Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA NEVES | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM AMPLIAÇÃO DA SERVIDÃO SERVIDÃO LEGAL ÓNUS DA PROVA MENOR PREJUÍZO | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – LAMEGO – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 342.º, 1278.º, 1543.º, 1548.º DO DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I- Embora não expressamente prevista a lei, o proprietário de prédio que não tem comunicação suficiente com a via pública tem a faculdade de exigir a ampliação de uma servidão de passagem que se revele insuficiente para as utilidades a retirar do prédio dominante, nomeadamente por a servidão existente constituída para passagem a pé se ter tornado inútil pela necessidade de se aceder ao prédio dominante por tractor.
II- Tendo esta servidão a pé sido constituída por usucapião, a sua ampliação só pode ocorrer mediante a constituição de uma nova servidão (legal), sujeita aos seguintes requisitos: - necessidade de uma servidão ampliada, ou seja que permita a passagem de tractores, para retirar as normais utilidades do prédio dominante; III- O ónus de prova da existência destes requisitos cabe aquele que se pretende valer da ampliação da servidão (artº 342, nº1 do C.C.). IV- Não se verificando estes requisitos e não sendo sequer alegado o requisito do “menor prejuízo”, deve ser negada a ampliação por via da constituição de uma nova servidão sobre o prédio onde já existia constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Recorrentes: AA (1.º réu), BB (2.ª ré), A... Limitada (3.ª ré), CC (4.º réu) e DD Recorridos: EE e FF Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira Francisco Costeira da Rocha
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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO EE e FF instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA (1.º réu), BB (2.ª ré), A... Limitada (3.ª ré), CC (4.º réu) e DD (5.ª ré), pedindo que lhes seja reconhecido que são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 1.º da petição inicial e que os mesmos não têm comunicação direta com a via pública; que o prédio registado a favor do primeiro e segunda ré, que vem sendo possuído e ocupado pela terceira e quartos réus, inscrito na matriz sob o artigo 534ºB, tem constituída à sua custa, por usucapião e a favor dos prédios dos autores, uma servidão de passagem a pé posto e animais, dia a dia, durante todo o ano e todos os anos, com as características e traçados referidos na petição inicial; que os autores têm necessidade justificada de ampliar a servidão existente para que a mesma passe a deter as seguintes características: servidão de passagem a pé posto, com possibilidade de passagem de carros de tracção animal, tractores e outros veículos automóveis e, na mesma direcção em que se encontra a actualmente existente, isto é, sentido plano, ligeiramente descendente, de norte para sul, partindo do caminho público ou Estrada que liga a localidade de ... ao centro de ..., chegando ao prédio dos Autores, com a largura mínima de 300 cm e uma extensão aproximada de dez metros e meio, isto é, até chegar ao prédio dos Autores e que, consequentemente, se condenem os réus solidariamente a reconhecer a ampliação, condenando-os a permitirem as obras necessárias a tal ampliação, que serão executadas à custa dos autores e mediante indemnização pelos prejuízos sofridos, em montante nunca superior a 2,49 euros por metro quadrado de terreno ocupado. Para tanto, alegam, em súmula, que são os proprietários dos prédios rústicos identificados no artigo 1.º e o 1.º e 2.º réus os proprietários do prédio identificado no artigo 7.º, sendo que os restantes réus terão celebrado contrato de permuta, na sequência do qual têm sido os 3.ª, 4.º e 5.º réus a possuir tal prédio. Mais alegam que os prédios em crise confrontam entre si e que apenas este último confina com a via pública, motivo pelo qual o acesso aos prédios dos autores sempre foi feito à custa do prédio dos réus, através de um caminho com 1,20metros de largura e 10,50 metros de comprimento, em terra batida, calcado, de forma plana, desenvolvendo-se por cerca de dez metros e meio até atingir os referidos prédios dos autores, sendo através do mesmo que os autores realizam o dito acesso há mais de 40 anos, por si e antepossuidores. Alegam, por fim, que atenta a sua idade avançada, é-lhes cada vez mais difícil proceder ao granjeio dos seus prédios, necessitando de aceder aos mesmos com máquinas que os auxiliem, pelo que este acesso deverá ser ampliado para a largura mínima de 300 cm (ampliando-se a existente em cerca de 180cm) e uma extensão aproximada de 10,5 metros. * Regularmente citados, os réus deduziram contestação, na qual excecionam a ilegitimidade dos 3.º, 4.º e 5.º réus, porquanto não são proprietários do prédio onde alegadamente se desenvolve o acesso, e alegam, em súmula, que efetivamente existe a passagem/caminho identificado, mas que não está constituída qualquer servidão de passagem a favor do prédio dos autores, encontrando-se antes constituída uma outra a favor daquele prédio mas que onerará o prédio de terceiros. Mais alegam que os autores passam no caminho que se desenvolve pelo prédio dos réus, mas por tolerância; que detêm um segundo acesso à via pública através de um outro terreno dos próprios autores; que, caso se considere que existe a mencionada servidão, atentas as condições físicas e de trabalho dos autores, não será necessária a requerida ampliação, não tendo sido alegados atos de posse que a fundamentem, e que, além do mais, poderia ter sido resolvida com a aquisição do prédio dos réus que, proposta previamente aos autores, não foi por estes aceite. Os 1.º e 2.º réus deduzem ainda reconvenção, alegando ter sofrido transtornos, insónias e má disposição com a presente ação, peticionando a condenação dos autores reconvindos no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.500,00. * Os autores apresentaram réplica, impugnando os alegados danos e pedindo a improcedência da reconvenção. * Foi designada data para a realização de audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, julgando-se os 3.º, 4.º e 5.º réus parte legítima para a ação, não se admitiu a reconvenção e se procedeu à identificação do objeto do litígio e temas da prova. * Por despacho datado de 09/01/2024, foi determinada a apensação da ação n.º 1169/21.... a estes autos, na qual os aqui AA. peticionavam a condenação dos aqui RR. a reconhecer que são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 1.º da petição inicial; que o prédio do 1.º e 2.ºs réus confronta com o prédio dos autores inscrito na matriz sob o artigo ...35.º-B e que as estremas de ambos os prédios sempre foram, de há seis anos a esta parte perfeitamente visíveis e delimitadas através de dois marcos, um na estrema nascente e outro na estrema poente, ligados por um comoro em linha reta que ligava ambos os marcos e assim delimitava os prédios, respectivamente, a sul e a norte; que se reconheça que os réus, por si ou por terceira pessoa, há cerca de seis anos, arrancaram o marco que se encontrava na estrema poente do prédio dos autores e destruíram parte do cômoro ali existente com cerca de 5 a 6 metros, tendo ocupado uma faixa de terreno com cerca de 150 cm de largura por 500 a 600 cm de comprimento; que se declare que esse arranque e destruição são ilícitos e condene os réus a, solidariamente: reporem o comoro e marco no local onde se encontravam, devolvendo a faixa de terreno livre e desimpedida de pessoas, abstendo-se de voltar a violar o direito dos autores; a pagarem a quantia de € 2.700,00 a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, a fixar em quantitativo não inferior a € 100,00, por cada dia que passe após o trânsito em julgado da sentença, sem que os réus cumpram o ordenado. * Nesta acção, os réus deduziram contestação, na qual excecionam a ilegitimidade dos 3.º, 4.º e 5.º réus, porquanto não são proprietários do prédio em causa, e alegam, em súmula, que a ocupação que fazem do seu terreno corresponde à delimitação indicada pelos anteriores proprietários; que foram os autores quem destruiu os marcos quando saibraram o seu prédio em momento anterior ao saibramento realizado pelos réus, nada tendo feito na parcela de terreno que agora dizem estar a ser ocupada, pelo que os 1.º e 2.º réus concluíram que a parcela em causa lhes pertencia, não sendo sua pretensão apropriar-se da mesma; não procederam ao arranque da oliveira, nem depositaram pedras. Os 1.º e 2.º réus deduziram reconvenção na qual peticionam, para o caso de se considerar que a parcela de terreno alegadamente apropriada é propriedade dos autores, a condenação dos autores no pagamento das despesas realizadas com o saibramento e limpeza da parcela em causa no valor de € 100,00, alegando que foi esse o valor despendido com o trabalho de que beneficiarão os autores caso se considere que a parcela lhes pertence. * Os autores apresentaram réplica, na qual alegam, em súmula, que houve ocupação abusiva da parcela pelos réus, sendo que os trabalhos ali realizados não consubstanciaram um melhoramento da mesma, antes uma sua depreciação, pelo que, concluem, deve improceder o alegado. * Foi proferido despacho saneador, julgando-se os 3.º, 4.º e 5.º réus parte legítima para a ação, se apreciou a validade e regularidade da instância, se admitiu a reconvenção e se procedeu à identificação do objeto do litígio e temas da prova, sem reclamações, designando-se data para a realização da audiência de julgamento. * Pelos autores foi deduzido articulado superveniente, admitido nos termos do despacho datado de 22/02/2024, onde alegam que os réus procederam a obras de surriba e plantação no seu prédio, estreitando a servidão alegada, ao que os réus vieram impugnar a factualidade aduzida. * Realizada audiência final, foi proferida sentença na qual se decidiu: “A. Julgar a ação principal parcialmente procedente e, em consequência: i. reconhecer que os autores, EE e FF, são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados em 1. e 3. dos factos provados [o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...35.º-B, denominado «Vinha da ...», composto por vinha, oliveiras e macieiras, com a área de 1.125m2, que confronta de norte com GG e HH, de sul com EE, de nascente com II e de poente com herdeiros de JJ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59 e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...36.º-B, composto por vinha, oliveiras, árvores de fruto e cultura arvense de regadio, denominado «Vinha da ...», com a área de 2.218m2, que confronta de norte com KK de sul com LL, de nascente com MM e de poente com NN, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42]; ii. reconhecer que os prédios identificados supra em A-i, não têm comunicação direta com a via pública; iii. reconhecer que o prédio identificado em 6. dos factos provados, que vem sendo ocupado pelos 4.º e 5.º réus, tem constituída à sua custa, por usucapião e a favor dos prédios identificados em A-i, uma servidão de passagem a pé posto e animais, dia a dia, durante todo e ano e todos os anos, com as características e traçados descritas em 16. e 17. dos factos provados [até ao ano 1974 e desde tempos imemoriais, através de um caminho edificado na estrema nascente deste prédio e após aquela data, porque foi edificada a estrada municipal ali existente, foi mudado pelos antepossuidores do prédio dos réus, para o local referido em 17.; a partir daquele ano, o acesso aos prédios referidos em 1. e 3. passou a ser feito também à custa do prédio referido em 6., por um caminho denominado «boi à solta» com 1,20 metros de largura e 10,50 metros de comprimento, em terra batida, calcado, de forma plana]. iv. reconhecer a necessidade de ampliação da servidão aludida em A-iii, passando a constituir-se uma servidão de passagem a pé posto, com possibilidade de passagem de carros de tração animal, tratores e outros veículos automóveis e, na mesma direção em que se encontra a atualmente existente, isto é, sentido plano, ligeiramente descendente, de norte para sul, partindo do caminho público ou Estrada que liga a localidade de ... ao centro de ..., chegando ao prédio dos Autores, com a largura mínima de 300 cm e uma extensão aproximada de dez metros e meio, isto é, até chegar ao prédio dos Autores; v. CONDENAR os 1.º, 2.º, 4.º e 5.º réus, AA, BB, CC e DD a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados em A-i e a ampliação referida em A-iv, condenando-os a permitirem as obras necessárias à mesma, que serão executadas à custa dos autores; vi. ABSOLVER a 3.ª ré, A... Limitada, de todos os pedidos formulados na ação principal; vii. ABSOLVER os 1.º, 2.º, 4.º e 5.º réus do demais peticionado pelos autores na ação principal; B. Julgar a ação apensa parcialmente procedente e, consequentemente: i. reconhecer que o prédio identificado em 6. dos factos provados confronta com o prédio identificado em 1. dos factos provados e que as estremas de ambos sempre foram delimitadas de norte a sul, em linha reta, através de dois marcos, um na estrema nascente e outro na estrema poente; ii. ABSOLVER a 3.ª ré de todos os pedidos formulados na ação apensa; iii. ABSOLVER os 1.º, 2.º, 4.º e 5.º réus do demais peticionado pelos autores na ação apensa. C. Julgar a reconvenção deduzida pelos 1.º e 2.º réus na ação apensa improcedente e, consequentemente, absolver os autores do pedido por estes formulado. * - Custas: - da ação principal a cargo dos autores e 1.º, 2.º, 4.º e 5.º réus, na proporção do decaimento, que se fixa em 5% para os autores e 95% para os referidos réus - artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil. - da ação apensa a cargo dos autores e 1.º, 2.º, 4.º e 5.º réus, na proporção do decaimento, que se fixa em 95% para os autores e 5% para os referidos réus - artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil. - da reconvenção deduzida na ação apensa a cargo dos 1.º e 2.º réus - artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
* Não conformada com esta decisão impetraram os 1º, 2º, 4º e 5º RR. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões, apresentadas por requerimento de 06/01/2025, na sequência de despacho proferido em 19/12/2024, de convite ao aperfeiçoamento das conclusões iniciais: “I. A douta sentença de 25-08-2024, que julgou a ação PRINCIPAL totalmente procedente e condenou os aqui RR. Recorrentes nos termos aí constantes, não pode manter-se. II. Esperam, pois, os Recorrentes e assim, com o presente recurso, ver revogada a decisão proferida nos presentes autos, o que, conduzirá, à absolvição do Recorrentes dos pedidos «c)» e «d» processo principal – correspondente ao ponto A – alínea iv e v! = DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS = III. Existe erro notório na apreciação e decisão da prova produzida. IV. É manifesta a desconformidade dos factos dados como provados e não provados, com os meios de prova disponibilizados nos autos. V. O Tribunal recorrido não valorou corretamente a prova produzida, decidindo, de forma desacertada, a matéria de facto, ocorrendo flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão proferida. VI. No FACTO «5» DOS FACTOS PROVADOS, deu como provado, para o que nos interessa, por referência ao dito facto, o seguinte segmento: «como erva, maças, uvas, etc., limpando o mato, estrumando-os, armazenado as alfaias agrícolas e alguns dos produtos no casebre que ali possuem (…).»; VII. Apenas interessa a utilização concreta e atual que é dada ao terreno, nomeadamente com as culturas aí existentes e, as respetivas operações de manutenção [cultivo]. VIII. Dos depoimentos identificados pela Mma. Juíza e das testemunhas dos RR., resulta que a única cultura existente nesses terrenos é tão só de vinha. IX. A definição de vinha, como resulta do senso comum, e do Homem Médio, corresponde a um terreno plantado com videiras. X. Veja-se no dicionário –https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/vinha. XI. Não poderia ser dado como provado que aí se produziam outros frutos que não uvas. XII. Ou, que era limpo o mato, pois só existia vinha! XIII. A definição de mato corresponde a um «terreno inculto, coberto de plantas agrestes» - vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/mato. XIV. Ou, que era utilizado estrume e, eram armazenados produtos no cardenho. XV. Nada disso foi esmiuçado! XVI. Veja-se a este propósito os seguintes depoimentos de OO [Minutos 0:13 e seguintes e 11:41 e seguintes]; PP [minuto 08:49]; QQ [minutos 4:03, 6:17, 23:50 23:54 e 52:00], e EE [minutos 3:05 3:405:55, 10:10 e 50]. XVII. Os meios de prova indicados na fundamentação de facto, demonstram precisamente o contrário daquilo que foi provado! XVIII. Tal entra em confronto com o facto 12, que apenas faz referência à existência de vinha! XIX. Ter-se-á de dar como não provado o segmento acima transcrito, exceto a referência a «uvas, etc.». XX. Nos FACTOS «12 e 13» DOS FACTOS PROVADOS, a Mma. juíza deu como provado, para o que nos interessa, no aludido facto 12., que a vinha era «ladeada por algumas árvores de fruto também ali plantadas». e quanto ao 13. «demais frutos». XXI. Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as considerações tecidas no ponto anterior. XXII. A este propósito deve atender-se aos depoimentos acima transcritos [Facto I], quanto à existência apenas da vinha e, os infra [III e IV] quanto às operações de manutenção da vinha, e às fotos juntas aos autos e do auto de inspeção ao local. XXIII. Ter-se-á, atendendo ao explano supra, de alterar o facto dado como provado, retirando-se os aludidos segmentos, que devem ser dados como não provados! XXIV. Nos FACTOS «18» e «19» DOS FACTOS PROVADOS a Mma. juíza deu como provado, para o que nos interessa, no aludido facto 18 («produtos agrícolas para tratamento da vinha e árvores de fruto como estrumes, pesticidas» e «demais frutos») e, quanto ao 19 («único que possuem» e «lavram, retiram mato, podam as árvores e preparam o terreno para a lavoura do ano seguinte, ininterruptamente».) XXV. A existência do caminho, encerra em si uma conclusão demasiadamente limitativa, pois aquele não é o único caminho de acesso. XXVI. Isso resulta de forma clara do exposto no facto dado como provado sob o n.º 25., aí se esmiuçando a utilização de outra passagem, independentemente do título para a sua utilização, que é irrelevante para a contradição do mesmo com o facto aqui dado como provado. XXVII. A existência desse outro acesso resulta igualmente dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e, que redundaram no facto provado 25. XXVIII. Quanto às culturas existentes no terreno ACTUALMENTE, dão-se por reproduzidas as considerações tecidas supra, ou seja, apenas existia vinha! XXIX. Qual lavoura? Voltando ao dicionário, que deverá ser utilizado por quem desconhece os conceitos de ruralidade, dir-se-á que tal constitui a «preparação da terra para a sementeira» - vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/lavoura. XXX. Resulta do conhecimento do Homem médio, que a vinha corresponde a uma cultura permanente! Ou seja, as videiras não são arrancadas e plantadas todos os anos…… XXXI. Os pesticidas ou estrumes não são produtos agrícolas, vastando olhar para a definição do mesmo no já esmiuçado dicionário - vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/linguaportuguesa/ pesticida. XXXII. Assim como o estrume, que corresponde a uma «mistura fermentada dos dejetos de animais domésticos com a palha e as ramagens que lhes servem de cama, utilizável como adubo orgânico das terras; esterco» - vide https://www.infopedia.pt/dicionarios/linguaportuguesa/ estrumes - que não são para tratar as culturas! XXXIII. Não tem relevância o uso dado aos outros prédios que não a vinha-, porquanto a servidão só é discutida para os prédios identificados na PI! XXXIV. E só as operações da cultura da vinha são essenciais para a definição das necessidades de acessibilidade do prédio. XXXV. E veja-se ainda, a este propósito, os seguintes depoimentos: OO [ minutos 16:54 e 30]; PP: [minutos 06:23, 06:27, 06:31, 07:00, 07:31 e 8:14]; II [minutos 12:40, 13:00, 14:01, 14:08 e 14:29, RR [minutos 28:35, 29:15 e 29:28], e EE [minuto 23:35]. XXXVI. Ter-se-á, atendendo ao explano supra, de dar o como não provado os segmentos do facto 18 e a totalidade do 19. XXXVII. No FACTO «23 e 24» DOS FACTOS PROVADOS), deu-se como provado: «24. Os autores não encontram com facilidade, nos dias de hoje, pessoas que queiram trabalhar na agricultura, de forma manual, cavando, sachando, semeando ou usando motocultivadores manuais durante várias horas seguidas.» e «25. De há uns anos para cá, os autores solicitaram ajuda a terceiras pessoas, que têm prédios que confinam com a estrada e com os seus prédios, mais a sul, que lhes permitiram entrar nos prédios, duas vezes por ano, uma para transportarem adubo ou estrume e outra para retirarem as uvas e frutos.»; XXXVIII. A decisão e fundamentação sobre os mesmos, demonstrou incúria, desinteresse e até pouca razoabilidade! XXXIX. O depoimento da testemunha SS, não detém a relevância e sobretudo a isenção que se exige, pois é filha dos AA. e sua herdeira, sendo beneficiada com o acesso. XL. Assumiu que ajuda os seus pais, que já são reformados, e não necessitam dos proventos retirados do terreno. XLI. Como resulta do art.º 22 dos factos provados, os AA. tinham em Outubro de 2021, 72 anos de idade, sendo que atualmente à data da sentença já terão 75 anos. XLII. A idade da reforma serve para acautelar as situações de eventual debilidade física para o trabalho! XLIII. O argumento de ser difícil é irrelevante para a discussão nos autos! XLIV. Mas, essa dificuldade de realizar o trabalho estende-se à utilização do trator. XLV. Com a dita idade é perigoso conduzir o trator, sobretudo na realização de manobras nos terrenos com declive, como resulta do conhecimento do Homem médio! XLVI. E também seria difícil contratar um tratorista, pois se há falta de mão de obra para utensílios manuais – se aderisse à argumentação – quiçá para aparelhos motores. XLVII. As testemunhas RR e TT, são interessadas, pois têm um terreno nas imediações e utilizam a passagem! XLVIII. RR presta trabalho para os AA, o que é prova vida da inexistência de dificuldades em contratar pessoal. XLIX. A área dos prédios é diminuta, não exigindo a mão-de-obra que se fez crer em audiência. L. Relevante, é o apuramento das operações de manutenção/ cultivo da vinha, que a Mma. Juíza ignorou na sentença e durante a audiência de julgamento. LI. A maioria do trabalho efetuado na vinha é manual, independentemente de haver ou não trator. LII. Já não se cava a vinha, deita-se herbicida, ou usa-se a roçadeira para a erva! LIII. As operações na vinha são feitas à mão, como seja poda, queima de vides, escava de videiras, amarra de vides, amarra de pâmpanos, corte de pâmpanos, aplicação de herbicidas, fungicidas e inseticidas - pulverizar - e vindima. LIV. A pulverização é feita de forma esmiuçada no processo, ou seja, com mangueiras, sendo que antes era com pulverizadores manuais, colocados nas costas dos trabalhadores. LV. A atual forma de pulverização já é moderna! LVI. Nem se compreende para que se alega e faz referência a motocultivadores! LVII. Cavar o quê? Alguém disse que se cavava a vinha? LVIII. Semear o que? As videiras não se semeiam, duram mais de um século e, as existentes foram plantas há menos de uma década. LIX. Quanto a isso vejam-se os seguintes depoimentos: OO [minutos 11:36, 11:55, 16:54, 18:49 e 30]; PP [minutos 06:03, 06:23, 06:27, 06:31, 07:00, 07:31, 8:14, 08:39, 08:56, 09:11, 09:17 e 14:57]; II [minutos 10:15, 11:34, 11:47, 11:52, 13:00, 14:01, 14:08, 14:29 e 14:49]; QQ [minutos 22:06, 50, 53:00, 54:00 e 55:00]; UU [minutos 15:02, 15:14, 30:00, 33:00 e 35:00]; TT [minutos17:59; 19:02, 20:47, 21:13 e 30:00]; RR [minutos 05:50, 06:23, 06:46, 14:23, 15:06, 16:44, 27:21, 29:15, 29:28, 30 , 32 e 34], AA [17:34, 18:31 e 21:47] e EE [05:55, 23:35, 25:28 e 54]. LX. Por tudo isso, devem os aludidos factos ser dados como não provados. LXI. No FACTO «25» DOS FACTOS PROVADOS, foi dado como provado o segmento «duas vezes por ano» e «transportarem adubo ou estrume» e frutos». LXII. Foi valorado o depoimento da testemunha SS, cuja credibilidade se esmiuçou supra. LXIII. Todavia, do seu depoimento não resulta demonstrado que apenas se utilizava o caminho duas vezes por ano, mas sempre que tinham necessidade de lá se deslocarem! LXIV. Quanto aos produtos retirados dão-se reproduzidas as considerações já tecidas. LXV. Dando-se aqui por reproduzido o exposto supra, quanto à espécie de cultura e operações de manutenção da vinha. LXVI. Veja-se a este propósito todos os depoimentos transcritos supra e infra, com relevância para o presente ponto, que se dão aqui integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. LXVII. Quanto a isso vejam-se os seguintes depoimentos: AA [minuto18:31] e II [minuto 12:34]. LXVIII. Assim sendo, deve o facto provado ser alterado e, em consequência dado como não provado o segmento relativo a duas vezes por ano, alterando-se a sua conformação no sentido de ái expor que era sempre que os AA. precisassem. LXIX. Quanto ao FACTO «26» DOS FACTOS PROVADOS, em nenhum momento, foi possível apurar, que a passagem era momentânea! LXX. Não foram ouvidos os proprietários do suposto terreno onde passam! LXXI. A fundamentação desse facto, nos termos aí exposto deriva segundo a Mma. Juíza da contestação, dos depoimentos de parte, das declarações e das testemunhas! LXXII. Todavia, não se deslumbra do depoimento dos mesmos nade nesse sentido. LXXIII. Veja-se a este propósito os depoimentos acima transcritos, quanto ao dito caminho, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais daí advenientes. LXXIV. Nesse contexto, deve o facto provado ser alterado, dando o mesmo como não provado. LXXV. Quanto ao FACTO «27.» DOS FACTOS PROVADOS), a Mma. Juiz bastou-se com a alegação dos AA. em sede de PI. LXXVI. O tribunal bastou-se com o depoimento da testemunha QQ. LXXVII. Mas, nada resulta nesse sentido, desse depoimento ou de outros. LXXVIII. Muito menos se apresenta qualquer justificação para a necessidade dos aludidos metros. LXXIX. Veja-se a este propósito, o depoimento que na douta sentença serviu de base à fundamentação da decisão do facto - QQ - quanto ao acesso ao prédio, quer o existente, quer quanto ao alargamento [minutos 04:22, 13:18, 13:33, 14:14, 14:41 e 54]. LXXX. Reitere-se, em nenhum depoimento da dita testemunha, ou da demais prova produzida, resulta qualquer alusão à largura necessária da passagem. LXXXI. Apenas se refere a necessidade de passar um trator, cuja bitola (largura) poderá ter o mínimo de 2 metros….. LXXXII. Não foi provada a necessidade da largura peticionada. LXXXIII. O dito facto é meramente conclusivo, assim como a fundamentação para a sua comprovação. LXXXIV. Assim, deve ser o facto ser dado como não provado. LXXXV. Quanto ao FACTO «34.» DOS FACTOS PROVADOS, não se compreende que o dito facto tenha sio dado como provado, pois em audiência de julgamento demostrou-se que os AA. continuaram a fazer a sua vida normal. LXXXVI. Inclusive tratar dos prédios para os quais se peticiona a ampliação da servidão! LXXXVII. A testemunha QQ, após inquirida pela Mma. Juiz acabou por admitir isso mesmo. LXXXVIII. Veja-se a este propósito os seguintes depoimentos: QQ [minutos 54 e seguintes] e EE [minuto 44 e seguintes]. LXXXIX. Não sendo suficiente o depoimento conclusivo do A., e muito menos da sua descendente que na falta de suporte de outros meios de prova, terá de decair. XC. Nesse sentido, deve o facto ser dado como não provado. XCI. Quanto ao FACTO NÃO PROVADO i), ao contrário do exposto na douta fundamentação, ficou demonstrado através do depoimento da testemunha OO, a existência do aludido acesso alternativo. XCII. Veja-se os seguintes depoimentos: OO [minuto 09:16], UU [minuto 21:05] e TT [minutos 32 e 35]. XCIII. Logo, o facto deve ser dado como provado. XCIV. Independentemente da alteração da matéria de facto pretendida nesta sede, os factos dados como provados não permitem extrair a conclusão jurídica da constituição – alargamento - de uma servidão de passagem. XCV. Acresce que, a matéria de facto agora impugnada, cuja alteração se pretende, consolida a posição do Recorrente quanto à impossibilidade desse decretamento. XCVI. Logo, deve o pedido - pedidos c) e d) da ação principal) de alargamento da servidão ser julgado improcedente (ponto A., alínea iv) e v) da decisão). = ERRO DE JULGAMENTO E, OU NULIDADES DA SENTENÇA = A) Contradição entre a fundamentação e a decisão e, decisão ininteligível [art.º 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC], pronúncia sobre questões vedadas ao conhecimento [art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC] e decisão XCVII. A sentença recorrida, na sua fundamentação de direito, bastou-se com o enquadramento jurídico relativo à constituição de uma nova servidão. XCVIII. Analisando aí os critérios para a sua constituição, que considerou estarem verificados. XCIX. O Tribunal considerou que o prédio era encravado e, por isso havia a necessidade de constituir uma nova servidão – uma servidão legal! C. Na douta sentença justifica-se a existência de uma nova servidão – distinta da constituída por usucapião -, mas a final decide-se pela ampliação da constituída por usucapião! CI. Que dizer? Tal não corresponde a uma contradição? CII. Na douta sentença a Mma Juiz conclui: «considera-se que não está em causa a extensão da servidão» e «o que está em causa é a constituição de uma nova servidão». CIII. Ainda na aludida fundamentação, a final, reconhece-se essa ampliação por referência à servidão constituída por usucapião. CIV. Apenas foi peticionado o alargamento da servidão constituída por usucapião. CV. E não a constituição de uma nova servidão com 3 metros de largura. CVI. O decretamento dessa nova servidão constituiria uma violação do princípio do pedido, constante do art.º 3.º, n.º 1 do CPC. CVII. Ao ser pedida uma realidade jurídica e fundamentar-se com outra realidade jurídica distinta viola-se esse mesmo princípio. CVIII. Que está intrinsecamente ligado ao princípio do contraditório. CIX. A pronúncia sob uma realidade distinta, sem contraditório, aleada à violação dos ditos princípios, constitui a douta sentença como uma decisão surpresa. CX. Redundando também isso na pronúncia de questões pelo tribunal, que não foram solicitadas e, cujo seu conhecimento estava vedado! CXI. A decisão não fixa como é processado o alargamento, pois como resulta dos documentos juntos e do auto de deslocação ao local, a dita servidão divide o prédio dos RR. em duas parcelas. CXII. Sendo que, junto a essa passagem, numa dessas parcelas – que confronta contiguamente com o terreno dos RR. encontra-se um muro visivelmente delineado. CXIII. Já a outra parcela não detém qualquer muro a delinear, mas contém um poço. CXIV. Tal resulta do depoimento da testemunha PP [minuto 05:00]. CXV. Assim sendo, a douta sentença devia ter fixado através de qual das parcelas deveria deve ser feito o alargamento! CXVI. Pelo que, também por isso a decisão é ininteligível! CXVII. Contradições insanáveis, violações insupríveis e obscuridades, que constituem uma nulidade da sentença, que desde já se invoca para todos os efeitos legais daí advenientes, ao abrigo dos art.º 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do CPC, ou pelo menos um erro de julgamento. CXVIII. Sendo que a sua verificação terá de redundar na absolvição do pedido – pedidos c) e d) da ação principal - de alargamento da servidão (ponto A., alínea iv) e v) da decisão). B – Erro de julgamento CXIX. A Mma. Juíza invoca a norma jurídica relevante para a discussão em apreço, isto é, o art.º 1550.º do CC, relativo à constituição das servidões. CXX. Mas, a interpretação e subsunção dos factos na norma está incorretamente efetuado. CXXI. O direito de constituir uma servidão de passagem resulta da necessidade do desencravamento de um prédio! CXXII. Esse encrave por ser absoluto – total ausência de comunicação com a via pública -, ou relativo – comunicação insuficiente. CXXIII. Tendo a Mma. Juiz considerado, no caso em apreço, haver uma comunicação insuficiente! CXXIV. Ora, para o aferimento dessa insuficiência ter-se-ão de apurar as normais necessidades do prédio, tomando em consideração a sua afetação – exploração – atribuída à data. CXXV. Se a servidão permite a NORMAL UTILIZAÇÃO DA EXPLORAÇÃO! CXXVI. Não está em causa a maior, ou menor comodidade! CXXVII. Muito menos se tem mais, ou menos valor com o acesso, CXXVIII. Todavia, os AA. deram relevância ao valor do prédio. CXXIX. Veja-se os depoimentos de RR [minutos 17:31 e 17:59] e QQ [minuto 21:1] CXXX. Se a mesma – servidão por usucapião, que não é objeto de recurso - é mais ou menos custosa, física ou monetariamente. CXXXI. Se os seus proprietários são idosos, ou jovens! CXXXII. E também por isso inexiste na fundamentação da douta sentença qualquer alusão ao sacrifício do prédio subserviente. CXXXIII. A dita nova servidão, ou alargamento, REPRESENTAM UM AGRAVAMENTO DO ENCARGO SOBRE O PRÉDIO SERVIENTE! CXXXIV. Mas, a pergunta que se impõe é se o acesso – servidão de passagem – constituído através da usucapião – que não é objeto de recurso - impede a normal exploração da vinha? CXXXV. Salvo o devido respeito, a resposta só pode ser negativa. CXXXVI. Dos depoimentos acima identificados e transcritos, resulta de forma clara e cristalina que o prédio dos AA. se encontra bem tratado/explorado. CXXXVII. Isto é, produz de forma satisfatória os frutos que lhe são adstritos, as famigeradas uvas! CXXXVIII. Acresce que, dos ditos depoimentos ficou claro, que todas operações de manutenção da vinha podem ser feitas manualmente! CXXXIX. Grande parte delas até só podem ser feitas dessa forma! CXL. Mas, a Mma. Juiz ignorou essa factualidade, não a tendo sequer trazido à colação na douta sentença! CXLI. A Mma. Juiz bastou-se com a justificação de a exploração ser melhor realizada com o trator. CXLII. E que os AA., por serem idosos não podiam trabalhar manualmente, e tinham dificuldades em contratar terceiros. CXLIII. E nem isso corresponde a verdade, pois os AA. estão de boa saúde e continuam a tratar diversos terrenos…….. CXLIV. E trabalhadores sempre existiram como é o caso da testemunha RR dos AA. CXLV. Além disso, existem os diversos imigrantes que têm chegado a Portugal! CXLVI. E atualmente, já os AA. realizam a pulverização com o trator. CXLVII. Que fica alocado a escassos metros do terreno, ou seja, os ditos 10 metros! CXLVIII. O trator, reitere-se não realiza todas, nem sequer a maioria das operações na vinha! CXLIX. Não sendo necessário lavrar a vinha, pulverizar com o trator, ou cortar a erva! CL. A situação atual – servidão por usucapião, que não é objeto de recurso - , já permite a utilização normal do prédio. CLI. Cabia aos AA. demonstrar que aquele era o único local suscetível de se constituir uma servidão, o que também não ficou demonstrado. CLII. Pois, é utilizada uma outra passagem – que se deu como provada - , e existe ainda uma outra identificada e que corresponde ao facto não provado i) que dever ser considerado provado. CLIII. Demostrando-se que essa nova servidão, que já não é por usucapião, podia ser assim constituída e onerar os prédios que não os dos RR. CLIV. Mas, o alargamento também invocado, ainda que de forma meramente enunciativa na fundamentação, apesar de afinal ser essa a decisão, não tem aplicabilidade! CLV. O alargamento das servidões prediais, apenas é aplicável as legais e, não às constituídas por usucapião, como é o caso da servidão identificada no ponto A. – iii) da decisão. CLVI. Para que houvesse alargamento – modificação - dessa servidão sempre ter-se-iam de verificar os requisitos da usucapião quanto a essa nova servidão modificada. CLVII. Sempre teria o acesso – servidão -, à data da propositura da ação, de ter há mais de 20 anos as dimensões agora decretadas! CLVIII. Mas, os caracteres da posse não foram alegados, nem provados, quanto a esse suposto «alargamento». CLIX. Na fundamentação do «alargamento» não se abordou a servidão constituída por usucapião, mas os critérios da servidão legal! CLX. Acresce que, a entender-se que esse alargamento, sempre seria uma nova servidão, ter-se-iam de verificar os requisitos acima esmiuçados, que como vimos não se mostram cumpridos! CLXI. Isto é, o prédio não se encontra encravado! CLXII. O alargamento não é juridicamente possível, porquanto a servidão primitiva foi constituída por usucapião, estando tal mecanismo vedado. CLXIII. Esse alargamento sempre teria de deter um título idêntico, ou seja, a posse originadora da usucapião. CLXIV. Que inexiste, conforme se aflorou! CLXV. Ora, partindo-se para a servidão legal entendemos, que não estão verificados os requisitos do art.º 1550.º do C. CLXVI. NÃO EXISTE ENCRAVAMENTO! CLXVII. Além de que, essa constituição ex novo, não foi alegada em sede de petição inicial, pelo que não poderia o Tribunal lançar mão da mesma. CLXVIII. Ou seja, não foram alegados os requisitos necessários e suficientes para a conformação e preenchimento dos pressupostos da constituição de uma servidão legal. CLXIX. Em suma, a Mma. juiz, mistura os conceitos de alargamento e constituição ex novo, levando a final ao decremento de um alargamento, com fundamento numa constituição ex novo. CLXX. Existe um gritante e flagrante erro de julgamento, que urge repor, considerando não se verificarem os requisitos quer para o alargamento - independentemente da tese – ou da constituição de uma servidão legal – ex novo, ou do dito alargamento da servidão. CLXXI. DEVERÁ ABSOLVER-SE OS RECORRENTE DOS PEDIDOS «C» E «D» DA ACÇÃO PRINCIPAL, CORRESPONDENTES À DECISÃO SOB O PONTO A., ALÍNEAS IV) E V). TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA, ABSOLVENDO-SE OS RECORRENTES DOS PEDIDOS «C» E «D» DA ACÇÃO PRINCIPAL, CORRESPONDENTES À DECISÃO SOB O PONTO A., ALÍNEAS IV) E V). Assim se fará, inteira, J U S T I Ç A!”
* Os AA. vieram interpor contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Em relação à apresentação do requerimento de 06/01/2025, vieram alegar que as conclusões apresentadas pelos RR., não cumprem o despacho que foi proferido e não se mostram condensadas, pelo que deve o recurso ser julgado já improcedente.
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QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Efectuada esta delimitação prévia, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar: a) Se pelos recorrentes foi cumprido o ónus imposto pelo artº 639, nº3, do C.P.C.; b) Se existe nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, por excesso de pronúncia e por violação do princípio do contraditório; c) se deve ser alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido; d) se é admissível a ampliação de uma servidão já existente, constituída por usucapião, mediante a constituição de uma nova servidão legal e se, em caso positivo, se verificam os respectivos requisitos. *
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir. *
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO “1. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...35.º-B, o prédio rústico denominado «Vinha da ...», composto por vinha, oliveiras e macieiras, com a área de 1.125m2, que confronta de norte com GG e HH, de sul com EE, de nascente com II e de poente com herdeiros de JJ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59. 2. Pela ap. ...22 de 2014/01/10, o prédio identificado em 1. encontra-se inscrito a favor dos autores, sendo a causa de aquisição doação. 3. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...36.º-B, o prédio rústico, composto por vinha, oliveiras, árvores de fruto e cultura arvense de regadio, denominado «Vinha da ...», com a área de 2.218m2, que confronta de norte com KK de sul com LL, de nascente com MM e de poente com NN, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42. 4. Pela ap. ... de 2000/05/26, o prédio identificado em 3. encontra-se inscrito a favor dos autores, sendo a causa de aquisição compra. 5. Os autores, por si e seus antecessores, vêm cultivando os prédios identificados em 1. e 3., colhendo tudo o que produzem, como erva, maças, uvas, etc., limpando o mato, estrumando-os, armazenando as alfaias agrícolas e alguns dos produtos no casebre que ali possuem, há mais de 20, 30 e 40 anos, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção, de forma contínua e permanente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesarem o de outros. 6. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...34.º-B, o prédio rústico denominado «...», composto por cultura arvense de sequeiro e cerejeiras, com a área de 1.687m2, a confrontar do norte e poente com VV, de nascente com WW e de sul com XX, com o valor patrimonial atribuído no ano de 1989 de € 52,95, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98. 7. Pela ap. ...40 de 2016/02/04, o prédio identificado em 6. encontra-se inscrito a favor dos 1.º e 2.º réus, sendo a causa de aquisição compra. 8. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...65.º-A, o prédio rústico, denominado «Quinta ...», composto por cultura arvense de regadio e sequeiro, árvores de fruto, vinha, mato, oliveiras e pinhal, com a área de 59.024 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24. 9. Através da ap. ...55 de 2021/04/06 encontra-se atualizada a aquisição do prédio identificado em 7. (ap. ...93 de 2009/05/25) a favor da 3.ª ré. 10. Os 4.º e 5.º réus exercem as funções de gerência da 3.ª ré. 11. Os 4.º e 5.º réus têm utilizado o prédio identificado em 6. e os 1.º e 2.º réus um outro prédio destes réus aproveitando a divisão natural de parte deste último pela estrada municipal (uma parcela de terreno sita a nascente da estrada, estando toda a restante a norte e poente dessa mesma estrada) e, ainda, a confinância dessa mesma parcela com um outro prédio do 1.º e 2.º réus e da confinância entre o prédio identificado em 6. e a restante parte da quinta da 3.ª ré. 12. Os prédios identificados em 1. e 3., são contíguos entre si e são tratados como se de um único prédio se tratasse, tendo ali plantada uma vinha em toda a extensão, denominada vinha da ..., ladeada por algumas árvores de fruto também ali plantadas. 13. O prédio identificado em 3. confronta com o prédio identificado em 1. e este, por sua vez, confronta com o prédio identificado em 6.. 14. O prédio referido em 6. situa-se situa junto à estrada alcatroada/estrada municipal CM1078, que liga as povoações de ... ao centro de ..., seguindo o sentido ascendente e de norte para sul. 15. Os prédios referidos em 1. e 3. não possuem acesso direto ao caminho público. 16. O acesso aos prédios referidos em 1. e 3. sempre foi feito à custa do prédio referido em 6., até ao ano 1974 e desde tempos imemoriais, através de um caminho edificado na estrema nascente deste prédio e após aquela data, porque foi edificada a estrada municipal ali existente, foi mudado pelos antepossuidores do prédio dos réus, para o local referido em 17.. 17. A partir daquele ano, o acesso aos prédios referidos em 1. e 3. passou a ser feito também à custa do prédio referido em 6., por um caminho denominado «boi à solta» com 1,20 metros de largura e 10,50 metros de comprimento, em terra batida, calcado, de forma plana. 18. O caminho referido em 17. é usado para a passagem dos autores, das pessoas que para eles trabalham ou os visitam, a pé ou com um pequeno motocultivador ou carreta de mão, para transportar os produtos agrícolas para tratamento da vinha e árvores de fruto como estrumes, pesticidas, para se laborar na referida vinha nos vários trabalhos necessários ao longo do ano e, após, para trazer as uvas e demais frutos dos prédios identificados em 1. e 3. até à estrada. 19. É através deste caminho (17.), único que possuem, que, ano após ano, colheita após colheita, os autores lavram, retiram mato, podam as árvores e preparam o terreno para a lavoura do ano seguinte, ininterruptamente. 20. Os autores, há mais 40 anos, têm utilizado o dito caminho nos termos referidos em 17., 18. e 19., com animais à rédea, com carros de mão e recentemente com motocultivadores, à vista de toda a gente, designadamente, dos réus, de forma continuada e ininterrupta, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de exercerem um direito próprio e não lesarem o de outrem, o que já antes era feito pelos seus antepossuidores e desde tempos imemoriais embora, antes de 1974, se desenvolvesse na estrema nascente do prédio a cerca de 10 metros no local onde hoje se desenvolve. 21. O leito do caminho referido em 17. não é cultivado, nem possui árvores ou outras plantas. 22. O autor nasceu a ../../1949 e a autora a 27/12/1948, contando ambos, em outubro de 2021, com 72 anos de idade. 23. Em virtude do referido em 22., é cada vez mais difícil aos autores proceder ao granjeio da vinha sem serem auxiliados por tratores, porquanto não têm força para transportarem carretas e motocultivadores e procederem ao granjeio da mesma de forma manual. 24. Os autores não encontram com facilidade, nos dias de hoje, pessoas que queiram trabalhar na agricultura, de forma manual, cavando, sachando, semeando ou usando motocultivadores manuais durante várias horas seguidas. 25. De há uns anos para cá, os autores solicitaram ajuda a terceiras pessoas, que têm prédios que confinam com a estrada e com os seus prédios, mais a sul, que lhes permitiram entrar nos prédios, duas vezes por ano, uma para transportarem adubo ou estrume e outra para retirarem as uvas e frutos. 26. As pessoas referidas em 25. logo foram adiantando que era uma situação momentânea. 27. Para a passagem de carros de tração animal, tratores e outros veículos automóveis o caminho referido em 17. necessita da largura mínima de 3 metros. 28. A confrontação e divisão entre os prédios identificados em 1. e 6. sempre foi efetuada com início na estrema norte do primeiro, em linha reta em toda e extensão do prédio, sendo delimitada por marcos nas suas estremas. 29. Junto à delimitação referida em 28., os autores têm plantado um bardo de videiras. 30. A delimitação sempre foi respeitada pelos autores e antepossuidores e ainda pelo 1.º e 2.º réus e seus antepossuidores. 31. Há cerca de 5 ou 6 anos, o 4.º réu começou a realizar trabalhos de saibramento no prédio identificado em 6., munindo-se de uma máquina giratória. 32. O 4.º réu colocou arames e uma placa de madeira. 33. Apesar de instado a repor o cômoro e o marco delimitador, o 4.º réu vem-se recusando fazê-lo. 34. Em virtude do aludido em 31. a 33. os autores têm andado tristes e o autor sem repousar. 35. Os autores saibraram o prédio contíguo ao dos 1.º e 2.º réus antes do saibramento e plantação das oliveiras pelos mesmos. 36. Quando realizaram esse saibramento, os autores nada fizeram numa parcela de terreno com cerca de 1,50 metros de largura e 6 metros de comprimento. 37. Em virtude do referido em 36., os 1.º e 2.º réus, quando procederam ao saibramento do seu prédio, fizeram-no também na dita parcela, que estava abandonada e correspondia a um amontoado de pedras e mato. * - Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, tais como: a) Para além dos atos referidos em 5., que os autores ali apascentam gado e pagam os respetivos impostos ao Estado. b) Os 1.º e 2.º réus celebraram um contrato de permuta que incide sobre o prédio identificado em 6. com a 3.º ré, aproveitando a divisão natural de parte deste último prédio pela estrada municipal (uma parcela de terreno sita a nascente da estrada, estando toda a restante a norte e poente dessa mesma estrada) e, ainda, a confinância dessa mesma parcela com um outro prédio do 1.º e 2.º réus e da confinância entre o prédio identificado em 6. e a restante parte da quinta da 3.ª ré. c) O aludido em b) e 11. teve por finalidade a transmissão, respetiva e reciprocamente, da propriedade do prédio e a parcela permutada e após a anexação aos demais prédios já propriedade de uns e outros, respetivamente, assim terminando com aquela separação física. d) Que o acesso referido em 16. foi mudado por acordo entre os autores e antepossuidores do prédio dos réus, para o local referido em 17.. e) Os autores já caíram enquanto tentavam aceder e regressar do seu prédio, ao percorrerem o caminho referido em 17.. f) As pessoas referidas em 25. já comunicaram aos autores que não mais permitem essa passagem no final da presente vindima. g) Os réus procederam a obras de surriba e plantação no seu prédio, estreitando o caminho referido em 17.. h) Os 1.º e 2.º réus toleram a passagem dos autores no caminho referido em 17., nos últimos tempos, porque estes são tios do 1.º réu. i) Existe um segundo acesso à via pública, através de um terreno dos autores, que lhes permite o acesso aos seus prédios referidos em 1. e 3.. j) A confrontação e divisão entre os prédios identificados em 1. e 6. sempre foi efetuada, para além dos termos referidos em 28., por um pequeno muro ou cômoro com cerca de 1 metro de altura. k) Na estrema poente, na parte em que o prédio aludido em 1. confronta igualmente com o prédio identificado em 8., os autores tinham aí plantada uma oliveira junto ao marco divisório. l) O 4.º réu realizou o saibramento por intermédio dos 1.º e 2.º réus e a pedido dos mesmos. m) Para proceder aos trabalhos de saibramento, o 4.º réu arrancou o marco divisório que se encontrava a dividir os prédios referidos e a oliveira que os autores tinham plantado há mais de 10 anos junto ao marco existente a poente do prédio identificado em 1., na confrontação norte - sul entre este e o referido em 6.. n) O 4.º réu destruiu ainda o cômoro ao longo de cerca de 5 a 6 metros de comprimento, atento o sentido nascente - poente. o) O 4.º réu depositou as pedras que retirou do cômoro diretamente no prédio identificado em 1.. p) O 4.º réu tem procedido ao granjeio de uma parcela do prédio identificado em 1., existente na sua estrema poente e com cerca de 1,50 metros de largura e 6 metros de comprimento. q) Em virtude do aludido em 31. a 33. e l) a p) os autores têm andado preocupados, desesperados não se alimentam convenientemente, passando os dias ansiosos, vendo-se compelidos a assistência médica, por vezes até de urgência no Hospital. r) Durante o saibramento referido em 35., foram os autores quem destruiu os marcos existentes no local. s) Os réus procederam ao saibramento referido em 37., sem que, na data, os autores se opusessem. t) Os 1.º e 2.º réus despenderam com o saibramento da parcela a quantia de € 100,00, para o qual foram necessárias 2 horas de trabalho da máquina giratória, com um custo de € 80,00 euros, e 4 horas de trabalho de um homem à jorna, num total de € 20,00 euros.”
*** FUNDAMENTAÇÃO Vieram os AA. apelados, requerer que o recurso seja julgado de imediato improcedente, com fundamento no incumprimento do dever de sintetizar as suas conclusões, nos termos previstos no despacho proferido em 19/12/2024.Cumpre decidir desta questão prévia ao conhecimento do objecto do recurso. I-Se pelos recorrentes foi cumprido o ónus imposto pelo artº 639, nº3 do C.P.C.; Conforme já referido no despacho que ordenou a notificação dos recorrentes para sintetizarem as suas conclusões, o artº 639, nº1 do C.P.C. impõe aos recorrentes um duplo ónus: o de alegar e o de formular conclusões. A omissão – absoluta – da falta de conclusões é sancionada com o indeferimento in limine do requerimento de interposição do recurso (art.º 641.º, n.º 2, b), in fine, do CPC). Já as conclusões prolixas, confusas, ou que não contenham os elementos referidos no nº 2 do artº 639 do C.P.C., devem ser objecto de despacho de aperfeiçoamento. Nesse caso, devem os recorrentes, apresentar conclusões aperfeiçoadas, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do objecto do recurso. Ora, o recorrente cumpriu, de forma deficiente é certo, o despacho proferido, eliminando das suas conclusões referências doutrinais, reduzindo ainda cerca de 15% da sua extensão. Continuam a ser conclusões prolixas, sem que as questões colocadas o exigissem. No entanto, conforme referimos já em Ac. proferido neste Tribunal no proc. nº 371/21.5T8TND.C1 (relator Henrique Antunes) “ Apesar de as conclusões formuladas pelo apelante não constituírem um exemplo onde se deva por os olhos, os vícios patenteados pelas conclusões com que era suposto condensar ou resumir os fundamentos do recurso são, no caso, processualmente inconsequentes, dado, por um lado que permitiram à apelada, ainda que com um esforço acrescido a actuação do seu direito de contradição e permitem a esta Relação o conhecimento, consciencioso, dos múltiplos objectos do recurso”, pelo que, nessa medida, cumprem minimamente o despacho elaborado em 19/12/2024 e permitem aos recorridos a apreciação das questões colocadas pelos recorrentes. Nestes termos, não existem razões para a sanção prevista na parte final do nº3 do artº 639 do C.P.C. Conforme defendido no Ac. do S.T.J. de 18/02/2021[3] “o não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo.”, devendo ser priveligiados “valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal”. Impõe-se assim, o conhecimento do objecto deste recurso. * II- Da existência de nulidades da sentença, previstas no artº 615, nº1, do C.P.C.Admitidas as conclusões aperfeiçoadas, vieram os recorrentes alegar a nulidade da sentença recorrida alegando contradição entre os fundamentos e a decisão, ininteligibilidade, excesso de pronúncia e por violação do princípio do contraditório, nulidades que enquadram no âmbito do artº 615, nº1, do C.P.C. a) da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e por ininteligibilidade. Constitui entendimento pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do CPC (correspondente ao artº. 668º, nº. 1, al. c) anterior à reforma introduzida pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) verifica-se quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente[4] sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, nem a sentença proferida pode ser ambígua ou obscura, no sentido de que se “preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.»[5]. Trata-se da consagração do princípio constitucional que visa assegurar a tutela jurisdicional efectiva, e que encontra consagração no nosso direito processual civil nas garantias concedidas às partes, nomeadamente por via do disposto nos artºs 2, 3 e 154 do C.P.C. Analisado o teor da sentença recorrida não se verifica a apontada contradição, ao reconhecer aos AA. o direito à ampliação da servidão de passagem por estes requerida, com fundamento na necessidade de cultivo e tratamento de vinha que têm implantada no seu terreno. Não é correcto afirmar que na “douta sentença justifica-se a existência de uma nova servidão – distinta da constituída por usucapião - , mas a final decide-se pela ampliação da constituída por usucapião!”, daqui decorrendo ambiguidade e contradição. O que a decisão recorrida consignou é que não estando legalmente previsto o alargamento de servidões de passagem, casos há em que se justifica a ampliação, mediante a constituição de uma nova servidão, que permita o acesso de veículos a este prédio, sendo até então permitido o acesso a pé e com maquinaria portátil. A justificação mostra-se devidamente explanada na decisão recorrida, tendo esta considerado que “perscrutando o regime jurídico das servidões, vemos que o Código Civil não prevê, especificamente, a ampliação da servidão. O diploma legal prevê a mudança de servidão no artigo 1568.º, a qual pressupõe que haja uma efetiva alteração da sua localização («mudança para sítio diferente do primitivamente assinalado, ou para outro prédio»), o que, a nosso ver, não é o caso. Além disso, regula o modo de exercício das servidões e a sua extensão, referindo, a este propósito, que o direito de servidão compreende tudo o que for necessário para o seu uso e conservação, sendo que, em caso de dúvida, entender-se-á que a servidão está constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e com o menor prejuízo para o prédio serviente (artigos 1564.º e 1565.º). Ora, feita uma análise pela jurisprudência que se debruça sobre casos semelhantes, temos que o aumento ou ampliação de uma servidão de passagem pode ser enquadrado no âmbito da extensão da servidão e consequente mudança da mesma, sendo os seus requisitos os pressupostos os utilizados para aferir da respetiva viabilidade. (…). Ora, conformando o caso em análise no âmbito da extensão e mudança da servidão de passagem ou na constituição de uma nova servidão de passagem, podemos adiantar que, a nosso ver, por qualquer uma das vias estão reunidos os pressupostos para a requerida ampliação. No entanto, e salvo o devido respeito, considera-se que não está em causa determinar a extensão da servidão, a qual já vem definida no título constitutivo (como é o caso da presente e que delimita a utilização e extensão às finalidades e sob as estritas medidas ali definidas, afigurando-se-nos inexistiram dúvidas quanto à mesma), nem a sua mudança pelos motivos já expostos. O que está em causa é a constituição de uma nova servidão, independentemente de uma outra já ter sido constituída, pelo que se terá que invocar e provar os pressupostos para a sua constituição, posição que, afigura-se-nos, é a que melhor salvaguarda os interesses em jogo, mormente, o da propriedade privada. Ou seja, pretendendo a ampliação da servidão por forma a que a mesma permita a passagem de tratores e outros veículos para os prédios rústicos dos autores, têm os mesmos que alegar e provar os factos constitutivos de uma nova servidão, independentemente do já alegado, provado e reconhecido quanto à servidão de passagem a pé posto que se desenvolve no prédio identificado em 6. dos factos provados. Prosseguindo, como se disse, existem diversas formas de constituição de uma servidão, uma delas, através da usucapião, outra, por sentença judicial. Quanto a esta última forma de constituição de uma servidão, a servidão legal, o nosso Código Civil determina que «os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos» - artigo 1550.º, n.º 1. Mais dispõe que «de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio» - n.º 2 do citado preceito. Um prédio encravado é aquele que não tem nenhuma comunicação com a via pública (encrave absoluto). No nosso caso, tendo sido constituída uma servidão de passagem nos termos acima refletidos, evidentemente que os prédios dos autores não se encontram numa situação de encrave absoluto, mas poderão integrar-se no caso previsto no n.º 2 daquele artigo 1550.º, ou seja, poderão encontrar-se numa situação de encrave relativo, de comunicação insuficiente com a via pública. Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., p. 637) explicam que este será o caso quando há «uma passagem a pé, por terreno próprio ou por servidão, e a exploração do prédio exigir a passagem de carro». Assim, a lei considera que o prédio se encontra encravado não só quando não tem comunicação direta com a via pública (encrave absoluto), mas também quando «dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais» (sublinhado nosso). Será este o caso dos prédios dos autores ora em discussão? Os autores invocam, em traços gerais, que perante determinados condicionalismos, a servidão de passagem ora reconhecida é insuficiente para a utilização que vêm dado aos prédios em causa ao longo dos anos, havendo a necessidade do seu aumento por forma a que ali passem tratores e outros veículos que os auxiliem na tarefa agrícola. Os autores, nos termos dados como provados, ao longo dos, pelo menos, últimos 40 anos, têm procedido ao granjeio dos seus terrenos transportando os produtos e materiais necessários a pé, pelo dito caminho de servidão. Ultimamente, também se deu como provado, solicitaram a ajuda de terceiro para poderem atravessar o prédio deste com trator e aceder para adubar, estrumar e retirar os frutos que nos mesmos têm produzido. Mais se provou que os autores contam atualmente com mais de 72 anos de idade e que lhes é difícil proceder ao granjeio da vinha (tenha-se em consideração, também a dimensão dos prédios), sem serem auxiliados por tratores, sendo cada vez mais difícil encontrar quem os assista, manualmente, com todas as tarefas que a manutenção destes prédios e a sua frutificação exigem. Ou seja, os autores, salvo nos últimos anos, trabalharam aqueles terrenos aos mesmos acedendo a pé, transportando assim os instrumentos e o produto do seu trabalho. Esta é a utilização normal que ali era dada. As necessidades normais dos prédios estavam colmatadas com a utilização do caminho de servidão já reconhecido. Mas podemos considerar que a utilização de um trator ou veículo semelhante para proceder ao granjeio dos prédios é uma necessidade normal dos mesmos que não se está a conseguir suprir com a servidão de passagem a pé? (…) Aplicando o que se veio de transcrever ao caso ora em análise, o que temos são dois prédios rústicos que, para o seu cultivo e limpeza, possuem um acesso a pé, com 1,20 metros de largura e que, alegam os autores, tem necessidade de acesso alargado para que aqueles trabalhos possam ser realizados com a ajuda de tratores e outros veículos. Não se trata de uma necessidade imprevisível ou anormal. A utilização do trator na atividade agrícola, inserida na revolução tecnológica, representou um importante avanço na produção, conforto e segurança no trabalho. É expectável (veja-se que cada um dos terrenos possui uma área de 1.125 e 2.218 m2) e realista que o acesso pedonal se assoma, nos dias de hoje e perante as circunstâncias do caso concreto que já se deixaram descritas – a idade dos autores e a falta de mão-de-obra para o trabalho agrícola – claramente insuficiente não só perante o contexto de evolução atual, como perante aquilo que os próprios réus proprietários do prédio dominante poderiam prever como necessário para a continuidade dos trabalhos que ali têm sido levados a cabo pelos autores. Tanto assim é que, na falta de alternativa viável, se socorreram da boa-vontade de terceira pessoa para que lhes concedesse acesso com o trator para poderem executar aquelas tarefas. Aliás, arrisca-se a dizer que, sem aquele acesso alargado a servidão perderá a sua utilidade, deixando de se mostrar apta às necessidades de tratamento dos prédios que beneficia. A nosso ver, estão reunidos os pressupostos descritos no artigo 1550.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, para os autores verem reconhecida uma nova servidão legal de passagem que permita o acesso a veículos, sendo que, para o efeito, necessitará, nos termos também dados como provados, de 3 metros de largura.” Podendo a sentença incorrer in error in judicando, os seus fundamentos estão conformes com a decisão proferida e o raciocínio lógico seguido na sentença é perfeitamente perceptível. Acresce que também não é esta ininteligível. A este respeito alegam os recorrentes que “A decisão não fixa como é processado o alargamento, pois como resulta dos documentos juntos e do auto de deslocação ao local, a dita servidão divide o prédio dos RR. em duas parcelas.(…) Sendo que, junto a essa passagem, numa dessas parcelas – que confronta contiguamente com o terreno dos RR. encontra-se um muro visivelmente delineado. (…) Já a outra parcela não detém qualquer muro a delinear, mas contém um poço. (…) Assim sendo, a douta sentença devia ter fixado através de qual das parcelas deveria deve ser feito o alargamento!” Tal como resulta da sentença proferida nos autos, decidiu-se “ampliar a servidão já constituída, com a constituição de uma servidão de passagem a pé posto, com possibilidade de passagem de carros de tracção animal, tractores e outros veículos automóveis e, na mesma direcção em que se encontra a actualmente existente, isto é, sentido plano, ligeiramente descendente, de norte para sul, partindo do caminho público ou Estrada que liga a localidade de ... ao centro de ..., chegando ao prédio dos Autores, com a largura mínima de 300 cm e uma extensão aproximada de dez metros e meio, isto é, até chegar ao prédio dos Autores”. A nova servidão acresce, amplia de facto a já constituída, na mesma direcção em que esta se encontra, estando delimitada. Improcede a apontada nulidade por ininteligibilidade.
b) da nulidade por excesso de pronúncia. Resulta do disposto no artº 615, nº1, d), do C.P.C., que a sentença é nula quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;” Trata-se este de um vício formal que respeita aos limites da sentença e cuja verificação afecta a sua validade. A nulidade prevista neste preceito legal está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” A cominação de nulidade da sentença por alegada infração ao disposto na al. e), do n.º 1, do art. 615 do CPC visa sancionar a infração ao dever que impende sobre o tribunal de, na sua pronúncia, se conter nos limites do pedido (cfr. art. 609 do CPC), constituindo uma decorrência dos princípios da necessidade do pedido (cfr. art. 3, n.º 1, do CPC) e da vinculação do juiz ao pedido (congruência ou correspondência entre decisão e pedido - arts. 608, n.º 2 in fine e 609 do CPC). Destes princípios deriva a imposição ao julgador duma obrigação de, na decisão a proferir, observar aquilo que é o petitório da ação. Como refere ALBERTO DOS REIS[6], «O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, Não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...) Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).» Na definição legal (artº 581, n.º 3, do C.P.C.), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos (artºs 552, alínea d), e 581, n.º 4, 1.ª parte, do C.P.C.), sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir. Acrescenta-se ainda neste Acórdão o seguinte: “Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…”[8] Isto, porque conforme resulta do disposto no artº 5 nº3 do C.P.C., o juiz “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” A este respeito, refere ainda Manuel Tomé Gomes[9], o seguinte “A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídico que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.» Não estando o tribunal limitado pelas alegações das partes no domínio da indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, está conforme. referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[10], “dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio do dispositivo, e o plano do direito, em que a soberania pertence ao juiz, sem prejuízo ainda, no que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever no domínio definido pelo objecto do processo.” Assim, a não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.[11] No caso em apreço, formulavam os AA. o pedido de ampliação da servidão de passagem já existente e constituída por usucapião (alínea c) e a condenação dos RR. a reconhecerem essa ampliação e a permitirem as obras necessárias à ampliação, com fundamento na necessidade de alargamento desta servidão para tratarem da vinha que têm implantada nestes terrenos, mediante o uso de tractores e o facto de não poderem aceder ao seu prédio por outra forma, pois que apenas tem acesso pelo prédio dos RR. identificado na acção. A decisão recorrida pronunciou-se sobre este pedido e julgou-o procedente, sem se afastar do peticionado, quer quantitativamente, quer qualitativamente, na medida em que se peticionava a ampliação da servidão de passagem a favor de um prédio que se alegava estar também encravado, com fundamento na necessidade dessa ampliação. A decisão que ordenou a ampliação, mediante a constituição de uma nova servidão (já não constituída por usucapião), mostra-se ainda inserida no âmbito do peticionado alargamento e do enquadramento jurídico dado a esta causa. Improcede assim a arguição de nulidade por excesso de pronúncia.
c) Da nulidade por prolacção de decisão surpresa.
Vem ainda o recorrente invocar a nulidade por preterição do contraditório prévio à decisão, alegando violação do disposto no artº 3, nº1 e 3 do C.P.C. e prolacção de decisão surpresa, alegando que “o decretamento dessa nova servidão constituiria uma violação do princípio do pedido, constante do art.º 3.º, n.º 1 do CPC. Acresce que, ao ser pedida uma realidade jurídica e fundamentar-se com outra realidade jurídica distinta viola-se esse mesmo princípio. Que está intrinsecamente ligado ao princípio do contraditório.” A este respeito, dispõe o artº 3, nº1 do C.P.C. que o “tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.” Prossegue o seu nº2, que deve ser observado pelo juiz, “ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” É a expressão do princípio constitucional da proibição da indefesa, associado à regra do contraditório, não devendo ser proferida nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferida às partes, a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.[12] Princípio fundamental do nosso sistema jurídico é que seja conferida a possibilidade “a cada uma das partes de ser chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de uma e outra”.[13] Assim o exige o artº 20 da nossa Constituição, ao dispor sobre o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, assegurando a todos o direito a um processo equitativo. Assim o tem entendido a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional, defendendo-se no Acórdão nº 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000), que “O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão n.º 86/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 741 e segs.)]. É que - sublinhou-se no Acórdão n.º 358/98 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n.º 249/97 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Maio de 1997) - o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos". A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão n.º 404/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., pp. 391 e segs.). E, no Acórdão n.º 62/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º vol., pp. 153 e segs.) - depois de se sublinhar que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de direito" - acrescentou-se que, por outro lado, esses princípios constituem "directas emanações do princípio da igualdade". As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "em prazo razoável" e "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do citado artigo 20.º).” Só assim não será se as partes, “agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica”[14]. É o princípio da auto-responsabilização das partes, constituindo decisão surpresa aquela que seja baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, ou que seja proferida sem que as partes tenham tido possibilidade de se pronunciar sobre a concreta questão objecto do litígio e da decisão.[15] A prolacção de decisão sem prévio cumprimento do contraditório, enquadra-se no âmbito do disposto na alínea d) do nº1 do artº 615 do C.P.C., por o juiz ter proferido decisão com preterição de um princípio fundamental, pelo que a sua arguição só pode ocorrer por via do recurso ordinário, nomeadamente por via do recurso da sentença proferida nos autos, conforme já decidido pela ora Relatora em Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, proc.º n.º 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, de 15 de Março de 2018, proferido no proc. nº 23267/17.0T8LSB.L1-6, de 24/02/2019, proferido no proc. nº 577/13.0TNLSB.L1-6 e, nesta Relação, entre outros, nos Acórdãos proferidos em 15/02/2022, Proc. nº 101/21.1T8PCV –C1 e em 13/12/2023, proferido no proc. nº 1526/18.5T8VIS.C1. A doutrina e a jurisprudência são praticamente unânimes a este respeito. A este respeito já Alberto dos Reis[16] referia que «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.» Ainda na doutrina, ABRANTES GERALDES[17], entende que «sempre que o juiz, ao proferir a decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, o meio de reação da parte vencida passa pela interposição de recurso fundado na nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615 nº1 d). Afinal, nesses casos, designadamente quando o juiz aprecie uma determinada questão que traduza uma decisão surpresa, sem respeito pelo princípio do contraditório previsto no art. 3º, nº 3, a parte prejudicada nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual emergente da omissão do acto, não podendo deixar de integrar essa impugnação, de forma imediata no recurso que seja interposto de tal decisão.” Por último, TEIXEIRA DE SOUSA[18], defende, em resposta à questão “uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC?” que “A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.” Recentemente, o nosso Supremo Tribunal em Ac. de 16/12/21[19], veio considerar que “ Encontrando-se a nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (...), o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.” No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 19/10/21[20] no qual se considerou que “as decisões surpresa, conceito que a jurisprudência tem vindo a densificar, são apenas aquelas com que as partes sejam confrontadas, com sentido de novidade relativamente às questões que haviam suscitado, e que não poderiam prever ou antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável. Só quanto a estas, a violação do princípio do contraditório do art. 3º, nº 3 do CPC dá origem não a uma nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC, que determine a anulação da decisão, mas a uma nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, nos termos arts. 615º nº 1, al. d), 666º, n.º 1, e 685º do mesmo diploma.” Por último o Ac do STJ de 13/10/20[21] defende que “A violação do princípio do contraditório do art. 3º, nº 3 do CPC dá origem não a uma nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC, que origina a anulação do acórdão, mas a uma nulidade do próprio acórdão, por excesso de pronúncia, nos termos arts. 615º, nº 1, al. d), 666º, n.º 1, e 685º do mesmo diploma;”. Isto para dizer que, caso a sentença ora recorrida tivesse enquadrado a decisão da causa noutro enquadramento jurídico, substancialmente diverso do invocado pelas partes, sem previamente ter convidado as partes a pronunciar-se, estar-se-ia perante uma sentença nula, por violação do princípio do contraditório. Não é, no entanto, o que ocorre neste caso, pois que a decisão recorrida não se afasta do enquadramento jurídico definido pelas partes. Quer se entenda que é possível proceder ao alargamento de uma servidão constituída por usucapião, quer se entenda que este alargamento constitui uma nova servidão, cujos requisitos já se mostravam invocados nos autos, ainda assim, o enquadramento jurídico não é substancialmente diverso. Com efeito, a existência de uma decisão surpresa pressupõe que o magistrado judicial adoptou solução que não é conforme ao alegado “pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as mesmas terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”[22], por forma a cumprir o imperativo constitucional da proibição da indefesa. Mas já não se pode considerar que uma decisão constitui decisão-surpresa quando a decisão e os seus fundamentos estejam contidos no pedido formulado, na configuração jurídica dada à causa e se situem dentro do abstratamente permitido pela lei, que possa ser admitido como possível e em relação ao qual, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado. Ou seja, só constitui decisão surpresa aquela em que o magistrado efectua uma “qualificação substancialmente inovadora que as partes não pudessem ter considerado”.[23] Não é o caso, tendo em conta que ambos os fundamentos - a existência de uma servidão constituída por usucapião, o encravamento do prédio serviente e a necessidade de ampliação - foram invocados e se integram no pedido formulado e na decisão que foi proferida, no quadro do mesmo instituto jurídico. Improcede a arguição de nulidade da sentença. * Insurgem-se os recorrentes contra a decisão proferida nos autos, intentando: - a reapreciação da matéria de facto provada sob os pontos 5, 12, 13, 18 e 19, requerendo que seja eliminado do ponto 5 o segmento «como erva, maçãs, (…), etc., limpando o mato, estrumando-os, armazenado as alfaias agrícolas e alguns dos produtos no casebre que ali possuem (…).” , do ponto 12, o segmento “ladeada por algumas árvores de fruto também ali plantadas”, do ponto 13 “demais frutos”, do ponto 18 “produtos agrícolas para tratamento da vinha e árvores de fruto como estrumes, pesticidas” e “demais frutos”e, quanto ao 19 “único que possuem» e “lavram, retiram mato, podam as árvores e preparam o terreno para a lavoura do ano seguinte, ininterruptamente” alegando que o que interessa é a utilização que é feita actualmente do prédio, apenas se provou a existência de uma vinha, e a existência de um caminho encerra em si uma conclusão; invocando em abono da sua pretensão os depoimentos das testemunhas OO, PP, do A. EE e, em relação aos pontos 18 e 19 da testemunha II; - a reapreciação da matéria de facto provada sob os pontos 23 e 24, alegando que os depoimentos invocados pela decisão recorrida não são credíveis e que o contrário resulta dos depoimentos das testemunhas OO, PP, QQ, UU, TT, RR, do depoimento de parte de AA, pelo que devem ser estes factos dados como não provados; -a reapreciação do ponto 25, requerendo a eliminação dos segmentos “duas vezes por ano” e “transportarem adubo ou estrume” e “frutos”, com os mesmo fundamentos já referidos para os pontos 5, 12, 13, 18 e 19 e invocando os depoimentos do R. AA e da testemunha II; -a reapreciação do ponto 26 que deve ser dado como não provado, por não ter sido feita prova deste facto, uma vez que não foram ouvidos os proprietários deste terreno; -a reapreciação do ponto 27 que deve ser dado como não provado, por não ter sido feita prova deste facto, uma vez que se baseou apenas no depoimento da testemunha QQ, dele não resulta qualquer alusão à largura do terreno e é meramente conclusivo; -a reapreciação do ponto 34 que deve ser dado como não provado, pois que apenas assenta nas declarações de parte do A. EE e da testemunha QQ sua filha, não sendo suficientes para a prova deste facto; -o facto não provado sob a alínea i) deve passar a provado, por tal resultar do depoimento das testemunhas OO, UU e TT. Decidindo: Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [24] Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC. A saber: - A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; - A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa; - E a decisão alternativa que é pretendida.[25] Nestes termos deste preceito resultam dois ónus principais e um secundário, consistente os primeiros na indicação concreta da matéria de facto impugnada, dos meios de prova que sustentam decisão diversa e da decisão que deveria ter sido tomada; o segundo, “na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC”[26]. O recurso interposto cumpre os ónus impostos por este preceito legal, indicando não só os pontos da matéria de facto impugnados, como a resposta que lhes haveria de ser dada, os concretos meios de prova que sustentam cada um destes factos e ainda, as passagens da gravação em que se funda para ver alteradas as respostas a estes pontos da matéria de facto, de forma perfeitamente perceptível, indicando as passagens da gravação. A testemunha referiu que, não podendo ser utilizado um trator nestes trabalhos, têm que contratar três homens para, por exemplo, transportar a mangueira, sendo muito complicado arranjar pessoas para trabalhar no campo, tudo o que, não só se coaduna com as regras da experiência comum - por força da necessária maior fragilidade que advém com o avanço da idade (ainda que as pessoas tenham preparação física para a realização dos trabalhos agrícolas, face ao grau de exigência física deste tipo de trabalho) e da escassa mão de obra, principalmente no interior do pais, como é o caso -, como é também relatado pelas testemunhas UU e RR, este último agricultor, com experiência na matéria. Por último, impugnam os recorrentes os pontos 27 e 34, alegando, mais uma vez, falta de credibilidade da testemunha SS e, considerando não serem suficientes as declarações de parte para prova destes factos. Quanto à credibilidade do depoimento desta testemunha já nos pronunciamos. Não verificamos, ouvido este depoimento que a testemunha não tenha prestado um depoimento credível e isento. Aliás, como salienta Ana Luísa Geraldes[27] “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”, de que este tribunal já não beneficia. Por outro lado, as declarações de parte não podem ser desvalorizadas por si só. As declarações de parte, estão igualmente sujeitas à livre apreciação do tribunal, conforme dispõe o artº 466 nº3 do C.P.C. Recorde-se que, no âmbito do anterior regime processual civil a parte estava impedida de depor como testemunha e só era admitido o seu depoimento, nos termos previstos no artº 552 do C.P.C., quando se visasse obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente. No entanto, conforme refere PIRES DE SOUSA[28], “a inadmissibilidade da prestação de declarações de parte conduzia – com frequência – a assimetrias no exercício do direito à prova dificilmente compagináveis com o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova. Constitui exemplo paradigmático o julgamento de acidente de viação em que o autor/condutor – por ser formalmente parte - não era ouvido quanto ao relato da dinâmica do acidente enquanto o segurado (e também condutor) da Ré (Seguradora) era sempre arrolado como testemunha. Por outro lado, existem factos integrantes do thema probandum que são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta», factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes». No que tange a este tipo de factos demonstráveis por prova tendencialmente única, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas.». Assim se introduziu no novo Código de Processo Civil as declarações de parte, constando da respectiva exposição de motivos que “Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.” Sendo admitida a prestação de declarações das partes sobre factos pessoais de que tenham conhecimento, a credibilidade destas declarações, sujeitas à livre apreciação do tribunal, deve ser aferida em concreto, em conjunto com outros meios de prova juntos aos autos e efectuando uma análise crítica deste depoimento, sem que o julgador possa desconsiderar estes depoimentos, à partida, por provindos de quem tem interesse na causa, sob pena “de esvaziarmos a utilidade e a potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal”. [29] [30] Ou seja, as declarações da parte, não devem ser desvalorizadas apenas por provir de quem tem interesse na causa, mas devem ser valoradas pelo tribunal nos mesmos moldes que são valorados outros meios de prova, igualmente sujeitos à livre apreciação do julgador: de acordo com regras de experiência, de verosimilhança e por a sua veracidade decorrer do confronto com outros meios de prova. Não se vê em relação ao ponto 27 que os depoimentos prestados não sejam credíveis ou não sustentem estes factos. Em relação ao ponto 34, é este irrelevante para a boa decisão da causa, não devendo o tribunal praticar actos inúteis, pelo que se não conhece desta impugnação. No que se reporta à alínea i), ao contrário do que alegam os recorrentes não ficou provada a existência de um acesso alternativo. Pelo contrário dos depoimentos referidos, o que resultou foi que o A. com autorização da proprietária deste terreno, por ele passar, atravessando um pequeno ribeiro, onde tem de colocar paus e pedras para poder passar quando necessário. Improcede assim a impugnação da matéria de facto, mantendo-se esta conforme fixada pelo tribunal recorrido. * IV-Da verificação dos requisitos legais para ampliação de uma servidão de passagem. A lei distingue entre servidões legais (coactivas) e servidões voluntárias (sendo irrelevante para o regime jurídico aplicável a natureza rústica ou urbana do imóvel), servidões aparentes e não aparentes, servidões positivas e negativas, servidões activas e servidões passivas. Apenas as servidões aparentes podem ser adquiridas por usucapião, conforme resulta do disposto no artº 1548 do C.C., revelando-se estas por sinais visíveis e permanentes e pela posse pública e pacífica, por certo período de tempo, consoante seja de boa ou má fé, conforme o exige o artº 1278 do C.C. A existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião, que beneficia o prédio dos AA., recorridos, não é posta em causa pelos recorrentes, muito menos a configuração que resulta explanada na alínea A, ponto III da decisão recorrida. A questão aqui posta em causa é a possibilidade de ampliação desta servidão, mediante a constituição de uma (nova) servidão que permita a passagem a pé, de carro e tractor, com a configuração que lhe foi dada no ponto IV desta decisão. Entendeu a decisão recorrida que era possível esta ampliação, considerando que apesar de não prevista na lei, o aumento ou ampliação de uma servidão de passagem pode ser enquadrado no âmbito da extensão da servidão e consequente mudança da mesma, sendo os seus requisitos os pressupostos os utilizados para aferir da respetiva viabilidade”, mais considerando que “sem aquele acesso alargado a servidão perderá a sua utilidade, deixando de se mostrar apta às necessidades de tratamento dos prédios que beneficia.” A possibilidade de ampliação de uma servidão de passagem que se revele insuficiente para as utilidades a retirar do prédio dominante, embora não expressamente prevista na lei, tem sido reconhecida ao longo dos anos pela jurisprudência, não só a citada na sentença recorrida, mas também em Acórdão de 13/10/98[33], defendendo que “O proprietário de prédio que não tem comunicação suficiente com a via pública tem a faculdade de exigir a ampliação da servidão de passagem já existente sobre prédios rústicos vizinhos, mesmo no caso de, por virtude de autorização verbal dos respectivos proprietários, ter havido um alargamento do caminho pelo qual se vem exercendo a passagem.” Necessário é que a ampliação desta servidão seja necessária a satisfazer utilidades normais do prédio dominante, que não se mantêm regra geral inalteráveis no tempo. É o caso de uma servidão constituída para passagem a pé por prédio serviente, que se tornou inútil, pela exigência de se aceder a este prédio por tractor, por carro etc. Nestes termos, os proprietários do prédio dominante que pretendem o alargamento da servidão têm de alegar e provar que o acesso concedido é insuficiente às normais utilidades do prédio dominante e que não constitui um agravamento excessivo do encargo imposto ao prédio serviente. Ou seja, conforme refere o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/09/2020[34], “tendo a alteração sido requerida pelos proprietários do prédio dominante, que são os Apelantes, de conformidade com o n.º 3 do referido art.º 1568.º, incumbe-lhes demonstrar as vantagens resultantes da pretendida alteração e a ausência de prejuízo para a proprietária do prédio serviente, a Apelada. Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “admite-se a mudança da servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante. Os pressupostos dessa mudança são simétricos dos fixados no n.º 1 para a hipótese mais vulgar da mudança a pedido do dono do prédio serviente: vantagem para o requerente; nenhum prejuízo (sério, relevante) para o outro interessado” (Ob. Cit., pág. 671).Deve ainda deixar-se referido que a simples comodidade para o requerente não é suficiente para justificar a mudança.” No mesmo sentido, veio o Acórdão desta Relação de 10/05/2011[35] de cujo sumário resulta que “A alegação da matéria que preenche o critério do “menor prejuízo” é constitutiva do direito de estabelecer a servidão sobre certo e determinado prédio, cujo ónus da alegação e prova compete ao autor ( art.342 nº1 CC ).”, invocando ainda outro Acórdão do STJ de 02/12/2020[36], no qual se defende que “É requisito constitutivo do direito potestativo à constituição de uma servidão de passagem a favor de prédio rústico encravado a alegação de factos concretos em relação aos prédios vizinhos – nomeadamente os relacionados com as características, utilização, produtividade, extensão e proximidade com a via pública – que permitam concluir que o prédio por onde se pretende efectivar a passagem é o que, de entre aqueles, o que menos prejuízo sofre com a constituição da servidão”. O facto de existir uma servidão já constituída por usucapião, que permite a passagem a pé, não obsta a este entendimento, em nosso entender, muito menos que teria “de ter há mais de 20 anos as dimensões agora decretadas”, como alegam os recorrentes, pois que então não estaria em causa o alargamento da servidão, mas o reconhecimento de que fora constituída por usucapião, com aquelas dimensões. Necessário é que se alegue e prove os requisitos a que devem obedecer as servidões legais, nomeadamente o encravamento, a necessidade da alteração e que esta alteração por constituição de nova servidão ampliada não constitui um encargo excessivo para o prédio serviente. O requisito de que este prédio esteja absolutamente encravado também não pode ser entendido, como os recorrentes pretendem. Conforme referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[37] “pode dizer-se que a lei considera encravado (para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem) não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona (encrave relativo)”. Concluindo. Porque afinal o que se discute é a necessidade de ser constituída uma servidão de passagem que possibilite a retirada das normais utilidades do prédio serviente, seria necessário alegar e provar os seguintes requisitos: - necessidade de uma servidão ampliada, ou seja que permita a passagem de tractores, para retirar as normais utilidades do prédio dominante; - a ampliação requerida não agrava excessivamente o encargo para o prédio serviente; -o prédio em causa se encontra encravado, no sentido de não ter comunicação ou ter uma comunicação deficiente com a via pública; - o prédio por onde se pretende efectivar a passagem, se existirem outros confinantes, é o que menos prejuízo sofre com a constituição da servidão. É na alegação e prova destes requisitos que a acção claudica. Vejamos. Em relação ao requisito da necessidade, provou-se que, a servidão que já existe, adquirida por usucapião, com passagem pelo prédio dos RR., é utilizada para a passagem dos autores, das pessoas que para eles trabalham ou os visitam, a pé ou com um pequeno motocultivador ou carreta de mão, para transportar os produtos agrícolas para tratamento da vinha e árvores de fruto como estrumes, pesticidas, para se laborar na referida vinha nos vários trabalhos necessários ao longo do ano e, após, para trazer as uvas e demais frutos dos prédios identificados em 1. e 3. até à estrada. Mais se provou nos pontos 22 a 24 que os AA. fruto da sua idade, têm cada vez mais dificuldade em proceder ao granjeio da vinha sem serem auxiliados por tratores, porquanto não têm força para transportarem carretas e motocultivadores e procederem ao granjeio da mesma de forma manual e que não encontram com facilidade, nos dias de hoje, pessoas que queiram trabalhar na agricultura, de forma manual, cavando, sachando, semeando ou usando motocultivadores manuais durante várias horas seguidas. Estes factos, em nosso entender, não preenchem este critério de absoluta necessidade, com o fim de retirar as normais utilidades do prédio dominante, correspondendo antes a um critério de maior comodidade, tendo em conta a idade dos AA., que sempre exploraram a vinha da forma descrita no ponto 19 e 20. Quanto ao critério do menor prejuízo para o prédio serviente nada é alegado. Não existe qualquer facto que nos permita considerar que no equilíbrio que deve existir entre os interesses dos AA. de melhor explorarem esta vinha e os interesses dos RR. se justifica sujeitar estes a uma servidão que permita a passagem de tractores, com 3 mts de largura e que o caminho em causa é o que menos prejudica o prédio serviente. Por último, não se verifica o requisito do prédio encravado. Denote-se que o que se deu como provado no ponto 19 é que é através do caminho delimitado pelo prédio dos RR., único que possuem, que, ano após ano, colheita após colheita, os autores lavram, retiram mato, podam as árvores e preparam o terreno para a lavoura do ano seguinte, ininterruptamente. Mas, não resulta de ponto algum que não existe qualquer outro acesso, nomeadamente pelos tais prédios referidos no ponto 25. Resulta destes factos que de há uns anos para cá, os autores solicitaram ajuda a terceiras pessoas, que têm prédios que confinam com a estrada e com os seus prédios, mais a sul, que lhes permitiram entrar nos prédios, duas vezes por ano, uma para transportarem adubo ou estrume e outra para retirarem as uvas e frutos. Caberia pois aos AA., alegar que de entre todos os prédios confinantes, porque em causa não está o mero reconhecimento de uma servidão constituída por usucapião, este, o prédio dos RR. é o único possível, ou é o que sofre menor prejuízo. Procede assim o recurso, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se os RR. dos pedidos formulados nas alíneas C) e D).
*
DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em considerar procedente o recurso interposto e em consequência revogam a decisão recorrida, na parte em que julgou procedentes os pedidos formulados pelos AA. na acção principal, nas alíneas c) e d) (alínea A. pontos IV e V da decisão), absolvendo os RR. destes pedidos.
* Custas na acção principal por AA. e RR. na proporção do decaimento que se fixa em 60% para os primeiros e 40% para os segundos. Custas do recurso pelos apelados (artº 527 nº1 do C.P.C.).
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, relator Gilberto Jorge, proc. nº 91/09. [34] Proferido no proc. 65/17.6T8MLG.G1, de que foi relator Fernando Fernandes Freitas, disponível para consulta em www.dgsi.pt. |