Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA RIBAS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM COMPROPRIEDADE REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/29/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | Tendo o casamento das partes sido celebrado no regime da separação de bens, tendo o imóvel sido adquirido por apenas um dos cônjuges na constância do casamento, a circunstância de o outro cônjuge ter contribuído para o pagamento do empréstimo contraído para a sua aquisição, não o torna comproprietário do imóvel. | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Paula Ribas 1ª Adjunta: Sandra Melo 2ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório (elaborado com base no que foi efetuado na 1.ª Instância): AA intentou a presente ação de divisão de coisa comum contra BB, pedindo que se proceda à divisão em substância da fração autónoma ..., destinada a habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal, sita na Praça ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...6 “U”, freguesia ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº...89 “U”, bem como dos bens móveis que compõem o recheio de tal imóvel. Alega, para o efeito, que, em ../../1982, contraiu casamento com o requerido, sem convenção antenupcial, tendo tal casamento ficado subordinado ao regime imperativo da separação de bens. Não obstante o regime de casamento que vigorava, sustenta a requerente que enquanto casal sempre agiram como casados em regime de comunhão de adquiridos, partilhando os rendimentos e despesas. Deste modo, e porque contribuiu economicamente para a aquisição dos bens cuja partilha pretende nestes autos, entende ser comproprietária dos mesmos. Termina requerendo que seja colocado fim à indivisão. ** Citado, o requerido defendeu que, atento o regime de casamento que vigorava entre ambos, e tendo o imóvel e alguns dos bens móveis sido por si adquiridos, os mesmos pertencem-lhe em exclusividade, sendo o seu único dono, não podendo, como tal, serem objeto de divisão na medida em que não se verifica o pressuposto da compropriedade.Tendo determinado o prosseguimento dos autos quanto aos bens móveis, a Mm.ª Juiz titular do processo absolveu o requerido do pedido, quanto ao bem imóvel, proferindo a seguinte decisão: “A ação especial de divisão de coisa comum destina-se a colocar termo à indivisão de coisa em compropriedade. É pressuposto, e elemento essencial da causa de pedir da ação especial de divisão de coisa comum, a compropriedade sobre um bem, sendo sua finalidade, no caso de divisibilidade material da coisa, a fixação de quinhões e a sua adjudicação aos respetivos interessados, e no caso de indivisibilidade, a adjudicação da coisa a algum dos consortes e preenchimento em dinheiro das quotas dos demais, mediante acordo dos interessados, ou, na falta desse acordo, a sua venda e a distribuição do produto na proporção das quotas dos comproprietários. Quando exista uma situação de compropriedade e os consortes não tenham validamente acordado na indivisibilidade da coisa, assiste, portanto, nos termos do art. 1412º, nº 1 do C.Civil, a qualquer um dos consortes o direito potestativo a requerer a divisão da coisa comum. Essa divisão da coisa comum pode ser feita amigavelmente, ou seja, consensualmente, por acordo dos comproprietários, mediante a observância dos requisitos de forma estabelecidos para a venda onerosa da coisa, ou pode ser realizada judicialmente, nos termos estabelecidos na lei do processo (art. 1413º do C.Civil). Na ação de divisão de coisa comum a causa de pedir é a compropriedade, sendo o pedido a dissolução da mesma compropriedade. Trata-se de processo que, na falta de acordo, permite a qualquer um dos comproprietários exercer o direito potestativo reconhecido pelo art. 1412º, nº1 do C.Civil, segundo o qual nenhum deles é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa. Revertendo ao caso em análise, em ../../1982, Requerente e Requerido contraíram casamento, sem convenção antenupcial, na Câmara Municipal ..., Departamento ..., ..., tendo tal casamento ficado subordinado ao imperativo da separação de bens. Através de escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 1992, no Cartório Notarial de ..., o Requerida comprou a fração autónoma ..., destinada a habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal, sita na Praça ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...6 “U”, freguesia ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº...89 “U”. Esse imóvel encontra-se registado a favor do Requerente, a título de compra, pela Apresentação ... de 09 de Janeiro de 1992. Sendo o regime de bens do casamento das partes o, imperativo e imutável, da separação de bens (arts. 1714º e 1735º, ambos do C.Civil) e não havendo, em tal regime, bens comuns, mas tão só bens próprios e bens em compropriedade, consagra a lei uma presunção de compropriedade nesta matéria quanto aos bens móveis (cfr. nº2 do art. 1736º do C.Civil). Com efeito, no regime da separação de bens, inexiste um património comum do casal, podendo os bens ser próprios de um ou de outro dos cônjuges ou titulados em compropriedade por ambos. Assim, em tal regime, os bens móveis ou são propriedade de um dos cônjuges, cabendo a quem alega a propriedade exclusiva, demonstrar os respetivos factos constitutivos do seu direito, ou são compropriedade de ambos (art. 1403º do C.Civil), efetiva ou, mesmo, presumida (art. 1736º, nº2 do C.Civil). E relativamente a bens imóveis propriedade de um, se o outro ex-cônjuge tiver contribuído para a sua aquisição – como parece ter sido o caso atento e empréstimo bancário contraído para o pagamento da fração autónoma – e pretender exercer o seu direito tem de, na invocação do crédito e no exercício do direito de ação nos termos gerais de direito civil, provar os respetivos factos, em cumprimento dos ónus de alegação e de prova, nos termos do nº1 do art. 342º do C.Civil. E configurando-se enriquecimento de um cônjuge em detrimento do outro, poderá haver recurso às regras gerais, designadamente ao instituto do enriquecimento sem causa, através da competente ação, que não a ação de divisão de coisa comum. Surgindo dúvidas quanto à titularidade de um bem móvel, não se sabendo se ele pertence a um ou a outro dos cônjuges ou aos dois em compropriedade, aplicar-se-á esta última qualificativa, por força do estatuído no nº2 do art. 1736º do C.Civil, presunção esta que não vale para os bens imóveis. No caso, atentos os elementos documentais juntos aos autos, dúvidas não restam de que o imóvel é propriedade exclusiva do Requerido – como, aliás, foi julgado em sede de ação de divórcio – já que a aquisição foi por si realizada e registada a seu favor, não podendo, como tal, e face à não verificação do requisito essencial desta ação – compropriedade do bem – ser objeto de divisão, podendo a Requerida, caso assim o entenda, acionar a competente ação para fazer valer o instituto do enriquecimento sem causa e obter o crédito que, eventualmente, lhe assista. Pelo exposto, e quanto ao bem imóvel - fração autónoma ..., destinada a habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal, sita na Praça ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...6 “U”, freguesia ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº...89 “U” – absolve-se o requerido do pedido de divisão”. É deste despacho que foi interposto recurso pela requerente dos autos, tendo apresentado as seguintes conclusões: (as primeiras reproduzem apenas os elementos dos autos) “3.ª São duas as situações colocadas no despacho quanto à recuperação da contribuição da requerente na aquisição do bem imóvel, a saber: a) Instauração de ação nos termos gerais de direito civil, para recuperação do seu crédito; b) Instauração de ação com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. 4.ª O dito despacho parte do pressuposto de que apenas os bens móveis podem ser objeto de compropriedade [Código Civil, artigo 1736.º]. 5.ª Acórdão do TRP de 15-03-2011, Relator: M. Pinto dos Santos Ramos, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf. “Que o regime da separação de bens é incompatível com a existência de um património comum do casal (e de bens comuns) é inequívoco, conforme decorre do disposto no art. 1735º do CCiv. Mas, como é evidente, não impede que o casal que adotou tal regime de bens (ou em que o seu casamento ficou imperativamente sujeito a este regime) seja comproprietário de bens móveis e/ou imóveis. Para terminar com a indivisão, resultante do regime da compropriedade, os titulares deste direito devem recorrer à ação especial de divisão de coisa comum, como estabelece o nº 1 do art. 142(1)3º do CCiv”. 6.ª “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento” [Código Civil, artigo 474.º]. É a natureza subsidiária da obrigação. 7.ª A ação especial de divisão de coisa comum é a própria para o presente processo, nos termos do disposto no artigo 1413.º, n.º 1, do Código Civil. 8.ª Por razões de economia processual, a recorrente reproduz aqui os factos por ela alegados nos artigos 4.º a 23.º do requerimento inicial. 9.ª Os factos dos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 23.º do requerimento inicial estão provados por documentos autênticos. 10.ª Os restantes factos narrados no requerimento inicial dependerão de prova. 11.º Ficando provados os factos alegados no requerimento inicial, o bem imóvel em causa pertence em compropriedade à requerente e ao requerido. 12.º O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 1413.º, n.º 1 e 1735.º, ambos do Código”. A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão proferida. ** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ** II - Questão a decidir:Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se existe fundamento para alterar a decisão que considerou não estar alegada qualquer situação de compropriedade que pudesse terminar através desta ação de divisão de coisa comum, no que ao imóvel se reporta. ** III – Fundamentação de facto:Têm relevo para esta decisão os seguintes factos, demonstrados documentalmente: 1 – A requerente e o requerido casaram em ../../1982, no regime imperativo da separação de bens, nos termos do art.º 1720.º, n.º 1, alínea a) do C. Civil. 2 – Por escritura pública de 26/02/1992, CC e mulher declarou vender a BB, aqui requerido, representado por DD, que declarou comprar, a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... do lado direito, destinado à habitação, descrita na CRP sob o nº...36... e inscrita na matriz predial sob o art.º ...35.... 3 – Nessa mesma escritura pública, a requerente e o requerido, representados por DD, declararam constituir-se devedores à Banco 1... da quantia de 3.500.000$00 que por esta instituição lhes foi emprestada para a aquisição do imóvel e que se obrigavam a pagar no prazo de 12 anos, nas condições aí estabelecidas. 4 – O casamento da requerente com o requerido foi dissolvido por divórcio, por sentença de ../../2022, transitada em 07/03/2022. 5 – A aquisição referida em 2 foi registada a favor do requerido e da requerente em ../../1992, existindo menção ao seu casamento em comunhão geral de bens, tendo tal registo sido retificado com data de 25/05/2021, ficando a constar apenas a favor do requerido, com a menção do regime de casamento imperativo da separação de bens. IV - Do objeto do recurso: Alega a requerente que o Tribunal a quo considerou indevidamente que não era possível a aquisição do direito de compropriedade em relação a um imóvel, pelo facto de os cônjuges terem sido casados no regime de separação de bens. Não é este o sentido da decisão proferida. O que o Tribunal entendeu foi que, na situação em apreço, não resultava da alegação da requerente a aquisição em compropriedade do referido imóvel, considerando o que foi por esta alegado, conjugado com o que resulta provado por documento (e que supra elencamos, estando também pressuposto na decisão proferida, embora sem que constitua uma fundamentação autónoma da decisão). É muito discutida a natureza jurídica da compropriedade. Como refere Luís A. Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, 2ª edição revista e atualizada, pág. 322, “de acordo com a conceção clássica perfilhada na doutrina portuguesa por Manuel Rodrigues e Mota Pinto, ma compropriedade cada um dos comproprietários é titular de um direito sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa, que constitui o seu objeto. Poderia tentar ver-se uma aplicação desta conceção nas referências que o legislador faz a quotas dos consortes, em vários preceitos, de que se podem destacar, pelo seu carácter mais significativo, o n.º 2 do art.º 1403.º e, em particular, os arts.º 1408.º e 1410.º. A conceção que, com variantes na formulação, se pode considerar dominante na doutrina portuguesa, vê na compropriedade um conjunto de direito, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como seria a quota, nem sequer sobre uma parte da coisa. Sendo estes direitos, como a própria lei diz, qualitativamente iguais, isso implica que eles se autolimitam, pois o exercício de cada um terá de se fazer sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais. Esta tese, perfilhada por Luís Pinto Coelho, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, merece também o nosso apoio (…) Nesta conceção cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora não se refira a parte específica da mesma. Os direitos dos vários consortes são iguais, no que respeita à sua qualidade jurídica, mas podem ser quantitativamente diferentes, como se diz no n.º 2 do art.º 1403.º. O aspeto quantitativo não interfere com a natureza dos poderes que a cada um dos comproprietários cabem, mas projeta-se já em aspetos relevantes do seu exercício. Esta forma de conceber a compropriedade adequa-se perfeitamente ao regime que para o instituto se estabelece no Código Civil. Assim, ela constitui, desde logo, uma tradução adequada do que se estatui no seu art.º1405º, n.º1, Na verdade, sob o ponto de vista qualitativo, o conjunto dos poderes dos comproprietários corresponde aos poderes dos proprietários singulares; mas, na atuação desses poderes interfere o aspeto quantitativo, pelo que os comproprietários só participam nas vantagens da coisa e só suportam os correspondentes encargos na proporção das suas quotas. Por outro lado, uma vez que o direito de cada comproprietário, no aspeto quantitativo, é aferido em função de uma quota abstrata ou ideal, justifica-se o uso que da palavra se faz na linguagem legal e corrente, nomeadamente para identificar a correspondente situação jurídica”. A requerente não contesta que o requerido adquiriu o imóvel, antes pressupõe tal aquisição, pretendendo que se reconheça que também ela o adquiriu, em compropriedade, invocando o ato aquisitivo do ex marido (a compra), o regime de bens (imperativo de separação de bens mas que alega ter sido pretendido como comunhão geral) e o pagamento em conjunto do empréstimo contraído para que se fizesse aquela aquisição. Ora, dos factos provados acima referidos resulta claro que apenas o requerido adquiriu por compra o direito de propriedade do imóvel, direito que se presume ser seu pela circunstância de estar registada a seu favor a respetiva aquisição, nos termos do art.º 7.º do C. Registo Predial. Os factos alegados pela requerente para que o tribunal pudesse afirmar que esta era, juntamente com o ex marido, proprietária do imóvel, em regime de compropriedade, para além dos acima referidos e considerados provados, foram que: - requerente e o requerido quiseram casar no regime supletivo da comunhão de adquiridos (art.º 8.º da petição inicial); - requerente e o requerido sempre agiram como casados em regime de comunhão (art.º 10.º da petição inicial); - sempre agiram como casados em regime da comunhão geral de bens e não somente em regime da comunhão de adquiridos (art.º 11.º da petição inicial); - desde a data do casamento até 2014, a requerente e o requerido viveram em economia comum (art.º 15.º da petição inicial); - a requerente trabalhou em ..., primeiro numa fábrica de conservas, depois como empregada comercial numa loja e finalmente como empregada de limpeza, tendo regressado a Portugal em 2001 (art.º 16.º da petição inicial); - aqui, a requerente continuou a trabalhar como empregada de limpeza, profissão que ainda mantém (art.º 17.º da petição inicial); - o requerido sempre trabalhou em ..., até 2019, como operário da construção civil (art.º 18.º da petição inicial); - até 2014 a requerente e o requerido partilharam as receitas e as despesas do casal (art.º 19.º da petição inicial); - era com os vencimentos de ambos que suportavam os custos com as despesas correntes da vida conjugal, ou seja, pagamentos de renda de casa, água, eletricidade, gás, alimentação, vestuário e outras (art.º 20.º da petição inicial); - foi com os vencimentos de ambos que foram pagos os reembolsos de capital e juros do empréstimo referido para aquisição do imóvel (art.º 22.º da petição inicial). O que o Tribunal a quo afirmou foi que esta realidade, ainda que se pudesse vir a demonstrar, não tornava a requerente comproprietária do imóvel comprado apenas pelo marido, na constância do casamento, atento o regime imperativo da separação de bens. O regime de bens do casamento é o que resulta da lei, pela indicação constante do respetivo assento de casamento, ainda que os nubentes tivessem querido outro regime. Tendo requerente e requerido casado sem precedência do processo de publicações, o regime de separação de bens foi-lhes imposto pela lei, estando subtraído à sua livre disponibilidade estabelecerem o da comunhão. Por outro lado, não sendo colocados em causa os termos da declaração de vontade expressa na compra do imóvel (seja por um erro na declaração, seja por um vício de vontade), como não foram, torna-se claro que a única pessoa que declarou comprar o imóvel e beneficia do respetivo registo de aquisição para afirmar o direito de propriedade sobre o imóvel é o requerido. A circunstância de a requerente ter procedido, com dinheiro que era bem próprio seu (como o seu vencimento), ao pagamento do preço do imóvel (seja em parte, seja na totalidade) não a torna comproprietária do imóvel, conferindo-lhe apenas um direito de crédito sobre o ex cônjuge, na exata medida em que tenha contribuído para que ele adquirisse aquele bem próprio (como se referiu na sentença proferida) – veja-se, no sentido da invocação do regime do enriquecimento sem causa, quando cessa o vínculo do casamento, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/2021, da Juiz Desembargadora Ana Paula Amorim, proc. 6159/19.6T8VNG.P1, in www.dgsi.pt. Resulta, assim, inequívoco que assiste razão ao Tribunal a quo quando afirma que a situação de facto descrita na petição inicial não permite concluir que o imóvel se encontre numa situação de compropriedade e só quando esta exista se pode lançar mão da ação de divisão de coisa comum. Cita-se, em conformidade com o aqui decidido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/09/2015, do Juiz Desembargador Augusto Carvalho, proc. 944/13.0T2AVR.G1, in www.dgsi.pt, que, numa situação muito idêntica à alegada pela requerente em que os ex cônjuges sempre teriam vivido como se estivessem casados no regime de comunhão de bens (e em que o regime de separação de bens havia sido imposto pela lei perante as circunstâncias do casamento), assume com clareza que inexiste direito de compropriedade do cônjuge não adquirente, mas, porque este suportou os custos das benfeitorias realizadas no imóvel, o correspondente direito de crédito invocável nos termos do enriquecimento sem causa, face à dissolução do casamento por divórcio. Note-se que em momento algum foram alegados os factos relativos a uma eventual aquisição pela autora do direito de compropriedade do imóvel por usucapião (forma de aquisição originária do direito de propriedade, diferente daquela que foi aqui invocada e que foi a compra e venda, forma de aquisição derivada daquele direito), limitando-se a mesma a referir aqui a sua aquisição por compra pelo ex marido, o regime de bens do casamento e, como se disse, o pagamento do mútuo contraído para a sua aquisição. Tal reconhecimento - da aquisição do direito de compropriedade por usucapião - sempre seria prévio à propositura da ação visando a sua cessação, por via de uma ação de divisão de coisa comum. Cumpre, assim, julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, no que ao imóvel diz respeito, considerando a aquisição derivada invocada, pois que só nessa parte foi objeto de recurso pela requerente. Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil): Tendo o casamento das partes sido celebrado no regime da separação de bens, tendo o imóvel sido adquirido por apenas um dos cônjuges na constância do casamento, a circunstância de o outro cônjuge ter contribuído para o pagamento do empréstimo contraído para a sua aquisição, não o torna comproprietário do imóvel. ** V – Decisão:Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada, mantendo-se, no que ao imóvel se reporta, objeto deste recurso, a decisão proferida. Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, as do recurso são da responsabilidade da requerente recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Guimarães, 29 de maio de 2024 (elaborado, revisto e assinado eletronicamente) |