então esse normativo, conjugado com o artigo 29.º do mesmo diploma, conduz-nos também à inevitável conclusão de que, por tais danos, responde aquela, em primeira linha”.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil que “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Deste modo, pela prática do crime de homicídio negligente e dos demais danos resultantes do acidente apurados nos termos supra referidos, incorreu a arguida em responsabilidade extra- contratual e na decorrente obrigação de indemnizar os danos causados, recaindo tal responsabilidade sobre a Demandada Seguradora.
Impõe-se, apenas, proceder à determinação do montante indemnizatório, face aos danos que resultaram provados.
A responsabilidade civil emergente de um crime, que tem a natureza de indemnização civil de perdas e danos, é regulada pela lei civil - art. 129.º, do Código Penal., 71.º e ss. do Código de Processo Penal, e 483.º do Cód.Civil.
O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos encontra-se consagrado no art. 483.º, n.º 1, do Cód. Civil, no qual se estatui que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Para além da regra do art. 483.º, prevê-se ainda, no art. 70.º, n.º 1, do Cód. Civil, a protecção dos indivíduos “contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
O responsável pelo ilícito extracontratual fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais de que o facto foi causa adequada.
Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente (dependente da sua vontade, não um mero facto natural causador de danos); a ilicitude desse facto; que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano, e haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (de modo a poder concluir-se que o dano resulta daquele facto).
*
A-DO PIC deduzido por CC, por si e na qualidade de legal representante do seu neto menor BB-cfr. fls. 275 e ss
Vejamos então separadamente, o montante dos danos a indemnizar.
Segundo o artigo 562º do Código Civil, na reparação do dano vigora o princípio da reconstituição natural. Não sendo tal possível, deve o tribunal fixar uma indemnização em dinheiro, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com a teoria da diferença: o valor dessa indemnização deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, ou seja, verificar aquilo que o lesado perdeu por causa do acidente e aquilo que natural e previsivelmente não teria perdido, se não tivesse acontecido o acidente, devendo a fixação da indemnização corresponder, tanto quanto possível ao valor dos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão - n.º 2 da mesma norma. Quando não seja apurado o valor exacto dos danos, preceitua o n.º 3 do artigo 566.º que o tribunal decida de acordo com a equidade.
Como refere Rui Rangel [62], “a lei é sem dúvida pouco objectiva e rigorosa, porquanto fornece indicadores e parâmetros genéricos, deixados à ‘sensibilidade’ de cada juiz”, impondo-se sensibilidade, bom senso, equilíbrio, ponderação criteriosa das realidades da vida, objectividade e o sentido das proporções, mas que sempre hão-de variar de um juiz para o outro, de um tribunal para outro.
Como bem nota o referido autor, “Não nos podemos esquecer que o dano é, acima de tudo, um mal, um evento nocivo, um sacrifício imposto a alguém” (cfr. ob. loc. cit.), visando a compensação por danos não patrimoniais “facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar que lhe apaguem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física, a vergonha que lhe foi provocada pelo evento danoso, quer seja passado, presente ou mesmo futuro” (cfr. ob. loc. cit.).
De acordo com o disposto no artigo 496.º, nº 2 do Código Civil, o direito à indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima cabe em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos. A parte final do n.º 3 do mesmo artigo dispõe ainda que no caso de morte podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos acabados de referir.
Comecemos por analisar cada um dos montantes na ordem peticionada.
A) Danos peticionados pelo aqui demandante-representado menor BB
A.1. Do dano patrimonial de perda de direito a alimentos
Estabelece o art.495.º do Código Civil
Artigo 495.º
(Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal)
1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.
3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
A questão da indemnização pelo dano da perda de alimentos ao abrigo do disposto no artigo 495 n.º 3 do C.Civil vem sendo discutida na doutrina e jurisprudência há longos anos, tendo-se formado duas correntes, uma que exige que, para ser exercido o respetivo direito, tem, o seu titular, de alegar e provar os factos inerentes à necessidade de alimentos (conjugando o artigo 495 n.º 3 com o artigo 2004 do C.Civil) e a outra basta-se com a “qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos” (conjugando o artigo 495 n.º3 com o artigo 2009 do C.Civil), em que esta é dominante, como se pode concluir da leitura dos Acórdãos do STJ de 2/12/2010 e 8/03/2012, relatados pelo Conselheiro Raúl Borges, onde é feita uma resenha histórica da sua evolução e consolidação e publicados em www.dgsi.pt .
E julgamos que esta última corrente jurisprudencial é a que melhor se coaduna com a letra e o espírito do artigo 495 n.º 3 do C.Civil, na medida em que o normativo apenas indica quem são os titulares do direito à indemnização, que se resumem às pessoas que podem exigir alimentos ao lesado, sendo suficiente a qualidade que os legitima para o exercício desse direito, não se compreendendo que o direito à indemnização implicasse um reconhecimento prévio do direito a alimentos. Cfr. art.1878.º, n.º1 do Código Civil
ARTIGO 1878.º
(Conteúdo das responsabilidades parentais
1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Cfr. ainda art.2009.º, do mesmo diploma legal
(Pessoas obrigadas a alimentos)
1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes;
c) Os ascendentes;
d) Os irmãos;
e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;
f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.
2. Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima.
3. Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes.
No caso em apreço o aqui demandante é filho menor da vítima mortal, contando com apenas 07 anos de idade à data do óbito da sua mãe, a qual contribuía e providenciava pelo sustento e educação, tanto mais que não se encontra reconhecida a paternidade do menor, contando este apenas com a sua mãe e auxílio da família materna para o efeito.
Assim sendo o demandante filho- único- menor da ofendida, vivendo e sendo sustentado por esta, no âmbito de uma família monoparental, é certo que o mesmo teria direito à assistência da sua mãe nos encargos da sua vida com sustento, educação e alimentação.
E este direito, conjugado com previsto no artigo 495 n. º3 do C. Civil, legitima o demandante menor a pedir uma indemnização pelo dano da perda de alimentos.
Determinado o direito de exigir alimentos pela autora, resta-nos determinar o seu montante o que se fará nos termos do artigo 566 n.º 2 e 3 do C. Civil com incidência na equidade.
Não se afigura fácil este cálculo, no entanto como critérios orientadores da sua fixação pondera-se que: o filho menor da vítima contava com meros 07 anos de idade, pelo que, pelo menos, até atingir a maioridade (pelo menos por mais 11 anos, onde em cada um deles o filho da vítima beneficiaria certamente também de alimentos reforçados com subsídio de férias e de natal, que tanto impacta a economia doméstica das famílias-11 anos, que equivalem a 154 salários mensais se tivermos em conta estes subsídios), seria muito expectável que continuasse na dependência económico-financeira da sua mãe (se é que não acabaria por eventualmente procurar seguir os estudos, como muitos outros jovens fazem hoje em dia, com o inerente suporte e apoio extra financeiro efectuado por muitos dos pais nesse projecto; por outro lado era filho único da vítima, pelo menos até ao momento e filho de pai incógnito, pelo que também se espera que o suporte alimentar fornecido pela sua mãe reflectisse esta realidade, com um apoio da parte desta de forma reforçada em comparação com famílias não monoparentais, onde esse esforço é dividido pelos dois progenitores; a vítima, apesar de jovem demonstrava já claro dinamismo profissional, como decorre dos descontos para a Seg. Social constantes de fls.354 e 355 e ss referentes a 06 entidades patronais diferentes, o que demonstra iniciativa e empenho na procura de ocupação profissional, atitude esta que provavelmente manteria durante todo o percurso escolar do seu filho menor; é certo que a sua remuneração não seria elevada, situando-se em valores próximos do salário mínimo nacional, como decorre dos valores aí referidos mas que certamente ao longo dos anos esse valor subiria, acompanhando a tendência de aumento do SMN sentida no país, o qual actualmente se cifra em €820, e que certamente, com experiência no ramo, e com o decurso do tempo, poderia a mesma vir a beneficiar de evolução na carreira, podendo vir a assumir mais tarde funções de encarregada ou de supervisão ou mesmo até optar por emigrar, o que sucede com muitos jovens da cidade ....
É certo que também teria de suportar as próprias despesas e que também podia por certos períodos ficar sem ocupação profissional, o que permanecerá sempre uma incógnita, pois a vítima tinha apenas 23 anos à data do óbito não contando assim o Tribunal com uma amostra de vida profissional temporalmente muito expressiva.
Sopesa-se também que este valor será recebido com a decisão judicial nesse sentido e não ao longo do tempo, como a não ter ocorrido o atropelamento naturalmente sucederia, bem como não deverá o mesmo exageradamente aproximar-se do valor da vida, o que entendemos ser também relevante.
Perante tudo isto, julgamos que a indemnização pelo dano da perda de alimentos se deve fixar em €75.000,00.
*
A2. Do dano não patrimonial da perda da mãe
Atentos os factos provados procede na totalidade esta parcela indemnizatória também peticionada.
Deve dizer-se que a indemnização do filho menor da falecida DD representa uma mera compensação pelo sofrimento moral e não uma verdadeira reparação por forma a restituir aos lesados à situação  anterior ao dano, por ser impossível traduzir em termos pecuniários o dano causado.
No caso em apreço, em que houve perda da vida humana, deve considerar-se que todo o sofrimento pela perda do familiar, neste caso a perda da mãe por parte de uma criança que então contava com apenas 07 anos e que assistiu ao trágico acidente mortal é intenso, e, em regra, perdura pela vida fora do filho, desde que existam laços estreitos entre ambos, como era o caso (cfr. depoimento da avó do menor, sua actual tutora e até o simbolismo desse laço forte que emerge da tatuagem do nome do filho no antebraço esquerdo do corpo da vítima conforme referido no relatório de autópsia médico-legal junto aos autos-cfr. fls. 45 v-“BB”).
No que toca aos danos não patrimoniais próprios do demandante menor pelo sofrimento que lhe foi incutido, tendo em conta os critérios vindos de referir, o qual traumaticamente assistiu ao acidente mortal que colheu a vida da sua mãe, quando contava com uns meros 07 anos de idade, por mais consultas de psicologia que possa frequentar, o facto é que o mesmo, não obstante a sua tenra idade, deixou para sempre de beneficiar, como até ali, do seu amor, carinho e apoio, ficando assim desamparado do amor maternal que neste caso representava um relevante papel no seu bem-estar emocional, já que nunca contou com a presença do pai- que não o assumiu, nem o reconheceu, permanecendo desconhecida a sua identidade,-, nem de irmãos, vendo-se assim com este trágico acontecimento “órfão” e desamparado, ficando a partir do infeliz acontecimento privado do acompanhamento, apoio, auxílio e carinho que a mesma lhe poderia dar e a que o tinha habituado, dor e desgosto estes que o acompanharão pela vida fora pois pese embora seja uma criança, pela idade guardará já saudades eternas da sua mãe, de que guarda momentos e memórias, e que perdeu repentinamente, sem qualquer pré-aviso ou possibilidade de da mesma se despedir. Trata-se de uma perda irreparável na vida desta criança e de um desgosto para a vida, pelo que se entende que atenta a intensidade do quantum doloris a indemnizar se afigura ser de atribuir, com recurso a critérios de equidade e de comparação com os valores médios da jurisprudência, como compensação o montante de €70.000,00 aqui peticionados.
A3. Do dano intercalar –dano não patrimonial da vítima ocorridos entre o acidente e a morte da mesma Na quantificação da indemnização por dano intercalar (sofrido entre o momento da lesão e o momento da morte da vítima) deve atentar-se nas circunstâncias do caso concreto, designadamente na quantidade e gravidade das lesões sofridas pela vítima mortal, na intensidade das dores, no período de tempo durante a qual as dores se prolongam e ainda no eventual pressentimento da morte.
Ora no caso sub judice, a vítima teve lesões graves e extensas, como decorre do relatório de autópsia junto a fls. 45 e ss, a que correspondem assim dores e sofrimentos intensos, bem como angústia com o sentir aproximar-se a morte (cf. depoimento da testemunha EE, seu companheiro, que se encontrava no local e que de imediato se deslocou até à mesma a quem ainda encontrou viva, tendo esta, segundo o mesmo, ainda “lhe pedido para tomar conta do filho e depois apagou”, acabando a sua morte por ser verificada ainda no local, pelas 12h20 (o acidente deu-se pelas 11h50).
Assim sendo, a ofendida, ainda que por pouco tempo-sobreviveu ao embate na viatura, estando nesses parcos minutos/tempo por um tempo consciente e com dores, apercebendo-se que o fim da sua vida estaria próximo.
Acresce que não obstante as manobras médicas efectuadas pela equipa do INEM, as mesmas não saíram logradas, acabando por ser declarado o óbito no local.
Pelo exposto, neste cenário, temos como razoável e equilibrado fixar o valor do dano intercalar na quantia de € 20.000,00.
Diz a seguradora que este dano intercalar se encontra a ser indevidamente reclamado pela mãe da vítima e não pelo seu filho menor, a quem apenas diz assistir legitimidade para tal.
Equivocou-se certamente pois da leitura do pedido de indemnização civil apresentado o que resulta é que este dano intercalar se encontra efectivamente a ser peticionado pelo demandante menor, ainda que aqui legalmente representado pela sua tutora, a sua avó paterna-cfr. fls.275 e ss-os valores peticionados pelo menor encontram-se nos artºs 30.º a 58.º e apenas a partir do art.59.º surjem os danos próprios peticionados pela mãe da vítima.
*
A.4. Do dano morte (direito à vida)
Os danos não patrimoniais da vítima DD, abrangem também a perda do direito à vida, de que é titular o seu filho menor, NN.
Não se levantam actualmente quaisquer dúvidas a respeito da ressarcibilidade do dano da perda da vida. Na conhecida e muito debatida questão da titularidade do direito à indemnização por tal dano, desde já se diga que entendemos que não integra directamente a esfera patrimonial da vítima, não se transmitindo por via hereditária, antes cabendo, por direito próprio, ao cônjuge e familiares indicados no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil – veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/1997 (Colectânea de Jurisprudência / Acórdãos do STJ, vol. II, pág. 42 e ss.) com cuja fundamentação se concorda plenamente e para a qual aqui se remete.
É tarefa difícil, se não mesmo impossível, o cálculo de um montante indemnizatório a este título. Para o cálculo do valor deste dano, diz-nos o artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil que deve o tribunal proceder equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo494.º – o grau de culpa do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso. As referências para o apontado juízo de equidade poderão ser colhidas da prática jurisprudencial e ainda do parecer elaborado pelo Provedor de Justiça a pedido do Governo (pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001, de 9 de Março), a propósito dos montantes indemnizatórios a atribuir pela queda da ponte de Entre-os-Rios (disponível em www.provedor-jus.pt). Mais recentemente, surgiu a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho), que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, visando agilizar a apresentação de propostas razoáveis para indemnização.
Acresce que na fixação do quantum indemnizatório, em sede de responsabilidade civil por atos ilícitos, será sempre conveniente ponderar outras decisões judiciais, mais ou menos semelhantes, em ordem ao cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança, igualdade e equidade na realização da justiça, sejam eles não patrimoniais (art.º 496º do Código Civil) ou patrimoniais (art.º 566º, nº 3, do Código Civil).
Ora, como se refere no Ac. RL de 16-11-2021, in www.dgsi.pt
“O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”.
Assim, há que proceder à fixação do respectivo montante indemnizatório, de harmonia com o disposto no artigo 496.°, n.° 3, 1.° parte, e o artigo 494.° para o qual este remete, ou seja, considerando que “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, recorrendo a critérios de equidade.
Há ainda que atender a que essa indemnização deve ser actual, aplicando-se-lhe também a regra constante do artigo 566.°, n.° 2, do mesmo código – assim, Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27/09/2002.
Mas como traduzir em termos monetários a vida de alguém, ou seja, fazer o impossível ? Aquilo que resta ao aplicador do Direito é, munido de critérios de objectividade e de equidade, alcançar uma reparação justa para a perda desse direito, e abunda a jurisprudência a este respeito, remetendo-se para a resenha feita a este respeito no supra referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, na fixação de tal indemnização pelo dano morte e face àquela que em sido a jurisprudência dos tribunais superiores, há que atentar na idade da vítima, no seu estado de saúde, antes da ocorrência do evento danoso (se era pessoa gravemente doente ou saudável), na forma como ocupava o seu tempo e os seus projectos de vida, mormente em termos pessoais e profissionais, a sua vontade e alegria de viver, entre muitos outros. Ou seja, será com recurso a estes diversos indicadores e sua apreciação em termos globais, que se conseguirá densificar e delimitar tal montante indemnizatório pela perda do direito à vida em cada caso concreto.
Acresce ainda que, nestes casos de arbitramento de indemnização por responsabilidade civil fundada em acidente de  viação, não faz sentido o reporte à situação do lesante, até porque o mesmo está ausente da lide, sendo normalmente o demandado uma companhia de seguros, as quais recebem prémios dos segurados para o efeito de assegurar e acautelar situações como a presente, gozando de confortável situação financeira associada ao exercício desta actividade.
Quanto à Portaria n.° 377/2008, de 26/05, na redacção dada pela Portaria n.° 679/2009, de 25/06, e este é um elemento que o tribunal deve ponderar no arbitramento dos montantes indemnizatórios, é certo que este diploma prevê uma tabela legal de ressarcimento do dano corporal, tendo em vista não a fixação final e última dos quantum indemnizatórios, mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios tendentes a agilizar a apresentação pelas seguradoras de propostas razoáveis, possibilitando a avaliação pela autoridade da supervisão, em quadro de objectividade, da respectiva razoabilidade” (Salvador da Costa, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, Cadernos do Cej. – Acidentes de Viação I, 2011) – apud, Acórdão da Relação de Évora de 10-4-2012 (Proc. n.° 133/08.5GCCUB.E1), disponível em www.dgsi.pt.
Daqui decorre que os valores contemplados em tal Portaria, nas suas tabelas anexas nunca serão definitivos, nem tal é de aplicação judicial obrigatória, apenas tendo o escopo de dar algumas directrizes nesta matéria, acrescendo ainda que, os valores ali contemplados datam de 2009, ou seja, há 11 anos atrás e são genéricos, abstractos, não estando adaptados às particularidades de cada caso.
Por fim, há ainda que ter em conta os critérios e valores comummente fixados na jurisprudência de forma actualizada.
Ora. como bem se analisa no Ac. RL de 16-11-2021, in www.dgsi.pt, que aqui se passa a citar:
“Prescrutando a jurisprudência dos tribunais superiores no que respeita à indemnização do dano morte, temos que (arestos todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- no acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020 (Proc. n.° 65/17.6GTALQ -5), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito a vida da vítima que, aquando do decesso tinha 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os dois filhos do casal, em € 150.000,00;
- no acórdão da Relação de Évora de 24-09-2020 (Proc. n.° 3710/18.2T8FAR.E1), fixou- se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 90.000,00, tendo em conta que tinha 33 anos de idade, era saudável e sem deficiência, imigrante que tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, exercendo as funções de pedreiro, casado há cerca de 5 anos e com um filho de 4 anos de idade, que vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, e o seu filho;
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2019 (Proc. n.º 75/17.3GCPTM.E1.S1), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 55.000,00, tendo em conta que tinha 73 anos, era saudável e com uma vida regrada, com actividade profissional.
Transpondo tais considerações para o caso em apreço, há que considerar que:
- A vítima DD faleceu com apenas 23 anos, situando-se actualmente a esperança média de vida, no caso de se tratar de mulheres, em 83 anos;
-a vítima era jovem saudável e sem deficiência, mãe de um menino de 07 anos, com quem tinha uma relação afectuosa, bem como com a sua mãe e companheiro, sendo laboralmente empenhada, procurando garantir com o seu esforço a alimentação e sustento do seu filho-cfr. Prints da Seg. Social
-ausência de conculpabilidade de vítima para a produção do acidente de viação, que ficou a dever-se em exclusivo ao comportamento da arguida;
- a morte de OO ocorreu de forma abrupta e violenta;
- recentes arestos recentes têm já fixado compensações dentro desta ordem, quando as vítimas são mais jovens, que variaram entre os 70.000,00 € e os 100.000,00 €, para vítimas com idades compreendidas entre os 14 e os 41 anos, i. a., os Acórdãos do STJ de 07/02/2013, proc.3557/07.1TVLSB.L1.S1, de 13/09/2012, proc. 1026/07.9TBVFX.L1.S1, de 31/05/2012, proc. 14143/07.6TBVNG.P1.S1, de 10/05/2012, proc. 451/06.7GTBRG.G1.S2, de 31/01/2012, proc.875/05.7TBILH.C1.S1 e de 08/09/2011, proc. 2336/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Procede assim totalmente o pedido deduzido decidindo fixar-se em €100.000 (cem mil euros), a compensação devida pela perda da vida, compensação esta a atribuir ao filho menor da vítima, BB.
*
B.
B1.Danos não patrimoniais da mãe da vítima
Veio CC, a título próprio, reclamar 30.000,00 pelo desgosto por si sofrido pela perda abrupta da sua filha querida, como compensação do sofrimento agudo por sofrido na decorrência do seu óbito por atropelamento.
*
Da ilegitimidade invocada em sede de contestação-fls. 324 e ss
A fls. 324 e ss veio a “EMP01...-Companhia de Seguros, SA” deduzir, por excepção, a ilegitimidade de CC.
Alega, em síntese, que na presente acção, a mãe da sinistrada surge a peticionar uma indemnização pelos danos não patrimoniais da vítima ocorridos entre o acidente e o alegado momento do falecimento (vide supra o referido quanto a esta matéria), bem como por danos não patrimoniais próprios, direitos estes que só poderiam ser por si reclamados, como mãe da vítima, caso inexistisse qualquer uma das pessoas abrangidas pelo grupo anterior referido no n.º2 do art. 496.º do C.Civil, isto é, cônjuge não separado de pessoas e bens e filhos ou outros descendentes, o que não é o caso, já que a vítima deixou um filho menor.
Conclui assim que apenas o demandante BB tem legitimidade para reclamar os referidos direitos. Citou jurisprudência nesse sentido, pedindo a absolvição da demandada da instância, no que a esta parte do pedido diz respeito.
Por despacho proferido a fls.337 e ss, nos termos e pelos fundamentos aí melhor constantes, foi considerado que, atentando no pedido que é formulado, improcedia a invocada excepção dilatória de ilegitimidade, aí se dizendo que mesmo que assista razão à demandada a consequência a extrair seria unicamente a improcedência do pedido, na parte que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante mas não uma questão de ilegitimidade processual.
Com efeito, como se refere no Ac. RL de 19-02-2015, in www.dgsi.pt  “ Uma coisa é a legitimidade processual, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância. Outra, a legitimidade substancial ou substantiva, que tem que ver com a efetividade da tal relação material, interessando já ao mérito da causa”.
Chegados, que estamos a esta fase do processo, cabe então apreciar da invocada ilegitimidade não já sobre um ponto de vista meramente processual, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., o que já foi decidido mas desta feita sob o ponto de vista da legitimidade substancial ou substantiva, que tem que ver com a efetividade da tal relação material, interessando já ao mérito da causa.
Diz a seguradora que a aqui mãe da sinistrada surge a peticionar uma indemnização pelos danos não patrimoniais da vítima ocorridos entre o acidente e o alegado momento do falecimento, bem como por danos não patrimoniais próprios, o que só pode ser feito pelo filho da vítima.
Ora, quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais da vítima ocorridos entre o acidente e o alegado momento do falecimento, aqui peticionados, como já acima dito, resulta da leitura do pedido de indemnização civil deduzido que quem faz tal pedido é a mãe da vítima é certo, mas na qualidade de legal representante do seu neto e não a título próprio-cfr. art.49 e ss da petição inicial, designadamente art.52, pelo que, nesta parte não colhe a ilegitimidade substancial invocada, sendo infra apreciado este parâmetro do pedido de indemnização juntamente com o restante peticionado.
Já o mesmo não se passa quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela própria demandante, a título próprio, pela perda da própria filha.

Com efeito, estabelece o art.496.º do Código Civil o seguinte:
ARTIGO 496.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
Como “Código Civil Anotado”, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, em anotação ao art.496.º, do Código Civil
“O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-os àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A referência especial ao caso de o facto ilícito ter provocado a morte da vítima tem por objectivo designar o titular do direito à indemnização e as pessoas cujos danos (não patrimoniais) devem então ser tomados em linha de conta.
Distribuem-se por três grupos, nos termos do n.º2, as pessoas com direito a indemnização: o cônjuge e os descendentes; (apenas) na falta deles, os pais ou outros ascendentes; por fim, os irmãos ou sobrinhos com direito de representação.
O Cálculo da indemnização pode fazer-se, neste caso, atendendo aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e, conjuntamente, aos danos sofridfos pelas pessoas com direito à indemnização.
É a doutrina da segunda parte do n.º3.

Pode naturalmente suceder que a morte da vítima cause ainda danos não patrimoniais a outras pessoas, não contempladas na graduação que faz o n.º2, tal como pode acontecer que esses danos afectem as pessoas abrangidas na disposição legal por uma forma diferente da ordem de precedências que o legislador estabeleceu.
Mas este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
…O facto de a lei afirmar ( no n.º2) que a indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima não significa que o Tribunal não deva discriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários, de acordo com os danos por eles sofridos. Terem direito à indemnização em conjunto significa apenas que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2.º e 3.º grupos indicados no n.º2, para os quais vigora o princípio do chamamento sucessivo.
Cfr. Ac. STJ de 23-09-1997, in www.dgsi.pt
“III - A expressão "em conjunto" contida no artigo 496, n. 2, do mesmo Código, significa que os descendentes não são chamados só na falta de cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2. e 3. grupos indicados no mesmo n. 2, para os quais vigora o princípio do chamamento sucessivo”.
Cfr. Ac. RP de 03-10-1995, in www.dgsi.pt
“V - Para a titularidade do direito a indemnização por danos morais próprios, no caso de morte, há lugar a chamamento sucessivo, e não simultâneo, de cada categoria das pessoas referidas no n.2 do artigo 496 do Código Civil”.
Assim razão nesta parte à seguradora demandada, improcedendo o peticionado pela aqui demandante a este título.
B2.Danos patrimoniais a título de despesas com o funeral e habilitação de herdeiros e certidões
Estabelece o Artigo 495.º do Código Civil:
 (Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal)
1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.
3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Ora, atentos os factos provados entendemos ser de proceder na totalidade o valor peticionado a este título pois tais despesas apenas ocorreram e foram necessárias na sequência do evento morte, advindo do atropelamento mortal ocorrido, encontrando-se a responsabilidade civil automóvel do veículo atropelante transferida para a aqui seguradora demandada, sendo cabais e justificadas.
B3. Danos patrimoniais referentes a consultas de psicologia de apoio ao menor
Também aqui, mutatis mutandis, atentos os factos provados entendemos ser de proceder na totalidade o valor peticionado a este título pois tais despesas apenas ocorreram e foram necessárias na sequência do evento morte, advindo do atropelamento mortal ocorrido, encontrando-se a responsabilidade civil automóvel do veículo atropelante transferida para a aqui seguradora demandada, sendo cabais e justificadas.”

IV) Dos Quantuns Indemnizatórios:

Entende a demandada cível, a seguradora para quem fora transferida a responsabilidade civil pelos acidentes de viação produzidos pela carrinha da arguida, que os valores fixados a título de indemnização pelos alimentos devido ao filho menor da falecida vítima, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio menor pela perda da sua mãe e pelos danos morais sofridos pela própria vítima, quer no tempo em que ainda esteve viva após o atropelamento, quer pela sua morte se mostram elevados.

Ora, e antes de analisar os referidos valores, convém ter presente que a seguradora não põe em causa o dever de indemnizar que sobre si recai, nem discute a bondade, quer dos factos provados e não provados, quer da análise jurídica desenvolvida pelo Tribunal a quo para justificar as respectivas indemnizações arbitradas.

Pelo que, está em causa, apenas e tão só os valores concretamente fixados, motivo pelo qual não iremos tecer longos desenvolvimentos jurisprudênciais e doutrinários  sobre as várias categorias de dano, e seus pressupostos, dando-se aqui por reproduzida a análise teórico-jurídica efectuada pelo Tribunal a quo que se mostra consentânea com as normas legais aplicáveis, bem como com a melhor jurisprudência.

Vejamos, então, cada um dos danos em causa.

a) Do Dano referente à perda de alimentos do filho menor da falecida vítima.

O Tribunal a quo após cuidada análise dos factos e das considerações jurídicas pertinentes ao direito a alimentos, fixou um valor de € 75.000,00.

A seguradora contesta este valor, concluindo pelos € 50.000,00.

E chega a este valor com base no seguinte raciocínio:
- ao tempo do acidente o salário mínimo nacional cifrava-se em € 665,00.
- admitindo que o filho da vítima não se autonomizará antes dos 25 anos, calculou em 18 anos o número de anos de previsíveis alimentos (25 menos os 7 anos que o menor tinha ao tempo do acidente).
- o valor anual de rendimentos - € 665,00 x 14 meses – seria de € 9.310,00.
- o que multiplicado pelos 18 anos (ou 216 meses) perfaz um valor de € 167.000,00
- e entende que o que deveria ser destinado à criança seria um terço, ou seja, € 55.666,67, aos quais deve ser descontado 10% por o menor receber a indemnização num única vez, o que perfaz € 50.274,00 que arredonda para € 50.000,00.

Ora, o problema que se levanta com este dano é o de saber qual o valor de referência que deve ser utilizado, uma vez que se nos afigura pacífico que deve ser tomado em linha de conta o número de anos que o menor previsivelmente precisará de alimentos e aqui louva-se a seguradora por não se limitar à simples maioridade.

Não choca o recurso ao valor do salário mínimo nacional, até porque é esse valor que é considerado o mínimo para o sustento de uma pessoa.

Contudo, já não podemos concordar com a escolha de um terço uma vez que só temos mãe e filho e, se dividirmos os € 665,00 (x 14 meses) por 12 meses, obtemos um valor mensal de € 775,83 que divido em 3 – o tal terço – produz um valor de € 258,61 destinados ao sustento do menor.

Ora, nenhuma criança, com o mínimo de dignidade, se alimenta, se veste, se calça, obtém um tecto, faz a sua higiene, cuida da sua saúde e frequenta o ensino por € 259,00 mensais.

É certo que, estando integrado numa economia doméstica comum com a sua mãe, as despesas diluem-se num todo mas, a verdade é que não se compreende porque motivo só se destinaria um terço ao menor.

Por outro lado, quando alguma jurisprudência se refere a um terço, fá-lo, no nosso entendimento, para garantir o sustento do próprio obrigado a alimentos e não para definir o que seria devido ao alimentando.

Por fim, não podemos ignorar o IAS – Indexante dos Apoios Sociais – que é o valor de referência para calcular inúmeros apoios sociais, desde o subsídio de desemprego, ao abono de família, bem como serve para calcular a capacidade económica das famílias, sendo o limite utilizado pelo IGFSS (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social) para determinar o valor das prestações do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (ou simplesmente FGA), organismo que substitui os progenitores obrigados a alimentos aos filhos menores.

Ou seja, quando um progenitor, judicialmente obrigado a pagar alimentos ao filho menor, não o faz, o progenitor não faltoso, na falta de capacidade económica para o substituir, pode pedir ao FGA que o substitua mediante prestações mensais cujo tecto é precisamente o valor do IAS[11].

E se olharmos o disposto no artº 3º nº 1 al. b) e nº 2 do DL nº 164/99 de 13-05 (com a última alteração legislativa dada pelo DL nº 84/2019 de 28-06) constata-se que:

“1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.” – sublinhado nosso

O valor do IAS é, assim, o valor abaixo do qual a sobrevivência de uma pessoa se mostra afectada, e portanto, acaba por ser o mínimo dos mínimos.

Ora, em 2021 o IAS cifrava-se em € 438,81, cfr. Portaria nº 27/2020 de 31-01.

Se pegarmos no cálculo da seguradora, mas em vez de dividir o rendimento anual de € 167.580,00 por 3 o dividirmos por 2, que se nos afigura mais consentâneo com a realidade doméstica composta por duas pessoas, obtemos um resultado de € 83.790,00 que, traduzido em valores mensais, dá € 387,92, ou seja um valor ainda aquém do IAS.

Se subtrairmos àqueles € 83.790,00 os tais 10% pelo facto do valor ser entregue de uma só vez, obtemos um valor de € 75.411,00 (€ 83.790,00 - € 8.379,00).

Ou seja, obtém-se o valor fixado na sentença recorrida.

Pelo que, quanto a este valor indemnizatório nada há a apontar à sentença sob escrutínio, mostrando-se o valor perfeitamente de acordo com o sistema legal existente na área de alimentos.

b) Do dano não patrimonial do próprio filho.
           
O Tribunal a quo fixou a título do dano moral sofrido pelo filho com a perda da sua mãe um valor de € 70.000,00.

A seguradora entende que o valor adequado seria de € 35.000,00 baseando-se, para tanto, em alguma jurisprudência que cita.

Neste dano, ao contrário do que sucede com o anterior dano aqui focado, o de alimentos, não é possível pegar num valor padrão ou previamente acordado e, dentro do sistema legal que define o direito a alimentos, proceder-se a um cálculo mais matemático como acabamos de fazer.

Por isso é que, a nosso ver, há tanta discrepância na jurisprudência pois acaba-se por cair num certo subjectivismo.

Ora, nada pode substituir a perda de uma jovem mãe, especialmente quando resulta dos autos que entre mãe e filho existia uma relação de afecto profundo.

Por outro lado, há sempre que olhar o caso concreto, sendo que, neste caso, estamos perante uma criança que, com 7 anos ao tempo, estando sentado dentro do carro, vê a sua mãe chegar junto de si (seria a última vez que a via com vida), assistindo depois ao embate provocado pela carrinha da arguida.

A criança assistiu a tudo como bem referiu a testemunha EE que também assistiu a tudo.

Por outro lado ainda, começa-se a ter o entendimento que certos valores indemnizatórios, fixados há uns anos atrás, teriam de evoluir para um patamar mais actual, sendo que, durante anos eram arbitrados pelos nossos tribunais, e ao contrário do que sucede em outros países, por danos morais, valores irrisórios e pouco dignificantes.

Valendo um carro de gama média mais do que a vida e sofrimento humanos.

Pergunta-se como é que a perda de uma mãe, especialmente para uma criança pequena que dela ainda depende a todos os níveis humanos, pode equivaler ao preço de um Audi A3, de um BMW série 2 ou de um Volkswagen Golf TDI?

Pois todos aqueles veículos novos rondam os € 35.000,00.

Assim, e a propósito da valoração dos danos não patrimoniais, defendendo-se que a compensação deve ser digna, veja-se o Acórdão do STJ de 09/05/2023:[12]

“Embora sem rigor sistemático, é patente uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento.
Na doutrina e jurisprudência italianas começou a emergir na década de setenta a noção de “dano pessoal”, incorporando todos os danos que lesam a estrutura psicossomática do ser humano, e mais recentemente com a definição conceitual de “dano existencial”, visando abarcar os danos que não sendo estritamente morais originam consequências não patrimoniais (…).
Pretende-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projecto de vida”, com consequências extrapatrimoniais.
Na verdade, esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral”.
Partindo desta concepção e como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial (arts.496 nº3 e 494 do CC), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, sendo certo que o seguro de responsabilidade civil é também um elemento a ter em conta, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.
Desde alguns anos que a jurisprudência vem afirmando que os padrões de indemnização têm de evoluir, acompanhando os tempos modernos, chegando-se a enfatizar que não se poderia manter uma tradição miserabilista, sob pena dos tribunais não estarem a acompanhar a evolução da vida, causando prejuízos irreparáveis aos lesados em acidentes de viação.
Neste contexto, entre outros tópicos, apela-se, por exemplo, aos critérios da convergência real das economias no seio da União Europeia, aos montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório fixados em aplicação da Directiva do Conselho, 84/5 de 30/12/83 (Segunda Directiva-Seguros), aos seus constantes aumentos e dos respectivos prémios, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação”.

No caso em apreço, há que considerar ainda que o menor é filho de pai incógnito, portanto, só tinha a mãe, falecida vítima, para dele cuidar.

Não tendo pai, acabou por também ficar sem a sua mãe, tendo o menor apenas 7 anos quando a perdeu, motivo pelo qual e, pese embora a jurisprudência citada pela recorrente, alguma já com mais de dez anos e outra referente a vítimas muito mais velhas, tendo sempre que se considerar as especificidades do caso concreto, não se nos afigura incorrecta o valor arbitrado pelo Tribunal a quo.

Repare-se que, num dos acórdãos mais recentes citado pela recorrente – Ac. do STJ de 11-02-2021 no Procº nº 625/18.8T8AGH.L1.S1 cujo relator é Geraldes Abrantes – arbitrou-se a favor do filho da falecida vítima € 35.000,00.

Contudo, a vítima faleceu com 53 anos o que, embora ainda sendo trágico, é uma idade em que a morte, por outras causas, também poderia ocorrer.

Ou seja, a perda por um filho adulto de uma mãe já com alguma idade, não reveste a gravidade da perda por uma criança da sua jovem mãe, cuja morte nunca seria expectável naquela menoridade.

É claro que em ambos os casos, está em causa a perda de uma mãe, mas no caso focado no acórdão em referência, a morte da progenitora não se apresenta tão angustiante, como é o caso dos autos.

Por isso, se mantém o valor de € 70.000,00 arbitrado pelo Tribunal a quo.

c) Do Dano moral sofrido pela vítima entre o acidente e a sua morte:

Quanto a este dano o Tribunal a quo fixou um valor de € 20.000,00, sendo que a seguradora entende que bastariam € 10.000,00 uma vez que, entre o acidente e a morte, mediou apenas meia hora e “os elementos probatórios produzidos não permitem concluir que a sinistrada estivesse em sofrimento e agonia durante todo aquele período de tempo.”

Salvo o devido respeito, mas esta argumentação é inaceitável.

Olhando as lesões sofridas pela vítima e o facto desta não ter perdido a sua consciência – veja-se o depoimento da testemunha EE – é do mais elementar senso comum que a vítima sofreu dores inquantificáveis.

Lembremos à recorrente que, em virtude do embate, a vítima ficou, entre muitas outras lesões:
- com a clavícula direita fracturada;
- com praticamente todas as costelas do lado direito fracturadas, fora as do lado esquerdo;
- com os ossos cranianos fracturados;
- com a bacia fracturada;
-  com as 1ª e 2ª vértebras cervicais e as 1ª, 2ª, 3ª e 4ª vértebras lombares fracturadas;
-  com sangue a sair por ambos os orifícios nasais e ambos os canais auditivos;
- o rim esquerdo sofreu perda da sua normal configuração e integridade estrutural apresentando múltiplas lacerações;
- o baço também perdeu a sua integridade estrutural apresentando múltiplas lacerações;
- o fígado também revelava a presença de várias lacerações,
etc. etc. etc.
           
Mesmo que a vítima tivesse apenas sobrevivido uns simples minutos após o embate, não conseguimos sequer imaginar as dores físicas que terá sofrido.

Para não se falar no sofrimento moral que a aproximação da morte, e a consciência que isso traz, que a vítima seguramente sentiu pois, a testemunha EE disse no seu depoimento que a vítima lhe pediu para tomar conta do filho.

Ora só uma pessoa com a consciência de que vai morrer e, em particular, só uma mãe que, na iminência dessa morte ainda pensa no bem-estar do filho, é que pede para tomarem conta do filho após a sua morte.

Por isso, querer arbitrar € 10.000,00 por todo esse sofrimento que é patente, revela-se manifestamente insuficiente para condignamente assegurar um dano que não tem reparação possível.

Aliás, já em 2009, o próprio STJ aceitava fixar uma indemnização no valor de € 20.000,00 pelo sofrimento ocorrido na vítima entre o acidente e o seu falecimento, cfr. Ac. Do STJ de 12-03-2009[13]:

“E, tendo em conta que, como vem provado, do acidente resultaram para a passageira NS os ferimentos descritos no relatório de autópsia, nomeadamente enfarte cerebral consecutivo a dissecação traumática da artéria carótida primitiva esquerda, que lhe causou, directa e necessariamente, a morte, ocorrida no dia 22-02-2005, que a NS sofreu dores físicas imediatamente após o acidente, resultantes dos ferimentos de que foi vítima, que só se extinguiram com a morte, e sofreu a angústia da morte, justifica-se a quantia arbitrada, de € 20 000, pelos danos morais sofridos pela NS em consequência do sofrimento padecido entre o momento do acidente e o seu falecimento.”

E mais recentemente, no Acórdão do STJ de 25-02-2021, proc. 4086/18.3T8FAR.E1.S1 (in www.dgsi.pt).

Sendo de notar que “o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer”. – cfr. Ac. do STJ de 15-04-2009[14]

E, se é certo que, entre o embate e a morte da vítima, terá decorrido pouco tempo, a verdade é que a extensão das lesões sofridas pela vítima, claramente descritas no relatório da autópsia, lesões essas que lhe atingiram particamente todo o corpo e uma série de órgãos, o facto de, apesar de tais lesões, a vítima ainda mantinha consciência, como resultou claramente do depoimento da testemunha EE que, quando tentou socorrer a vítima disse que a mesma estava consciente e que, a última coisa que lhe pediu, foi que tomasse conta do filho dela, não pode haver a mais pálida dúvida que, naquele momento, apercebendo-se da iminência da sua morte ao ponto de pedir que lhe tomassem conta do filho, o dano é irreparável e, por isso, os € 20.000,00 arbitrados até se mostram frugais.

Motivo pelo qual não se altera o valor arbitrado.

d) Do dano da perda do direito à vida.
           
Por fim, entende a seguradora que o valor fixado pelo dano morte também se mostra exagerado, uma vez que o Tribunal a quo arbitrou um valor de € 100.000,00 e a seguradora pretende um valor de € 80.000,00.

Vejamos.

A vítima tinha, ao tempo da sua morte, apenas 23 anos, sendo que a esperança de vida para as mulheres se situa nos 83 anos, ou seja, seria expectável que a vítima vivesse ainda, pelo menos, mais 60 anos.

Por outro lado, a vítima era saudável, era mãe de uma criança de 7 anos, tendo-lhe sido ceifada, não só a sua vida com todos os projectos que a mesma poderia ter, mais a possibilidade de ver o seu menino crescer e até de ter mais filhos.

Ora, na sentença recorrida é citada jurisprudência com a qual se pretende justificar a bondade dos € 100.000,00 arbitrados, sendo que se trata de um valor já fixado nos tribunais superiores, nada havendo de arbitrário ou mesmo exagerado no valor em apreço, atendendo, precisamente aos factores específicos do caso concreto (jovem mãe saudável com longa expectativa de vida).

Quanto à Portaria nº 377/2008 de 26-05, na redacção dada pela Portaria nº 679/2009 de 25-06, citada pela recorrente no seu recurso, com a qual pretende demonstrar que, no caso dos autos, a indemnização fixada pela perda da vida da falecida com a idade da mesma (23 anos) seria de € 68.301,17 temos a referir o seguinte:

Embora existam, tal como a portaria acima citada, instrumentos legislativos vários que visam a disciplina do ressarcimento dos inúmeros tipos de danos que resultam, em especial, de acidentes de viação, afigura-se-nos que os cálculos e tabelas fornecidos por tais instrumentos não devem ser seguidos, tout court e de forma cega pelo juiz sob pena deste se tornar mero executor da vontade das seguradoras.

Ou, como PP afirma com muita pertinência:
«Estas tabelas são apenas orientadoras. Se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o dever de “saltar” para fora dos valores máximos. Não deve ficar “escravo” das tabelas, nunca olvidando o art. 496.º do CC. Caso contrário corre-se o risco de se implantar nas decisões judiciais uma “ditadura das seguradoras”».[15]
 
Conforme se afirma no Ac. do STJ de 18-10-2018 (procº nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1 in www.dgsi.pt):
“I - A jurisprudência emitida pelos nossos tribunais superiores, em sintonia, de resto com o preâmbulo e com o disposto no art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, vem invariavelmente decidindo que: “as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts. 564.º e 566.º, n.º 3, do CC)”.

Não se nos afigura haver qualquer dúvida que a referida tabela, cuja redacção remonta ao longínquo ano de 2009, e até em face dessa desactualização com a realidade actual e a prática dos tribunais, não só não vincula os mesmos, como o valor fixado pelo Tribunal a quo, atendendo às concretas especificidades do caso concreto – jovem de 23 anos, saudável, com uma longa esperança de vida de cerca de 60 anos– se mostra consentâneo com a prática jurisprudencial, revelando-se equilibrada e justa.

Nada há, assim, a apontar aos valores indemnizatórios fixados, improcedendo, assim o recurso da seguradora quanto a esse aspecto.

V) Dos juros:
           
Por fim, pede a seguradora que “os juros sobre todas estas indemnizações (sejam) contados a partir da decisão, que se quer actualizadora, alterando-se também, desta forma, o ponto 6 da parte decisória.”

Recapitulando o ponto 6 da decisão recorrida:
“6. A estes montantes supra referidos acrescem juros legais, desde a notificação e da presente sentença, respectivamente, em relação a danos patrimoniais e não patrimoniais, até efectivo e integral pagamento.”

No caso em apreço, não foram alterados os quantuns indemnizatórios pelo que não se nos afigura necessário alterar o ponto 6.

Aliás, temos dúvida com aquilo que efectivamente pretende a recorrente uma vez que os juros, no que tange aos valores arbitrados a título de danos não patrimoniais, vencem-se sempre a partir da notificação da respectiva decisão judicial que os fixou, ao contrário do que sucede com os valores devido pelos danos patrimoniais, cujos juros se vencem desde a notificação do respectivo devedor.
           
Improcede, assim, in totum o recurso da demandada cível.

Decisão:

Em face do acima exposto decidem os Juízes Desembargadores da Secção Penal da Relação de Guimarães em julgar IMPROCEDENTES os recursos da arguida AA e da demandada cível EMP01... – Companhia de Seguros S.A. e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
             
Custas a cargo da arguida e da demandada cível em 3 (três) UC's cada: (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Guimarães, 24 de Setembro de 2024.

Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Isilda Maria Correia de Pinho (1ª Adjunta)
António Bráulio Alves Martins (2º Adjunto)


[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] In Código de Processo Penal Anotado, Vol. 2, Editora Rei dos Livros, p. 514 e 515.
[3] Acórdão do STJ de 27-04-2017, procº nº 452/15.4JAPDL.L1.S1, in “Diário da República Electrónico”.
[4] Ac. Rel. Évora de 28-05-2013 no procº nº 166/11.4IDFAR.E1 in dgsi.pt.
[5] In www.dgsi.pt.
[6] In “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, reimpressa na Universidade Católica em 2018, página 1144.
[7] Há uma amolgadela que apanha uma parte mais frontal do lado direito, contudo, se olharmos o para-choques que é mais saído a parte arrancada é precisamente a lateral direita e não a frontal, pelo que provavelmente a parte da carrinha que primeiro atingiu a vítima foi o para-choques, atingindo-a nas pernas e com o embate a vítima é colhida pela carrinha, daí a amolgadela. Conforme referiu a testemunha QQ, tivesse a vítima estado mais na faixa de rodagem e os danos na carinha teriam sido mais centrais.
[8] Junto a fls. 242 e ss.
[9] “não se pode excluir a ocorrência de evento vascular transitório, crise epiléptica ou perda de consciência de outra etiologia, nomeadamente cardíaca.”
[10] Consultável em:
http://hdl.handle.net/10400.26/43771
[11] Cfr. artº 3º nº 5 do DL nº 164/99 de 13-05, com a última alteração legislativa dada pelo DL nº 84/2019 de 28-06.
[12] Citado no acórdão do STJ de 10-04-2024, consultável em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/66d0cdc88e112c5b80258afc00485801?OpenDocument
[13] Consultável em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/62e4aaaae8d46a4980257599004a6def
[14] Consultável em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c03e29f0f882edde802575ba0046e50e
[15] Revista Julgar nº 9 de 2009 Avaliação e Reparação do dano patrimonial e não patrimonial, p. 38.